Museologia: reflexões sobre o campo disciplinar

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ANAIS Vol 1 pesquisa em museologia e perspectivas disciplinares

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museu do homem do nordeste

16 a 20 de novembro de 2015

2O SEMINÁRIO BRASILEIRO DE MUSEOLOGIA 16 a 20 de novembro de 2015 Museu do Homem do Nordeste Recife - PE Realização Rede de Professores e Pesquisadores do Campo da Museologia Museu do Homem do Nordeste – Fundação Joaquim Nabuco Departamento de Antropologia e Museologia – Universidade Federal de Pernambuco Apoio Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientíco e Tecnológico – CNPq Fundação de Amparo à Ciência e Tecnologia do Estado de Pernambuco – FACEPE Comissão Organizadora Nacional Prof. Dr. Marcelo Cunha – UFBA (coordenador da Rede) Profª M.ª Silmara Kuster – UnB (coordenadora da Rede) Prof. Dr. Hugo Menezes - UFPA Profª Mª Vanessa Barrozo - UFRGS Profª Mª Ana Audebert - UFOP Prof. Me. Pablo Lisboa - UFG Comissão Organizadora Local Prof. Msc. Henrique de Vasconcelos Cruz – FUNDAJ (Presidente) Prof. Dr. Maurício Antunes – FUNDAJ Profª. M.ª Sílvia Barreto – FUNDAJ Profª. Simone Luizines – FUNDAJ Profª. Elizabeth Dobbin – FUNDAJ Profª Drª Emanuela Sousa Ribeiro – UFPE Profª Drª Ana Cláudia Rodrigues da Silva – UFPE Profª Mª Ana Cláudia Santos – UFPE Prof. Dr. Francisco Sá Barreto – UFPE

Equipe de Apoio Administrativo (FUNDAJ) Priscilia Coelho da Silva (secretária) Itala Serrath de Lira (auxiliar administrativo) Josineli Maria do Nascimento (auxiliar administrativo) Rafaela Carneiro (assistente de produção) Sarah Moura (assistente de design) Olga Fernandes (turismóloga) Suzianne França (auxiliar administrativo) Gilvanice Silva (secretária) Comissão CientíFIca Profª Drª Emanuela Sousa Ribeiro – UFPE (Presidente) Profª Drª Cristina Bruno - USP Profª Drª Helena Uzeda - UNIRIO/MAST Profª Drª Joseania Freitas - UFBA Profª Drª Áurea da Paz - UFPI Profª Drª Vânia Dolores de Oliveira – UFG Prof. Dr. Clóvis Brito - UFS Prof. Msc. Wagner Damasceno - UFSC

Programação visual e Diagramação Manoela Lima Agradecimentos Instituto Ricardo Brennand Laboratório de Tecnologia da Informação da Universidade Federal de Pernambuco Museu Cais do Sertão Paço do Frevo

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Perspectivas contemporâneas em Teoria Museológica

Prof. DR. BRUNO BRULON (UniRio) E Profa. ME. MONIQUE MAGALDI (UnB) O Grupo de Trabalho tem como foco as reexões teóricas em Museologia que discutem temas estruturais da área bem como as suas principais tendências contemporâneas. As discussões sobre a consolidação da Museologia como campo disciplinar e sua organização acadêmica como disciplina cientíca autônoma. As questões históricas e epistemológicas da Museologia e sua repercussão no presente. Reexões sobre o objeto de estudo da Museologia e os debates atuais sobre Museu, Musealização, Musealidade e Musealia. Proposições metodológicas da Museologia – instrumentos investigativos próprios do campo. Análises críticas sobre os termos e conceitos da Museologia e sua aplicabilidade nos diferentes contextos geopolíticos. A interpretação e a reinterpretação da Teoria Museológica e sua aplicação nas práticas museais em diferentes contextos no mundo: a Nova Museologia, a Museologia crítica e a Museologia experimental. A Teoria Museológica no Brasil e a sua contribuição para o desenvolvimento de um pensamento crítico sobre o campo. O ensino de Teoria Museológica e suas diferentes correntes no século XXI.

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MUSEOLOGIA: REFLEXÕES SOBRE O CAMPO DISCIPLINAR Bruno César Brulon Soares1 Monique Magaldi2 Resumo Compreendendo a Museologia como campo disciplinar, não mais se restringindo ao estudo das práticas profissionais no âmbito do fazer museal, o artigo apresenta as principais perspectivas sobre o caráter científico da disciplina nas últimas quatro décadas e traz reflexões sobre a ampliação do entendimento do campo museológico na contemporaneidade. Considerando o contexto brasileiro e suas relações com as ideias internacionais, o texto discute a estruturação da Museologia apontando os anos 1970 como marco da discussão sobre a configuração do campo disciplinar, o que se justifica pela criação do Comitê Internacional de Museologia – ICOFOM, principal responsável pela difusão das reflexões iniciais sobre o caráter científico dessa disciplina. Voltando o escopo da análise para a contemporaneidade, o artigo propõe um modelo conceitual para se entender a estruturação do campo científico por meio da integração entre o conhecimento prático sobre os museus e a reflexão teórica em Museologia. Palavras-chave: Museologia; Museu; Teoria da Museologia; Campo disciplinar. Abstract The paper introduces the main approaches to Museology’s scientific character in the past four decades understanding it as a disciplinary field no longer restricted to the study of the professional practices regarding the museum work. It presents reflections on the amplification of the museological field in contemporary time. Regarding the Brazilian context and its relations to the international ideas, the text debates the constitution of Museology establishing the 1970s as a mark for the configuration of the disciplinary field, which is justified by the creation of the International Committee for Museology – ICOFOM, the main responsible for the dissemination of the initial reflections on the discipline’s scientific character. Directing its scope of analysis to contemporaneity, the paper proposes a conceptual model to understand the configuration of the scientific field by the integration between museum practical knowledge and Museology’s theoretical reflection. Keywords: Museology; Museum; Theory of Museology; Disciplinary field. Professor de Teoria Museológica do Departamento de Estudos e Processos Museológicos - DEPM, UNIRIO. Doutor em Antropologia pela Universidade Federal Fluminense - UFF. Mestre em Museologia e Patrimônio pela UNIRIO/MAST. Coordenador do Grupo de Pesquisa Museologia Experimental e Imagem. [email protected] 2 Professora no curso de graduação em Museologia da Universidade de Brasília (UnB). Doutoranda em Ciência da Informação pela Universidade de Brasília (UnB). Possui graduação e mestrado em Museologia e Patrimônio pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (PPG-PMUS/UniRio). [email protected] 1

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“... é preciso pensar a Museologia.” (Waldisa Rússio Guarnieri, informação verbal conferida à Tereza Scheiner ao convidá-la a participar do Comitê Internacional de Museologia, UNIRIO, 1981)

