Murawara: sobre a pesquisa de jovens cientistas indígenas

September 6, 2017 | Autor: A. Borghi Jacinto | Categoria: Antropología, Memoria, Educação de Jovens e Adultos, Educação Indígena
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REA – II Reunião Equatorial de Antropologia – XI Abanne Reunião de Antropólogos do Norte-Nordeste UFRN, Natal 2009

MURAWARA: sobre a pesquisa de jovens cientistas indígenas

Andréa Borghi Moreira Jacinto PPGDA/UEA

Este trabalho reflete sobre a experiência de seis jovens indígenas, acompanhados por uma professora indígena, em uma pesquisa sobre a memória de seu povo – os Mura das Terras Indígenas Paranã do Araotó e Rio Urubu,

município de Itacoatiara (AM).

Idealizado a partir de demanda comunitária apresentada pela Organização das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu (OMIMRU) e da articulação da Fundação Estadual dos Povos Indígenas (FEPI), o projeto buscou oferecer a alunos e professores indígenas Mura condições de pesquisa e registro da memória dos mais velhos. Junto ao relato sobre a experiência de pesquisa, ocorrida entre 2007 e 2008, discute-se sobre as contribuições do projeto à discussão local de uma escola indígena Mura A pesquisa fez parte de um projeto vinculado ao Programa Jovem Cientista Amazônida, da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas.

Associação Indígena e Estado: histórico do Projeto As Terras Indígenas Rio Urubu e Paraná do Arauató foram homologadas em 26/10/2003. A TI Rio Urubu, com 27.500 ha, conta com população de 980 indígenas das etnias Mura e Saterê-Mawé (25 indivíduos), distribuídos em dez aldeias. Na TI Paraná do Arauató (5.900 ha), habitam 80 pessoas da etnia Mura, havendo uma aldeia (Limão). Uma das dificuldades enfrentadas pelos Mura na região é a inexistência de escolas indígenas próprias e de uma educação escolar diferenciada, como preconiza a Constituição Federal de 1988 e outros documentos legais, como a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei No. 9.394, de 20/12/96).

Essa dificuldade se

intensificou durante as duas últimas gestões municipais, com a recusa sistemática do poder municipal em reconhecer os direitos indígenas aos Mura e, de fato, em reconhecer a própria identidade indígena do grupo. O Povo Mura possui um histórico de “contato muito antigo e traumático com a sociedade nacional” (Amoroso, 2000: 467). A historiografia sobre o contato reforça a “detratação institucionalizada” (Amoroso, 1992) que caracterizou as narrativas coloniais

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a respeito dos Mura, nos séculos XVIII e XIX (Santos, 2006; UFAM/ CEDEAM, 1986). Contemporaneamente, a luta em defesa do território associa-se à preocupação com a manutenção e reconstrução de uma cultura e identidade próprias, desafiadas por perdas como a da língua materna, e situações de evasão e conflitos (Amoroso, 2000). Em muitas dessas situações, esconder a identidade étnica foi estratégia diante do preconceito e da violência.

Se o silêncio e o esquecimento tornaram-se saída diante da dor (Pollak, 1989), o trabalho da memória pode também ser caminho para um reencontro coletivo, de se refazer o passado a ser lembrado nos quadros sociais do presente, entre grupos de convívio (Bosi, 1998). Foi essa a aposta do projeto, construído como proposta coletiva, e objetivo abraçado pelos estudantes e professora indígenas ao longo do trabalho.

Para se compreender a relevância do projeto e da pesquisa localmente, é importante conhecer as condições ele foi idealizado e implementado. Esse contexto diz respeito também ao papel do Estado na inserção de estudantes indígenas em projetos de pesquisa acadêmica, e à articulação entre associações indígenas e órgãos do Estado. Neste caso, o projeto foi pensado a partir de um edital da FAPEAM, que propunha vinculação entre universidade e escolas de nível médio e fundamental, por meio de pesquisas nas quais os pesquisadores seriam os próprios estudantes. Havia no edital uma linha específica para o trabalho com estudantes e professores indígenas. A partir desse horizonte, entrou em cena outro órgão vinculado ao governo do Estado, a FEPI, então administrada por indígenas, que articulou o contato entre a associação indígena interessada em desenvolver um projeto – a Associação das Mulheres Indígenas Mura do Rio Urubu – e a Universidade do Estado do Amazonas.

A proposta da pesquisa foi construída coletivamente, considerando-se a demanda da comunidade e meu campo de experiência profissional. O tema da memória coletiva foi o escolhido; o projeto apresentado à Fundação e aprovado em 2006.

