Museologia Social e Educação Popular Patrimonial

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Pedro Pereira Leite

Museologia Social e Educação Popular Patrimonial

Informal Museology Studies nº 16 winter 2017

Ficha Técnica: Informal Museology Studies Papers on Qualitative Research Issue 16 – Winter /2017 Directory Pedro Pereira Leite ISSN – 2182-8962 Editor: Pedro Pereira Leite Publisher: Marca d’ Água: Publicações e Projetos Redaction: Casa Muss-amb-ike Ilha de Moçambique, 3098 Moçambique

Lisbon: Passeio dos Fenícios, Lt. 4.33.01.B 5º Esq. 1990-302 Lisbon –Portugal

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" Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei enquanto esperarei por ti”. Paulo Freire

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Índice APRESENTAÇÃO ....................................................................................... 7 1. Educação Patrimonial e participação comunitária ..................................... 9 2. Educação Global e museologia social: Experiências do sul global sobre desenvolvimento sustentável ................................................................... 18 A ideia de Educação global .................................................................... 23 Aspetos relevantes da metodologia da educação global: ........................... 24 Educação Popular e Educação patrimonial ............................................... 25 Conclusão. .......................................................................................... 27 Universidades Populares e Educação popular .............................................. 29 Da educação para o desenvolvimento à Educação Global .......................... 30 Aprendizagem baseada na resolução de problemas .................................. 30 Aprendizagem baseada no diálogo ......................................................... 30 Aspectos importantes da metodologia da educação global: ....................... 30 Educação global II ............................................................................... 31 Os grandes objetivos da educação são ................................................... 31 Princípios da pedagógica pela emancipação ............................................. 32 Educação e Universidades Populares ...................................................... 33 Dimensões atuais das Universidades Populares........................................ 36 Património e Educação Popular ................................................................. 38 Educação e desenvolvimento ............................................................ 39 Dos públicos à população ...................................................................... 40 Os recursos do território ....................................................................... 41 A pedagogia da educação popular .......................................................... 43 Como pôr em prática esta nova pedagogia? ............................................ 44 Conclusão ........................................................................................... 46

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APRESENTAÇÃO

Neste número dos Informal Museology Studies publicamos um conjunto de textos sobre Educação Patrimonial Popular. Foram textos que trabalhamos ao longo de 2016 em diferentes contextos. Em janeiro participamos na apresentação dos trabalhos sobre o referencial para a Educação Global, um conceito que veio substituir, no campo da Cooperação Não-Governamental a “Educação para o Desenvolvimento”. Na sequência desse trabalho e da nossa participação em eventos da Universidade Popular em Lisboa, surgiram alguns textos sobre a atualização da ideia da Universidade Popular ou numa outra formulação um Colégio de Museologia Nómada. Na sequência desses postais, publicados no Caderno de Campo “Global Heritages”, avançamos para a produção de dois artigos, que apresentamos, um em Agosto no 17º Encontros Internacional do MINOM, na Nazaré, Rondônia, e em Novembro no 5º Museion, em Placência. A ordem que aqui são publicados é a inversa deste percurso, na medida em que a densidade da reflexão sobre a questão assim o impõe. O primeiro artigo corresponde, não só a uma síntese sobre as oportunidades da educação patrimonial no campo da museologia social, como procuram dialogar com a questão da dignidade humana. Finalmente, um último artigo onde se republica um texto de referência de Hugues de Varine sobre esta questão.

Tramin, março 2017 Pedro Pereira Leite.

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1. Educação Patrimonial e participação comunitária Pedro Pereira Leite1 Queridos amigos e amigas da Rede Transfronteiriça de Museus Museion. Agradeço o convite para participar neste VI encontro. Agradeço ao Museu de Placência e á sua Deputacion todos os esforços que permitiram a minha presença aqui. Saúdo as colegas Ana Mercedes, Aida Rechena a Ana Carro, pelo convite. Cumprimento Juan Valdés Iñaki Diaz Balerdi e Joan Vicens, meus colegas nesta mesa. Uma saudação especial para Laura Tirado pela sua capacidade de organização que permite hoje a nossa reunião neste centro cultural. Comemora-se hoje, dia 25 de novembro, o dia internacional contra a Discriminação e a Violência sobre a Mulher, que decorre da Convenção homónima aprovada em 1979 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, conhecida por CEDAW, no seu acrónimo inglês. Abordo aqui hoje esta efeméride, porque me parece uma relevante questão para os trabalhos nos museus nos tempos que vivemos. A questão do género está hoje no centro das políticas do património, e duma forma mais lata, da cultura na defesa da dignidade humana. A dimensão do património nos museus e a sua proposta de ação sobre o desenvolvimento das comunidades não pode ser dissociada da questão da dignidade humana e do reconhecimento da sua diversidade. E este é um desafio que a questão do género nos coloca na construção das narrativas museológicas ou sobre o património. Aida Rechena, aqui persente nesta sala, demonstrou na sua Tese “Sociomuseologia de Género” que, nas narrativas nos museus portugueses, de um modo geral a mulher surge representada num lugar de subordinação, reproduzindo um estereótipo dominante na sociedade. A Mulher não surge como sujeito da narrativa, apenas como objeto dessa narrativa. Quem trabalha hoje nos museus e nas organizações culturais não pode deixar de estar atento e crítico às linguagens usadas na construção das narrativas sobre as posições sociais dos seus autores. É necessário não ter a ingenuidade de pensar que as representações são desprovidas de sentidos sociais, e que se sobre elas não exercermos um olhar crítico, a narrativa é uma mera reprodução de estereótipos e não contribui para a função social de criar consciência A questão da representação crítica das mulheres nos museus é uma das formas de afirmar o género como um sujeito social. De dar configuração ao conteúdo da Convenção Contra a Discriminação e a Violência sobre as Mulheres. De entender que a discriminação implica que os diferentes atores sejam os sujeitos das suas próprias narrativa. Investigador doCentro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, membro do MINOM e Professor de Museologia na ULHT 1

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Essa Dimensão, de afirmação de Direitos, que são Direitos Humanos, está inscrita nos diferentes instrumentos internacionais e nas constituições dos estados. Não estamos a dar-vos nenhuma novidade. Todos sabemos que estes direitos estão consignados nos principais instrumentos legais. A mulher e a cultura são, como se costuma dizer, objetos da lei. O desafio. O nosso desafio, no campo da Educação Patrimonial, é fazer com que a cultura seja também um sujeito de transformação que essa lei enuncia. Por isso usei aqui o exemplo da CEDAW. Ela ilustra o caminho que temos que percorrer, para fazer com que as leis sejam mais do que enunciados no papel. Isso é relevante e fundamental. Mas não nos basta. Como todos os enunciados legais, da lei emergem direitos e deveres. E se temos determinados direitos, temos o dever de os exercer e de o fazer exercer. Para quem trabalha com as questões do direito da cultura, usa como referencia a Declaração de Friburgo que tem como objetivo garantir o acesso e o usufruto dos bens patrimoniais, bem com a livre criação, considerados como elementos agregadores da Dignidade Humana, questão intimamente associada aos Direitos Humanos. Esta questão está hoje no centro dos debates que levamos a cabo para entender o lugar da cultura no âmbito do desenvolvimento e da educação patrimonial. E é nesta dimensão que queremos discutir a questão se o património é ou pode ser um instrumento de desenvolvimento para a comunidade. Uso aqui a ideia de “Desenvolvimento” com algum sentido crítico. Como sabemos, a ideia de desenvolvimento constitui-se como uma narrativa que vem substituir a ideia de riqueza das nações, do progresso da civilização. Uma construção que é feita a partir do final da segunda guerra mundial, que legitima os apoios norte-americanos à então Europa devastada pelas hostilidades entre as suas nações. Não iremos neste debate desenvolver esta questão, mas gostaríamos de salientar que a usamos com algumas reservas, dada esta crença num único caminho e na possibilidade de uso dos recursos do planeta de forma infinita que ele tem vindo a legitimar. Por isso, falamos hoje de “Desenvolvimento Sustentável”, uma outra narrativa, presente na agenda 2030 das Nações Unidades, que para o bem e para o mal marcará o pensamento sobre as ações na economia, sociedade e no ambiente na próxima década e meia. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável estão ancorados nestes três pilares – economia, a sociedade e o ambiente. Algumas vozes críticas têm vindo a chamar atenção para a ausência dum quarto pilar que seria a cultura. Vozes críticas que tem-tido com resposta a visão da transversalidade da cultura, por um lado, a sua presença em algumas medidas dos 17 ODS. Para quem defende, tal como está consignado no artigo 9º da Convenção sobre a Proteção e Promoção da Diversidade Cultural, aprovada pela UNESCO em 2006, que há uma relação entre cultura e desenvolvimento, esta transversalidade teórica, pontuada em meia dúzia de medidas, distribuídas pelas questões do combate à

