Multiculturalismo e representação política: Uma discussão a partir de Will Kymlicka

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Multiculturalismo e representação política: Uma discussão a partir de Will Kymlicka

Willber Nascimento1 Recife, Dezembro, 2014

Resumo O objetivo desse trabalho é apresentar uma introdução acerca do multiculturalismo com base nas respostas dos seguintes questionamentos: (1) quais seriam as principais mudanças político-institucionais necessárias para uma garantia de cidadania multicultural nos países democráticos atuais na abordagem de Kymlicka? (2) Quais são as principais reformas para garantir o direito de voz e representação de grupos em democracias atuais, bem como alguns dos problemas relacionados a essas reformas? Palavras-Chave: Multiculturalismo; Cidadania Multicultural; Representação Política; Will Kymlicka.

Abstract The aim of this paper is to present an introduction about multiculturalism based on the answers of the following questions: (1) what are the main political and institutional changes needed to guarantee a multicultural citizenship in today's democratic countries in the Kymlicka approach? (2) What are the key reforms to ensure the right to voice and representation of groups in modern democracies, as well as some of the problems related to these reforms? Keywords: Multiculturalism; Multicultural Citizenship; Political representation; Will Kymlicka.

The “challenge of multiculturalism” is to accommodate these national and ethnic differences in a stable and morally defensible way. Will Kymlicka

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Email: [email protected].

Introdução Cada vez mais os países têm si visto multiculturais. Isso tem demandado enorme esforço político e intelectual sobre a maneira adequada de lidar com a complexidade desses relacionamentos. Esse ensaio busca apresentar a perspectiva de reforma institucional discutida por Kymlicka em Multicultural Citzenship: A theory of minority rights (1995). Para tanto, esse trabalho foi organizado do seguinte modo: na primeira seção apresentamos o multiculturalismo na perspectiva de Kymlicka e seus principais objetivos no livro; em segundo lugar apresentamos o modelo institucional discutido por Kymlicka focalizando as reformas do sistema representativo, um terceiro tópico discute algumas limitações do alcance das reformas eleitorais para resolução dos problemas de sub-representação propondo a incorporação de remédios que promovam o reconhecimento dos grupos específicos e, por fim, tecemos nossas considerações finais. Esse trabalho tem como objetivo responder aos seguintes questionamentos: (1) quais seriam as principais mudanças político-institucionais necessárias para o inicio de uma garantia de cidadania multicultural nos países democráticos atuais segundo a abordagem de Kymlicka? (2) Quais são as principais reformas para garantir o direito de voz e representação de grupos em democracias atuais, bem como alguns dos problemas relacionados a essas reformas?

O panorama: uma teoria liberal do multiculturalismo O multiculturalismo está associado com muitas pautas. Entre elas estão a política do reconhecimento, a política da identidade, a política da diferença, entre outros (SONG, 2014). Parte dos objetivos dessa corrente de pensamento é eliminar a desvalorização de grupos específicos dentro de uma determinada sociedade através da desconstrução de padrões sociais de discriminação ou não reconhecimento. Esses assuntos são de natureza tanto econômica quanto política e social.

