MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO: A CONTRIBUIÇÃO DO CIENTISTA DA RELIGIÃO NO DEBATE SOBRE A INCLUSÃO DAS AFRICANIDADES NO ENSINO BRASILEIRO

June 13, 2017 | Autor: Bas' Ilele Malomalo | Categoria: População Negra
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MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO: A CONTRIBUIÇÃO DO CIENTISTA DA RELIGIÃO NO DEBATE SOBRE A INCLUSÃO DAS AFRICANIDADES NO ENSINO BRASILEIRO1. Bas´Ilele Malomalo2

Resumo A Lei 10.369/2003 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações ÉtnicoRaciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana inauguram uma nova página na história da democracia e da construção de uma educação multicultural no Brasil. Esse trabalho pretende refletir sobre a contribuição do cientista da religião no debate da inclusão das africanidades religiosas no currículo nacional. Palavras-chaves: Ciência da Religião, Multiculturalismo, Educação

Title Multiculturalism and Education: The contribution of the religion scientist to the debate over the inclusion of africanities at the Brazilian educational system.

Abstract The law 10.369/2003 and the curricular national standards for the education of the ethnical and racial relations and for the teaching of the African and Afro-Brazilian History and Culture, inaugurate a new page at the history of democracy and the construction of a multicultural education in Brazil. This work aims to reflect over the contribution of the religion scientist to the debate over the inclusion of africanities at the Brazilian educational system. Keywords: Religion Science, Multiculturalism, Education

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Texto publicado em: MALOMALO, Bas´Ilele. Multiculturalismo e educação: a contribuição do cientista da religião no debate sobre a inclusão das africanidades no ensino brasileiro. In: Religião & Cultura: Ensino religioso no Brasil: Balanço, desafios, perspectivas, vol VI, n. 11, p. 107-122, jan/jun. 2007. 2 Bas´Ilele Malomalo, nascido na República Democrática do Congo, é Filosofo, Teólogo, Mestre em Ciências da religião – Área concentração Ciência sociais, e Doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia pela Unesp; pesquisador do Centro de Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra da UNESP (CLADIN) e Secretário Diretor Geral do IDDAB – Instituto do Desenvolvimento da Diáspora Negra no Brasil.

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Introdução

A Lei 10.639/20033, que estabeleceu o ensino obrigatório da História e Cultura AfroBrasileira e Africana, abriu uma nova página na história da educação e da construção da democracia no Brasil4. As “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana”5 que acompanharam essa lei explicitam melhor essa nossa observação.

A obrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana nos currículos da Educação Básica trata-se de decisão política, com fortes repercussões pedagógicas, inclusive na formação de professores. Com esta medida, reconhece-se que, além de garantir vagas para negros nos bancos escolares, é preciso valorizar devidamente a história e cultura de seu povo, buscando reparar danos, que se repetem há cinco séculos, à sua identidade e a seus direitos. A relevância do estudo de temas decorrentes da história e cultura afro-brasileira e africana não se restringe à população negra, ao contrário, diz respeito a todos os brasileiros, uma vez que devem educar-se enquanto cidadãos atuantes no selo de uma sociedade multicultural e pluriétnica, capazes de construir uma nação democrática6.

Uma dessas novas páginas é o início da construção de uma educação multicultural que há de levar em conta a contribuição do negro na formação da identidade nacional. Consciente de que uma lei só se efetiva através de ações, o movimento negro se tem mobilizado para a publicação de material didático e para a formação de professores sobre a temática étnico-racial conforme a referida lei e diretrizes. 3

BRASIL, Lei No 10.639/2003. In: Diretrizes curriculares nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, p. 35. Daqui para adiante será identificado como Lei 10.639/2003. 4

BRASIL, Pluralidade Cultural. In: Parâmetros curriculares nacionais: terceiro e quarto ciclos: apresentação dos temas transversais/Secretaria da educação Fundamental, p. 117-160. 5

BRASIL, Diretrizes curriculares nacionais para Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana, pp. 5-33. Daqui para adiante será identificado como Diretrizes. 6

Diretrizes, p. 17.