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pobreza, do acesso à educação, da igualdade de género, na criação de cidades mais sustentáveis ou no entendimento da necessidade dum trabalho digno, deixou os grupos de intervenção cultural sem grandes margens de intervenção nestes grandes desígnios da humanidade. Não deixando de ser uma narrativa que menoriza o lugar da cultura, os atores da cultura não deixarão certamente de colocar a questão do lugar da cultura e do direito à cultura na agenda e manter uma ação de reivindicação da relevância da cultura para o tempo que vivemos. Em que dimensões poderemos então intervir? Sabemos que a cultura é o ingrediente fundamental do processo de formação das identidades das comunidades. Um processo que se desenvolve em diversos níveis, do nível individual, de grupos e famílias e de cultura. A contribuição para a formação das identidades é uma dos elementos mais relevantes da ação cultural, pois fornece os elementos agregadores e de orientação. Mas a cultura não é apenas um quadro de referências identitárias Ela é também a experiência da vivência em sociedade. A experiencia através do ato criativo ou através do consumo dos bens culturais. Por essa razão os bens culturais têm que ser de acesso universal, necessitam de uma atividade de educação e formação. A cultura necessita de ser comunicada e é um instrumento de cooperação entre os povos e nações. Através da cultura constroem-se diálogos entre diferentes comunidades. Sendo a cultura um campo bastante vasto, composta por pessoas, grupos e organizações que atuam em diferentes domínios, das artes, do espetáculo, da leitura e da escrita, da inovação e do património, não podemos deixar de refletir sobre o papel dos museus na educação patrimonial e da sua função na sociedade atual. A nova Recomendação da UNESCO sobre “museus, coleções, sua diversidade e seu papel na sociedade”, aprovada faz agora um ano, para além de ser um documento guia para os profissionais, chama a atenção para a relevância que estas organizações têm no mundo contemporâneo, em particular na intervenção na formação da cidadania nos lugares onde atuam. É neste quadro que eu gostaria de chamar a atenção para a intervenção dos museus e dos processos museológicos e patrimoniais para aquilo que poderemos considerar como a sua função social e apontar as suas possibilidade para o envolvimento das comunidades locais. A educação patrimonial popular nos museus Na verdade, isso não é algo de novo nos museus. Há vários lugares onde se tem vindo a criar práticas de intervenção no campo da educação popular e patrimonial. A aplicação dos princípios da educação popular parte da crítica aos sistemas de educação formal, formados na acumulação de informação de forma acrítica e aplicada a situações abstratas; e propõem, como alternativa, atuações

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que estimulem e favoreçam a criação da autonomia dos cidadãos/ãs e suas as capacidades de aplicar uma consciência critica sobre as questões do mundo e do lugar onde vivem. Esta educação tem sido sobretudo aplicada em sistemas de formação de adultos. Há contudo que reconhecer que ela se constitui uma ferramenta da educação patrimonial. O objetivo da educação patrimonial é neste domínio criar autonomia e consciência crítica através do património das comunidades. A educação patrimonial parte do reconhecimento das memórias coletivas e dos patrimónios dos lugares, dos problemas que são colocados e na procura de soluções. Não é uma mera divagação pelo espaço ou pelas memórias na procura de curiosidades. Pode implicar o reconhecimento desse espaço ou a evocação de memórias singulares, mas esse processo terá sempre que ocorrer em situação de diálogo e deverá identificar problemas e enunciar propostas de resolução. Não se trata de fazer um mero inventário ou de construir um roteiro no espaço. Trata-se de um processo onde o que é relevante é o envolvimento dos participantes na construção dos espaços e lugares de relevância, das memórias coletivas vividas na comunidade e organizar processo onde essas memórias e lugares sejam evocados. A educação popular é um processo onde se encorajam as pessoas a fazerem perguntas e a procuraram as respostas recorrendo à sua curiosidade natural sobre eventos ou temas específicos do seu quotidiano e preocupações. Os participantes são convidados a refletir sobre questões que não têm respostas absolutas nem desenvolvimentos simples e que refletem a complexidade de situações do mundo real. O processo estimula o diálogo entre os participantes. O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca de ideias., o que permite criar pontes entre as pessoas e cria um espaço propício para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que sejam opostas ou diferentes. É através do diálogo que emergem as competências de comunicação e audição que promove a compreensão de diferentes questões e pontos de vista. A diversidade do mundo através dos diferentes pontos de vista permite ao individuo ganhar autonomia e consciência de si. A educação patrimonial permite criar uma consciência crítica sobre o território e sobre as suas heranças, criar condições para a população agir sobre esse território. A consciência critica sobre um território e sobre os seus processos permite entender as formas de controlo desse espaço e dotar as comunidades de instrumentos de trabalho (ferramentas) para que se possa apropriar ou influir nos processos de ação sobre o território. Os processos participativos são instrumentos de empoderamento na comunidade.

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Os processos participativos que os museus podem desenvolver nas comunidades onde se inserem, ao desenvolver as vivências dos territórios e dos seus diferentes tempos e modos de apropriação, permitem ultrapassar a visão tecnocrática dos projetos, identificar as necessidades locais e acabam por contribuir para a criação duma cultura comum e respeitadora da dignidade humana. Por outro lado, estando os museus inseridos em territórios específicos com a presença de comunidade portadoras de diferentes identidades, através dos processos museológicos e patrimoniais é possível integrar a participação dos diferentes grupos da comunidade. Apenas para dar alguns exemplos onde isso está a acontecer no Sul global, não podemos deixar de evidenciar o caso dos processos de museologia social no Brasil Nos seus museus de Favela e nos ecomuseus indígenas. Neste ano o MINOM realizou a sua 17ª conferência na Comunidade da Nazaré, situada nas margens do Rio Madeira, no Estado da Rondônia, na amazónia. Ele realizou-se nesse lugar, porque aa comunidade local procurava desenvolver um museu. Quando lá chegamos verificamos, que em grande medida pelo trabalho anteriormente feito pelo programa de extensão universitária da Universidade da Rondônia, o museu já existia. Não tinha era o nome de museus, pois todo o trabalho feito, de educação patrimonial popular, já tinha criado uma consciência crítica sobre as heranças patrimoniais e a autonomia dos membros da comunidade, que usam o património para organizaram as suas ações no mundo. É claro, que essa consciência não resulta apenas do trabalho do património, mas sobretudo do envolvimento das diferentes movimentos sociais, que atualmente se desenvolvem nesta região do mundo. A ligação aos problemas do mundo é uma das necessidades dos processos patrimoniais. Eles não são movimentos para resolver esses problemas. Eles são apenas lugares onde se pode tomar consciência deles e desenvolver uma aprendizagem crítica sobre o mundo. São lugares de encontro. Em Portugal, há também alguns lugares onde se desenvolvem processos de educação patrimonial com a mobilização da comunidade. Em São Brás de Alportel, onde a partir dum pequeno museu tradicional sobre o Traje, se desenvolvem processos de inclusão das memórias e das comunidades. Em Castro Verde, onde a partir do pequeno Museu da Ruralidade, se envolve a comunidade na aprendizagem do canto tradicional. Um projeto que se espalhou por todo o município. Em Setúbal, onde no Museu do Trabalho, as tardes interculturais permitiram envolver diversas comunidades da envolvente ao museu. Há vários casos onde através da participação da comunidade foi possível desenvolver trabalho patrimonial, como no caso do Museu de Monte Redondo, no Museu da Comunidade Concelhia da Batalha, ou no museu Mineiro de São Pedro da Cova. Há no entanto que ter em atenção que estas ações patrimoniais de educação popular podem não ser constantes no tempo. A ação patrimonial, embora deva ser constante, na prática nem sempre assim é. Só acontece quando há vontade