Introdução Nos primeiros estágios do seu desenvolvimento a partir do campo museal, em meados

do

século

XX,

a

Museologia

podia

ser

entendida

de

forma

desproblematizada como “o estudo científico de tudo o que se refere aos Museus” (BARROSO, 1946, p. 6, grifos nossos). Com efeito, ainda pensada como “estudo dos museus” e longe de se configurar como um campo disciplinar autônomo, a Museologia atravessou a maior parte do século XX discutindo os seus termos e conceitos fundadores e deflagrando as imprecisões conceituais que marcavam tais discussões e impediam que esse ramo de estudos recente se pensasse, de fato, como uma ciência. No Brasil, a “museologia” que se desenvolveu entre os anos 1930 e 1970, em consonância com as principais tendências dos estudos museais que então circulavam internacionalmente3 e ainda restrita, em grande parte, ao contexto do Rio de Janeiro, testemunhou a passagem de um campo de estudos limitado aos museus existentes, para um campo disciplinar voltado para o estudo do Museu, do Patrimônio e da própria Museologia, reflexivamente, que passa a buscar o estatuto de ciência humana. A partir da década de 1960, com a necessidade de formação profissional especializada para atuar em museus nos países europeus, e sobretudo em função da ampliação do campo museal desde o período pós-Segunda Guerra, a museologia passou a ser progressivamente considerada, por alguns pensadores, como um verdadeiro “campo científico de investigação do real” ou “uma ciência em formação” (DESVALLÉES & MAIRESSE, 2013). Contudo, somente no final do século, notadamente nas décadas de 1980 e 1990, que começa a se delinear de forma mais evidente o

Em sua concepção do Curso de Museus criado em 1932 no Museu Histórico Nacional, Gustavo Barroso se pautava nos textos sobre museus disseminados pela publicação Mouseion, do Office international des musées – OIM, ou Escritório Internacional de Museus, em português. A ideia de se criar o Escritório foi lançada, em 1925, pelo historiador da arte, Henri Focillon, como um estabelecimento de ligação entre todos os museus do mundo, uma organização de intercâmbios e congregações, tendo como uma de suas funções a de sistematizar as informações sobre os museus do mundo inteiro. (MAIRESSE, 1998, p.25). 3

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campo disciplinar da Museologia4, irradiando-se a partir da reflexão teórica promovida, desde 1977, pelo Comitê Internacional de Museologia – ICOFOM, no qual atuavam, desde os seus primeiros anos de existência, pensadoras brasileiras como Waldisa Rússio Guarnieri5 e Tereza Scheiner6, ambas professoras no campo da Museologia e as principais responsáveis pela disseminação da Teoria da Museologia respectivamente nos contextos de São Paulo e Rio de Janeiro, estabelecendo as duas primeiras escolas de pensamento do país. Desde o início, a “investigação sobre o conceito de Museu esteve [...] associada aos estudos teóricos da Museologia” (SCHEINER, 2007, p. 147-148). “Museu” pode ser pensado como o conceito fundador do campo disciplinar da Museologia, uma vez que a Museologia “ganha identidade e razão de ser, seja como filosofia ou como ciência” (SCHEINER, 2007, p. 148-149) baseando-se no desenvolvimento e na análise cuidadosa de terminologias definidas a partir de conceitos próprios do campo. Hoje, sendo os conceitos de Museu e Museologia percebidos por uma via processual, torna-se iminente a discussão de uma disciplina científica dinâmica e em constante processo de auto avalição considerando o seu estatuto epistêmico bem como os seus principais objetos de estudo. Apesar de a “museologia” existir como um ramo de estudos sobre o “museu” há mais de um século7 e, no Brasil, o termo em si ter sido utilizado desde a década

Sobre a configuração social do campo da Museologia no Brasil, ver Brulon; Menezes e Cruz (2013). Cf. BRULON-SOARES, Bruno; MENEZES, Luciana & CRUZ, Henrique. “O nascimento da Museologia: confluências e tendências do campo museológico no Brasil. 90 anos do Museu Histórico Nacional: em debate” – Rio de Janeiro, p. 242-260, 2013. 5 Waldisa Rússio Guarnieri (1935-1990), com formação em Direito pela Universidade de São Paulo (1959), foi fundadora do primeiro curso de pós-graduação lato sensu em Museologia no Brasil, no âmbito da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP/SP. 6 Tereza Scheiner, formada em Museologia pelo Curso de Museus do Museu Histórico Nacional, tornase professora do Curso em 1970, sendo a principal responsável pela criação do primeiro curso de pós-graduação stricto sensu em Museologia no país e na América do Sul, em 2006, quando é criado o Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, curso coordenado por ela até o presente. 7 O termo “museologia” é utilizado pela primeira vez na obra de Georg Rathgeber, intitulada Aufbau der niederländischen Kunstgeschichte und Museologie (Reconstrução da história da arte e da museologia holandesa), publicada em 1839. Ao longo do século XIX, primeiro na Alemanha e depois também na França, o termo apareceria em certas publicações se diferenciando progressivamente do termo “museografia”, mais usado na época. A semântica do termo “museologia” evoluiu gradualmente do termo mais antigo, “museografia”, do qual o primeiro se emancipou ainda que não completamente até os nossos dias. Cf. AQUILINA, Janick Daniel. The Babelian Tale of Museology and Museography: a history in words. Museology: International Scientific Eletronic Journal, Aegean, n.6, 2011. 4

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de 19308, a discussão específica sobre o caráter científico da disciplina só tem início no país a partir dos anos 1980 e 1990, principalmente no âmbito da Escola de Museologia da então Universidade do Rio de Janeiro – UNIRIO e sob influência da reflexão internacional instaurada pelo ICOFOM. Com efeito, os estudos sistemáticos sobre a Museologia se organizam ainda de forma incipiente nas primeiras publicações do Comitê de Museologia do ICOM9, que começam a ser produzidas a partir do ano de 1978. Paralelamente, ainda na década de 1970, no contexto particular de São Paulo, Waldisa Rússio Guarnieri seria responsável pela criação do primeiro curso de pósgraduação lato sensu em Museologia de São Paulo, em 1978, levando em conta uma recomendação do ICOM, de 1965, sobre a formação complementar – em pósgraduação – específica de Museologia para profissionais de outras áreas que atuavam em museus (GUARNIERI, 2010, p. 256). Vinculado à Escola Pós-graduada de Ciências Sociais da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESP, o curso de Museologia era beneficiado com sua estrutura e forma pedagógicas e, principalmente, compreendendo a interdisciplinaridade como método (GUARNIERI, 2010, p. 235). A perspectiva interdisciplinar enfatizada por Rússio Guarnieri não ignorava a discussão científica que começava a ganhar ênfase no contexto internacional com a qual a própria autora contribuía por meio do ICOFOM. Inaugurando a reflexão sobre o caráter científico da Museologia, na República Tcheca, Zbynek Zbyslav Stránský10 é o primeiro pensador a se comprometer com a tentativa de esboçar uma ciência, ainda nos anos 1960. A partir de tal reflexão, Stránský se voltaria para a investigação dos três pontos que julgava imprescindíveis para a constituição de uma disciplina científica: (1) primeiro, uma ciência implica em se ter definido um objeto de estudo reconhecido por seus pares; (2) além disso, uma ciência deve fazer uso de alguns métodos próprios; (3) e, finalmente, uma ciência