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Temos participado intensamente nesse processo da construção da educação multicultural tanto como cientista da religião, isto é, como filósofo, teólogo e sociólogo de formação, e como educador popular ligado a essas organizações sociais do movimento negro de São Paulo: o Centro Atabaque Cultura Negra e Teologia e o Nupe, Núcleo Negro da Unesp para Pesquisa e Extensão. Ambas são grupos de pesquisas e formações com forte ligação com a população afrobrasileira. São elos acadêmicos do movimento negro contemporâneo. Através da primeira organização, em 2005, participamos da publicação do livro “Nossas Raízes Africanas”7 e do Programa de Formação de Agentes Multiplicadores da Pastoral Afro (PROFAMPA), que foi um programa de formação sobre a temática étnico-racial para os educadores populares ligados às Igrejas cristãs8. Pelo segundo grupo, participamos, no mesmo ano, do “Programa São Paulo Educando pela Diferença para Igualdade” que visava a formação de professores da rede do ensino estadual realizado pelos pesquisadores das temáticas negras da UNESP e da UFScar em parceria com a Secretaria de Estado da Educação de São Paulo9. Observamos duas coisas importantes nessas duas experiências de formação de educadores. Primeiro: há uma grande receptividade da proposta de formação pelo multiculturalismo a partir das africanidades negras. A diferença entre os dois programas é que, a proposta pedagógica do Centro Atabaque além de incorporar conteúdos “profanos”, tem discutido também os temas religiosos, as religiosidades negras africanas e afro-brasileiras. Essa realidade já no segundo programa quase foi inexistente. O ponto comum entre os dois programas

7

V. C. de SOUSA JUNIOR, Nossas raízes africanas, 2004.

8

O Grupo de pesquisa Identidade do Instituto Superior da Igreja Luterana no Brasil e os Agentes Pastoral Negros (APNs) do Rio Grande do Sul foram parceiros. 9

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÂO – SÂO PAULO. Programa São Paulo Educando pela diferença para a igualdade. São Paulo, 2005 (Apostila Modulo II).

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é que, entre seus organizadores e os monitores ou pesquisadores-professores, reconheceu-se a importância de se introduzir a temática religiosa no debate sobre a educação das relações raciais. Podemos falar, então, do segundo ponto. Como cientista da religião, temos aproveitado desses espaços formativos para introduzir um debate sobre as religiões negras com intuito de levar os formandos-professores a uma reflexão no que diz respeito a uma educação multicultural. As práticas, os saberes africanos e afro-brasileiros ligados ao campo religioso, os mitos de criação, as espiritualidades, as teologias, as formas de organizações religiosas dos africanos e de seus descendentes que temos trabalhado, sempre em religação com a sua cultura religiosa predominantemente cristã ocidental, têm trazido resultados surpreendentes: a participação e a grande vontade de se mudar a situação de discriminação no qual a maioria de negros se encontra. A religião se tem apresentado, nessas circunstâncias, como um instrumento de desconstrução das práticas discriminatórias e de construção de um novo agir social fundamentado no princípio do reconhecimento das diferenças e de promoção da igualdade entre as pessoas, de sexo, raças, condições sociais e religiões diferentes que buscam construir o Brasil como nação10. Essa também é a nossa convicção: a religião é um campo fértil para se discutir a questão da cidadania multicultural. A nossa modesta hipótese, portanto, é essa: o cientista da religião é um dos profissionais habilitados para contribuir de maneira competente no debate que diz respeito à construção de uma nação brasileira democrática. O debate sobre o multiculturalismo e a educação iniciado, no Brasil, pelo movimento negro, e que vem sendo consolidando com a publicação da Lei 10.639/2003, é um terreno fértil onde esse cientista do sagrado poderia desempenhar dignamente o seu papel político educador. A elasticidade do seu objeto de estudo, a religião, e o pluralismo teórico-metodológico do seu campo de conhecimento se apresentam para ele como armas simbólicas plausíveis para uma intervenção eficaz e eficiente nesse debate 10

O. IANNI, A idéia de Brasil moderno, pp. 177-180.

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republicano. Em todo caso, o profissional da religião há de contribuir de duas formas nesse debate: lutando, de um lado, pela introdução das africanidades religiosas ou religiosidades africanas no curricular nacional, e de outro lado, pela inclusão de uma pedagogia de caráter multicultural e transdisciplinar. O argumento que explicita essa nossa hipótese se articula em torno de três pontos. O primeiro define o profissional da religião tratado nesse artigo a partir da realidade do seu oficio de cientista. O segundo analisa a questões do ensino das africanidades, dos saberes africanos e afro-brasileiros tomando a discussão da educação das relaçoes raciais, tal como apresentada pelas Diretrizes, como pano de fundo. O terceiro apresenta os elementos sugerido pelas diretrizes para o ensino das africanidades e busca tecer um breve comentário sobre a intervenção política pedagogica do cientista da religião nesse debate sobre o multiculturalismo e educação no Brasil.

1. Ofício do cientista da religião Cientista da religião, que cientista é esse? Bourdieu, Chamboredon e Passeron, ao escrever sobre le métier de sociologue¸ queriam não somente refletir sobre as bases epistemológicas da disciplina da sociologia, mas de todo campo das ciências sociais11. O nosso objetivo, nessa parte, é de compreender o oficio do cientista da religião a partir de dentro, isto é, a partir da problemática da construção e conquista do seu objeto e da empregabilidade de seus métodos de estudo. Portanto, entre tantas outras disciplinas que compoem o campo das ciências da religião, como a teologia, a história, a filosofia, a psicologia, nos interessa as ciências sociais, especificamente a sociologia da religião. Por isso falaremos do cientista social da religião ou do

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P. BOURDIEU; J-C. CHAMBOREDON; J-C. PASSARON, Le métier de sociologue, 1983.

