Muralismo Mexicano: Particularidades de um Movimento

June 16, 2017 | Autor: Graziela Forte | Categoria: Historia del Arte, Muralismo, Arte E Política, Muralismo Latinoamericano
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Muralismo Mexicano: Particularidades de um Movimento Artístico
Por: Graziela Naclério Forte

Resumo

Nesse artigo vamos analisar a polêmica Siqueiros e Rivera (1934-1935) como o resultado de disputas no campo pessoal, político e artístico entre os dois grandes nomes do Muralismo Mexicano. Essa questão particular, onde ambos se questionam e o tempo todo repensam criticamente sobre suas produções e atividades políticas dentro do movimento, evidencia as possibilidades e limitações deles dentro do projeto cultural nacionalista do Estado.

Palavras-chave: Muralismo Mexicano, Arte e Política, Vanguarda Mexicana.

Abstract

The article presents Siqueiros and Rivera (1934-1935) controversy as a result of personal, political and artistic disputes between the two greatest Mexican Mural Painters. This particular issue, where both are rethinking critically about their productions and political activities, shows them the possibilities and limitations inside the cultural national project of the State.

Keywords: Mexican Muralism, Art and Politics, Mexican Vanguard.

Muralismo Mexicano: Particularidades de um Movimento Artístico

O debate entre Diego Rivera e David Alfaro Siqueiros, os dois maiores representantes do muralismo mexicano, deu-se entre 1934 e 1935, período que eles assumiram posições políticas diferentes.
No início do movimento, ainda nos anos 1920, eram aliados. Ambos os artistas militaram politicamente juntos, dividindo-se entre a arte e a política. Ao entrarem para o Partido Comunista Mexicano (PCM), em fins de 1922, quase de imediato se converteram em líderes, ao serem eleitos para o comitê executivo, na convenção de 1923. Participaram da organização de sindicatos operários e do jornal El Machete, órgão oficial do Sindicato dos Pintores e Escultores, desde setembro de 1924, e assim, tiveram acesso às demais instituições de trabalhadores e comunidades agrárias.
David Alfaro ocupou, ainda, postos relevantes como o de secretário geral da Federação Mineira, representou os trabalhadores do México no IV Congresso da Internacional Sindical de Moscou (1927) e participou como delegado no Congresso Sindical de Montevidéu. Comunista convicto, stalinista, seguidor da III Internacional, deixou de pintar por um período de cinco anos (entre 1925 e 1930) para se dedicar com exclusividade às atividades sindicais.
Rivera pediu afastamento do PCM, em 1925, sendo readmitido no ano seguinte e em novembro passou a fazer parte do Comitê Executivo que criou a Liga Nacional Camponesa (funcionou até 1929), ocasião em que foi formada a Confederação Sindical Unitária do México (CSUM), dirigida por Siqueiros e Valentín Campa Salazar. Fez parte da delegação mexicana de Ajuda Vermelha Internacional da Liga de Camponeses (1927), foi convidado para ir a Moscou na época da celebração do X Aniversário da Revolução de Outubro; participou da Liga Antimperialista das Américas (LAA) e do Comitê Mãos Fora da Nicarágua junto com Júlio Antonio Mella. Além disso, usou de sua influência no governo mexicano para libertar da perseguição vários membros do PCM, tirou da prisão colegas marxistas e esteve em marchas e protestos.
A primeira desavença entre eles (Siqueiros e Rivera) deu-se em 1924. Dois anos antes, os pintores Geraldo Murillo, Roberto Montenegro e Xavier Guerrero foram contratados para executar murais no edifício que no passado abrigara o convento de São Pedro e São Paulo. Juntaram-se ao grupo Rivera, Siqueiros e José Clemente Orozco, que passaram a encabeçar o projeto e logo ficaram conhecidos como os três grandes. No entanto, eles precisavam de ajudantes para preencher os imensos desenhos que rabiscavam nas paredes, por isso, trabalhavam com vários outros pintores, dando, assim, a característica de um "fazer coletivo".
A maneira liberal de José Vasconcelos administrar a educação e a arte, através do ministério, acabou por desagradar ao governo, que cada vez mais centralizava poder. Devido às divergências com o presidente Plutarco Elías Calles (1924-1928), sucessor de Álvaro Obregón (1920-1924), o ministro acabou se demitindo e em seu lugar assumiu o médico Puig Casauranc (1888-1939). A nova direção passou a defender a ideia de que a pintura mural não deveria ser instrumento para educar a população. Além disso, pressionava os pintores, alegando que se eles continuassem publicando o jornal El Machete com a mesma diretriz política de atacar sistematicamente o governo, deveriam ter os contratos suspensos.