Porém, entre aprovação e implementação, quase um ano de enfrentamentos, que dizem sobre os desencontros entre diferentes sistemas culturais durante o desenvolvimento de projetos. Foram dois os principais problemas enfrentados.

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O primeiro foi relativo ao processo burocrático e a obtenção das autorizações necessárias, particularmente junto ao Comitê de Ética da Universidade (CEP) e ao Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP). Além do tempo do próprio trâmite, parte das dificuldades deveu-se ao então desconhecimento do Comitê sobre os princípios da pesquisa em ciências humanas e sociais, e a abordagem antropológica sobre a temática indígena. Além disso, nesse processo, se lida com normas e formulários voltados sobretudo à pesquisa em ciências biomédicas, não se adequando à antropologia e a uma pesquisa em que os sujeitos de pesquisa estavam também envolvidos na proposição do projeto, via Organização Indígena - os principais pesquisadores do projeto eram estudantes e professores indígenas.

Como observa Matos (2007) ao refletir sobre os desencontros entre o desejado, o planejado e o executado em projetos de desenvolvimento no âmbito dos Projetos Demonstrativos dos Povos Indígenas, também aqui os diferentes entendimentos sobre lógica e tempos dos projetos revelaram desencontros entre sistemas culturais e grupos envolvidos, alimentando conflitos latentes. O tempo para obtenção das autorizações causou dúvidas entre os Mura; se já havíamos dado notícia de sua aprovação, porque demorava tanto para acontecer? Para a formulação e envio do projeto, já haviam ocorrido reuniões comunitárias e a produção de documentos de autorização/ consentimento. Porém, para o processo junto ao CONEP, outras reuniões e outros documentos, em outros formatos, eram necessários. Por quê; e para quê tanto tempo? As dificuldades de comunicação com as aldeias, e entre elas, potencializaram os desentendimentos, e promoveram também a suspeita local sobre a liderança envolvida mais diretamente com o projeto. Será que alguém não estaria ficando com os recursos esperados?

O outro problema ocorrido nesse período foi justamente um conflito local ligado à direção da OMIMRU. A principal liderança envolvida na formulação e apresentação do projeto foi afastada da direção da Organização, e durante vários meses não sabíamos se haveria condições e desejo de se iniciar o projeto. Em junho de 2007, nove meses depois da aprovação do projeto, embora de posse das autorizações institucionais necessárias, não tínhamos mais posição sobre o interesse local de se iniciar ou cancelar o trabalho. Pessoalmente, como coordenadora do projeto, na época não acreditava que teríamos condições de realizá-lo. 3

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A insistência dos representantes da FEPI em levar o processo adiante foi decisiva para sua continuidade. Em agosto de 2007, foi resolvida a nova composição da diretoria da OMIMRU; contamos então com o apoio da FEPI para fazermos uma nova reunião comunitária onde o projeto foi reapresentado e rediscutido, definindo-se o interesse e entendimento local a seu respeito. A continuidade do processo e o início de suas atividades foram decididos em assembléia, e o projeto Murawara finalmente pode começar. O primeiro ano entre sua aprovação e implementação mostrou que se o Estado criou condições para a criação do projeto, sobreviver a sua lógica burocrática e técnica seria um dos objetivos não ditos desse mesmo projeto.

Estrutura do projeto e oficinas de pesquisa Superadas as dificuldades para início do trabalho, outro ponto delicado foi relativo à formação da equipe indígena, todos bolsistas – seis estudantes indígenas e uma professora indígena, que coordenaria o trabalho de campo1. A indicação envolveu um processo comunitário de discussão, tomando-se critérios como a participação de estudantes das várias aldeias e de outros grupos moradores das Terras Indígenas, como os Sateré-Maué, também residentes nas Terras Indígenas Mura. A professora indicada participava, à época, do Curso de Formação de Professores Indígenas (Funai/Seduc), engajada na luta por uma escola Mura e pelo reconhecimento frente aos poderes locais municipais, de seus direitos relativos à educação diferenciada.

O período de formação da equipe foi também um período difícil para os estudantes e professora indígena, para se adequarem às exigências burocráticas de participação no projeto como bolsistas. A maioria não tinha conta em banco nem CPF; além do que a obtenção de comprovantes de residência ou cópias xerográficas pode ser uma tarefa complicada para os que vivem em terras indígenas, distantes de centros urbanos. Houve um custo financeiro e pessoal significativo para o levantamento dos documentos, tanto no deslocamento das aldeias até a sede do município de Itacoatirara, quanto em viagens entre Manaus e Itacoatiara, para formulação e assinatura dos planos de trabalho e termos de compromisso de cada bolsista. 1

A equipe foi formada pelos estudantes: Dayana da Costa Aguiar, Elia da Silva Ramos, Iriane Bruno dos Santos, Izomar Cabral Nunes, Mara Cristina P. Rodrigues e Rosenilson Bruno dos Santos. A professora indígena também bolsista foi Rosilane da Silva Bruno.