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cientista da religião em geral, e do sociologo da religião de modo específico, para nos referir ao profissional que se ocupa do fato social. Como qualquer cientista, a vocação do cientista social da religião é, como falam os filósofos, atingir a verdade. Interpretar o social, os fatos sociais com objetividade cientifíca. Assim, Bourdieu e seus companheiros12 acham que o oficio do cientista social, especialmente do sociólogo, consiste em transformar os fatos banais da realidade cotidiana em realidades sociológicas. Para isso, conforme os mesmo autores, é preciso classificar o objeto ou os objetos de estudos em termos de campos. A aplicação dos conceitos científicos a essas realidades sociais banais faz com que as disciplinas adquirem o sentido científico conforme seus “pontos de vista”, o olhar científico da realidade social.

Sendo cada disciplina portadora de teorias construídas

pelos seus agentes científicos para a interpretação da realidade social. Portanto, são as teorias, os conceitos, os métodos que constituem o ponto de vista específico das disciplinas de ciências sociais ou humanas na abordagem de seus objetos de análise. O cientista da religião é um cientista social, um profissional, que tem a ciência como ofício. Quer dizer é uma pessoa comum treinada para usar dos instrumentos e das técnicas científicas para interpretar o mundo. Com Edgar Morin, diríamos que o seu campo de investigação é a “cultura das humanidades” que busca explicar a “condição humana” 13, o significado da vida. De modo especial, o seu objeto de estudo é o “fenômeno religioso”. Para Filorama e Prandi, o específico do fato religioso é a sua autonomia relativa14. Quer dizer, a sua capacidade de se relacionar com outros campos que formam a “condição humana”: a mente, a 12 13

14

Ibidem.. E. MORIN, Complexidade e transdisciplinaridade: A reforma da universidade e do ensino fundamental, 1999.

G. FILORAMA; C. PRANDI, As ciencias das religiões, 1999.

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sociedade, a cultura, a economia, a política etc. Essa elasticidade da religião é que confere ao seu campo do conhecimento, as ciências da religião, o estatuto multidisciplinar. Dessa forma, cabe falar do cientista da religião no “plural”. Quer dizer, este representa, portanto, todos os profissionais formados no campo das ciências da religião, nos cursos de graduação ou pós-graduação com especializações em suas áreas de concentração e área afins, tais como a teologia, a história, a literatura, a geografia, a economia, a lingüística, a psicologia, a sociologia, a antropologia, a sociologia, a ciência política, a lingüística. De outro lado, falarmos dele no singular, no sentido específico de cada disciplina, por exemplo, do sociólogo, do filósofo da religião ou do teólogo. O cientista da religião de quem se trata aqui, diríamos como Edgar Morin, é por vocação um profissional “transdisciplinar”: um estudioso da religião que trabalha com os princípios de “religação” de saberes, da cultura científica e da cultura das humanidades 15; que incorpora o princípio da “complexidade” na interpretação do fato religioso. Esse princípio não está longe daqueles que regem a filosofia da educação multicultural chamada por Boaventura Sousa de Santos de “hermenêutica diatópica”16: a interpretação da vida por uma cultura determinada em diálogo com outras culturas. No caso desse nosso trabalho, entendemos que o cientista da religião “diatópico”, é aquele cientista social, que apesar de ser formado numa disciplina determinada das ciências sociais ou humanas, busca incessantemente interpretar o fato sócio-religioso para além de sua cultura social e acadêmica, da sua tradição mundana e teórica. Apesar das limitações de suas condições antropológicas que lhe condicionam como ser humano e pesquisador, esse cientista se distingue pela sua determinação de construir pontes, estabelecer religações interculturais e transdisciplinares na interpretação do fato religioso. Citaremos os 15

Ibidem.

16

B. de S. SANTOS, Introdução: as tensões da modernidade ocidental. In: _____ (Org.), Reconhecer para libertar, pp. 443-458.

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estudiosos, como Cheik Anta Diop, Bimweni Kweshi, Jean Marc Ela, Lenardo Boff, Ivone Gebara, Rubem Alves, Roger Bastide, Boaventura de Sousa Santos, Edgar Morin, Pierre Bourdieu, Marx Weber, Karl Marx, Émile Durkheim, como aqueles cientistas que fizeram e fazem parte dessa tradição da hermenêutica diatópica. Na perspectiva dos estudos das relações raciais, aplicar esse princípio dialógico significa analisar os bens culturais religiosos africanos e afro-brasileiros em diálogo com outras culturas que formam a identidade nacional brasileira com intuito de educar pela democracia cidadã e multicultural17. É nesse contexto que emerge e se pode entender o papel político educativo do cientista da religião.