O termo “museologia” é introduzido no contexto brasileiro por meio do Curso de Museus do MHN. O termo é usado na documentação interna do Curso, por seu então diretor, Gustavo Barroso, a partir de 1934 (Brulon-Soares; Menezes; Cruz, 2014). 9 A publicações do ICOFOM encontram-se atualmente disponíveis para acesso no site do comitê (icofom.icom.museum). 10 Sobre o pensamento de Stránský ver Baraçal (2008). Cf. BARAÇAL, Anaildo Bernardo. O objeto da museologia: a via conceitual aberta por Zbynek Zbyslav Stránský. 2008. Dissertação (Mestrado) – Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio, UNIRIO/MAST, Rio de Janeiro, 2008. 126p. 8

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deve possuir uma terminologia específica (STRÁNSKÝ, 1980, p.44). Os dois últimos pontos, para ele, aparecem como fortemente dependentes do primeiro. Sobretudo com a sua reflexão sobre o objeto de estudo da Museologia, Stránský propôs questões desconcertantes para o campo em construção. Com a declaração, em 1965, em que nega o museu como objeto científico (STRANSKÝ, 1965), o autor abre o caminho para um longo processo de autorreflexão que iria marcar a Museologia em suas bases. O “museu” seria, para Stránský, “somente um instrumento para realizar certo jeito particular de cognição da sociedade” (STRÁNSKÝ, 2005, p.111 apud BARAÇAL, 2008, p.70), e poderia ser entendido como uma instituição histórica, passível de se transformar com o tempo. Ao se indagar sobre o seu objeto científico de estudo, Stránský chama a atenção para o fato de a Museologia ainda não ter conquistado o seu lugar no sistema das ciências existentes. De fato, os resultados da produção teórica referentes aos museus não eram aceitos no quadro dos conhecimentos científicos, mesmo posteriormente quando se intensifica, no ICOFOM, a produção sistemática de textos reconhecidos como Teoria Museológica. O presente artigo busca apresentar historicamente as bases teóricas que estruturaram a Museologia como campo disciplinar, considerando o caso brasileiro em seus diálogos com o campo internacional, e contribuir para as discussões sobre o seu estatuto científico. Reconhecemos que a teoria em si não é ciência, mas que ela tem um papel determinante como exercício de pensar a Museologia, funcionando como metamuseologia – isto é, a teoria formulada pelos atores do campo sobre o próprio campo disciplinar em construção. O estatuto científico: a Museologia em busca de seu objeto de estudo Em 1980, no primeiro número dos Museological Working Papers (MuWoP)11 publicado pelo ICOFOM, a questão sobre a ambiguidade da Museologia como um campo de práticas heterogêneas ligadas aos museus, por um lado, e uma disciplina teórica, por outro, é endereçada. A publicação que teve como temática a pergunta Publicados em 1980 e 1981, os Documentos de trabalho em Museologia (em português) constituíram uma primeira tentativa do comitê de Museologia de discutir o campo em termos científicos e reflexivos. Os dois números encontram-se disponíveis em: . 11

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“Museologia, ciência ou apenas trabalho prático do Museu?”12 teve a participação dos principais autores que, na época, se voltavam para a reflexão sobre o campo disciplinar, contando com uma maioria de nomes provenientes da Europa do leste e central. Entre os autores selecionados para os dois únicos números dessa publicação inaugural de um campo próprio de reflexões, Stránský afirmava que “a dificuldade em conceber o objeto da Museologia tem resultado na confusão com relação ao lugar e função da Museologia, como um possível ramo científico no sistema das ciências” (STRÁNSKÝ, 1981, p.72). Se o pensamento sobre o “museu” que vinha se desenvolvendo até então não era suficiente para gerar uma ligação convincente da teoria à prática, um novo tipo de sintonia entre esses dois polos precisaria ser definido. Para Geoffrey Lewis, a definição da palavra “Museologia” não é o que deve ser contestado para que ela seja compreendida entre as ciências. Um aspecto mais importante é se as pessoas do museu podem justificar o emprego da palavra no contexto de seu trabalho. “Está o trabalho do museu bem estabelecido sobre uma base científica, ou está ele, em grande parte, sobre uma base amadora?” Então seria a Museologia apenas uma atividade prática do museu? (LEWIS, 1980, p.26) Stránský alegaria que o “museu” não pode ser o objeto de estudo da Museologia visto que é uma forma específica de apropriação da realidade, e não meramente a realidade, mas “a realidade vista de um ponto de vista axiológico definido pelo homem, por nações, sociedades e a humanidade” (STRÁNSKÝ, 1987, p.289). Defendendo que o objeto da Museologia devia ser essa relação específica com a realidade, o autor acrescenta: “Na minha opinião, a busca pelo caráter museal das coisas (que eu chamo de “musealidade”) deve, então, estar no centro da intenção gnoseológica da museologia”13 (Ibidem, loc. cit.). O pensador tcheco proporia, então, retirar o foco do museu para colocar no centro das inquietações teóricas novos objetos ou conceitos próprios da Museologia, que para ele deveriam ser considerados a priori. Primeiramente, ele chama a atenção

Cf. SOFKA, Vinos (org.). MUWOP: Museological Working Papers/DOTRAM: Documents de Travail en Muséologie. Museology – Science or just practical museum work? Stockholm: ICOM, International Committee for Museology/ICOFOM; Museum of National Antiquities, v. 1, 1980. 67f. 13 “In my opinion, this seizing of the museum character of things (which I call “museality”) must therefore be in the centre of the gnoseological intention of museology”. 12

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para a musealidade14 – entendida como um “valor documental específico da realidade”, isto é, um “valor da evidência autêntica da realidade” (SCHREINER, 1980, p.39) – ou para o próprio processo social de atribuição de valor às coisas do real. Ainda em seu texto transgressor de 1965, intitulado O objeto da Museologia [Predmet muzeologie], ao negar o museu como objeto de estudo disciplinar, Stránský afirmava, entretanto, que, O objeto da museologia deve ser procurado justamente no trabalho em museu, visto gnoseologicamente na contribuição científica deste mesmo trabalho em museu. E isso é precisamente o reconhecimento do material (documento) primário. Isto é, aquela tarefa do trabalho sistemático e crítico de documentar, focalizado na seleção dos documentos primários – musealia. (STRÁNSKÝ, 1965, p.33, grifos do autor).