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de património. Quando as pessoas se organizam e se mobilizam. Quando exercem os seus direitos. Embora a lei preveja a participação, o exercício desses direitos depende da vontade de agir. Temos que reconhecer, ao olharmos para estes processos, que a maioria dos casos a Educação Patrimonial Popular está ligada a ações que são dinamizadas por profissionais que se envolvem nos processos museais. Eventos ou situações em que algo sucede na sociedade onde se chama a atenção para o património, para a sua situação de perigo ou um outro qualquer motivo. E quando há sabres para agir a vontade de património tem condições de se exprimir de formas mais eficiente. Isso leva-nos á conclusão, reforçando a ideia que aqui queremos sublinhar: É necessário que os direitos culturais sejam afirmados através de ações. Só assim eles podem ser eficazes, aperfeiçoar-se e ganhar relevância na sociedade Pensar a educação patrimonial como uma oportunidade de agir num mundo em mudança é uma das possibilidades de criar e pensar sobre novas narrativas de representação do mundo. Caberá aos profissionais do património envolvido na educação identificar e estimular essa vontade de património. Quando essa vontade se exprime localmente e quando há condições de envolvimento de pessoas com autonomia e consciência crítica nos processos, algo acontece de relevante. É por isso relevante para a criação de processos patrimoniais participados que usem o envolvimento da comunidade em conjugação com políticas públicas adequadas. E esse é um outro desafio dos direitos culturais, o de reivindicar políticas públicas de apoio a processos de educação popular. Bibliografia •Declaração de Friburgo (2007). Universidade de Friburgo •Direitos Culturais: http://www.culturalrights.net/es/

Cultura

e

Desenvolvimento.

•Leite, Pedro Pereira (2016). A Nova Recomendação da UNESCO sobre Museus Coleções, sua Diversidade e Função social, informa Museology Studies, nº 13, Lisboa https://www.researchgate.net/publication/303566241_Sobre_a_Nova_Recome ndacao_da_UNESCO_sobre_Museus_Coleccoes_sua_Diversidade_e_Funcao_Soc ial •Leite, Pedro Pereira Leite (2015). Cultura e Desenvolvimento?. Informal Museology Studies, nº 11, Lisboa http://recil.grupolusofona.pt/bitstream/handle/10437/7317/culturaedesenvolvi mento.pdf?sequence=1

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•Rechena, Aida (2012). Sociomuseologia e Género: imagens da mulher em exposições de museus portugueses, Tese de Doutoramento em Museologia, Lisboa, ULHT •UNESCO (2015). Recomendação sobre Proteção e Promoção de Museus e Coleções, sua Diversidade e sua Função Social.

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2. Educação Global e museologia social: Experiências do sul global sobre desenvolvimento sustentável Pedro Pereira Leite

A questão dos direitos humanos, do desenvolvimento e da globalização na perspetiva da museologia social e dos ecomuseus poderá ser olhado do ponto de vista da educação global como processo de educação patrimonial popular. Vale a pena olhar para três conceitos básicos nesta questão: - Educação, Cidadania e Desenvolvimento, e procurar entender a forma como o seu significado se foi consolidando na linguagem. A linguagem é o que sustenta a forma como olhamos para o mundo, como construímos as nossas práticas. Eles transportam intenções, certezas e ambiguidades. Haverá hoje poucas dúvidas que estes três conceitos: Educação, cidadania e desenvolvimento, são hoje campos semânticos de complexidade. São por um lado construções históricas e apresentam significados diferentes em função do seu lugar de enunciação. Por outro lado, eles são também conceitos que ancoram a formulação de políticas públicas, afetam recursos públicos e mobilizam a ação social. Em suma são conceitos que legitimam as políticas públicas no campo da ajuda ao desenvolvimento e na educação para a cidadania nos sistemas de ensino. São essas políticas que definem o que se entende como Desenvolvimento e Cidadania. Ensaiemos, em breves palavras, a genealogia destes conceitos para entender as formas como se foram reconfigurando. O conceito de Educação remete-nos para a emergência das políticas educativas em extensão que caracterizam o pós-guerra, na Europa e através das políticas da UNESCO em grande parte do mundo. É certo que a ideia da universalização da Paideia, como processo de produção de condições para a emancipação social já vinha do final do século XIX, nas ideias socialistas e republicanas para o Estado. Mas é fundamentalmente no pós-guerra que se vão formar os sistemas de educação formal, com base na constituição de espaços educativos, na formação do pessoal docente, na constituição e uniformização de propostas curriculares e na afetação de recursos públicos. A Educação é então vista como uma Política Publica, caracterizada em algumas constituições, como o caso da Portuguesa, como um direito social. Deixa de ser um privilégio de alguns, para ser uma responsabilidade pública, de carater universal. A educação, acredita-se é um poderoso instrumento de construção de

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inclusão social, fornecendo as ferramentas básicas para a circulação dos indivíduos na sociedade. As políticas públicas na educação constituem igualmente um espaço de prática para a cidadania, de constituição da ideia de pertença e identidade social, fundamentos da constituição dos estados nacionais. E aqui temos um primeiro paradoxo: ao mesmo tempo que a Educação é olhada como um instrumento de emancipação social, ela também é um instrumento de reprodução social, reproduzindo os modelos sociais hegemónicos na economia, na sociedade e na família. Nesse sentido, a Educação relaciona-se com a questão dos Direitos Humanos. Ao mesmo tempo que é um instrumento para moldar a sociedade, ela é também vista como um instrumento para incluir. A evolução das políticas educativas, sobretudo á medida em que os sistemas se completaram e universalizaram, deram origem a novos problemas sobre a eficiência dos processos, a necessidade de criar compreensividade em relação à transformação da sociedade. Um dos elementos da transformação da sociedade vai sentir-se através dos processos de globalização que induzem grande pressão para a transformação dos sistemas de ensino. Alguns sinais dessas tendências: Os processos de liberalização e privatização dos mercados fizeram emergir a ideia de educação como mercadoria. Como algo que se constitui como um serviço, que pode ser adquirido livremente. A economia liberal, ao defender a necessidade de assegurar a competição no mercado, passa o ónus da manutenção dos sistemas educativos para a esfera das empresas, pressionando a redução dos investimentos e tutelas públicas nos equipamentos escolares, na gestão escolar: Tendências que levaram a uma diminuição os investimentos públicos em educação, com o argumento de que a diminuição da capacidade de financiamento público obriga a diminuírem os recursos (humanos, materiais e financeiros), apontado como alternativa a solução do investimento privado e do princípio do utilizador/pagador. A política de contenção de custos (ou austeridade) é uma solução política que introduz severas limitações ao princípio da universalidade da educação como instrumento de inclusão e igualdade. Para além da questão do neoliberalismo, os tempos presentes acrescentam fortes pressões que estão a alterar a natureza do sistema educativo. A insegurança coletiva na Europa e as questões com os refugiados estão a fazer aumentar a perceção do risco de insegurança e de exposição à criminalidade. Os problemas na Europa estão igualmente a propiciar a emergência dos nacionalismos e a resposta do isolamento como alternativa societal. Uma resposta que acontece num mundo crescentemente urbano e que requere competências multiculturais.