Como os participantes do grupo não atenderam à solicitação do novo ministro, todos foram obrigados a deixar os pátios da Escola Nacional Preparatória de São Ildefonso (Prepa) e os corredores da Secretaria de Educação Pública (SEP).
No entanto, Diego Rivera foi o único a recuar em sua posição, aceitando as exigências de Puig e, assim, pôde permanecer pintando. Ao optar por sua arte, teve de pedir afastamento do PCM e, consequentemente, foi expulso do Sindicato de Pintores. Nessa fase, suas obras anunciavam o nascimento de uma justiça revolucionária e a volta dos trabalhadores ao campo, libertos pelos livros (conhecimento) e pelos fuzis (Revolução). A temática adotada refere-se à história do México e às raízes indígenas da população, à chegada dos espanhóis e à independência, razões do sentir nacional.
As críticas contra Rivera se intensificaram em 1929, quando ele, junto com outros membros que não apoiavam o alinhamento ao IV Congresso da Internacional Comunista comandado por Stálin, foi expulso do Partido (poucos anos depois de ter sido readmitido). Mesmo com todas as atividades políticas, passou a sofrer ataques diretos de grupos de esquerda, que em conferências proferidas ou em artigos publicados em periódicos como El Machete ou a partir de 1932, na revista New Masses, dos Estados Unidos, questionavam sua produção na Escola Nacional Preparatória, em termos do sentido de vigência técnica e formal, ideologia política e até a relação que o movimento teve com o Estado, uma vez que era o grande empregador e financiador, através do Ministro da Educação, José Vasconcelos.
A temática adotada por Diego Rivera começou a mudar, ganhando contornos políticos e antimperialistas desde seu retorno da URSS em 1928, onde assistiu às manifestações contra a burocracia em prol da aplicação do testamento de Lênin, a manutenção da unidade bolchevique e acompanhou a decisão do XV Congresso do PCUS para depor Trótsky para Alma Ata, no Cazaquistão. Passou a incluir a estrela vermelha, a foice e o martelo em seus murais e aos poucos foi dando ênfase à unidade revolucionária, ao trabalhador, ao soldado, ao camponês e à clássica oposição entre ricos e pobres.
A Controvérsia Siqueiros-Rivera

Em fevereiro de 1932, o palco da discórdia entre Siqueiros e Rivera foi a exposição das obras que o primeiro produziu durante os 15 meses que permaneceu confinado judicialmente na cidade de Taxco, no estado de Guerrero, quando falou sobre as suas supostas "Retificações sobre as Artes Plásticas no México". Nas conferências realizadas em Los Angeles, nos meses de julho e setembro do mesmo ano, sobre "O Renascimento Mexicano" e "Os Veículos da Pintura Dialética Subversiva", manteve os ataques, assim como na apresentação feita no John Reed Club de Hollywood, além das conferências proferidas em 1933, no Uruguai e na Argentina.
Entretanto, o ataque mais direto foi em 1934, quando Siqueiros criticou os 21 trabalhos que Diego acabara de realizar em Nova Iorque. Eram murais localizados na New Worker´s School, relativos à história da América do Norte e na Comunist League of America, instituições de orientação trotskista. A executação desses trabalhos deu-se graças ao dinheiro recebido ao pintar O Homem e o Alto Espírito da Escolha de um Futuro Melhor (1933), no hall de entrada do Edifício da Radio City Center, de propriedade do milionário Nelson Rockefeller. O mural trazia a imagem de Stálin ao centro, representando o construtor da paz. O resultado foi a destruição da obra, evitando-se a confrontação entre capitalismo e socialismo, uma vez que o contratante divergia das ideias políticas do artista. Assim, a luta de classes era o assunto central. A perspectiva do índio havia cedido lugar ao trabalhador em busca de uma sociedade mais justa. A Revolução Mexicana ou a luta contra o conquistador se renovavam através da revolução social e da luta contra o imperialismo. O marxismo de Rivera aparece com mais nitidez, embora não seja mais ortodoxo; na década de 1930, suas ideias oscilavam entre a posição stalinista da III Internacional do Partido Comunista até a IV Internacional, que apoiava Trótsky.