Ao se referir ao processo mesmo que produz musealia, ele desloca a discussão do museu (como o “meio”) para a sua “finalidade”, hoje entendida claramente como a musealização. Ambos os conceitos levariam Stránský a pensar a intenção cognitiva da museologia como a de interpretar cientificamente “uma postura do homem em relação à realidade” (STRÁNSKÝ, 1980 apud VAN MENSCH, 1992), ideia esta que seria o principal traço de sua produção a influenciar os autores subsequentes que defenderiam o caráter científico da disciplina. Influenciada pela reflexão que Stránský iniciara no leste europeu, Anna Gregorová conclui, no segundo volume dos MuWoP e considerando os trabalhos publicados em 1980, que a tendência predominante era a de considerar a Museologia como uma ciência: A museologia é uma ciência que examina a relação específica do homem com a realidade e consiste na coleção e na conservação conscientes e sistemáticas e na utilização científica, cultural e educativa de objetos inanimados, materiais, móveis (sobretudo tridimensionais) que documentam o desenvolvimento da natureza e da sociedade. (GREGOROVÁ, 1981, p.34, tradução nossa)15

Assim, sem superar a ambiguidade inerente ao campo, e embora a autora considere que a Museologia estuda uma relação específica do Homem com a O conceito de musealidade seria modificado por Stránský ao longo dos anos, deixando progressivamente de ser interpretado como uma categoria de valor para ser pensado como “a própria orientação específica do valor”, como aponta Van Mensch (1992a). 15 “La muséologie est une science qui examine le rapport spécifique de l’homme avec la réalité, et consiste dans la collection et la conservation conscientes et systématiques et dans l’utilisation scientifique, culturelle et éducative d’objets inanimés, matériels, mobiles (surtout tridimensionnels) qui documentent le développement de la nature et de la société.” 14

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realidade, ela ainda vê essa disciplina atrelada às atividades do Museu, colocando-o na posição de apenas depositário dos documentos da natureza e da sociedade, sem que este exerça necessariamente qualquer influência sobre tal desenvolvimento. Gregorová parte dessa definição vasta para estabelecer o lugar da Museologia em relação às outras disciplinas científicas. A autora explica que a Museologia pertence às ciências sociais – ou ciências humanas, se as avaliamos sob um prisma amplo, que englobam a psicologia, a filosofia, a filosofia do homem, a estética, entre outras – tendo como objeto a relação do homem com a realidade, de tal forma que a sua classificação é estabelecida também a partir de sua relação concreta, e ao mesmo tempo específica (é uma relação de tipologia específica), com a realidade. A Estética, por exemplo, – enfatiza ela – examina um tipo de relação com a realidade diferente daquele examinado pela psicologia, pela psicologia social, assim como as outras disciplinas sociais. É por isso, portanto, que a Museologia pode ser colocada entre essas ciências, sociais e humanas (GREGOROVÁ, 1981, p.34), ainda tendo que definir a especificidade do seu objeto relacional. Gregorová afirma que, por isso, não há dúvida de que a Museologia faça parte dessas ciências. Para reforçar essa tese, a autora nos reporta ao fato de que as ciências naturais, por exemplo, praticadas em certos museus, não são determinantes para legitimar a Museologia como uma disciplina científica autônoma. Isto se dá porque cada uma dessas disciplinas (a geologia, a botânica, a paleontologia, etc.) possuem seu objeto próprio e seus métodos de pesquisa, que às colocam, por sua vez, no contexto mais amplo, das ciências da natureza, ou seja, nas disciplinas das ciências naturais. A mesma lógica vale para a História, a História da arte, a Antropologia, entre outras, que mesmo estando mais próximas da Museologia, por também consistirem em disciplinas das ciências humanas, estudam, por sua vez, fragmentos específicos da realidade relacional. O que importa para essas ciências é um tipo específico de relação da consciência com a existência, que determina o tipo de realidade que elas examinam. Gregorová apontava, em outras palavras, que mesmo entre as ciências sociais e humanas, cada uma delas estabelece o seu próprio objeto de estudo, ao examinar um tipo específico de relação do Homem com a realidade. Estando elas dentro do

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museu, tais ciências possuem seus objetos e metodologias próprios, e se beneficiam dessa estrutura sem exercerem influência sobre o objeto de estudo da Museologia. Com base nessa primeira via de trocas reflexivas sobre o campo, no seio do ICOFOM, o que se pôde concluir, com efeito, foi que para ser ciência, a Museologia – discutida e pensada na teoria – necessitava primeiramente de uma proposição eloquente sobre o seu objeto de estudo. Mesmo que abarcando teoria e prática, ou estudando as relações entre essas esferas relacionais do humano, a Museologia ainda se via diante do desafio de definir o seu objeto colocando em causa a sua autodefinição como ciência. Parâmetros para uma disciplina teórico-prática: uma metodologia da Museologia A Museologia, entendida pelos principais pensadores do campo como a aplicação prática da Teoria da Museologia (ou metamuseologia), é constituída por uma grande variedade de métodos, mas, como apontou Ellis Burcaw (1983, p.11) ainda nos primeiros anos de existência do Comitê Internacional, devemos nos perguntar se esses métodos constituem, de fato, uma metodologia (isto é, um sistema). A Museologia, como campo disciplinar que se ampliou em diversas partes do mundo nas últimas quatro décadas, pode ser considerada como abarcando a museologia (corpo de proposições teóricas e reflexivas) e a museografia (conjunto de práticas)16, o que faz desse campo ainda mais amplo do ponto de vista de uma metodologia. Tendo surgido, na maioria dos contextos em que o termo é aplicado, a partir de uma reflexão sobre a prática, a Museologia como disciplina teórica e como campo de atuação vincula-se, inicialmente, às experiências de capacitação de profissionais para museus: ao voltar-se sobre si mesmos e sobre a sua experiência, profissionais de museus teriam começado a identificar as especificidades da sua prática e a perceber a necessidade de definir, para ela, um lugar de pensamento (SCHEINER, 1987). Mas esse seria um longo caminho a ser percorrido, já que as

Divisão conceitual apresentada por Georges-Henri Rivière nos anos 1950, e adotada no âmbito do ICOM e dos diferentes países em que esses conceitos foram discutidos desde então, como é o caso do Brasil. Cf. RIVIÉRE, Georges-Henri. Stage regional d’études de l’Unesco sur le role éducatif des musées (Rio de Janeiro, 7-30 septembre 1958). Paris: Unesco, 1960. 16

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primeiras experiências de capacitação, ainda no início do século XX, apontavam para uma identificação da museologia como conjunto de técnicas operativas dos museus. Peter van Mensch (1992b, p. IX) indica que uma das primeiras experiências de treinamento profissional foi organizada em 1908, pelo Museu da Pensilvânia, nos Estados Unidos. Meio século mais tarde, em 1958, no Seminário Internacional de Museus Regionais da UNESCO acerca do papel dos museus na educação, ocorrido no Rio de Janeiro, Georges-Henri Rivière mencionaria a necessidade de três níveis diferentes de treinamento profissional: “treinamento básico, treinamento geral em Museologia e treinamento especializado, ou avançado em Museologia” (RIVIÈRE, 1960). Cabe lembrar que em 1958 a Museologia ainda era definida como ramo do conhecimento ligado ao estudo dos objetivos e organização de museus.17 Em 1965, a Conferência Geral do ICOM, ocorrida em Nova Iorque, enfatizava a necessidade de desenvolver cursos universitários em Teoria da Museologia. Porém, para Mensch (2000), o futuro da Museologia como disciplina acadêmica estaria na relação entre teoria e prática, isto é, na habilidade dos teóricos em participar e em contribuir para discussões relevantes sobre a sua realidade profissional. Nessa perspectiva, a Museologia se configuraria como uma disciplina dos interstícios, existindo entre dois polos: o das práticas – que poderiam ou não se limitar ao universo empírico dos museus – e o da reflexão teórica que faria dos profissionais (ou museólogos, no Brasil), em vez de técnicos, ‘seres pensantes’. A discussão sobre uma metodologia própria que permitisse a definição de parâmetros para essa Museologia que encontra o seu lugar entre teoria e prática perpassa, ainda, as diversas visões de mundo que enquadram o fazer museal. Como expressou Burcaw, se cada sistema político no mundo tiver a sua própria ideia de museologia, como chegar a um solo comum para a disciplina? No início da década de 1980, o ICOFOM assumia o papel de promover o diálogo entre pensadores de diferentes regiões do mundo (divididos por um cenário político particular) para que se pudesse pela primeira vez conceber uma Museologia (e uma metodologia) comum. Se os museus e os seus profissionais estão “a serviço das sociedades” 18, de fato, as Comparativamente, este é também o momento em que Regina Real, museóloga brasileira, publica um folheto identificando a Museologia como a “ciência dos museus”. (REAL, 1958). 18 Segundo Burcaw, nos países socialistas tal expressão significaria, em certa medida, apresentar e incentivar o público a aceitar uma instância política e econômica governamental, ou seja, a perspectiva Marxista-Lenista baseada no materialismo dialético e histórico. Por outro lado, na maioria dos países 17