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São desafios que estão a chegar á Educação e aos Museus e que implicam o reconhecimento da diversidade (da línguas, de religião, da cultura). Estão elas próprias a produzir novas narrativas sobre o mundo. Como vários investigadores tem vindo a fazer notar, as narrativas sobre os refugiados na Europa tem vindo a ser subtilmente transformado em discursos sobre as migrações. As ações políticas na Europa, ao invés de enfrentarem o problema nas suas causas, estão a transformá-los numa questão externa, encerrando as fronteiras, e negando o direito do refugiado. No interior da Europa estão a gera-se novas formas de exclusão e desigualdade com que a educação, a escola e o museu têm que lidar. Ou seja o desafio da qualidade e do acesso estão agora a transformar-se no âmbito duma nova geografia da desigualdade. Finalmente um outro desafio para a educação é o desafio do envolvimento dos atores: a participação. A educação como direito social implica o dever de implicar todos os atores sociais. A responsabilidade pública na Educação é um processo que implica a participação da comunidade, ainda que em diferentes intensidades, em função das regiões e das tradições administrativas. A questão do envolvimento dos atores leva mais uma vez á questão da capacidade da escola de desenvolver competências para enfrentar a exclusão social. Será a educação nas nossas escolas suficiente para enfrentar a desigualdade social. Serão as nossas escolas capazes de enfrentar o global e atuar localmente Em relação ao conceito de cidadania. É um conceito que radica na Revolução Francesa, no final do século XVIII, onde o fim dos privilégios dos senhores corresponde uma carta de direitos e deveres de todos os cidadãos. A cidadania é um ato de produção de liberdade e igualdade, mas é também uma ferramenta que pode ser usada para a emancipação social. No entanto, a cidadania, nas nossas sociedades europeias, está a tornar-se também num instrumento de exclusão social e de produção de desigualdades. A definição de que é e quem pode ser cidadão, interdita o acesso a essa ferramenta a todos os que não o são, e que hoje, por diferentes razões, seja de migração ou de refúgios, tornam-se milhões em todo o mundo. A cidadania é hoje o principal elemento de funcionamento do Estado nacional. É a cidadania que defini que são os outros e quem são os cidadãos. A cidadania, ao produzir relações de horizontalidade (igualdade) nega o outro, o excluído, colocando um forte entrave à solidariedade. A cidadania torna-se num instrumento de produção de hegemonia na sociedade. A questão que se coloca para a cidadania no processo de globalização é a adequabilidade dos mecanismos da nação para enfrentar os desafios das interdependências. As velhas instituições do Estado Nacional estão em contradição com os processos de globalização, gerando diversas condições o cidadão emerge pelo lugar de nascimento, enfrentado o estrangeiro processos de exclusão social.

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Terá a Cidadania a perder o potencial integrador, de produção de igualdade e de inclusão que tinha? Poderá a ideia de Cidadão Universal emergir da Ideia de cidadão nacional? Não são os Direitos Humanos Universais? Mas não são aplicados numa base nacional? No caso dos Refugiados, por exemplo, será que por não serem nacionais, estão excluídos os seus direitos Humanos. Em suma cidadão é também hoje um conceito complexo que inclui e exclui. Poderemos usar ainda o potencial da cidadania par anão excluir? Como fazer para incluir a diversidade. Como vamos ultrapassar a lingaçã ao nacional. Não será necessário criar uma utopia duma cidadania universal. Finalmente o terceiro conceito: O Desenvolvimento. A história do desenvolvimento está também ligada ao século das luzes. A crença no progresso linear da técnica o acumular infinito da riqueza, através da sua multiplicação de valor. A naturalização da ideia de desenvolvimento está relacionada com a crença do domínio do ser humano sobre a natureza. Um processo que está hoje longe de ser consensual, mas que ainda constitui, em muitos lugares, uma referência do pensamento económico. A necessidade é um processo linear e está inscrito na natureza humana. Uma forma de pensar que contamina a narrativa sobre o mundo e que influencia a ideia de educação. Educação constitui-se como uma ferramenta desse processo linear, visto como uma forma de formatar a necessidade natural. Algo que necessita de ser feito para que a utopia de concretize. Nesse sentido a crítica ao conceito de desenvolvimento tem vindo a chamar a atenção para esta componente de “fetiche” como algo que necessita de ser feito para atingir um determinado resultado, algo que já foi feito por alguns países e através do qual todos deverão passar para atingir um fim. O conceito ganha relevância através do discurso do Presidente americano Truman, quando em 1949 cristaliza no seu discurso a ideia do Desenvolvimento como algo bom a ser atingido. Um discurso que cria a figura do Desenvolvimento, como fim e do subdesenvolvimento como um estádio que deverá ser ultrapassado. O subdesenvolvimento como um lugar primitivo, que deve ser substituído por uma entrada na civilização ou modernidade. Num certo sentido dá uma nova dimensão ao discurso colonial, de clivagem entre selvagens e civilizados. É todavia um discurso que irá permitir, em conjunto com as deliberações tomadas ao abrigo da Carta das Nações Unidas a ideia de que o colonialismo e o subdesenvolvimento podem ser ultrapassados pelo Desenvolvimento. Desse modo desenvolvimento torna-se o instrumento técnico aplicado á economia. Torna-se num fim e num meio. O fim é alcançado pela ideia do projeto. O Desenvolvimento transforma-se num projeto global. Ainda que o capitalismo se centre sobretudo nas questões do crescimento económico; as economias socialistas, envolvidas no processo de criação dum novo projeto social,

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conferem ao desenvolvimento uma dimensão multifacetada, num discurso que ganhará adeptos na análise das questões da dependência económica, na clivagem entre o centro e a periferia. Aplicado aos novos países africanos, os projetos do desenvolvimento irão propiciar o surgimento das políticas públicas de Ajuda ao Desenvolvimento, a emergência das relações entre doadores de fundo para o desenvolvimento, que como ajudas externas, vão completar, de forma sempre vista como provisória, as ajudas externas aos países mais atrasados, para que, através da ajuda estes atinjam os fins previstos no tal “desenvolvimento”. Na maioria dos casos nunca chega a concretizar-se, mesmo em situações em que a alavancagem das economias pela venda de matérias-primas permite criar imensas mais-valias, perdendo-se as vantagens financeiras em elites locais e comercio menos adequado. Independentemente dos resultados, a palavra “Desenvolvimento” inscreve-se no discurso como ideia agregadora. Uma ideia forte e mobilizadora. Em certo sentido, a medida do desenvolvimento ainda continua a ser usada como forma de diferenciação entre os países. A força de atração desta palavra é tão ampla, que hoje a incluímos em praticamente tudo o que tenha a ver com a questão da virtuosidade do futuro. Tudo pode ser incluído na narrativa do desenvolvimento, sendo que apesar de tudo a sus definição continua a ser pouco precisa. Olhando para a historicidade do conceito, podemos verificar que, por exemplo, nos anos setenta, a ideia de desenvolvimento estava associada à distribuição de recursos. Estava-se convicto que, por exemplo, o combate á pobreza e à fome podiam ser feitos através da distribuição de alimentos, a pela implementação de políticas sociais, como a educação e o incentivo á produção, que a prazo, garantiriam o desenvolvimento dessa sociedade. No entanto, a avaliação dos resultados dessas políticas permitiu entender que a distribuição de recursos por si só não estava a produzir os resultados desejados, como também estava a produzir sistemas que ineficientes, que cada vez absorviam mais recursos e com uma tendência para piorar os resultados. Nos anos oitenta, a ideia de Ajustamento Estrutural, vem colocar na agenda do desenvolvimento a necessidade de que a ajuda tem que produzir crescimento económico. Apenas a troca e o mercado poderiam produzir riqueza, que posteriormente podia ser distribuída pela sociedade. Era pois necessário desregular e diminuir a ação do estado na sociedade. Nos países africanos, o resultado da mercantilização da economia deu origem um Estado de negócios, com os governantes a envolverem-se com a iniciativa provada, canalizando recursos para proveito dos seus grupos de influência e gerindo as ajudas externas. A crítica aos ajustamentos estruturais, pela violência social que produziu em muitos países, deu origem a diversas narrativas sobre o desenvolvimentos

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alternativos. Uma narrativa sobre os direitos humanos, a do Desenvolvimento Sustentável e a do Desenvolvimento Humano. Embora o Desenvolvimento Sustentado tenha acabado por predominar no discurso internacional com os novos ODS da Agenda 2030, o Desenvolvimento, ainda que visto no âmbito dos seus limites ambientais e sociais, continua a ser visto como algo que pode ser construído. Continua a ser uma narrativa dinâmica que justifica as ações do presente em função dos resultados do futuro. Por isso continua a ser uma análise multifacetada, fragmentada, e quase sempre parcial. Apesar todas as tentativas de reconceptualizar a ideia de Desenvolvimento, de tentar agregar a ideia de compromisso comum da humanidade para um destino comum, não deixa de ser uma ideia messiânica de realidade. Em suma as três ideias, Educação, cidadania e desenvolvimento encontram-se interligadas nos discursos da atualidade. Elas surgem em todos os grandes problemas da globalização, do turismo às migrações, do ambiente à pobreza, da economia á sociedade, como narrativas que regulam a reciprocidade, a justiça e a solidariedade. As três ideias são também relevantes para produzir o reconhecimento da necessidade de parcerias, para conceptualizar os processos de transformação social e para mobilizar os atores e suas vontades. A sua interdependência e o seu reconhecimento permitem introduzir a necessidade de inclusão social e trabalhar com os marginalizados da globalização. Nesse sentido são instrumentos de reconhecimento da dignidade humana e dos direitos culturais. Necessitamos de usar os instrumentos que temos para continuar a reconhecer e a criar narrativas, ajustando o que necessita ser ajustado. A educação global tem vindo a constituir esse instrumento.