Em 29 de maio de 1934, David Alfaro relacionou mais uma vez, seus questionamentos sobre o muralismo mexicano, com uma crítica à obra e à oposição política de Diego em artigo da revista New Masses, intitulado "O Caminho Contrarevolucionário de Rivera". A essa altura, o enfrentamento dava-se entre duas posições de esquerda que pretendiam vincular-se ao stalinismo e ao trotskismo, respectivamente.
Quando a polêmica sobre os projetos estéticos e políticos de ambos iniciou, Diego tinha um trabalho considerável, evidenciando uma maturidade plástica, reconhecimento e prestígio. No palco do anfiteatro da Escola Preparatória de São Ildefonso havia feito o mural A Criação (1921-1922). No pátio principal da Secretaria de Educação Pública criara diversos trabalhos inspirados nas regiões do país, evocando cenas da Paixão de Cristo. No segundo andar desse pátio, os murais foram feitos sem cor e representam o trabalho intelectual, as ciências e as artes do México. No terceiro piso as obras exaltam Cuauhtémoc - último imperador asteca - e os heróis das lutas revolucionárias Felipe Carrillo Puerto, Emiliano Zapata e Otilio Montaño. Nas escadarias internas pintara paisagens desde o litoral até as montanhas. No segundo pátio da referida Secretaria, também chamado de Juárez ou das Festas, foram representadas as tradições do povo mexicano e festas populares religiosas e políticas. E no terceiro e último andar, 26 murais ilustram as estrofes de A Balada de Zapata, A Revolução Agrária de 1910 e Assim Será a Revolução Proletária. Em O Arsenal figuram os artistas plásticos Frida Kahlo e Siqueiros. José Vasconcelos foi representado de costas em Os Sábios.
David Alfaro, no entanto, nessa época contava com seis murais: quatro deles executados entre 1922 e 1924 (O Espírito do Ocidente, Os Mitos, O Enterro do Operário Sacrificado e O Chamado de Liberdade) ao redor das escadarias de São Ildefonso; Patriotas e Parricidas nas escadarias da SEP, onde funcionava a alfândega; além da série realizada na antiga capela da Universidade de Guadalajara, no estado de Jalisco.
Nesse momento, o debate entre os dois muralistas parecia referir-se somente às artes, onde Siqueiros criticava o individualismo e a boemia de Rivera, isto é, a falta de preocupação social dele, visivelmente estampada em suas obras, classificadas pelo opositor de arqueológicas, folcloristas e populistas.
Enquanto Siqueiros defendia a III Internacional, Diego demonstrava cada vez mais simpatias para com as ideias políticas de León Trótsky, como no artigo intitulado "Defesa e ataque contra os stalinistas", datado de dezembro de 1935, onde indicou abertamente o sentido político da polêmica, em sua opinião estava centrado na determinação da arte e o artista revolucionário, desde os aspectos políticos e pessoais.
A aproximação entre o pintor mexicano e o bolchevique culminou no processo de exílio deste último. Ao receber correspondência da antropóloga Ana Brenner, pedindo ajuda, Diego Rivera logo se colocou à disposição e junto ao então presidente Lázaro Cárdenas (1934-1940) conseguiu o direito de asilo. Assim, em janeiro de 1937, Trótsky e a esposa desembarcaram no Porto de Vera Cruz e foram recepcionados por Frida Kahlo.
Sua pintura, mais uma vez, adequa-se aos alinhamentos políticos, retomando temas e problemas do passado como os índios e suas relações com a terra, a história do México, além da vida dos mexicanos e a saúde (história da cardiologia). Diego passou a apresentar um desejo maior de universalidade, convertendo todos esses motivos em parte de uma história significativa da humanidade.
Dentro desse contexto, podemos dizer que a polêmica Siqueiros-Rivera evidencia não só disputas artísticas, mas também de natureza pessoal e política. Ambos tinham personalidades fortes, eram intransigentes e autocentrados. As desavenças entre eles tornaram-se cada vez mais sérias, chegando ao enfrentamento pessoal. Em agosto de 1935, os dois apareceram armados de pistolas na Conferência da New Education Fellowship. Valeriano Bozal definiu Rivera como uma pessoa de excessos: excessivo no tamanho e como pintor, amante e político.
Já as divergências políticas, basicamente, referiam-se à orientação trostkista de Rivera e stalinista de Siqueiros. Desde que o casal (Diego e Frida) passou a ser anfitrião de Trótsky, os jornais diários sob a orientação da III Internacional, intensificaram a publicação de artigos contendo ataques furiosos contra o pintor, chamando-o de vulgar provocador, indivíduo mercenário e canalha, além da acusação de caluniador da URSS, capaz de dar munição aos imperialistas para desarmar as massas trabalhadoras.