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Alcançadas enfim as condições políticas e burocráticas necessárias, começamos em dezembro de 2007 o trabalho em equipe. O projeto se estruturou em oficinas de trabalho, que funcionaram como espaço de debate e reflexão sobre o tema da memória e história Mura; na construção conjunta da metodologia; na formação em técnicas de pesquisa, uso de câmaras fotográficas, gravadores e filmadora; além de permitirem avaliação e análise regulares dos resultados de campo.

A primeira oficina, ocorrida na Aldeia Maquira teve o objetivo de reunir os membros das duas equipes constituídas – a equipe Mura, que reunia os estudantes e a professora indígena e representantes da OMIMRU – e a equipe de Manaus, que contava com um cientista social, uma estudante de direito, representantes da FEPI, e colaboradores2. As outras três oficinas ocorrerem com um intervalo de cerca de dois meses entre elas, em Manaus, na UEA, principalmente em função da infra-estrutura para utilizarmos computadores e analisarmos os materiais em áudio e vídeo registrados. A cada um desses encontros os estudantes indígenas e a professora indígena foram revelando a seriedade e o compromisso com o trabalho, e o mergulho que fizeram na condição de pesquisadores.

A pesquisa dos Jovens Cientistas Indígenas: buscando a memória em onze aldeias Jovens entre 14 e 18 anos, os estudantes indígenas enfrentaram pela primeira vez a experiência de participarem de um projeto e de uma pesquisa. Dayana, Elia, Iriane, Izomar, Mara, Rosenilson, e a professora Rosilane tiveram como objetivo no projeto visitarem as onze aldeias das duas Terras Indígenas envolvidas. Nas visitas, participaram da experiência de ouvir as narrativas dos mais velhos e das lideranças sobre a história do povo Mura, registrando a experiência por meio de gravações em áudio, vídeo, fotografias, desenhos, e escrita. A tarefa não foi fácil. Enfrentaram dificuldades de várias ordens –

comunicação,

malária, atraso nas bolsas, grandes distâncias e dificuldades de deslocamento; 2

Além dos bolsistas indígenas, o projeto contou com bolsistas de apoio técnico, Klaiton Alves da Silva (cientista social), e de iniciação científica, Jéssica Heidrich (estudante de direito). Em duas das reuniões, contamos com a participação da profa. Deise Lucy de Oliveira Montardo, da Universidade Federal do Amazonas. Da Omimru, participaram Marilene Vieira da Silva, Leonldes Praia Caldas e Elisabeth Lima dos Santos. Da Fepi, participaram mais ativamente Chris Lopes e Andrea Bittencourt Prado.

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insegurança de se lidar com algo novo. Das experiências mais bonitas do projeto foi acompanhar o crescimento de cada um no processo da pesquisa, e o entendimento que construíram a respeito de seus trabalhos, da responsabilidade perante a comunidade, e do tema que investigavam.

O fato de serem indígenas não necessariamente abriu portas e relatos para esse grupo. Da mesma forma como os antropólogos em campo enfrentam recusas e desconfianças, os jovens Mura também receberam negativas e enfrentaram silêncios, apesar (ou em função) dos laços de parentesco entre eles, e depois das horas de viagens de rabeta entre uma aldeia e outra.

As oficinas ocorridas depois dos primeiros meses de trabalho de campo foram momentos de se refletir sobre essas dificuldades, e conhecermos as estratégias que eles próprios foram criando para entender e vencer as resistências. Este processo, de fato, parece ter sido fundamental – os esforços realizados para fazer com que os moradores das aldeias compreendessem a pesquisa e seus objetivos, foi também o momento em que os estudantes começaram de fato a se apropriarem do que antes talvez fossem palavras sobre o papel. Além do esforço pessoal de cada um deles e da professora indígena, foi importante igualmente o papel das lideranças da OMIMRU, que auxiliaram nos contatos como os entrevistados, além de compartilharem narrativas e memórias sobre eventos e situações do passado Mura na região.