A ideia de Educação global É nesse sentido que nos últimos anos tem crescido a ideia da Educação Global como alternativa à Educação para o Desenvolvimento, um processo que se desenvolvia nas sociedades europeias e que tinha como objetivo dar a conhecer o estado de desigualdade do mundo, ao mesmo tempo que procurava acrescentar ação de solidariedade e apoio a esse desenvolvimento. A consciência de que o Desenvolvimento não é apenas a ajuda aos países do sul, mas algo que implica todos, e que esse desenvolvimento não pode ser atingido e mantido num local sem que os outros também o possam atingir, levou a uma alteração da referencia de Educação para o Desenvolvimento para Educação global A educação global propõe-se assumir uma alternativa na abordagem metodológica na educação propondo uma aprendizagem é baseada na cooperação. Uma pratica que tem vindo a ser feita nas experiencia de educação popular.

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Na aprendizagem cooperativa há uma interdependência positiva entre os esforços dos participantes para aprender. Eles empenham-se no apoio mútuo para que todos os elementos do grupo beneficiem com os esforços uns dos outros. Há uma interdependência positiva entre os participantes que se empenham em trabalhar juntos. Estas metodologias permitem aprender através da interação, melhorar as competências de comunicação e fortalecer a autoestima. Aprendizagem baseada na resolução de problemas As metodologias baseadas na resolução de problemas encorajam as pessoas a fazerem perguntas e a darem respostas, recorrendo à sua curiosidade natural sobre eventos ou temas específicos. Os participantes são convidados a refletir sobre questões que não têm respostas absolutas nem desenvolvimentos simples e que refletem a complexidade de situações do mundo real. A aprendizagem baseada na resolução de problemas abre caminho a uma abordagem ativa do processo de aprendizagem. Aprendizagem baseada no diálogo O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca de ideias. Funciona como uma ponte entre as pessoas e cria um espaço propício para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que sejam opostas ou diferentes. O diálogo ajuda a desenvolver competências de comunicação e audição, logo, promove a compreensão de diferentes questões e pontos de vista. É um dos métodos mais importantes da educação global.

Aspetos relevantes da metodologia da educação global: • Escolher o ambiente de aprendizagem apropriado: Um ambiente centrado no indivíduo baseia-se nos princípios da aprendizagem democrática, participativa, cooperativa e experiencial. • Desenvolver o pensamento crítico: O pensamento crítico desenvolve-se nas diferentes fases e níveis de aprendizagem. Em primeiro lugar os indivíduos precisam de reconhecer a realidade de forma a terem consciência da sociedade global e desenvolverem valores referentes ao direito de todos a uma vida digna. • Fazer a ponte do global para a realidade de cada um e para o seu dia-adia é essencial para a compreensão dos fenómenos e acontecimentos internacionais. • Estimular a curiosidade Estimular a curiosidade é um pressuposto muito importante para o desenvolvimento do pensamento crítico. Isto pode ser feito principalmente através de pesquisa mais orientada para as questões certas do

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que para as respostas corretas, as quais podem não existir num mundo incerto de questões complexas. • Estimular a criatividade Estimular a criatividade é também um pressuposto muito importante para o desenvolvimento de perspetivas e possibilidades para estabelecer relações de paz e sustentabilidade do mundo. Abordamos até aqui as questões sobre a Educação global. Há várias vozes que se tem vindo a levantar defendendo a necessidade de descolonizar, despatricalializar e descapitalizar a educação. Vozes que defendem que é necessário que a escola ajude a pensarem de forma diferente. Uma escola de não seja um instituição de reprodução dum conhecimento inútil, mas uma escola que se preocupe com os problemas relevantes do tempo em que vivemos. Uma educação voltada para o futuro, marcada pelos valores da justiça, pela criação de capacidade de ação e pelo trabalho com as emoções. São propostas de uma educação voltada para a emancipação social, onde os sues objetivos são. •

A identificação dos problemas,



A procura de soluções



O treino da implementação de soluções,



O treino de enfrentar complexidades,



E, uma proposta de pensar e trabalhar com utopias

Essa são os princípios da educação popular, já em prática em muitos países da América do Sul e que poderão constituir igualmente os princípios da educação patrimonial.

Educação Popular e Educação patrimonial O Mundo está a mudar. É necessário pensar numa educação que se ajusta à mudança e num património sobre o qual se possa construir a mudança e a inovação. Não serão desafios fáceis. É necessário por uma lado colocar a questão: que educação é necessária para o tipo de mudança que necessitamos? Isso implica pensar a relação entre os processos educativos e os desafios do contexto histórico. Pensar se a e educação é um processo que nos serve para nos adaptarmos à mudança ou para agir sobre essa mudança? Os processos educativos não são lineares. Ele são essencialmente instrumentos do poder social que determinam o que a cada momento deve ser o saber e conhecimento a mobilizar. Em sociedades estáveis, os processos educativos tendem a privilegiar a reprodução de saberes. Em sociedades em transição,

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pede-se que os processos educativos promovam a inovação a capacidade de descoberta de novos saberes. O campo da educação patrimonial, considerado a partir da tensão entre a tradição e a modernidade são espaço onde é possível verificar esta dualidade. Por um lado, a educação como esforço de reproduzir a tradicionalidade, propondo ações de revivalismo nas comunidades arcaicas. Por outro lado, muito menos explorado, a educação para o património como projeto de construção dos futuros possíveis. Seja na proposta de colocar o património ao serviço do desenvolvimento ou do património como catalisador da economia criativa. Não é fácil responder a estas questões. São tensões contraditórias e que se cristalizam em torno do modelo social que se quer seguir. Para quem defende um modelo com base na competição da economia de mercado, defende uma educação para a competitividade e eficiência no mercado de trabalho. Quem defende um modelo societal voltado para a emancipação social na busca duma justiça cognitiva, defenderá uma educação para a democratização ou cidadania global. Para qualquer dos modelos a educação está na base de qualquer mudança e provavelmente a mudança acabará por ocorrer entre ambos. A educação patrimonial será, provavelmente um espaço de observação privilegiado para estas mudanças. Poderá ser um espaço de observação porque é necessário ter em atenção que não será a educação libertadora a produzir sozinha a mudança social. A educação não será um campo de ação revolucionária. Mas como em todas as utopias, não é possível pensar numa mudança social sem uma educação libertadora. Como sabemos os patrimónios constituem-se como narrativas sobre objetos sociais relevantes. Uma das dimensões que a relação patrimonial permite estabelecer é a emergência do da multidimensionalidade do ser. As relações humanas são essencialmente relações de afetos que agregam ou repulsam. As relações com os objetos patrimoniais são relações de afeto que estão sustentadas em valores simbólicos, da ordem e de legitimação. São nesse sentido possibilidade de ação que apelam à reconstrução de narrativas. A reconstrução de narrativas sobre o património, a partir da educação popular implica, quanto a nós problematizar o espaço e o tempo duma determinada comunidade. É necessário pensar nos processos do passado para entender de que forma são possíveis a imaginação de novas ações. Processos inovadores que procuram imaginar o futuro implicam desenvolver ações éticas, politicas, culturais, pedagógicas (centrada nas aprendizagens), e estéticas (recantar, repensar, rir). Ações de educação patrimonial onde os sujeitos são protagonistas das transformações. Na educação patrimonial popular não há uma preocupação pela transmissão de conteúdos previamente determinados, mas uma preocupação de criar condições

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para pensar de forma crítica e pensar criativamente sobre novos conteúdos. Esse desafio implica uma nova postura do museólogo educado. Uma experiencia em gerar aprendizagens a partir das histórias das comunidades, dos seus objetos, dos seus saberes, técnicas e formas de expressão. De todas as formas de expressão. Um papel de criar paixões pela descoberta do eu e do outros através da experiencia. A educação patrimonial popular surge assim como uma forma de pedagogia da resistência e como uma pedagogia de alternativas. Resistência critica, questionando dialogicamente o real, para construir proposta de ação, com base na ação e na mobilização da comunidade na esperança de um futuro. A educação patrimonial popular terá que ser uma busca duma coerência para o futuro. Uma busca da Utopia que seja criadora de frutos.