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diferentes “museologias” estariam sujeitas às particularidades dos diferentes contextos sociais e, logo, a tarefa de se estabelecer uma metodologia comum poderia ser impossível. Com efeito, no momento em que não se via muita esperança em um consenso entre as partes reconhecidas como Oriente e Ocidente, e o pensamento museológico estava dividido pela conjuntura geopolítica dos anos 1980, o ICOFOM assumiu a prerrogativa de, ao menos, fazer com que diálogos fossem estabelecidos entre as diferentes partes. Apesar da dificuldade de se encontrar caminhos metodológicos que se aplicassem às diversas perspectivas culturais ou científicas, os pensadores icofomianos encontraram alguns pontos de diálogo possíveis. A discussão sobre métodos próprios – ou uma metodologia – perpassava, como havia salientado Stránský, os debates sobre o caráter científico da Museologia na obra de outros autores da época. Para o pensador alemão Klaus Schreiner, a Museologia, ao ser comparada com as disciplinas específicas e básicas, seria uma “ciência de apoio” (SCHREINER, 1980). Ao analisar as questões metodológicas levantadas por Stránský e a sua proposição da “musealidade” como objeto de estudo da Museologia, Schreiner considera a definição stranskiana da musealidade como “um valor documental específico” (SCHREINER, 1980, p.39) de objetos concretos e perceptíveis da natureza e da sociedade, para apresentar a sua reflexão sobre o lugar na Museologia no sistema das ciências. O autor lembra que outras disciplinas científicas também estudam “objetos concretos e perceptíveis da natureza e da sociedade”, e que gnosiologicamente esses objetos não apresentam um valor documental a priori, mas apenas em conexão com essas outras ciências especializadas. Segundo Schreiner, logo, o objeto de estudo da Museologia seria “o conjunto de atributos, estrutura e leis de desenvolvimento, determinando o processo complexo de aquisição, preservação, decodificação, pesquisa e exibição de objetos originais selecionados da natureza e da sociedade como fontes primárias de conhecimento” (SCHREINER, 1980, p.40). A disciplina não poderia estudar os objetos de outras

ditos “ocidentais”, “a serviço da sociedade” significava dar às pessoas o que elas querem. Tal visão se distanciava da que prevê dar ao público o que o governo decidir. O problema, neste período, era que muitos museus e profissionais de museus tinham visões políticas bem diferentes (BURCAW, 1983, p. 12).

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ciências como fontes primárias em si mesmos, mas os processos específicos de produção de conhecimento a partir deles. Nessa perspectiva, a Museologia deve atuar cooperando com várias outras disciplinas científicas, por ocupar um espaço em relação estreita com elas. A Museologia, assim, deve “olhar” para objetos do real, estudados por outras disciplinas científicas, com “olhos de ver” o valor neles investido pelas sociedades, e independentemente dos conhecimentos específicos produzidos por essas outras disciplinas. As categorias básicas de “museu”, assim, seriam obtidas através da formulação de leis “que sejam incontestavelmente típicas das relações e conexões mútuas existentes entre o fenômeno museológico e as categorias que dele se originam” (SCHREINER, 1980, p.41). Em outras palavras, Schreiner entendia que a Museologia não devia partir dos museus, mas que poderia produzir um conhecimento específico a partir dos processos constitutivos da musealização, e tal conhecimento, por sua vez, seria passível de servir de base teórica para o trabalho prático nessas instituições. É, portanto, por meio da ampliação de seu objeto de estudo ao falarem em “relação” ou “processo”, que esses autores fundadores do campo disciplinar da Museologia passam a abarcar progressivamente uma nova dimensão da disciplina que, para além do museu, considera o estudo do Patrimônio. O que propunham esses autores, logo, era pensar a Museologia como um campo de estudos das mediações que formalizam o processo mais amplo da musealização – que em diversos sentidos pode se confundir com a patrimonialização19, se aceitarmos a perspectiva de uma ciência intitulada de “patrimoniologia”20 – de modo a se definir, então, um campo empírico concreto da Museologia que escapa os limites dos museus. A dissociação necessária entre a Museologia e os museus constituiu – e ainda constitui, no presente – possivelmente o principal desafio metodológico a ser enfrentado por essa disciplina. Como já era observado por alguns autores nos anos 1980 (BURCAW, 1983, p.17), a Museologia, enquanto mantivesse o seu caráter normativo – inerente ao campo museal e ao próprio ICOM –, servindo para descrever Ver a página 19 deste artigo sobre a especificidade dos conceitos de “musealização” e “patrimonialização”. 20 “Heritology”, no termo criado por Tomislav Sola. Cf.: ŠOLA, Tomislav. A contribution to a possible definition of museology. Paris, 1992. Disponível em: www.heritology.com. Consultado em: 8 de março de 2014. 19

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a organização desejável das instituições, ela se distanciaria de uma disciplina científica em busca de elaborar a sua metodologia própria. A sustentação do campo disciplinar: a terminologia da Museologia Pensada como uma ciência humana em um contexto de fronteiras científicas permeáveis e campos definidos pela relação, a Museologia ostenta a feição de um “campo híbrido” como lembra Lima (2008). Assim, logo se esboçou a necessidade de que os principais órgãos e atores do campo investissem na conjugação de uma terminologia museológica, que se fez urgente para a comunicação da produção científica na área e para outras atividades que dependiam da transferência de informação. Não demorou, portanto, para que se começassem a pensar os primeiros projetos destinados a recuperar, criar e traduzir um vocabulário controlado de termos e conceitos para a Museologia. Desde que foi criado o ICOM, transparece uma preocupação latente com a determinação de termos e conceitos específicos ligados ao campo dos museus e da Museologia. Na década de 1950, o Conselho passa a criar e disseminar a sua própria definição (evolutiva) para o termo “museu”. Esta, em debates constantes até o presente, foi desde então o centro de diversas e complexas discussões teóricas e normativas entre os diferentes comitês especializados do ICOM. Como lembra Tereza Scheiner (2008), durante os anos 1970 “vários grupos de especialistas vinculados ao ICOM, interessados em atender às recomendações da Organização, debruçaram-se sobre os termos e conceitos da Museologia, analisando-lhes os fundamentos ontológicos e as situações de uso”. O objetivo era apresentar “à comunidade internacional de estudiosos do patrimônio um conjunto de padrões e normas operacionais que tornasse possível desenvolver, para os museus e a Museologia, uma linguagem comum”. A partir de meados da década de 1970, a proposição de um Dictionarium Museologicum passa a ser explorada pelos três Comitês Internacionais que estavam ligados diretamente com a pesquisa terminológica no seio do ICOM; são eles: o Comitê Internacional para Documentação (CIDOC, criado em 1950), o Comitê Internacional de Formação Profissional (ICTOP, criado em 1968) e o já citado Comitê Internacional de Museologia (ICOFOM, criado em 1977). Inicialmente, a tarefa de