Os encontros e diálogos que os estudantes indígenas mantiveram, acompanhados da professora Rosilane, trouxeram alguns temas recorrentes. O primeiro deles foi sobre ‘as dificuldades dos primeiros tempos’. As perguntas que invariavelmente fizeram nas entrevistas iniciais, e com elas se surpreenderam, foi sobre como eram as condições de vida no tempo de seus avós, ou da infância e juventude de seus pais. Tempos de fartura de peixe, mas de dificuldades com doenças, especialmente a malária, conhecida como sezão, ou as longas distâncias até Itacoatiara. Buscaram a história da formação das aldeias e comunidades; encontraram notícias sobre o nome dos lugares e rios; sobre guerras como a Cabanagem; registraram a lembrança dos que participaram dos conflitos ocorridos com os fazendeiros locais e do processo de demarcação das terras.

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Resultados Textuais e Políticos: Pesquisa e Educação Escolar Indígena Um dos principais resultados da pesquisa foi um corpo extenso de entrevistas. Elas foram transcritas, discutidas durante as oficinas e organizadas em um texto, que, entre o grupo, passou a ser chamado do livro da pesquisa3. A edição feita no material buscou interferir o mínimo possível nas narrativas e diálogos registrados, apresentadas segundo aldeias e entrevistados, a partir da sugestão da própria equipe Mura e dos colaboradores da OMIMRU. Ilustram o texto fotografias feitas pelos bolsistas durante o trabalho. Tínhamos como perspectiva que esse material pudesse ser utilizado, posteriormente, como subsídio para formulação de um material didático diferenciado, pelos professores que participavam do Curso de Formação de Professores Indígenas, promovido em parceira pela Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC) e Fundação Nacional do Índio (FUNAI).

Realizamos dois eventos onde foram distribuídas cópias do trabalho aos integrantes do projeto, às instituições envolvidas, e às lideranças das aldeias pesquisadas. O primeiro evento ocorreu na Universidade do Estado do Amazonas, nas dependências do Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental, onde institucionalmente o projeto se desenvolveu. Desse encontro participaram, além dos integrantes do projeto, professores e estudantes universitários, principalmente ligados a outros projetos e trabalhos relativos aos Mura de outras regiões. Essa ampliação da rede permitiu à equipe do projeto Murawara visualizar suas questões e problemas em uma perspectiva ampliada, considerando a situação dos Mura em outras Terras Indígenas e regiões do Estado, como no município de Autazes e na região do Baixo Purus4.

O segundo evento, fundamental simbólica e politicamente, foi realizado na Terra Indígena Rio Urubu, na Aldeia Lago do Cana. O encontro foi aberto à comunidade Mura, sendo formalmente convidados representantes de todas as aldeias envolvidas, da OMIMRU, além da FEPI, e da representante da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, 3

Murawara: Memórias do Povo Mura em Itacoatiara – Relatos de Pesquisa. Material entregue aos representantes das aldeias das Terras Indígenas Rio Urubu e Paranã do Araotó. PPGDA/UEA; Programa JCA/Fapeam. Setembro de 2008. 104 p. 4 Nesse sentido, contamos com a colaboração da Profa. Dra. Rosa Helena Dias da Silva (UFAM), que comentou sua experiência de pesquisa e atuação na Licenciatura Específica para Formação de Professores Indígenas Mura, em Autazes/AM; e também com a contribuição de Rosélis Remor de Souza Mazurek, pesquisadora do Instituto Piagaçu, a partir de seu trabalho no Lago Ayapua, RDS Piagaçu Purus, Amazônia.

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ligada ao setor de educação em Manaus, instituições que também colaboraram para a logística do encontro. Com recursos do projeto, conseguimos ainda levar para esse evento o representante do Ministério da Educação/ Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade – SECAD, Gersem Luciano Baniwa.

Esse momento, de retorno à comunidade Mura dos resultados do projeto, ocorreu no chapéu de palha ao lado da escola localizada na Aldeia Lago do Cana. Como as outras escolas da região, não há nessas Terras Indígenas Mura nenhuma escola indígena funcionando. Em parte, essa ausência se deve à falta de reconhecimento que os indígenas sofrem por parte do poder público local, inclusive com a não contratação dos professores indígenas para trabalharem nas escolas em funcionamento dentro de suas terras.