Conclusão. A educação patrimonial popular, enquanto proposta emancipatória é uma aventura de conhecimento. A produção do conhecimento não como uma coerência mas como uma procura da coerência. Ao olharmos para as propostas de educação patrimonial popular que tem vindo a ser construídas no Brasil, nas Favelas das grandes cidades, nas zonas quilombolas, entre a população afrodescendentes, entre os indígenas e povos da amazónia verificamos que esses processos são laboratórios criativos de propostas emancipatórias com base na construção de relações dialógicas. Neles os sujeitos atuam como atores da sua própria transformação. Neles sente-se a emergência dum novo paradigma de viver bem e bem viver. Uma Paradigma de viver numa sociedade planetária, feita de diversidade e em relação com a natureza. O Bem-viver poderá afirmar-se ou não como uma alternativa ao desenvolvimento sustentável, na sua versão tecnocrática. Propõem-se partir das situações de cada local, de cada agregado regional para construir interdependências com base na diversidade. A autonomia e a autodeterminação são questões base na afirmação dos direitos culturais que permitem transformar as relações de poder Será possível uma transformação. Temos que ter esperança e confiança da capacidade criadora. Esperança que é um impulso de transformação. Ou como propôs Paulo Freire a espera como esperança “Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei enquanto esperarei por ti.”

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Universidades Populares e Educação popular Pedro Pereira Leite

Da educação para o desenvolvimento à Educação Global Nos últimos anos tem crescido a ideia da Educação Global como alternativa à Educação para o Desenvolvimento. Educação Global segundo a Escola Mundo é uma abordagem metodológica na educação onde a aprendizagem é baseada na cooperação. Na aprendizagem cooperativa há uma interdependência positiva entre os esforços dos participantes para aprender. Eles empenham-se no apoio mútuo para que todos os elementos do grupo beneficiem com os esforços uns dos outros. Há uma interdependência positiva entre os participantes que se empenham em trabalhar juntos. Estas metodologias permitem aprender através da interação, melhorar as competências de comunicação e fortalecer a autoestima.

Aprendizagem baseada na resolução de problemas As metodologias baseadas na resolução de problemas encorajam as pessoas a fazerem perguntas e a darem respostas, recorrendo à sua curiosidade natural sobre eventos ou temas específicos. Os participantes são convidados a refletir sobre questões que não têm respostas absolutas nem desenvolvimentos simples e que refletem a complexidade de situações do mundo real. A aprendizagem baseada na resolução de problemas abre caminho a uma abordagem ativa do processo de aprendizagem.

Aprendizagem baseada no diálogo O diálogo cria interações orais entre os participantes e procura estimular a troca de ideias. Funciona como uma ponte entre as pessoas e cria um espaço propício para o desenvolvimento de ideias, reflexões e propostas, mesmo que sejam opostas ou diferentes. O diálogo ajuda a desenvolver competências de comunicação e audição, logo, promove a compreensão de diferentes questões e pontos de vista. É um dos métodos mais importantes da educação global.

Aspetos importantes da metodologia da educação global: Escolher o ambiente de aprendizagem apropriado: Um ambiente centrado no indivíduo baseia-se nos princípios da aprendizagem democrática, participativa, cooperativa e experiencial. Desenvolver o pensamento crítico: O pensamento crítico desenvolve-se nas diferentes fases e níveis de aprendizagem. Em primeiro lugar os indivíduos precisam de reconhecer a realidade de forma a terem consciência da sociedade global e desenvolverem valores referentes ao direito de todos a uma vida digna.

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Fazer a ponte do global para a realidade de cada um e para o seu dia-a-dia é essencial para a compreensão dos fenómenos e acontecimentos internacionais. Estimular a curiosidade Estimular a curiosidade é um pressuposto muito importante para o desenvolvimento do pensamento crítico. Isto pode ser feito principalmente através de pesquisa mais orientada para as questões certas do que para as respostas corretas, as quais podem não existir num mundo incerto de questões complexas. Estimular a criatividade Estimular a criatividade é também um pressuposto muito importante para o desenvolvimento de perspetival e possibilidades para estabelecer relações de paz e sustentabilidade do mundo.

Educação global II No último postal abordamos algumas questões sobre a Educação global. Há várias vozes que se tem vindo a levantar defendendo a necessidade de descolonizar, des patricalializar e descapitalizar a educação. É necessário que a escola ajude a pensar de forma diferente. Uma educação voltada para o futuro, marcada pelos valores da justiça, pela criação de capacidade de ação e pelo trabalho com as emoções.

Os grandes objetivos da educação são •

Identificar problemas,



Implementar soluções,



Enfrentar complexidades,



e trabalhar com utopias

Essa são os princípios da educação popular, já em prática em muitos países da América do Sul. Óscar Jara e as suas experiências com Educação popular são úteis para compreender o tipo de mudanças que é necessário promover. O Mundo está a mudar. É necessário pensar numa educação que se ajusta à mudança. é necessário colocar a questão : que educação para que tipo de mudança? ou por outras palavras, pensar na relação entre o processo educativo e os desafios do contexto histórico. Ou seja a educação serve para nos adaptarmos à mudança ou para agir sobre a mudança? Não é fácil responder a estas questões. São tensões contraditórias e que mostram o modelo social que se quer seguir. Uma educação para a competitividade e eficiência no mercado de trabalho, ou uma educação para a democratização ou cidadania global. A educação está na base de qualquer mudança.

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A educação libertadora não produz sozinha a mudança social, mas não haverá mudança social sem educação libertadora. são 7 ideias para uma educação emancipadora educação para a vida. Educação Popular releva a pedra de afeto nas relações humanas, e os processos de destruição do planeta. Por isso advoga uma educação: Uma outra educação e uma melhor educação. Uma educação emancipadora, popular, libertadora. Uma educação que equacione de forma crítica o modelo de desenvolvimento. É necessário problematizar o desenvolvimento e imaginar as ações possíveis. • A educação como um processo ético, politico, cultural, pedagógico (centrada nas aprendizagens), estético (reecantar, repensar, rir) • Uma educação onde os sujeitos são protagonistas das transformações. Não há transmissão de conteúdos, mas uma preocupação de criar condições para pensar de forma crítica. • Um outro papel para os educadores. Educar é uma experiencia de gerar aprendizagens. Criar paixões para descobrir. • Uma educação com uma pedagogia da resistência. A pedagogia da proposta, do diálogo da mobilização e da esperança. • Uma educação para a utopia. A procura da coerência (como propôs Paulo Freire). • A aventura do conhecimento. O conhecimento não uma coerência mas a procura da coerência. É necessário criar uma pedagogia criativa, produtora de frutos.

Princípios da pedagógica pela emancipação As Lições da América Latina por uma educação emancipadora popular mostram que os principais desafios e resistência só podem ser respondidos através das propostas de construção de relações democráticas. Os princípios para pedagogia emancipatória na América são: •

A criação de sujeitos transformadores,

• Modelos de mudança sociopolítica foram dominantes nos anos 60 aos 80. A lição foi que a liderança do poder político não muda a sociedade. Nos anos 90 a proposta foi transformar a sociedade alavancada no extrativismo. Os processos de mudança são longos.