Juntos, Trótsky, Rivera e André Breton – este em visita ao México - organizaram, em 1939, a Federação de Intelectuais e Artistas Revolucionários Independentes (FIARI), em oposição à Liga de Escritores e Artistas Revolucionários (LEAR), afiliada do PCM. Tais acontecimentos provocaram a ira dos stalinistas e acentuaram as divergências entre Siqueiros e Rivera.
Inconformado com o asilo político de Trótsky, David Alfaro desejava promover um escândalo que obrigasse a sua expulsão pelo governo. Na noite do dia 23 para 24 de maio de 1940, à frente de um grupo de vinte homens fortemente armados, o pintor invadiu a casa do dirigente bolchevique após render os seguranças. Com armas de calibre 38, 45 e metralhadoras, o grupo disparou mais de duzentos tiros através das janelas e portas que davam para o escritório e quartos. A fuga se deu em dois carros estacionados na garagem, e o segurança que havia facilitado a entrada se juntou a eles.
Disfarçado de camponês, David passou a viver nas serras de Jalisco até ser descoberto e preso. Um ano depois foi posto em liberdade após o pagamento de fiança e o governo propôs ao artista que deixasse temporariamente o país. Deportado graças a ajuda do escritor Pablo Neruda, que na época ocupava o cargo de cônsul, teve o visto de entrada concedido para viver no Chile com a família.
O México havia construído uma escola em Chillán, anteriormente destruída por terremotos e, assim, ofereceu ao pintor os muros do local, com a condição de ele deixar a cidade somente quando tivesse terminado a obra. Pelo acordo não receberia salário, mas teria direito a uma casa simples e a comida seria oferecida pelos professores. Assim passaram-se três anos e o retorno à terra natal deu-se no início de 1944.
Siqueiros ainda seria preso novamente em 1960. Em 1962, a 5a. Corte Penal o condenou a oito anos de reclusão sob a acusação de dissolução social. Cumpriu a pena e foi posto em liberdade somente em 1971. Nesse meio tempo, curiosamente, foi-lhe atribuído o Prêmio Lênin da Paz (1966).
Além das divergências que teve ao longo da vida com Siqueiros, Rivera passou a se desentender com Trótsky quando o Congresso Mundial sancionou a criação da IV Internacional e o elegeu trabalhador da seção internacional, com o privilégio de não precisar assumir atividades cotidianas, administrativas. No entanto, o pintor entendeu que a medida o proibia de fazer parte da Liga.
Outra divergência entre eles (Diego e Trótsky) deu-se quando o pintor O´Gorman pintou os murais do aeroporto da capital mexicana, com caricaturas de Hitler e Mussolini, o que desagradou ao Secretário de Obras Públicas, ordenando a destruição da obra. Um grupo de intelectuais comandado por Rivera saiu em defesa do artista, porém o líder bolchevique condenou o ato, alegando que o país poderia estar arriscando a estabilidade econômica, caso houvesse um boicote do petróleo. Por esses motivos os dois romperam definitivamente.

Particularidades do Movimento

O muralismo mexicano foi um movimento cheio de especificidades e contradições. Ainda na década de 1920, contestava os princípios da Escola Nacional de Belas Artes (ENBA), como a cópia de obras clássicas ou a produção de nus em salas de aula. Um grupo de artistas liderado pelo Dr. Atl (nome náhua usado pelo pintor Geraldo Murillo) reivindicava escolas ao ar livre e a primeira delas data de 1913. Somente em 1922, com a filiação de David Alfaro Siqueiros, Diego Rivera e Xavier Guerrero ao Partido Comunista Mexicano e com a criação do Sindicato dos Pintores e Escultores, a arte mural ganhou características visivelmente políticas.