Durante muito tempo liberais defendiam que não seria necessário direitos diferenciados para minorias, na medida em que existindo os direitos e liberdades básicas tais minorias seriam protegidas como efeito marginal desse pressuposto. Um exemplo desse fato foi dado na resolução dos conflitos religiosos, onde se garantiu liberdade religiosa e Estado laico. Esse tipo lei baseado num principio amplo garantiu a proteção à multiplicidade de religiões sem a necessidade de criação de direitos para grupos específicos. Segundo Kymlicka o que une os liberais acerca desse tipo de questão é o de que eles não aceitam a ideia de uma “permanente” diferenciação de direitos para grupos específicos, isso porque alguns deles concordam com políticas afirmativas com tempo determinado. Kymlicka afirma que os liberais opõe-se a ideia de se constitucionalizar direitos à minorias étnicas ou grupos nacionais. Isso porque parte dos liberais acreditam que esses problemas podem ser combatidos sob a bandeira ampla dos direitos humanos. O grande problema é que a grande maioria dos problemas atuais em países multiculturais, nem de longe, podem ser resolvidos por padrões de direitos humanos. A título de esclarecimento (1) qual linguagem deveria ser reconhecida em instituições publicas? (2) Quais grupos deveriam ter sua educação formal em língua materna? (3) Os distritos deveriam ser redesenhados para que minorias fossem representadas na esfera política legislativa? (4) Deveriam ser cedidos direitos políticos de autogoverno às minorias? Segundo Kymlicka, os padrões de direitos não respondem a essas questões e muitas outras relacionadas a esse problema. Para ele, o que tem acontecido é que minorias culturais tem sido alvos constantes de injustiças em relação à maioria e aos conflitos étnicos. Portanto, para Kymlicka é necessário uma teoria dos direitos da minoria ao invés de princípios de direitos humanos. Exemplos de diversos conflitos por autonomia local, novos limites de representação política, língua oficial, tem tornado essa necessidade premente, principalmente na Europa, mas é uma tendência em termos de todos os países democráticos. A resolução desses conflitos, segundo o autor, necessariamente passa pela efetivação dos direitos de

minorias. Isso requer a manutenção de direitos amplos seguida de direitos de grupo diferenciados. Contudo, no cerne do liberalismo existe o argumento de que direitos coletivos andam em conflito com os direitos individuais. Kymlicka argumenta que deve-se atentar para o fato de que existem dois tipos de direitos coletivos nesse contexto. O primeiro dele são os direitos de “restrições internas”. Enquanto que o segundo é intitulado de “restrições externas”. No primeiro caso, esses direitos dizem respeito ao direito que um determinado grupo possui ou exige a autoridade de restringir as liberdades de membros individuais na intenção de fortalecer a solidariedade do grupo. No segundo caso, o das restrições externas, a intenção de grupos minoritários é limitar o poder político e econômico que uma maioria possa exercer sobre ela. Segundo Kymlicka os direitos de restrições externas podem ser adequadamente alinhados aos princípios liberais, enquanto que os primeiros não. Desse modo, Kymlicka acredita que essa limitação do relacionamento entre direitos individuais e coletivos pode ser superado levando em conta que os princípios de restrições externas não estão em conflito com os direitos individuas.

Direitos diferenciados de grupo: Mudanças Institucionais necessárias Essa seção descreve os principais aspectos de mudança institucional de atribuição de direitos diferenciados de grupos na perspectiva de Will Kymlicka. As reivindicações de minorias vêm sendo alvo, cada vez mais, de acordos em democracias e todo mundo. De modo geral essas reivindicações são referenciadas como “direitos diferenciados de grupo”. Dentre eles, Kymlicka apresenta os seguintes: (1) direitos de autogoverno; (2) direitos poli-étnicos e (3) direitos de representação especial. Abaixo os discutimos e focaremos nos direitos de representação política.

Os direitos diferenciados vêm à tona pela percepção de que para a proteção da diversidade cultural os direitos e liberdades básicas de cidadania não são suficientes. Segundo Kymlicka, é necessário um status de cidadania diferenciada pelo fato de que algumas formas de diferença de grupos para existir dependem necessariamente de certos direitos específicos de grupo. Esses direitos dizem respeito à necessidade de acomodação das diferenças. O direito de autogoverno é reivindicado normalmente em estados multinacionais. Esse tipo de reivindicação requer autonomia e ou jurisdição territorial. Além disso, a justificativa desse tipo de pedido faz referencia ao processo histórico de dominação política pelo quais muitos povos passaram numa incorporação involuntária. Isso acaba por restringir o desenvolvimento da autonomia desses grupos. Formas de atender a esse princípio são: (1) federalismo que estabelece um compartilhamento de poder entre a “união” (governo central) e os estados (governos subnacionais)2. Uma grande dificuldade para a proteção da diversidade a partir do federalismo é que as diferenças culturais não são constitucionalizadas. Deve-se deixar claro que autogoverno é normalmente uma forma de devolução de poder para minorias que foram privados dele por incorporação forçada. Direitos poli-étnicos são, por sua vez, um pouco diferentes na medida em que faz mais referências a imigrantes e grupos etnicamente diferentes e que hoje eles passam a desafiar o modelo padrão de que é necessário o abandono todas as suas particularidades culturais em um novo país. Então em primeiro lugar, eles exigem que possam expressar suas particularidades sem sofrer prejuízos por parte da maioria. Por outro lado, como se entendem que essas minorias foram privadas de sua importância para a construção dessas sociedades se passa a exigir mudanças no currículo educacional, no intuito de reconhecer a historia e as contribuições dessas minorias (KYMLICKA, 1995). Esse tipo de direito tende a patrocinar atividades culturais de minorias com fundos públicos. Isso porque os fundos públicos para patrocínio desse tipo de O processo de estabelecimento da federalização pode criar limites geográficos que incorporem as minorias reivindicantes. Isso por sua vez não é possível quando as minorias possuem uma distribuição espacial não concentrada.