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constituição de um Dictionarium Museologicum ficou a cargo do CIDOC, e, em 1976, o ICTOP assume parte da responsabilidade ao criar um Grupo de Trabalho sobre Terminologia. Em 1977 o Dictionarium Museologicum começa a ser desenvolvido. Este era pensado como um dicionário amplo contendo os termos especializados que servissem de instrumento de trabalho para museólogos em todo o mundo. A ideia era que ele fosse traduzido em cerca de 15 a 20 línguas. Todavia, tendo sido escrito originalmente em húngaro, e traduzido para outras línguas na Hungria, a primeira versão do dicionário, lançada em 1978, apresentou diversos problemas, sendo rejeitada pela comunidade museológica internacional. Ficou

claro,

assim,

que

uma

terminologia

museológica

deveria

ser

desenvolvida em cada uma das diferentes línguas, uma vez que os próprios conceitos ligados a cada termo eram objeto de complicadas especificidades, ligadas às realidades culturais de cada grupo ou país. Desde que foi criado em 1977, o ICOFOM se mostrou preocupado com as evoluções do Dictionarium Museologicum e com a identificação de um conjunto de termos básicos para a Museologia. O ICOFOM ocupou-se, desde a sua criação, em desenvolver estudos teóricos em torno dos termos e conceitos identificados como constitutivos do campo – sendo os dois primeiros, “Museu” e “Museologia”. Num primeiro momento, diversas tensões se estabeleceram entre o ICOFOM e o ICTOP, ambos determinados a desenvolver estudos teóricos que levariam à publicação de um Tratado de Museologia. Mas essa se mostraria uma tarefa árdua. Ainda que os principais teóricos do ICOFOM se preocupassem em desenvolver uma produção articulada, baseando as suas ideias e opiniões na teoria já existente, o seu crescimento exponencial trouxe para o âmbito do Comitê dezenas de novos autores, com novas ideias e conceitos. Em sua tese de doutoramento, datada de 1992, Peter van Mensch (1992a) comenta que “uma das fraquezas do campo museológico” é a inexistência de livros teóricos sobre teoria museológica. Visando minorar essa situação, foi criado, em 1993, durante a Conferência Anual do ICOFOM, em Atenas, na Grécia, um projeto permanente de pesquisa denominado Terminologia da Museologia, com o objetivo de sistematizar os estudos sobre termos e conceitos básicos da Museologia. Integraram o grupo de pensadores original os seguintes especialistas: Zbynek

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Stránský (República Tcheca), Ivo Maroevic (Croácia), Martin Schaerer (Suíça), Peter van Mensch (Holanda) e Tereza Scheiner (Brasil). Com caráter internacional, esse projeto evoluiu para a busca da organização de um Thesaurus Museologicus, coordenado por André Desvallées. Durante a década de 1990, duas correntes predominantes no seio do ICOFOM disputaram o direcionamento do projeto em torno da terminologia. O que foi pensado por Desvallées, e, em contrapartida, aquele que tinha como base a produção teórica do leste Europeu – e, particularmente da Universidade de Brno, na República Tcheca – pensado e sustentado por Stránský. No final dessa década, todavia, o projeto de Desvallées encontra aprovação majoritária dos membros do comitê, diferentemente do proposto por Stránský, que, por motivo da incompatibilidade linguística de alguns dos termos, é, então, abandonado. Progressivamente esse projeto foi sendo adotado em diversas partes do mundo, segundo um mesmo modelo, considerando as particularidades da terminologia museológica em cada região. Ao lado de André Desvallées, contribuíram ativamente na redação dos termos, Bernard Deloche e François Mairesse (em francês) e Norma Rusconi (em espanhol) (SCHEINER, 2008, p. 214). Desde 1994, o ICOFOM LAM, Subcomitê Regional do ICOFOM para a América Latina e o Caribe, passou a desenvolver pesquisas nesse sentido, criando um grupo regional sobre termos e conceitos da Museologia. No Brasil, em 2005, é criado o ramo brasileiro do projeto Termos e Conceitos da Museologia, desenvolvido na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO, e atualmente ligado ao Programa de Pós-Graduação em Museologia e Patrimônio – PPG-PMUS, dessa universidade. No início do século XXI, o trabalho do ICOFOM foi marcado pela disseminação dos frutos da pesquisa constante dos últimos anos no projeto internacional Terminologia da Museologia, que já contou com a publicação, em 2010, na Conferência Geral do ICOM, em Xangai, de um livro de verbetes intitulado Conceitos-chave de Museologia, e, finalmente, em 2011, o Dicionário Enciclopédico de Museologia em língua francesa, como a versão extensiva da primeira publicação. Trata-se de um projeto permanente no seio do ICOFOM, e a pesquisa continuada se

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faz necessária, como podemos observar com a própria trajetória da definição do termo “museu” no seio do ICOM. Como conceito fundador da disciplina Museologia, ainda que muitos o contestem como o seu principal objeto de estudo, o “museu” constituiu nas últimas décadas o principal foco dos estudos terminológicos do campo museológico. Ao longo dos anos, tendo diversas instituições mantido relações com o ICOM, sem se enquadrarem necessariamente na definição de museu proposta em 1974 (entre elas, galerias de arte, centros de ciência e centros culturais sem fins lucrativos) esse Conselho, através de seus diretores executivos, passa a incentivar debates para modificar tal definição. Entre os anos de 2003 e 2004, diversos são os pensadores, de diferentes comitês, que propõem mudanças à definição vigente. Em 2005, os membros do ICOFOM se reúnem em Calgary, no Canadá, gerando um fórum de discussão específico para a reflexão sobre o conceito de museu proposta pelo ICOM. O resultado foi uma proposição de definição e uma publicação específica, de cunho teórico, acerca da definição desse conceito, com textos escritos pelos principais teóricos do campo da Museologia, reconhecidos no seio do ICOFOM. Foi reconhecido, em Calgary, que uma tal definição deveria ter caráter evolutivo, considerando diversas atualizações ao longo do tempo (MAIRESSE, 2011, p.312). Entretanto, em 2007, para frustração dos membros desse comitê, o ICOM iria adotar uma definição não muito distinta daquela já escrita em 1974. A partir de diversas proposições de definições para o museu nos últimos anos, no ICOFOM, François Mairesse aponta um conjunto de similaridades relativas. Cada um dos autores insiste sobre: (1) o princípio segundo o qual o museu atual flutua em suas formas e constitui algo que se aproxima de um fenômeno mas vasto e mais estável; (2) o museu aparece, a partir desses autores, como um lugar, uma função, um fenômeno, ou uma instituição específica; (3) seu princípio fundador repousa sobre a experiência sensível, essencialmente a visualização; (4) sua função é dupla ou tripla: arquivar/salvaguardar/preservar e transmitir/comunicar, às quais alguns acrescentam estudo/pesquisa; (5) ele só pode ser compreendido em referência a um conjunto de valores (cultura) se ligando aos objetos coletados, visando interpretá-los no presente e em todo novo contexto (MAIRESSE, 2011, p.314).