O movimento muralista foi, de acordo com Aracy Amaral, a primeira articulação continental dos artistas contemporâneos da América, tendo surgido a partir de sua própria realidade. As obras tinham, inicialmente, o objetivo de instruir as massas (caráter didático) através de dois temas centrais: a valorização dos primeiros povos, anteriores à chegada do colonizador espanhol e as representações do povo como heróicos participantes da Revolução Mexicana, iniciada em 1910. A ideia era criar uma arte revolucionária, que rechaçasse a influência cultural americana e onde os trabalhadores operários não fossem apresentados em atitudes passivas ou de feições mansas, mas como "um elemento consciente da luta de classes". De acordo com Luciana Coelho Barbosa, "o movimento muralista representou a proposta de construção de uma nova identidade pautada na camada subalternizada da população, com uma forte vinculação com a educação, na tentativa de romper com a representação calcada nos moldes europeus". Suas raízes históricas vinham do passado colonial e pré-hispânico, integrando-se ao contexto revolucionário; e fundamentava-se em três valores sociais: o nacional, o popular e o revolucionário.
Em um primeiro momento (1921-1924), o muralismo foi produzido por um grupo de artistas, mas não podemos classificá-lo como um movimento homogênio. Na prática, tanto a expressão formal, como as temáticas individuais estiveram acima dos fatores que os mantinham unidos: o ódio ao imperialismo, aos abusos da igreja, à ditadura e à concentração de capital.
A decisão de se fazer pintura mural surgiu como opção de grande visibilidade disposta nas paredes de edifícios públicos, como escolas, hospitais e secretarias, contrapondo-se aos quadros ou à chamada pintura de cavalete, de caráter burguês porque se mantém dentro das residências, portanto restrita aos moradores, parentes e amigos e não disponível ao público geral. Em outros termos, a pintura monumental deveria ocupar o lugar das telas que têm características burguesas, pois são sempre uma propriedade individual, para poucos.
Além das proporções grandiosas, a arte mural é narrativa-figurativa com muitas informações visuais onde quase todos os espaços estão preenchidos e, em geral, multicolorida.
Na etapa seguinte, os artistas passaram a demonstrar preocupações com questões voltadas às soluções técnicas (origem e essência da estética) e com o uso de novos instrumentos como a pistola a ar no lugar do pincel. Com vistas a uma temática moderna, adotaram uma técnica inovadora. Embora a pintura em paredes fosse muito antiga, o uso da pistola com cimento à prova d´água e a brocha de ar, foram para os pintores mexicanos um de seus mais importantes instrumentos. Eles tinham como um dos principais objetivos transmitir as ideias nacionalistas às pessoas mais humildes, com o intuito de iluminá-las, na esperança de "torná-las livres". Para tanto, deveriam retratar a história do povo, seus problemas e o cotidiano, possibilitando dessa forma, a crítica tanto no campo político como social, além de buscar uma maior aproximação com as massas. O resultado foi uma pintura forte, decorativa, ilustrativa e comunicativa, financiada em grande parte pelo Estado, que nunca foi socialista.
Dentro desse contexto é possível perceber que o movimento apresentou algumas controvérsias. A primeira delas diz respeito aos artistas como defensores da arte monumental, contrários às obras de cavalete e a todo tipo de arte burguesa. No Manifesto dos Trabalhadores Técnicos, Pintores e Escultores, redigido em 1921, lê-se: "repudiamos a denominada pintura de cavalete e todas as artes dos círculos ultraintelectuais, porque é aristocrática e glorificamos a expressão de arte monumental porque é pública". Mas, na prática, eles pintaram diversas telas. Eram, em grande parte, retratos de pessoas da sociedade. Na opinião de Siqueiros, "o muralismo mexicano foi um movimento utópico, uma vez que teve a pretensão de produzir uma arte revolucionária, coletiva e pública, a qual deveria corresponder à Revolução de 1910; porém, quando os artistas se associaram ao Estado e à burguesia, gradualmente adotou-se a ideologia dessa classe".
Como arte revolucionária que era, seus participantes diziam-se, também, contrários ao imperialismo, rechaçavam a influência cultural americana e a concentração de capital. Porém, vários artistas viveram e trabalharam nos Estados Unidos: Orozco viajou em 1928, retornando apenas em 1934; Siqueiros partiu em 1931; Diego Rivera, Revueltas e Charlot também foram nos anos 1930. Eles executaram murais em escolas, mas também trabalharam para grandes fortunas como o milionário Nelson Rockefeller e, mesmo assim, continuaram adotando temas políticos de contestação ao imperialismo e a representação de lideranças de esquerda.
O modo folclórico dos muralistas pintarem pode ser explicado pela intenção de tornar essa arte popular e não um produto para os ricos, porém acabou atraindo o gosto dos privilegiados economicamente e foi por diversas vezes adquirida pelos estrangeiros.
Em geral, os muralistas se diziam anticatólicos e em várias obras foram evocadas, figurativamente, cenas religiosas como a Paixão de Cristo, porque acreditavam que, assim, a mensagem seria melhor assimilada pelo povo.