2. Africanidades negras como campo de construção da educação multicultural O desenvolvimento do papel político do cientista da religião no campo da educação multicultural passa pelo entendimento mínimo dos estudos das relações raciais por este profissional, sobretudo quando nunca tinha entrado em contato com esses estudos. O que estes revelam na realidade brasileira é a existência de um tratamento diferenciado entre os agentes negros e brancos. No espaço de sala de aula, os alunos negros são vítimas de uma violência simbólica do racismo, preconceito e discriminação, o que, em grande parte, compromete não somente o seu rendimento escolar, mas todo processo da construção da sua identidade e à realização de sua cidadania plena. Para os cientistas das relações raciais e do multiculturalismo, as desigualdades existentes entre negros e brancos na escola não encontram a sua justificativa somente nas diferenças econômicas desses alunos, mas também e de maneira incisiva, no racismo

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P. GOERGEN, Pós-modernidade, ética e educação, 2001.

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que se manifestas nos conteúdos dos livros didáticos e na postura discriminatória dos professores e alunos não negros18. Para superar essa situação da negação da cidadania dos negros nas escolas, os ativistas do movimento negro e os estudiosos das relações raciais têm sugerido debates públicos em torno do multiculturalismo e da educação19. A Lei 10.639, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” e os programas de formações de professores citados acima são exemplos concretos de uma das conquistas desses agentes negros na sua luta pelo reconhecimento dos direitos da população negra no campo da educação. Como reivindicações fazem parte da luta pelo multiculturalismo no campo da educação20. Mas o que entendemos por multiculturalismo? Boaventura de Sousa Santos e João Arriscado Nunes reconhecem que o “multiculturalismo” é um conceito contestado, assim é preciso exorcizá-lo antes de qualquer uso. Para se sair do malentendimento, esse autor adota a definição do “multiculturalismo emancipatório”21. Stuart Hall compartilha essa concepção e faz essas distinções: Multicultural é um termo qualificativo. Descreve as características sociais e os problemas de governabilidade apresentados por qualquer sociedade na qual diferentes comunidades culturais convivem e tentam construir uma vida em comum, ao mesmo tempo em que retêm algo de sua identidade “original”. Em contrapartida, o termo “multiculturalismo” é substantivo. Refere-se às estratégias e políticas adotadas para governar ou administrar problemas de diversidade e multiplicidade gerados pelas sociedades multiculturais 22. 18

SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÂO – SÂO PAULO. Programa São Paulo Educando pela diferença para a igualdade. São Paulo, 2005 (Apostila Modulo II). 19

TERCEIRO SEMINÁRIO RELAÇOES RACIAIS E EDUCAÇÃO : Saberes, Políticas e Perspectivas, 03 a 07 de novembro de 2003; SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE, pp. 205-229. 20

L. A . GONÇALVES; P. B. G. e SILVA, O Jogo das diferenças: o multiculturalismo e seus contextos, 2001. B. de S. SANTOS; J. A . NUNES, Introdução: para ampliar o cânone do reconhecimento, da diferença e da igualdade. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.), Reconhecer para libertar, pp. 25-66 21

22

S. HALL, Da diáspora : Identidade e Mediações culturais, p. 52.

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Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva reconhecem que o multiculturalismo na educação brasileira é um jogo de negociação das diferenças23. Portanto, negociações e construções da cidadania plena dos negros. É nessa mesma perspectiva que, na sua luta pela educação multicultural, os intelectuais negros têm adotado duas formas de estratégias nesses últimos tempos: a transformação do currículo nacional que é hegemonicamente branco e a luta pela inserção de uma nova pedagogia de inclusão ou uma pedagogia multicultural. O que está em jogo em todo isso é o que Morin tem chamado de “reforma do ensino educacional” 24, isto é, a reforma da escola que passa pela reforma do pensamento e da pedagogia. Para tanto Morin cogita uma nova missão para a educação cidadã: “A missão desse ensino é transmitir não mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre”25. A liberdade é o longo sonho que tem caracterizado as lutas dos movimentos negros, na África e nas diásporas negras americanas, pelo estabelecimento de uma nação multicultural e democrática26. A teologia da libertação tem muito a nos ensinar nesse sentido, e a teologia da libertação negra muito mais. A esses ingredientes teológicos sobre a liberdade e libertação, o cientista da religião, sobretudo o sociólogo, tem que acrescentar outros elementos. Assim, com o economista Amartya Sen há de interpretar a liberdade como um caminho para o desenvolvimento social, político, econômico e cultural 27.