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No entanto, o debate em torno do conceito de museu não chegou a um fim, e sobretudo no seio do ICOFOM ele encontrou ressonância e novas ideias foram sendo propostas ao longo do tempo. Uma percepção mais ampla da noção de museu veio sendo defendida por diversos autores, ainda que ela colocasse em cheque a definição adotada pelo ICOM e disseminada nos quatro cantos do mundo. Hoje, falar em “museu” no campo da Museologia significa evocar um conceito-chave múltiplo e dinâmico, e que não se refere direta e necessariamente a uma instituição tradicional que guarda objetos materiais, já que as suas diversas possibilidades semânticas refletem a complexidade da própria Museologia. Perspectivas contemporâneas da Museologia Desde que o termo “Museologia” passou a designar, no Brasil, uma disciplina com pretensões de se tornar científica, um campo de reflexões teóricas sobre a Museologia e o Museu – como conceitos fundamentais para o pensamento museológico – se estabeleceu em diálogo constante com os debates internacionais. Hoje, alguns dos principais traços contemporâneos que permanecem como marcantes da Museologia brasileira são interpretações próprias dos nossos autores sobre as ideias que circulavam a partir dos textos e debates do ICOFOM no final do século XX. Desde 1979, já no âmbito do ICOFOM, uma produção teórica ainda incipiente iria estabelecer os fundamentos de uma reflexão museológica. Segundo sintetiza Scheiner (2007), destacam-se certas contribuições que viriam a exercer enorme influência sobre os estudos teóricos da Museologia, buscando oferecer uma via de pensamento para o seu desenvolvimento como campo disciplinar. Nesse momento, alguns autores, abraçando a discussão do Museu e da Museologia diante do quadro das ciências contemporâneas, definem o Museu como fenômeno (Stránský, 1980) e a Museologia como a ciência que tem como objeto de estudo a “musealidade” (Stránský, 1987; Schreiner, 1981). A partir da influência das sementes conceituais plantadas nesse momento por Stránský, seria Scheiner a principal responsável no mundo por disseminar o entendimento da “face fenomênica do Museu” (SCHEINER, 1998), enfatizando o seu caráter processual e a ligação com as dinâmicas sociais dos diferentes contextos. Em

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sua própria interpretação da teoria tcheca, Scheiner confere um papel de centralidade ao “Museu”, pensado por ela como fenômeno social que compreende as suas mais diversas manifestações. Todavia, embora diferenciando-se por um pensamento próprio que iria se difundir no Brasil, a autora considera a contribuição de Stránsky essencial para a definição dos fundamentos da Teoria Museológica. Não apenas por ter sido o primeiro teórico do ICOFOM a expressar, de maneira aberta, sua convicção de que o Museu é um fenômeno, cujo objeto de estudo é a musealidade; mas também porque ele nos lembra, a todos, que para desenvolver a Museologia é necessário trabalhar com os paradigmas emergentes da ciência contemporânea. (SCHEINER, 2007, p.152-153)

Por uma via conceitual ligeiramente distinta, contudo sob a influência dos mesmos autores e ideias, Waldisa Rússio Guarnieri buscou aproximar a Museologia da Sociologia, ao propor como o objeto de estudo da primeira o “laço profundo” que denominou de “fato museológico” ou “fato museal” (RÚSSIO, 1981, p.56). Tendo contribuído com o segundo volume dos MuWoP, em 1981, a autora definiu o “fato museológico” como “a relação profunda entre o homem, o sujeito cognoscente, e o objeto” (RÚSSIO, 1981, p.56), numa perspectiva claramente influenciada pela relação “homem-realidade” apresentada por Stránský e Gregorová antes dela. Como uma das primeiras integrantes brasileiras do ICOFOM, ela foi responsável por introduzir no Brasil, e particularmente em São Paulo, o pensamento que levaria correntes mais diretamente ligadas ao movimento da Nova Museologia a florescerem no país algum tempo depois. A partir das considerações da autora, o ecomuseu como “uma das maiores conquistas e ‘descobertas’ da museologia contemporânea” ajudou a evidenciar que os museus se constituem de uma “relação profunda entre o homem e o objeto (objeto, ideia, criação)” (RÚSSIO, 1981, p.56), relação esta que só pode ser explicada com o suporte de outras ciências sociais. O pensamento teórico de Rússio Guarnieri se traduziria academicamente na idealização do primeiro curso de pós-graduação em Museologia no país, já citado, solidificando assim “uma Museologia sob os alicerces da Sociologia” (COUTINHO, 2010, p.10). Atualmente, diferentes ‘escolas’ de pensamento que se apropriam e reproduzem à sua maneira o pensamento das autoras que primeiro refletiram sobre o campo museológico no país vêm sendo estabelecidas. Reconhecemos uma profunda segmentação dos pensadores brasileiros em suas regiões de atuação ou pelas áreas de formação que fazem interface com a Museologia sem de fato contribuírem para a

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teoria do campo, isto é, sem integrarem uma rede de diálogos ativos. As relações iniciais, fossem com a Filosofia, com a Sociologia, ou ainda com a Ciência da Informação, já foram superadas como constitutivas dos pilares teóricos do campo disciplinar da Museologia e já se sabe que uma teoria balizada pelos conceitos e reflexões próprios dessa disciplina precisa ser desenvolvida nos diversos estudos acadêmicos metamuseológicos. A necessidade de uma metamuselogia, previamente anunciada por Stránský, é novamente considerada por pensadores que buscam desenvolver uma ciência reflexiva, isto é, voltada para a investigação do seu próprio objeto de estudo, de uma metodologia específica e uma terminologia do campo. O desafio museológico de integrar teoria e prática num mesmo discurso científico coeso é um traço marcante da disciplina mesmo nas abordagens contemporâneas. Em linhas gerais, contudo, uma mudança metodológica no sentido da cientificização do campo pode ser apontada. Na tentativa de esboçar uma proposta de estruturação do campo por meio do entendimento das relações estabelecidas entre o conhecimento prático e o teórico, é possível apontar os anos 1970 como marco da intensificação das trocas entre as duas esferas de conhecimento que levaram a Museologia a se perceber como ciência (ver figuras 1 e 2).

Figura 1 – Interação das bases do conhecimento teórico a partir do museu até a década de 1970.