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atividade padece um viés seletivo sério que normalmente alija minorias culturais em favor de um padrão derivado da cultura européia. Nesses casos de direitos poliétnicos um dos que mais vem sendo exigidos é o do idioma utilizado nas escolas. Minorias têm exigido que em suas escolas as aulas sejam proferidas em seu idioma materno. Além disso, existe a luta a favor de isenção de leis que coloca minorias culturais e religiosas em desvantagem tais como o uso do véu por meninas Mulçumanss na França, a yarmulka pelos Judeus no serviço militar nos Estados Unidos, entre outros. Direitos de representação especial têm sido cada vez mais requeridos em democracias ocidentais. Esse tipo de reivindicação não parte somente de minorias étnicas, mas também de grupos não étnicos. Todos eles partem da premissa de que o sistema não é representativo no sentido substantivo do termo, na medida em que a lei não proíbe que eles participem do processo político, no entanto, são sempre sub-representados. Atualmente tem existido uma multiplicidade de formas de tentar sanar esse tipo de problema, abaixo discutiremos as principais delas discutidas por Kymlicka como apropriadas ao modelo liberal. Aumentar a inclusividade nos partidos políticos é uma das primeiras formas de aumentar a proporcionalidade da diversidade cultural no poder político. Esse tipo de reforma visa tornar o processo mais inclusivo para mulheres e minorias étnicas dentro da estrutura de competição política. Desse modo, objetiva-se que mais mulheres e ou pessoas de grupos minoritários sejam lideres partidários, candidatos, ministros, entre outros3. Do ponto de vista do sistema eleitoral, devese a proporcionalidade tende a melhorar a representação de grupos minoritários no legislativo. Uma mudança mais proativa é a de reserva de assentos para grupos marginalizados. O que baseia esse tipo de direito é o argumento de existem barreiras sociais que impedem que os interesses desses grupos sejam verdadeiramente representados. Desse modo, a garantia de assentos é uma

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Um exemplo disso é a lei de cota para gênero no Brasil - Lei 9.504/97.

reforma um tanto mais importante do que somente dá o direito de competição política a esses grupos. Afinal de contas quem possui uma imagem socialmente depreciada conta com barreiras suficientes para impedir a efetividade de candidaturas4. A seguir lidamos mais especificamente acerca das reformas visando maximizar a representação política.

A representação política Essa seção discute as principais mudanças no modelo institucional representativo visando maximizar a voz de grupos marginalizados socialmente. Dentro desse quadro, surge o problema de que nem todas as minorias podem ser categorizadas como minorias nacionais ou grupos étnicos. Isso contribui para a indeterminação dos remédios para solução de conflitos que se tornam cada vez mais complexos. A resolução desses conflitos devem primariamente partir das instituições políticas, requerendo, segundo Kymlicka, uma dose de “boa fé” e negociações dentro da política democrática. Disso demanda-se que não apenas existam direitos diferenciados de grupo, mas que se possa ter voz dentro da esfera de tomada de decisão. A necessidade disso é o princípio de representação adequada dos interesses desses grupos específicos através da participação de seus membros nas esferas decisórias. O que se exige, portanto, são os direitos políticos através dos direitos de cidadania comum para que seja possível que os interesses das minorias sejam realmente levados em conta. Esse é um principio liberal clássico. Como bem observou John Stuart Mill, nenhum interesse será mais bem protegido ou guardado do que pelos “interessados”. Os direitos políticos, como já salientado, por si só não são capazes de garantir a acomodação das diferenças. Muitas das maiores desvantagem de minorias em democracias atuais não são por discriminações legais. As reformas precisam de fato não ser conformistas para falar como Nancy Fraser. Elas precisam Deve-se deixar claro, contudo, que direitos de representação especial não andam junto com direitos de autogoverno.