23

L. A . GONÇALVES; P. G. e SILVA, Op.cit.

24

E. MORIN, A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento, 2001.

25

E. MORIN, Complexidade e transdisciplinaridade: A reforma da universidade e do ensino fundamental, 1999.

26

M. PAIXÂO, Manifesto anti-racista: idéias em prol de uma utopia chamada Brasil, pp. 11-12.

27

Cf. A. SEN, Desenvolvimento como liberdade, 2000.

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A educação desempenha um papel fundamental no processo da libertação do negro. Tendo em conta o contexto brasileiro, Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva pensa que a realização de uma educação multicultural no país começaria pela “aprendizagem e ensino das africanidades brasileiras” na formação dos professores e dos alunos. Mas o que significa africanidades brasileiras?

Ao dizer africanidades brasileiras estamos nos referindo às raízes da cultura brasileira que têm origens africanas. Dizendo de outra forma, estamos, de um lado, nos referindo aos modos de ser, de viver, de organizar suas lutas, próprios dos negros brasileiros, e de outro lado, às marcas de cultura africana que, independentemente da origem étnica de cada brasileiro, fazem parte do seu dia-a-dia28.

Nas “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana” cuja professora Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva foi relatora, pode-se dizer que as “africanidades” se relacionam aos saberes, às produções culturais e sociais que os africanos e seus descendentes vêm produzindo desde o surgimento do homem nos territórios dos seus ancestrais e a formação das diásporas negras. Sendo assim, nós entendemos que o desenvolvimento do papel educador político do cientista da religião não se limita somente na análise das “africanidades brasileiras”, mas também as manifestações culturais e históricas dos povos africanos ligados ao campo da religião, as “as africanidades” tout court. Desse modo, cabe-nos de introduzir o outro conceito, o das “africanidades negras” para falar dessas duas manifestações culturais; dos “saberes afrobrasileiros” para designar as culturas afro-brasileiras e dos “saberes africanos” para designar especificamente as produções culturais dos povos africanos.

28

P. B. G e SILVA, Aprendizagem e ensino das africanidades. In: MUNANGA, Kabengele (Org.). Superando o racismo na escola, p. 155.

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Nesse sentido, o lugar reservado por Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva para o ensino das africanidades afro-brasileiras vale também para os saberes africanos:

No âmbito escolar e acadêmico, as Africanidades Brasileiras constituem-se no campo de estudos, logo, tanto podem ser organizados enquanto disciplina curricular, programa de estudo abrangendo diferentes disciplinas, como a de investigações. Em qualquer caso, caracterizam-se pela interrelação entre diferentes áreas de conhecimentos, que toma como perspectiva a cultura e a história dos povos africanos e dos descendentes seus nas Américas, como em outros continentes29.

Nesse sentido, os conteúdos e as metodologias que devem ser empregados para o estudo e ensino das africanidades negras estão relacionados às suas respectivas disciplinas. Numa palavra, o seu estudo requer uma abordagem multidisciplinar e seu ensino uma modalidade transdisciplinar. Nesse sentido acreditamos que o cientista da religião por ser um profissional treinado numa pedagogia, nos conteúdos e métodos multidisciplinares, poderia se sair melhor no ensino das africanidades negras. O exercício do seu papel político na educação nacional passa por essa tomada de consciência das vantagens que lhe oferece o seu campo de estudo.

3. Intervenção do cientista da religião no ensino brasileiro O cientista da religião tem um papel fundamental a desempenhar na construção de uma educação multicultural no país. O seu diálogo com o campo dos estudos das relações raciais e do multiculturalismo é o primeiro passo nessa direção. O outro passo é estabelecer o que ele deve fazer no âmbito de ensino das africanidades religiosas. A sua tarefa seria analisar os fenômenos religiosos negros presentes nas disciplinas que estudam as culturas negras, os saberes africanos e afro-brasileiros. Tomando em conta os contextos de produção desses conhecimentos, o que ele há de investigar são as idéias, as visões do mundo, as linguagens que os Estudos Africanos e os

29

P. B. G. e SILVA, art. citado, p. 161.

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Estudos Afro-Brasileiros vêm produzindo em relação à cultura e história africanas e afrobrasileiras. Os Estudos Afro-Brasileiros tendem sempre a iniciar suas investigações tomando como ponto de partida o contexto africano por causa da sua relação histórica sem, todavia, perder de vista sobre suas peculiaridades históricas, suas “situações históricas”30; as invenções e criações da cultura africana na diáspora31. Portanto, querer pensar as “africanidades religiosas” requer do investigador da religião uma visão heurística diatópica que busca religar a pré-história africana à história dos últimos descendentes do “homo sapiens” nos territórios africanos32 e de seus descendentes dispersos nas diásporas americanas. O procedimento metodológico da complexidade de Morin se impõe nesse sentido como instrumento científico indispensável para esse cientista do sagrado, que além do uso plausível do recorte histórico que deve fazer, é convidado a bem tratar dos acontecimentos sociais segundo a sua relevância histórica. O que Weber dizia referente ao sociólogo, diz respeito também a qualquer cientista dos bens religiosos independentemente de sua especialidade: “A conceituação da sociologia encontra seu material [...] nas realidades da ação consideradas também relevantes do ponto de visto da história [...] com isso, pode prestar um serviço à imputação causal histórica dos fenômenos culturalmente importantes”33. A caça do material, para a identificação e a construção das africanidades religiosas como objeto de pesquisa e de ensino da parte do cientista da religião, de modo especial do sociólogo, não se limita ao diálogo que há de estabelecer entre a sociologia e a história, mas implica também