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• É necessária hegemónicas.

uma

liderança

ética

e

pedagógica

nas

estruturas

• Sente-se a emergência dum novo paradigma viver bem e bem viver. Paradigma de viver numa sociedade planetárias, em relação com a natureza, numa sociedade de diversidade. Construir outra forma de convivência humana, com a natureza e com os outros povos. O processo transformador tem que ser regionais. • As interdependências e as diversidades/ autonomia e autodeterminação são chaves para a transformação das relações de poder A transformação nas universidades. Relação pesquisa, ensino, extensão ampliam o papel das universidades. É necessário combater o modelo da universidade como produtora de serviços, separada dos problemas da sociedade. A construção da esperança como impulso de transformação. “Escolhi a sombra desta árvore para repousar do muito que farei enquanto esperarei por ti.” A espera como esperança conforme propôs Paulo Freire.

Educação e Universidades Populares O movimento das Universidades populares, na sua forma mais recente tem como figuras de referência, Paulo Freire e Fales Borda. Vele a pena identificar as 4 características das Universidades Populares. •

Acessibilidades (são universais)



Relevância das questões



Educação horizontal



Educação para a ação (transformação dos saber, do poder e do fazer)

Na sua genealogia inspira-se na pedagogia da libertação de Paulo Freire, na necessidade de compreender o mundo em que se vive, para o poder transformar. Já Fals Borda defende a investigação popular como um processo de criar uma ciência relevante. A investigação-ação participativa. Fals borda desenvolveu o seu modelo em Cartagena das Índias. Antecedentes. A criação duma representação do mundo. A primeira Universidade Popular surge no século XIX no Epito, inspirada nos princípios do Anarquismo. A competição entre o anarquismo e o comunismo, no final do século XIX e inícios

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do século XX leva focar a ação nos processos de transformação, diminuindo o seu foco no processo de criação duma representação. Ainda assim, no final do século XIX e inícios do século XX a universidade popular surge no âmbito das atividades do Bureau Internacional do Trabalho e tem desenvolvimentos em Portugal com base no objetivo geral de dar educação a quem está excluído. Entre a europa e as experiencias americanas nos anos sessenta e setenta há de ter em conta os respetivos contextos. Na Europa, sobretudo na fase do pósguerra, as Universidades Populares orientavam-se para a evolução do ser humano, numa prespetiva de educação integral e universal, enquanto na América a experiencia orienta-se fundamentalmente para a alfabetização. A universidade era vista como um espaço de elites. Por isso era necessário que o povo dela se apropriasse. Se o conhecimento das universidades era um conhecimento erudito, as universidades populares deveriam procurar um conhecimento popular. Construir os seus próprios conteúdos sem serem eurocêntricos. As universidades não são eurocêntricas. As primeiras Universidades conhecidas foram formadas em Tombuctu no Mali e em Assur no Egipto. A Universidade de Bolonha, criada no século XI é uma universidade que é destinada a preparar a burocracia e a classe comercial. Nesse sentido pode ser considerada a primeira universidade para as elites. Na Europa as Universidades tornam espaços de poder. Espaços de formação das elites brancas e coloniais. A crise da Educação Popular e a crise das Universidades das elites No campo da educação popular, após o entusiamo dos anos oitenta, os modelos das Universidades Populares entram em crise. Em parte pela institucionalização dos modelos de educação universal extensiva, feita pelas campanhas da UNESCO. As forte transformações sociais exigem um repensar das suas formas. A educação popular já não se pode constituir com base numa pedagogia da libertação. A libertação assenta no paradigma da opressão. Ele tem por base a ideia que a libertação é possível pela consciência, pela conscientização. A educação popular no entanto não foi sensível aos processos de opressão do colonialismo, do patriarcado e do racismo. Não se ajustou aos mecanismos de dominação Em segundo lugar, a Universidade Popular não se adaptou à transformação do conhecimento, nem à emergência da Internet. O conhecimento está hoje em todo o lado, é acessível. A questão hoje que se coloca à educação já não é o conhecimento, mas trabalhar por um mundo digno. A educação já não é um monopólio de uma instituição.

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Em terceiro lugar a Educação popular assenta no diálogo. Ele não assente num conhecimento pré-existente, mas constrói-se no confronto entre saberes. O objetivo da Educação popular é identificar os mecanismos de opressão. A opressão está na sociedade de consumo e formação de mercadorias. A educação popular deve assentar na produção dum pensamento crítico. Em quarto educando. construção (noruega e

lugar a educação popular questiona a hierarquia entre educador e O educador popular é um facilitador, alguém que facilita a do conhecimento. Há uma tradição de facilitação nos países do norte USA) nos lugares onde se desenvolveram as ideias socialistas.

Em quinto lugar a educação popular está envolvida em processos de construção coletiva. A educação popular faz parte das redes de formação das ONG que têm demonstrado a utilidade da educação popular em contexto de atividades. Em sexto lugar a Educação Popular tem que construir o seu próprio sistema de poder. A educação popular tem que entrar nos sistemas de educação formal e acabar com a dicotomia entre popular e tecnologia. A crise universitária O modelo universitário está em crise desde os anos oitenta. A ideia geral é que o sistema está subfinanciado, o que obriga as universidades a procurarem uma parte do seu financiamento na sociedade, fundamentalmente através de empresas, em troca do qual são criadas ações educativos voltadas para o mercado. As universidades deixaram de se recriar. A entrada das classes médias na Universidade acabou por ditar o fim das Universidades como espaços das elites, que se transferiram para universidades privadas, financiadas pela atividade empresarial. As universidades públicas tendem a perder o papel da universalização no ensino. A educação popular e a educação universitária A educação tende a ser olhada como uma oportunidade. Há que pensar novos processos de intervenção do conhecimento. Por exemplo educação e saúde. A educação popular terá que construir o seu próprio conhecimento a partir das relevâncias da sociedade. O desafio da Educação popular é trazer o saber popular para as universidades. Criar universidades anticapitalistas, antipatriacais e anticolonialistas. Assim se poderá ligar a Educação Popular e a Universidade Popular, através da transformação social e a reformulação das estruturas internas. Estruturas sulsul assentem na criação e inovação. O modelo de extensão universitária é também um dos desafios da Educação Popular. Há vários modelos de extensão (anglo-saxónico, humboldtiano, napoleónico e o modelo londrino). O modelo de extensão tem sido visto como um modo de capturar receitas para a universidade.

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No entanto o modelo de extensão permite criar inovação institucional. Por exemplo, o modelo de observatórios articulados com a sociedade civil permitem identificar problemas que estão a surgir e propor ações para os resolver ou minorar. É necessário reformular as universidades. Reequacionar o ensino médio e a escola pública para a adequar às transformações na sociedade. Novas instituições e novas formas de atuar. Por exemplo, as oficinas da Universidade Popular, com a duração de dois dias, ajudam a construir as epistemologias do Sul. As suas palavras de ordem são. Democratizar, Descolonizar, Despatriacalizar desmercantilizar Obter certificações autónomas e assentar em pedagogias alternativas A pedagogia das ausências permite criar um outro conhecimento a partir da interrogação do conhecimento do outro. Permite criar uma pedagogia crítica. A pedagogia das emergências permite criar conhecimento a partir do diálogo, permite confrontação de saberes, permite uma tradução intercultural a partir do mapear das ideias. Permite construir um conhecimento vivo. Construir um a pedagogia como um processo de artesanato, tecendo os conhecimentos dos outros e integrar as diferenças. A pedagogia popular como uma construção rizomática de corpos e saberes nos territórios.

Dimensões atuais das Universidades Populares Avançando para uma síntese conclusiva, procuramos enquadrar os limites e a extensão das Universidades Populares para a investigação participada. O conhecimento científico do social é hoje portador de uma dimensão de incompletude. Essa imperfeição ou esse conhecimento impuro é o espaço e o tempo onde fermenta a possibilidade de construção da justiça cognitiva. O conhecimento é hoje, no essencial um processo de mudança. Um processo de alteração que envolve diferentes elementos.