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eliminar a diferenciação negativa e fortalecer a acomodação da diferença de maneira satisfatória. Para isso é necessário “dar voz as minorias” (Kymlicka, 1995). Essas mudanças devem ser levadas em contas não só em termos das minorias. Por exemplo, além de diferenças étnicas, minorias nacionais e discriminação racial, mulheres tendem a ser maioria demograficamente em muitos países, mas são sub-representadas nas arenas de tomada de decisão. Para tanto, são necessárias reformas que garantam que os interesses desse grupo possam ser levados em conta. Do ponto de vista das reformas institucionais, visando aumentar a representação política desses grupos, existe quadro de pontos de partida que já se pode contar. Em primeiro lugar, Kymlicka destaca a redefinição dos distritos eleitorais buscando estabelecer os seus limites com base na distribuição do grupo alvo da política. Para o autor isso garantiria que existisse uma tendência de eleger pessoas pertencentes às minorias inseridas naquele distrito especifico. No caso de grupos muito dispersos geograficamente esse mecanismo perde um pouco de seu potencial. Uma outra maneira de tentar maximizar a diversidade social em termos de representação política é garantir uma quantidade de assentos para membros de determinados grupos. Isso porque, independentemente do mecanismo eleitoral algumas vagas já seriam de posse de grupo marginalizados socialmente. Esse debate vem sendo travado em grande parte das democracias ocidentais. Kymlicka salienta que existem aqueles que advogam que a inclusão poderia ser alcançada sem necessariamente ser necessário garantir assentos a priori. Estes defendem que bastam mudanças na estrutura partidária, na distribuição dos recursos para as campanhas, bem como no modelo de financiamento. Mudanças nessa estrutura em benéficos de grupos excluídos poderiam ser melhores do que reformas constitucionais que garantissem assentos a esses grupos. A adoção de um modelo de representação proporcional também é algo adequado para aumentar a inclusividade do regime democrático. Esse tipo de reforma tem sido bastante utilizado nas democracias contemporâneas. Esse tipo de

sistema prevê que os grupos sociais podem ser representados proporcionalmente a sua quantidade de votos para os cargos legislativos proporcionando maior representatividade ao sistema. Kymlicka acredita que esse modelo é mais visível e accountable. Ele permite se saiba de onde parte a discriminação. Por fim, ainda existem as reformas chamadas de “representação de grupo”. Essas reformas tendem a ser menos bem vista por partes dos liberais. Para esses, essa seria a última opção. Kymlicka, ao contrário, defende que não só podem existir definição de distritos baseados em territorialidade como também a definição de distritos que agrupem grupos sociais que encontram-se espalhados por todo o país. Segundo ele, essa sempre foi a prática comum nas democracias atuais, desenhar distritos que beneficiavam grupos específicos. Já que a prática era válida para marginalizar grupos, por que não pode ser utilizada para aumentar a sensitividade do sistema aos interesses das minorias? A justificativa de uma representação de grupo não pode ser ancorada nesse tipo de argumento. Deve-se atentar para a própria idéia de representação. Do debate resulta-se que as características dos representantes são importantes do ponto de vista da representação de interesses. Assumindo que garantir que um semelhante (cor, classe, religião, etc.) seja eleito deve ser melhor para promover os interesses de grupos específicos. No entanto, esse discurso não parece claro do ponto de vista dos conflitos entre mirror representation e accountability. Por diversas razões não se pode provar que membros de um grupo não possam entender e representar membros de outros grupos. A resolução desse tipo é extremamente complicada e não existem fórmulas prontas. Kymlicka defende que é necessária a criação de uma cultura política em que pessoas são capazes e tem vontade de se colocar no lugar de outras pessoas, entendendo suas necessidades e interesses5.