30

A. GRAMSCI, Cadernos do cárcere : Maquiavel. Notas sobre o Estado e a política, 2000.

31

C. MOURA, Dialética radical do negro no Brasil, 1994 ; S. Hall, A identidade cultural na pós-modernidade, 2004.

32

J. KI-ZERBO, História geral da África: metodologia e pré-história da África, p. 157-218.

33

M. WEBER, Economia e sociedade: Fundamento da sociologia compreensiva, 2004.

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uma aproximação com outras disciplinas do campo das ciências humanas e das ciências da natureza. Até porque, no entendimento da Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva, que é também o no nosso, os conteúdos a serem discutidos embarcam todas as disciplinas que compõem o currículo nacional: História, Antropologia, Geografia, Sociologia, Matemática, Ciências, Psicologia, Educação física, Educação Musical, Arte Plástica34, acrescentaremos o Ensino religioso, a Filosofia e a Teologia. Como se pode observar a complexidade temática do Ensino da História e Cultura AfroBrasileira e Africana requer ao mesmo tempo uma abordagem multidisciplinar e um ensino transdisciplinar. As Diretrizes retratam em linhas gerais os conteúdos que deveriam fazer parte do currículo nacional. Essas Diretrizes dividem esses conteúdos em quatro partes. A primeira reúne os temas relacionados à História Afro-Brasileira, a segunda à História Africana, a terceira à Cultura Afro-Brasileira e a quarta à Cultura Africana. Caberá ao cientista da religião ressaltar os elementos relevantes ligados ao seu campo de estudo, mostrando sobretudo aqueles que detêm o poder simbólico eficiente e suficiente35 no processo da construção democrática de uma educação multicultural brasileira; a educação que valoriza as diferenças e luta pela igualdade racial. Por uma questão metodológica, a seguir, procederemos na apresentação das orientações dos conteúdos do ensino das africanidades negras sugeridos pelas referidas diretrizes. Em seguida, faremos alguns comentários relativos à intervenção do cientista da religião. Gostaríamos de dizer que se trata somente de breves comentários e não de estudos detalhados. Estes dizem respeito, de modo particular, às ciências sociais, a sociologia, disciplina que é o nosso oficio na atualidade. O que não impede que outros cientistas da religião, teólogos, historiadores, filósofos 34

P. B. G. e SILVA, art. citado, pp. 161-169.

35

Cf. P. BOURDIEU, O poder simbólico., 2002; P. BOURDIEU; J-C PASSERON, A Reprodução: elementos para uma teoria do sistema de ensino, 1975.

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possam se servir também deles. Começamos pela primeira parte das diretrizes, a História AfroBrasileira.

O ensino de História Afro-Brasileira abrangerá, entre outros conteúdos, iniciativas e organizações negras, incluindo a história dos quilombos, a começar pelo Palmares, e de remanescentes de quilombos, que têm contribuído para o desenvolvimento de comunidades, bairros, localidades, municípios, regiões (exemplos: associações negras recreativas, culturais, educativas, culturais, educativas, artísticas, de assistência, de pesquisa, irmandades religiosas, grupos do Movimento Negro). Será dado o destaque a acontecimentos e realizações próprios de cada região e localidade36.

Datas significativas para cada região e localidade serão devidamente assinaladas. O 13 de maio, Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo, será tratado como o dia de denúncia das repercussões das políticas de eliminação física e simbólica da população afrobrasileira na pós-abolição, e de divulgação dos significados da Lei Áurea para os negros. No 20 de novembro será celebrado o Dia nacional da Consciência Negra, entendendo-se consciência negra nos termos explicitados anteriormente nesse parecer. Entre outras datas de significado histórico e político deverá ser assinalado o 21 de março, Dia Internacional de Luta pela Eliminação da Discriminação Racial 37.

Em relação à História Afro-Brasileira, o cientista da religião pode intervir de maneira relevante analisando as organizações religiosas negras no tempo colonial, após-abolição e em nossos tempos. Um dos pressupostos teórico-metodológico é de evitar o “dualismo filosófico ocidental” que separa o profano do sagrado38, assumindo a “complexidade” como instrumento de análise das organizações religiosas e de seus ritos profanos39 como elementos indispensáveis para apreender a História dos afro-brasileiros como uma história de resistência40 que constrói o multiculturalismo emancipatório e a educação cidadã brasileiros a partir de “protestos de rua”41. 36

Diretrizes, p. 20.