A presença dos representantes do MEC, da FEPI e da FUNAI, num esforço de articulação interinstitucional, foi também uma tentativa de esclarecer as lideranças locais em relação aos direitos indígenas relativos à educação – e que instrumentos eles teriam para cobrar a ação do poder público municipal na efetivação de uma educação indígena diferenciada. Houve a presença, durante a reunião, também de uma vereadora simpática à causa indígena. Tivemos notícia, posteriormente, que essa vereadora e representantes da OMIMRU apresentaram o livro da pesquisa para a Câmara dos Vereadores de Itacoatiara; a representante da OMIMRU teria reforçado na sua fala que agora eles poderiam ver que os Mura estavam ali há muito tempo, e que tinham direitos a serem reconhecidos pelo município. Os resultados da pesquisa, naquele momento, se transformaram em instrumento para reforçar a legitimidade dos Mura, diante dos nãoindígenas, de viverem em seus territórios segundo sua própria cultura.

Para os jovens cientistas e para a professora Mura, a equipe mais diretamente envolvida na pesquisa, o momento de entrega das cópias para cada um dos representantes das aldeias foi de muita emoção, e de um reconhecimento público do esforço e da razão de seus trabalhos.

Algumas das pessoas que se recusaram a participarem como

entrevistados, agora pareciam entender o que acontecia, e lamentavam não terem respondido ao convite dos estudantes.

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O término da pesquisa respondeu às expectativas criadas pelo projeto, principalmente ao trazer o livro/texto, mas também abriu novas expectativas que acabaram por não se concretizar, ao menos não até o momento. Os jovens cientistas e a professora indígena, todos bolsistas, diziam que agora sim compreendiam o significado de uma pesquisa, e estavam prontos e mais preparados para uma outra experiência dessa natureza. O desejo era o de continuar o trabalho. Porém, não houve na época condições de estruturarmos um novo projeto; e suas vidas tomaram outros rumos. Dos seis estudantes, quatro se mudaram das Terras Indígenas; dois vivendo em Manaus, um no município de Novo Remanso e outro em Rio Preto da Eva.

Os indígenas envolvidos no Curso de Formação de Professores, inclusive a própria professora tutora do projeto, também viram suas expectativas freadas. Depois do módulo do curso ocorrido durante a execução do projeto Murawara, em março de 2008 na Aldeia Maquira, a pareceria SEDUC/FUNAI não teve êxito em sustentar outros módulos, e os alunos esperam, ainda sem previsão, a continuidade da formação. O projeto Murawara previa também a criação de uma biblioteca; foi construído na Aldeia Correnteza o espaço onde será sediada. Porém, os livros e outros materiais obtidos pelo projeto, a serem doados aos Mura, ainda esperam o processo de tombamento patrimonial e de doação institucional. São tempos que, novamente, estão gerando dúvidas e incompreensões, bem como suspeitas entre as aldeias sobre se alguém estaria se apropriando indevidamente do que foi obtido pelo projeto e deveria ser coletivo. Se esses desdobramentos ainda causam insatisfação ou frustração, resta saber como as narrativas geradas ao longo da pesquisa, e registradas no livro, estão circulando e criando ou não novas histórias entre os Mura.

Referências AMOROSO, Marta R. (1992). “Corsários do Caminho Fluvial – Os Mura do Rio Madeira” in Carneiro da Cunha, M. História dos Índios do Brasil. São Paulo: Fapesp, Cia. Das Letras, 1992, pp. 297-310. AMOROSO, Marta. R. (2000). “Os Mura Lutam para Recuperar suas Terras” in Instituto Socioambiental. Povos Indígenas no Brasil /1996-2000. Carlos Alberto Ricardo (editor). São Paulo: Instituto Socioambiental, 2000. 9

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BOSI, Ecléia. (1998). Memória e Sociedade – Lembrança dos Velhos. São Paulo: Companhia das Letras. MATOS, Maria Helena O. “Execução e gestão de projetos indígenas: criando tradição e/ou reflexão?” in Sousa, Cássio N.I; Lima, Antonio Carlos de Souza; Almeida, Fábio Vaz R.d; Wentzel, Sondra (org). Povos Indígenas: projetos e desenvolvimento. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2007, pp. 21-36. POLLAK, M. (1989). “Memória, Esquecimento e Silêncio” in Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 2, no. 3, pp. 3-15. SANTOS, F. J. (2006). “Descimento dos Mura no Solimões” in Sampaio, P. M.; Erthal, R. de C. (org). Rastros da Memória – Histórias e trajetórias das populações indígenas na Amazônia. Manaus: EDUA, pp. 73-95.

UFAM/ CEDEAM (1986). Autos da Devassa contra os Índios Mura do Rio Madeira e nações do Rio Tocantins (1738-39): fac-símiles e transcrições paleográficas. Introdução de Adélia Engrácia de Oliveira. Comissão de Documentação e Estudos da Amazônia (CEDEAM). Manaus: FUA; Brasília: INL.

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