Além das obras executadas nos muros de instituições norte-americanas, podemos encontrar pinturas murais por todas as partes do México. Elas decoram os prédios federais, estão na frente de teatros, nas paredes externas dos edifícios da biblioteca e da reitoria da Universidade Nacional Autônoma (UNAM), dentro do palácio de Belas Artes e até em bares e restaurantes, o que indica uma diversificação de contratantes, indo muito além do financiamento estatal. A temática também é bastante diversificada, não ficando restrita à representação dos povos pré-hispânicos ou aos aspectos históricos da Revolução Mexicana.
Em 1925, o mecenas Francisco Sergio Iturbe Idaroff contratou José Clemente Orozco. No seu palacete localizado na capital do país, o artista fez o mural Onisciência. De residência particular, o prédio transformou-se em comércio, passando a abrigar o restaurante Sanborns Casa dos Azulejos. Além de Orozco, Iturbe contratou Manuel Rodrigues Lozano para pintar em sua casa da Rua Isabel a Católica, número 30, a obra intitulada o Holocausto (1944).
No restaurante da cadeia Vips, onde no passado funcionava o bar do Hotel Ritz, na Avenida Madero, número 30, também no DF, Miguel Covarrubias é quem assina a obra Uma Tarde de Domingo em Xochimilco, executada entre os anos de 1936 e 1937. O contratante era Enrique Corcuera García Pimentel, amigo do artista.
Também em 1936, Diego Rivera recebeu uma proposta de Alberto Pani, para fazer quatro painéis desmontáveis para o salão de banquetes do Hotel Reforma, construído na avenida de mesmo nome e voltado aos turistas endinheirados. A obra intitulada Carnaval de Huejotzingo tem como tema as festas mexicanas.
Já os murais O Dia e a Noite, que Rufino Tamayo pintou para o Sanborns de Lafragua, em 1954 e Sonho de uma Tarde Dominical na Alameda Central (1947-1948) que Diego Rivera fez no edifício onde funcionava o Hotel do Prado, foram transladados respectivamente para o Museu Soumaya Loreto e o Museu Mural Diego Rivera, na Cidade do México.
A Secretaria de Saúde, o Instituto Nacional de Cardiologia, o Cárcamo (câmara de distribuição de água de Lerma) e o Hospital da Raça possuem uma série de murais assinados por Diego Rivera. Em comum têm símbolos relacionados à vida e à saúde, como as bactérias, os quatro elementos da natureza (água, terra, fogo e ar), mulheres grávidas, cientistas nos laboratórios e a representação de homens que deram contribuições para os estudos da anatomia, além de cardiologistas de destaque.
Por fim, o Polyforum exibe Marcha da Humanidade, de David Alfaro que é considerado um dos maiores murais do mundo. Próximo dali a fachada do Teatro dos Insurgentes, projetado em 1950, apresenta um trabalho de Rivera que é uma homenagem à arte de representar. Concluído em 1953, no centro do desenho duas mãos enormes seguram uma máscara e à sua volta estão os heróis da revolução e da independência.
Além da capital é possível encontrar murais em outras partes, como os de caráter revolucionário que decoram as paredes do Palácio de Cortés, na cidade de Cuernavaca e de autoria de Diego Rivera (1929), que foi contratado por Dwight Morrow, na época embaixador dos Estados Unidos no México. No antigo convento da cidade de São Miguel de Alende está a Escola de Arte onde os visitantes podem ver um mural inacabado de Siqueiros, datado dos anos 1940. No Palácio do Governo da cidade de Durango há um conjunto pintado por Francisco Montoya de la Cruz, Guillermo Bravo e Guillermo de Lourdes. No edifício que abriga a sede do estado de Jalisco, em Guadalajara, Orozco adornou a escadaria principal, a cúpula, a antiga capela e as salas de conferência, numa homenagem a Miguel Hidalgo por ter proclamado a abolição da escravatura, em 1810. Nos anos 1950, Alfredo Zalce decorou a escadaria e o primeiro andar do Palácio do Governo de Michoacán, em Morelia, com temas locais.
Vale ressaltar que mesmo pregando a importância da arte monumental, todos os muralistas deixaram pinturas de cavalete que, por diversas vezes, repetem os temas dos murais ou retrataram pessoas pertencentes à elite econômica e amantes da arte como Maria Asúnsolo.