37

Diretrizes, p. 21. B. de SANTOS, art. citado.

38

39

C. RIVIÈRE, Os ritos profano, 1997.

40

C. MOURA, Op.cit.

41

L. A. GONÇALVES; P. B. G e Silva, Multiculturalismo e educação: do protesto de rua a propostas e políticas. In : Educação e pesquisa, pp. 109-123.

15

Dessa forma, há a possibilidade de se estudar o ativismo religioso das organizações religiosas negras na transformação da sociedade brasileira e construção do poder simbólico negro, da sua identidade étnica42.

A segunda parte das diretrizes fala sobre a História da África:

Em História da África, tratada em perspectiva positiva, não só de denúncia da miséria e discriminações que atingem o continente, nos tópicos pertinentes se fará articuladamente com a história dos afrodescendentes no Brasil e serão abordados temas relativos – ao papel dos anciãos e dos griots como guardiões da memória histórica; - à história da ancestralidade e religiosidade africana; - aos núbios e aos egípcios, como civilizações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento da humanidade; - às civilizações e organizações políticas pré-coloniais, como os reinos do Mali, do Congo e do Zimbabwe; - ao trafico e à escravidão do ponto de vista dos escravizados; - ao papel de europeus, de asiáticos e também de africanos no trafico; - à ocupação colonial na perspectiva dos africanos; - às lutas pela independência política dos paises africanos; - ás ações prol da união africana em nossos diais, bem como o papel da União Africana, para tanto; - às relações entre as culturas e as histórias dos povos do continente africano e os da diáspora; - à formação compulsória da diáspora, vida e existência cultural e histórica dos africanos e seus descendentes fora da África; - à diversidade da diáspora, hoje, nas Américas, Caribe, Europa e Ásia; - aos acordos políticos, econômicos, educacionais e culturais entre África, Brasil e outros países da diáspora43.

As Diretrizes recomendam que se estuda a História dos africanos e de seus descedentes numa perspectiva dialógica, sempre em diálogo com outras histórias da humanidades, sobretudo de suas diásporas. Não só isto. O negro deve ser estudado, como afirma o sociólogo Guerreiro Ramos, “a partir de dentro” como sujeito da história e não como um mero objeto44. Como educador, o cientista do sagrado há de assumir a postura do afro-optimismo e não o seu contrário que tem prevalecido até então, o afro-pessimismo. Outra grande novidade que trará para o ensino multicultural é o resgate das civilizações africanas e de seus heróis mostrando a ligação que

42 43

44

B. MALOMALO, Poder simbólico alternativo e a identidade étnica no Brasil, 2005. Diretrizes, pp. 21-22. G. RAMOS, Introdução crítica à sociologia brasileira., 1995.

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aquelas e estes têm com o mundo do sagrado45. A beleza, a estética negra, os saberes negros devem ser apresentados de maneira positiva sem nenhuma ideologia etnocêntrica. Nem o eurocentrismo, nem o afrocentrismo deve prevalecer. Pois cada “ismo” mata o espírito científico. Somente a africanidade, como saber aberto deve guiar o seu espírito. A historiografia africana é um aliado indispensável nesse empreendimento, sobretudo a corrente da egiptologia realizada pelos estudiosos como Cheik Anta Diop, Théophile Obenga e companhia. É uma corrente cientifica multidisciplinar e transdisciplinar que aborda o negro a partir de dentro e na lógica da complexidade e do diálogo46. Já a terceira parte das Diretrizes dá dicas sobre Cultura Afro-Brasileira: “O ensino de Cultura Afro-Brasileira destacará o jeito de ser, viver e pensar manifestado tanto no dia-a-dia, quanto em celebrações como congadas, moçambiques, ensaio, maracatus, rodas de samba, entre outros”47. Em relação aos elementos culturais afro-brasileiros, o cientista da religião poderia desvendar as “religações” existentes entre a religiosidade negra com a poesia, a literatura afrobrasileiras, a capoeira, música negra, o rapp, o maracatu, por exemplo.

Enfim, a última parte das Diretrizes fala da Cultura Africana:

O ensino da Cultura Africana abrangerá: - as contribuições do Egito para a ciência e filosofia ocidentais; - as universidades africanas de Timbuktu, Gao, Djene que floresceram no século XVI; - as tecnologias de agricultura, de beneficiamento de cultivos, de mineração e de edificações trazidas pelos escravizados, bem como a

45

CENTRE D´ÉTUDES DES RELIGIONS AFRICAINES, Religions Africaines et projet de socété. In : Cahier des Religions Africaines, p. 23-28. 46

C. A . DIOP, Origem dos antigos egípcios. In: G. Mokhtar (Org.). História Geral da África, A África antiga, 1983; Th. OBENGA, Fontes e técnicas especificas da historiografia da África Panorama Geral. In: KI-ZERBO, Joseph. História geral da África: metodologia e pré-história da África, 1982, p. 91-104; Egiptologia. Disponível em : http ://www.ankhonline.com.. 47

Diretrizes, p. 22.