No fim das contas, os direitos de representação de grupos são uma extensão do próprio processo democrático representativo. Desse modo, segundo Kymlicka é necessário uma representação de grupo quando se busca superar um sistema de desvantagem sistemática sobre um determinado grupo e ou quando algum grupo possua uma demanda por autogoverno.

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A titulo de discussão Essa seção traz à discussão alguns problemas relacionados às mudanças no mecanismo eleitoral e de representação discutidos acima sugerindo que não existe um modelo perfeito, que normalmente existem questões que devem ser entendidas como tradeoffs e que algumas mudanças no mecanismo representativo devem vir acompanhadas de políticas de reconhecimento. Kymlicka apresenta essas multiplicidades de reformas na tentativa de mostrar que representação de grupos não tem nenhum componente antiliberal e ou antidemocrático. Neste ensaio, focamos as reformas institucionais que se propõe aumentar a representatividade de grupos que sofrerem desvantagens no processo de tomada de decisão democrática. Como bem salientou o autor, essas reformas

vêm sendo tomadas

em muitas

das

democracias

ocidentais

contemporâneas. Há, no entanto, dois questionamentos que são necessários serem feitos acerca de um dos componentes mais importantes do debate sobre representação, a saber, o “interesse”. Tanto na teoria quanto na prática política a “questão” do interesse está presente, mas ele é pouco operacionalizável na perspectiva de melhorar a sub-representação de grupos sociais nas esferas da tomada de decisão. Disso decorrem problemas operacionais para os modelos institucionais adotados. A sub-representação de gênero, por exemplo, é algo que Kymlicka traz ao debate como um problema que precisa ser resolvido nas democracias contemporâneas. Mulheres são a maioria da população e mesmo assim continuam pouco

representadas

nas

esferas

de

poder.

Kymlicka

aborda,

muito

inteligentemente, o fato de que não é necessariamente correto achar que um representante, com o mesmo perfil social do eleitor, possa representar melhor os interesses desse mesmo eleitor partido-se da premissa de que por pertencer ao mesmo grupo social ele entende melhor esses interesses do que alguém de outro grupo social. Mas ele não questiona se de fato existe um “interesse” claro de gênero. Em outras palavras, que existe uma agenda em termos de preferências comuns defendidas pelas mulheres e que demande uma presença feminina nos órgãos legislativos.

Isso pode parecer trivial, mas não é. Não se pode derivar que o fato da subrepresentação seja diretamente um problema de não representação de interesses. Deve-se ao menos se questionar se existe um “interesse” comum aos membros pertencentes ao grupo em questão. O outro problema deriva-se desse. É o de que garantir pessoas do mesmo grupo social na esfera da tomada de decisão não garante que os interesses de grupo sejam defendidos por eles. Esse é um problema clássico na teoria da representação política. Quando você delega sua autoridade à representantes eleitos você não pode obrigá-lo a cumprir suas promessas. De fato, aquele representante da minoria pode fazer tudo, menos buscar promover os interesses desses grupos. E isso pode-se tornar mais problemático quando os interesses desses grupos são pouco claros. Esses problemas de ordem mais conceitual afetam diretamente os resultados dos modelos institucionais propostos para buscar solucionar os problemas de subrepresentação. Garantia de assentos, por exemplo, pode-se tornar facilmente a garantia de uma pequena elite dentro de minorias culturais. Essa é uma discussão clássica em teoria política. E essa elite, talvez, buscasse promover mais seus próprios interesses do que os de seu grupo. Um outro problema de ordem operacional decorre do fato de que o sistema eleitoral de representação proporcional tem consigo alguns outros problemas de representatividade. Como bem salientou Kymlicka, o sistema proporcional tende a aumentar a representatividade da diversidade cultural. Por isso esse sistema tende a ser adotado em países que possuem diversas clivagens. No entanto, ele acredita que esse tipo de sistema pode ser accountable. Essa perspectiva, em parte, é errônea. A representação proporcional é tipicamente um sistema onde os distritos possuem magnitude maior do que 2. Ou seja, são eleitos mais do que dois representantes por distrito. Isso do ponto de vista da representação é ótimo. Por outro lado, do ponto de vista da accountability é extremamente complexo. Isso porque ele tende a escurecer o processo de responsabilização direta. Num distrito onde são eleitos muitos parlamentares o controle eleitoral tende a ser muito baixo. Isso porque fica bastante indefinido quem não esta