Além disso, a amizade entre Dolores Olmedo Patiño e Diego Rivera, que se conheciam desde 1928 e só se reencontraram em 1954, acabou despertando o interesse dela pelas obras dele e de sua esposa, a também pintora Frida Kahlo. Quando Rivera morreu em 1957, Lola possuía 50 obras e seguiu comprando. Em 1962, adquiriu a fazenda Noria, em Xochimilco, um bairro ao sul da cidade do México e no dia 17 de setembro de 1994 abriu no local um importante museu. O acervo é formado só por obras de cavalete de Diego Rivera, Frida Kahlo e Angelina Beloff, além de peças de arte pré-hispânica e popular.
O Museu Nacional de Arte (MUNAL), por sua vez, tem um acervo de telas produzidas pelos mais representativos artistas de vanguarda do país, principalmente trabalhos dos três grandes (Rivera, Siqueiros e Orozco).
Dentro da estrutura do campo, fica evidente a relação de força entre os agentes em disputa pelo reconhecimento do legítimo representante da arte mural do México, onde um dos bens simbólicos de maior relevância era a militância política.
O confronto entre os dois grandes nomes do muralismo mexicano é apenas uma parte específica do que foi o movimento: cheio de contradições, mas de grande visibilidade na história da arte mundial, arregimentando ao seu redor tanto defensores, como por exemplo a historiadora, crítica de arte e ex-secretária de Diego Rivera, Raquel Tibol ou nomes como Damián Bayon, Xavier Moyssén e Octavio Paz que foram seus críticos.






Mestre pela Universidade de São Paulo (2008) com a dissertação CAM e SPAM – Arte, Política e Sociabilidades Artísticas na São Paulo Moderna, no Início dos Anos 1930. Doutoranda do programa de pós-graduação da Universidade de Campinas, bolsista do CNPQ, estuda a vida e a obra do artista plástico Carlos Prado. Contatos via e-mail: [email protected]. Artigo aceito para publicação nos Anais do Museu Histórico Nacional, em 2013.
O Partido Comunista Mexicano iniciou atividades em setembro de 1919, com o nome de Partido Nacional Socialista.
O jornal El Machete foi fundado pelos pintores David Alfaro Siqueiros, Diego Rivera e Xavier Guerrero. Continha, basicamente, artigos sobre comunismo e manifestos de artes.
O Sindicato de Pintores e Escultores tinha como líder David Alfaro Siqueiros. Fundado em dezembro de 1922, alegava defender a criação de uma arte coletiva, monumental, a serviço do povo e em repúdio à denominada pintura de cavalete e a todas as artes dos círculos ultraintelectuais. Mas na realidade, seus integrantes queriam trabalhar na Secretaria de Educação Pública (SEP), através de contratos firmados com o governo, o maior empregador da época. Em outros termos, tinham a intenção de criar um Centro Artístico com o propósito exclusivo de conseguir junto ao Governo muros em edifícios públicos.
Valentín Campa Salazar (1904-1999) militou no Partido Comunista do México de 1927 até 1940, quando foi expulso.
O cubano Júlio Antonio Mella se refugiou no México, em 1926, por ter sido perseguido pelo governo Machado devido às suas atividades políticas que o converteram em um dos principais líderes comunistas da época.
No começo da carreira Orozco era caricaturista e ilustrador nos periódicos El Imparcial e El Hijo del Ahuizote. Entre 1914 e 1915, desenhava para o jornal político La Vanguardia, da cidade de Orizaba, no estado de Veracruz, onde vivia. Depois desse período, produziu grande número de trabalhos representando estudantes e prostitutas, bem como caricaturas políticas. Em 1916, decorou o café Los Monotes, de propiedade de seu irmão e realizou a primeira individual, na livraria Biblos, na cidade do México.
SIQUEIROS, David Alfaro. Me Llamaban el Coronelazo. 2ª. ed. Espanha: Grijalbo,1986, p. 27.
A Escola Preparatória é importante na história da arte mexicana por abrigar os mais antigos murais do país. Também conhecida como Antigo Colégio de São Ildefonso, fica na Rua Justo Sierra, 16 - Zócalo.
O edifício da Secretaria de Educação Pública fica na Rua República de Argentina, 28 - Zócalo.
León Trótsky foi colaborador e um provável substituto de Lênin, um dos chefes da Revolução de Outubro e organizador do Exército Vermelho, que denunciou abusos cometidos pelo governo Stálin e, por isso, foi expulso da União Soviética. A partir daí buscava um país que o aceitasse. Em 1936, foi expulso da Noruega e teve o pedido de asilo negado pelo governo norte-americano.