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produção cientifica, artística (arte plástica, literatura, musica, dança, teatro), política, na atualidade48.

Apesar das influências do fenômeno da globalização, do hibridismo nas culturas, pode-se dizer que tanto as culturas africanas como a cultura afro-brasileira continuam conservando umas de suas características “genéticas”, que definem suas identidades: a sua ligação com o mundo do sagrado49.

O cientista social da religião pode confirma a veracidade ou a falsidade dessa

afirmação no quadro de seus estudos. Temos a certeza que não lhe será difícil mostrar a lógica “conservadora” da cultura africana, mesmo nesse nosso período da alta modernidade, isto é, o modo como essa cultura continua conservando a sua visão cósmica, a “religação” entre o mundo invisível, do sagrado, dos antepassados e o mundo do visível, do profano, até os dias de hoje. A economia, a arte, a política, a sexualidade só podem ser compreendidas na África se levar-se em conta essa visão cósmica do mundo do mundo africano em que o sagrado e o profano coexistem50. Não será também uma tarefa difícil ao cientista da religião comprovar a lógica dialógica presente nessa cultura, isto é, a sua capacidade, elasticidade em dialogar com o diferente, as culturas ocidentais, orientais por exemplo. Essa visão cósmica da realidade faz também parte do imaginário religioso dos afrobrasileiros que freqüentam as religiões de orixás e que ocupam os territórios urbanos e rurais, os quilombos. A preservação da cosmovisão africana nesses grupos é devida à sua “resistência” à

48

Ibidem.

49

M. C. FAIK-NZUJI, La puissance du sacré; l´homme, la nature et l´art en Afrique, 1993.

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CENTRE D´ÉTUDES DES RELIGIONS AFRICAINES, Religions Africaines et projet de socété. In : Cahier des Religions Africaines, p. 23-28.

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dominação da cultura ocidental. O estudo comparativo das “Religiões Africanas no Brasil”51, nesse sentido, desempenharia um papel fundamental para o ensino multicultural e das relações interétnicas nas salas de aulas52. Dito em outras palavras, a arte, a música, a poesia, os mitos, o corpo, os territórios, a história ligados, vistas como religiosidades negras ou africanidades religiosas se apresentam como “bens culturais”, objetos de análise, cujo cientista da religião poderia apreender os sentidos, os significados que dizem respeito à “condição humana” para se iniciar uma discussão em torno da educação multicultural para negros e brancos no Brasil. É nesse sentido é que pensamos que o ensino religioso poderia servir de espaço para a construção de uma sociedade democrática onde o mito da democracia racial não funciona somente como um mero instrumento da dominação da elite brasileira.

Conclusão Com Petronilha Beatriz Gonçalves e Silva pode-se concluir dizendo que a aprendizagem e o ensino das africanidades fazem parte de uma pedagogia anti-racista que têm como exigências:  Diálogo, em que seres distintos miram-se e procedem a intercâmbios, sem sentimentos de superioridades ou inferioridades, isto é, estabelecem um diálogo intercultural ou multicultural emancipatório na perspectiva de Santos (2003).  A reconstrução do discurso e da ação pedagógica, no sentido de que participem do processo de resistência dos grupos e de classes postos à margem, bem como contribuam para a formação da sua identidade e de sua cidadania; 51

R. BASITIDE, As religiões Africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpretações de civilizações, 1989. 52

TERCEIRO SEMINÁRIO RELAÇOES RACIAIS E EDUCAÇÃO : Saberes, Políticas e Perspectivas, 03 a 07 de novembro de 2003; SECRETARIA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA, ALFABETIZAÇÃO E DIVERSIDADE, pp. 205-229.

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 e estudos da recriação das diferentes raízes da cultura brasileira, que nos encontros e desencontros de umas com as outras se refizeram e, hoje, não são mais gêges, nagôs, bantus, portugueses, japoneses, italianas, alemãs; mas brasileiras de origem africana, européia, asiática53. A tomada de consciência da parte do cientista da religião da sua identidade no cenário das ciências das humanidades e o uso político dessas é o primeiro passo para se discutir o alcance da contribuição desse profissional sobre o debate em torno da educação multicultural. O segundo passo será de estabelecer um diálogo com os estudos das relações raciais, sobretudo o campo das ciências da educação, sociologia, filosofia da educação e a pedagogia. Só dessa forma, incorporando as exigências de uma pedagogia anti-racista é que ele poderia intervir na construção de uma educação democrática tendo as africanidades religiosas negras como objetos científicos e armas políticas.

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