cumprindo o “dever” de representar aquele grupo quando você tem vários parlamentares eleitos pelo mesmo distrito. Alia-se o fato de que o candidato em quem um eleitor votou não ganhou, mas mesmo assim existem vários outros eleitos, mas que o eleitor pode não associar o seu voto a nenhum deles, mesmo que os votos sejam contados pela legenda. O fato que desejo alertar é o de que quando você escolhe garantir maior representatividade optando por um sistema proporcional, você não pode exigir que esse sistema garanta possibilidades claras de responsabilização direta. Você da margem para que representantes desviem-se da função de representar os interesses de seus grupos visto que é mais difícil para o eleitor acompanhar, por exemplo, dez deputados ao invés de um. Para esses problemas listados acima, eu acredito que se poderiam adotar medidas institucionais para tentar sancioná-los. Eu utilizei primeiramente o argumento de que deve-se perguntar se de fato existe um interesse de grupo formado. É inegável que do ponto de vista do gênero existem uma gama de problemas que afetam a capacidade de desenvolvimento da autonomia das mulheres. Portanto, reformar somente as instituições eleitorais não permitiria diretamente a resolução desses problemas pelos fatos que citei logo acima. Nesse caso especifico, é necessária uma política de reconhecimento aliada às reformas políticas. Uma política de reconhecimento tenderia a formatar uma agenda de preferências para esse tipo de grupo tão heterogêneo que é o de mulheres. Nesse sentido, a reforma política atua, por um lado, aumentando a presença de mulheres na arena decisória e, por outro lado, uma política de reconhecimento tenderia a tornar claros os problemas que afetam as capacidades das mulheres. O efeito disso seria um grupo mais informado que poderia controlar mais facilmente os seus representantes. Para os problemas resultantes do sistema proporcional pouco pode ser feito. Se não se conseguir desenhar distritos formados por grupos específicos, a

resolução do problema da accountability não será sanado tão facilmente6. Ainda precisamos entender isso como um tradeoff: sistema proporcional permite maior representatividade da diversidade social e sistemas majoritários maior responsabilização. Do ponto de vista da cidadania multicultural, é melhor perder mais accountability em favor de maior presença de grupos socialmente marginalizados nas esferas de poder.

Considerações Finais O objetivo de Kymlicka nesse livro foi o de defender uma perspectiva de multiculturalismo ancorada na teoria liberal. Dentro desse quadro ele defende o argumento de que os grupos minoritários precisam de “direitos de grupo diferenciados” e que isso não é antiliberal ou antidemocrático, mas um prosseguimento dessas políticas. As reformas discutidas por ele no livro são reformas importantes para a maior parte das democracias atuais que precisam lidar com a complexidade social existente dentro de suas fronteiras geográficas. A forma de lidar com essa pluralidade não deve ser mais a assimilação forçada. Para Kymlicka deve ser adotada a perspectiva de garantias de direitos que possibilitem a acomodação das diferenças. A complexidade do fenômeno, porém, impede a utilização de qualquer fórmula pronta. Deve-se atacar por reformas institucionais de larga escala para que permita que as minorias possuam status de cidadania igual às maiorias, em outras palavras, uma cidadania multicultural. Além disso, é necessário que reformas institucionais venham carregadas de políticas de reconhecimento e que a sociedade possa ser mais suscetível de entender os interesses e necessidades dos outros.

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Como apresentado por Kymlicka, o caso dos “Maori” é representativo dessa perspectiva.

Referências Bibliográficas KYMLICKA, Will. Multicultural Citizenship: A Liberal Theory of Minority Rights. Oxford: Clarendon Press; New York: Oxford University Press, 1995. SONG, Sarah. "Multiculturalism", The Stanford Encyclopedia of Philosophy (Spring 2014 Edition), Edward N. Zalta (ed.), URL = .

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