Anos depois, com pequenos ajustes, como por exemplo a inclusão de Trótsky, uma nova versão do mural passou a figurar na parede do primeiro andar do Palácio de Belas Artes, na região central da Cidade do México. Sob o título de O Homem Cruzando Caminhos, apresenta uma visão favorável do socialismo. O espectador pode ler a obra da esquerda para a direita, de cima a baixo ou, se preferir, analisando pequenos detalhes. No centro da imagem há um homem de 1934, que olha para o futuro num cenário dividido entre a decadência capitalista (situada do lado direito) e a esperança na revolução socialista (situada do lado esquerdo) Ver : MARTÍN, Esther Martín. El Hombre en la Encrucijada. México: Culturas, s.d.
MANJARREZ, Maricela González Cruz. La Polémica Siqueiros-Rivera. México: Museo Dolores Olmedo Patiño, 1996, p. 17.
MANJARREZ, Maricela González Cruz. La Polémica Siqueiros-Rivera. México: Museo Dolores Olmedo Patiño, 1996, p. 38.
A mexicana Ana Brenner (1905-1974) era especialista em arte do seu país, trabalhou como jornalista e em 1933 entrevistou Léon Trótsky, quando passou a ser sua simpatizante. Em 1927 foi estudar nos Estados Unidos onde viveu durante 17 anos.
BOZAL, Valeriano. Diego Rivera. Madri: Quorum, 1987, pp. 53-54.
BOZAL, Valeriano. Diego Rivera. Madri: Quorum, 1987, p. 9.
El Machete Ilegal, "Os Trotskystas-Riveristas Babam Contra a III Internacional e Contra o Camarada Stálin!", México, 10 set. 1934, pp. 1-4.
AMARAL, Aracy. "O Muralismo como Marco de Múltiplas Articulações". In: AMARAL, Aracy. Arte e Meio Artístico: Entre a Feijoada e o X-Burger. São Paulo: Nobel, 1983, pp. 280-287.
146.
BARBOSA, Luciana Coelho. "Muralismo e Identidades: Representações Pré-Hispânicas em David Alfaro Siqueiros". Revista Pós-História, Goiás: UFG, 2008, pp. 1-21.
146.
CUEVA, Alicia Azuela de la. La Obra Mural de Diego Rivera y los Cambios Socio Economicos 1920-1940. México: UNAM, s.d., pp. 137-146.
"Entrevista de David Alfaro Siqueiros". Revista Rumo. Rio de Janeiro, nov. 1933.
TIBOL, Raquel. Siqueiros Vida y Obra. México: Complejo Editorial Mexicano, 1963, p. 103.
Na UNAM são encontrados diversos murais como o do Estádio Olímpico, sede dos jogos de 1968, assinado por Diego Rivera; o da Biblioteca Central, que conta a história do país antes da chegada dos espanhóis, executado por Juan O'Gorman; e na torre central da Reitoria há a obra de David Alfaro Siqueiros, dentre outros. Para saber mais, ver: SEGAWA, Hugo. "Rio de Janeiro, México e Caracas: Cidades Universitárias e Modernidades 1936-1962". Revista de Urbanismo e Arquitetura. Salvador: UFBA, vol. 5, no. 1, 1999.
A mecenas Maria Asúnsolo (1916-1999) transformou seu apartamento da Avenida Reforma em galeria de arte, com o objetivo de promover os amigos. Ela encomendou vários retratos aos artistas importantes da época (Maria Izquierdo, Orozco, Rivera, Siqueiros, dentre outros), os quais fazem parte, atualmente, do acervo do Museu Nacional de Arte (MUNAL).
A artista russa Angelina Beloff (1879-1969) foi a primeira esposa de Diego Rivera. Eles se conheceram na Bélgica e em 1911 passaram a viver juntos em Paris. Cinco anos depois ela deu à luz ao pequeno Diego, que morreu meses depois, durante o violento inverno europeu de 1917. Em 1932, Angelina chegou ao México onde trabalhou como professora na Secretaria de Educação Pública, permanecendo no país até o final da vida.
VASCONCELLOS, Camilo de Melo. "As Representações das Lutas de Independência no México na Ótica do Muralismo de Diego Rivera e Juan O´Gorman". Revista de História. São Paulo: FFLCH, vol. 152, 1º. 2005, p. 286.
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