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Em uma análise simplificada do desenvolvimento da teoria da Museologia, observa-se que a centralidade conferida aos museus entendidos no âmbito de suas práticas, de sua organização e do conhecimento prático produzido a partir dessas instituições levou à formulação dos primeiros questionamentos sobre o campo da Museologia e sua emancipação das capacidades meramente práticas dos museus. Consideramos – conforme explicitado na Figura 1 – que até os anos 1970 o conhecimento teórico produzido a partir do fazer museal não se desenvolvia a ponto de retroalimentar a própria prática que servia de substrado para essas primeiras reflexões. O que se pretende demonstrar não é que o trabalho prático em museus nasce desvinculado de qualquer teoria; ao contrário, como apontou Stránský nos anos 1980, o próprio pensamento museológico nos daria evidência de que os museus modernos surgem a partir “da reflexão sobre uma certa necessidade social”, e lembra que a atividade humana é inseparável do pensamento, uma vez que “antes de criarmos qualquer coisa, temos que perceber aquilo que desejamos criar, como desejamos criar e qual o sentido da criação” (STRÁNSKÝ, 1987, p.288). Chamamos a atenção, contudo, para o ponto de transformação de uma teoria do museu que levou as sociedades em direção a um fazer museal, para uma teoria da Museologia, que buscou, a partir de reflexões com pretensões científicas, estruturar um campo de conhecimento capaz de ‘extrapolar’ os museus e ao mesmo tempo fornecer as bases para o desenvolvimento de novas práticas museais. Neste sentido, o conhecimento científico formulado em décadas mais recentes e estruturante do campo contemporâneo da Museologia abarca dialogicamente tanto o corpo de conhecimentos práticos quanto a Teoria museológica. É importante ressaltar que tal perspectiva reflexiva sobre o campo, proposta sobre o conhecimento produzido pelo campo museal desde os anos 1970 e sistematicamente reavaliado no presente, estabelece-se por meio de um processo de retroalimentação entre prática e teoria, o que sustenta o conhecimento científico do campo da Museologia.

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Figura 2 – Interação das bases do conhecimento científico após a década de 1970.

Buscando suplantar a separação estabelecida entre a práxis museal e a reflexão museológica (ou a reflexão sobre a própria práxis existente, num primeiro momento), a Museologia das últimas quatro décadas se reestruturou graças a uma teoria reflexiva ou consciente (metamuseologia) sobre as práticas e, eventualmente, dando subsídio para o alargamento do campo cognoscente sobre o qual a disciplina atua. Extrapolando o museu como único objeto de estudo, a Museologia vem recentemente se voltando de modo cada vez mais incisivo para objetos sociais mais complexos e processuais como a musealização, ou mesmo a patrimonialização, cujo sentido é mais amplo, mas que não engloba todos os procedimentos compreendidos na musealização21. O fazer museológico, que abarca toda a cadeia patrimonial, ou, mais especificamente, a cadeia da musealização, passa a ser entendido como prática e reflexão aliadas num mesmo sistema de operações que atravessa o museu gerando novas representações da realidade e do patrimônio, e, consequentemente, novos Sobre essa diferença entre patrimonialização e musealização, ver Mairesse (2011). Cf. MAIRESSE, François. Muséalisation. In: DESVALLÉES, André & MAIRESSE, François. Dictionnaire encyclopédique de muséologie. Paris : Armand Colin, 2011. pp. 251-269. 21

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valores. Esse fazer – que é também um pensar –, entendido na nova estrutura de conhecimento, justifica a existência de uma disciplina científica autônoma que estuda, portanto, a ação constitutiva da musealidade: a musealização. Considerações Ao longo de grande parte do século XX, nos primeiros anos do desenvolvimento da museologia no mundo, os pensadores do ‘museu’ não estavam separados do seu suposto objeto de estudo. Eram os próprios profissionais dos museus aqueles que pensavam a ‘museologia’. A separação entre o cientista e o seu objeto de estudo – que se dá por meio de métodos científicos específicos – ainda não havia sido alcançada por completo na museologia. Hoje, nos diferentes contextos, um campo amplo de pesquisa se estruturou graças à aproximação entre a Museologia, como campo estruturado, e o contexto acadêmico, o que propiciou a distância necessária para a reflexão científica. É possível, porém, que os museólogos do presente não tenham conseguido definir claramente o objeto de estudo museológico justamente por se encontrarem ainda tão próximos dos museus. Com efeito, a teoria da Museologia que foi produzida nos últimos quarenta anos não é um produto exclusivo da prática museal, mas também não configura simplesmente a expressão das ideias de um grupo de pensadores da Europa do Leste e Central. A teoria da Museologia que temos hoje é o resultado de uma reflexão desenvolvida por esses pensadores confrontados com as práticas museais nos seus diferentes contextos de atuação e que retroalimenta a própria prática que a engendrou. Reconhecendo a ausência de um consenso sobre o caráter científico da Museologia, contudo, a urgência da estruturação de um campo museológico com questões próprias e um pensamento reflexivo não pode ser ignorada quando o próprio campo museal necessita de uma consciência. Tal consciência só poderá se estabelecer com o desenvolvimento de um saber museológico específico que sirva de base para os museus e seus profissionais num campo verdadeiramente interligado. O presente texto buscou tornar explícitas algumas das principais correntes de pensamento que, ao longo das últimas quatro décadas, apresentaram reflexões sobre o caráter científico do campo disciplinar da Museologia. Entendemos que tais reflexões, ainda que tenham sido disseminadas com certa ênfase no contexto

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brasileiro, atravessam no presente novos processos de reinterpretação e readequação aos diferentes contextos em que a noção – por vezes vaga – de “museologia” vem sendo aplicada e testada. Atualmente, o campo museológico no Brasil se estrutura em um conjunto heterogêneo de dezesseis cursos de graduação nas diversas regiões e quatro cursos de pós-graduação (incluindo mestrado e doutorado). O principal desafio contemporâneo é o diálogo intensivo entre esses universos de conhecimentos próprios que aliam as interpretações da teoria às mais diversas práticas entendidas como “museológicas” ou “museais”. Com a criação, em 2008, de uma Rede de Professores e Pesquisadores de Museologia, necessária para o amadurecimento do campo museológico no Brasil, é estabelecido o primeiro fórum no país de pensadores da Museologia que pensam a disciplina de um ponto de vista externo ao campo museal. Tal perspectiva acadêmica – e reflexiva por princípio – formaliza a retroalimentação entre práxis e teoria de que tratamos anteriormente. Hoje é possível reconhecer que os principais estudos museológicos se debruçam sobre um campo de práticas e conhecimentos teóricos que escapam a qualquer tipo de caracterização do ‘museu’. A Museologia, face às outras ciências contemporâneas, se afirma a partir de um conhecimento próprio e um “olhar” sobre as coisas da realidade que se estrutura com base em perguntas inerentes ao próprio campo. Como o epistemólogo, que pensa “o significado do significado”, ou o psicólogo que pensa sobre como as pessoas pensam, o museólogo pode ser visto, em certa medida, como aquele que pensa sobre o ‘pensar’ a Museologia – nesse sentido, Stránský (1980, p.44) não estaria errado ao ressaltar um conjunto de “problemas metateóricos” dessa disciplina.

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