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Codex/Imp ureza

•Estrutura/ Fluído

• Legítimação/I legitimação

Ordem/ Desord em União/Separação

• Simbólico /Diabólico

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Património e Educação Popular

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Hugues de Varine 3 A educação popular assente no património torna-se, hoje em dia e no mundo inteiro, um fator essencial do desenvolvimento local, através da formação de pessoas conscientes da sua força e das suas capacidades de iniciativa e de controlo do presente e do futuro. O desenvolvimento local “sustentável”4, enquanto processo dinâmico de transformação da sociedade e do meio, assenta em grande parte na participação ativa e criativa das comunidades locais. Sem essa participação, teremos apenas uma mera execução de programas tecnocráticos, cuja eficácia depende da combinação conjuntural e efémera de uma vontade política e da disponibilidade de meios financeiros e humanos. Como estes dois fatores – vontade política e meios de Acão – estão estreitamente ligados a calendários eleitorais, a programações de curto ou médio prazo e à presença de personalidades fortes (os leaders), o desenvolvimento local não participativo não pode de facto ser “sustentável”. Contudo, só por si, a vontade de fazer participar a população, sob a forma de indivíduos, de grupos ou de associações, ou mesmo da comunidade no seu todo, também não basta para garantir que essa participação seja real e assegurada no tempo. Isto porque o cidadão médio, tanto numa democracia como numa ditadura, não é considerado como pessoa adulta, como sendo capaz de assumir a sua quota de responsabilidade na “coisa pública”. Frequentemente chamados a votar em candidatos que nem conhecem de facto, na base de programas e de promessas em que a memória popular reconhece que têm muito pouca probabilidade de serem aplicados tal como foram anunciados, submetidos em seguida à autoridade destes eleitos (que representam geralmente muito menos de metade da população), os cidadãos não têm qualquer possibilidade de chegar por si mesmos a desempenhar um papel concreto, seja para exprimir e fazer adotar ideias ou projetos, seja para contribuir para a realização dos projetos dos representantes eleitos, e que no entanto lhes dizem diretamente respeito.

Patrimônio e Educação Popular", (2002) Revista Ciências & Letras, FAPA 31, Porto Alegre, 2002, 287-296 http://www4.fapa.com.br/cienciaseletras/pdf/sum/sum31.pdf 3 Ex-Director do ICOM, Conselho Internacional dos Museus. Viveu e trabalhou vários anos em Portugal, ligado à Acão cultural da Embaixada francesa. Atualmente dirige uma associação de desenvolvimento local e é consultor internacional nesta mesma área, tendo efetuado frequentes missões no nosso país. Contacto: 21360 Lusigny-sur-Ouche, França. E-mail: [email protected] 2

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Hughes de Varine, em 1997 na Jornadas Sobre a Função social dos Museus já havia abordado a questão do Desenvolvimento Sustentável. http://www.minomicom.net/_old/signud/DOC%20PDF/199700404.pdf

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Educação e desenvolvimento Nas sociedades mais desenvolvidas, onde a grande maioria da população recebeu um ensino obrigatório, durante pelo menos dez anos, muitas vezes seguido de estudos facultativos mais ou menos especializados, a experiência provou que os conhecimentos adquiridos por ocasião da formação inicial não permitiram a essas pessoas investir de uma maneira rigorosa e permanente para participar ativamente na produção do seu próprio futuro e no dos seus descendentes, dentro de um quadro coletivo. Aquilo a que Paulo Freire chamou de educação “bancária”, isto é, a acumulação forçada de conhecimentos segundo um esquema, conteúdos e métodos definidos de cima para baixo (pelo Ministério da Educação, por exemplo), tem-se revelado incapaz de formar gerações de cidadãos responsáveis, exceto quando tais conhecimentos acabam por coincidir com a cultura herdada por parte de alguns dos alunos, aqueles que pertencem à mesma categoria sociocultural dos decisores do sistema educativo. Além disso, mesmo nas sociedades mais “educadas”, há sempre uma certa percentagem da população que passou ao lado desta educação bancária, quer se trate de analfabetos, de iletrados ou de abandonados pelos estabelecimentos escolares, que nem sequer adquiriram os conhecimentos formais mínimos para fazer o seu caminho na vida segundo as normas da sociedade que os rodeia. Estes não podem regressar à escola e a sua única esperança será de entrar num processo educativo novo, original, adaptado aos seus ritmos, à sua cultura viva, aos seus interesses reais. A estas duas categorias de público, que podemos qualificar sumariamente como “letrados” e “não-letrados”, é indispensável propor formas de educação nãobancária, a fim de libertar as suas capacidades de análise, criatividade, iniciativa e autonomia, que lhes permitam inserir-se, de forma progressiva e eficaz, nos processos de desenvolvimento (e, ainda, para os não-letrados, de encontrar o seu lugar numa sociedade de cultura escrita, onde vivem sem se acharem realmente integrados). Têm-se dado diferentes nomes a esta educação não-bancária: educação informal, educação de adultos, educação popular, educação permanente. Cada termo tem o seu sentido próprio e não se confunde com os outros, mas pode dizer--se que, no que diz respeito à participação no desenvolvimento, todos partilham um mesmo objetivo, o de libertar a capacidade criadora da pessoa e de a levar a ocupar plenamente um lugar de Actor cultural, social e económico, na sua comunidade e no seu território. Este processo corresponde exatamente à noção de conscientização em Paulo Freire. Nas linhas que se seguem, falarei apenas de educação popular, para sublinhar o que aqui nos interessa, o facto de que se trata de uma educação que se destina ao conjunto da comunidade, associando-a e envolvendo-a no seu todo, com todos os seus membros e os recursos do território.

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Dos públicos à população A educação popular para o desenvolvimento visa criar ou reforçar a comunidade e o seu controlo sobre o despectivo território, fornecendo-lhe os necessários instrumentos para a conceção, expressão e formulação de projetos, assim como para a sua concretização e para a cooperação interna e externa. Nesta abordagem, não se pode falar de públicos específicos, tal como se fala no ensino clássico ou na Acão cultural e artística. É certo que cada um deve poder aí encontrar respostas às suas necessidades próprias, em função do grau de desenvolvimento pessoal a que chegou: o analfabeto procurará adquirir, ao seu ritmo, os conhecimentos de base que lhe permitam poder ir mais longe de seguida, o erudito ou técnico pedirá para aceder ao conhecimento do seu quadro de vida ou a técnicas que lhe não são familiares, o imigrante ou o recém-chegado quererá ligar-se ao passado e às línguas do seu novo quadro de vida, enquanto os autóctones desejarão valorizar-se graças aos contributos destes diferentes vizinhos, etc. A educação popular não visa, portanto, apenas a satisfação de “públicos” específicos; deve, sobretudo, constituir a fonte de uma cultura comum construída a partir dos contributos de todos os membros da comunidade, acrescentando contributos exteriores destinados a ajudar à integração desta comunidade em comunidades mais largas: regional, nacional, internacional. É, com efeito, apenas através do domínio da sua própria cultura que uma população pode pretender tornar-se parceiro ativo e responsável do seu presente e do seu futuro. As equipas locais da Associação “In Loco”, que trabalham no seio das populações no interior serrano do Algarve, em Portugal, produziram recentemente um notável trabalho de síntese e de metodologia, que inclui nomeadamente a formação para o desenvolvimento pessoal5. Este trabalho retoma, atualizando-o, o dos movimentos de educação popular ativos na Europa em reconstrução, após a II Guerra Mundial. Todavia, na sua prática quotidiana, onde geralmente a educação popular de ontem procurava fornecer meios de formação ou de animação trazidos principalmente do exterior (formadores, animadores, artistas, conferencistas), os técnicos da “In Loco” procuram, antes de mais, dentro da própria comunidade os recursos e os materiais da formação. É de constatar que qualquer comunidade é constituída por subconjuntos, cujos diferentes papeis no desenvolvimento são deveras importantes: os jovens (o futuro), os idosos (a experiência), as mulheres (a educação no quotidiano e a gestão da família), os profissionais (quadros da vida cultural, económica e social). Esta distribuição por papéis e funções na comunidade é essencial para a 5

“Formação para o Desenvolvimento. Formação / Inserção Profissional Territorializada”. Associação “In Loco”, www.in-loco.pt

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organização da estratégia e do método da educação popular, em que cada um deve simultaneamente dar e receber.

Os recursos do território A educação popular, tal como o desenvolvimento no seu conjunto, assenta principalmente nos meios disponíveis no próprio território: estruturas, pessoas, saberes, bens materiais e virtuais. Das estruturas Deixando de lado as escolas de qualquer tipo, cuja função natural é a educação “bancária”, pelo menos aos olhos de todos, encontramos instituições públicas (bibliotecas, museus, centros culturais ou de animação, igrejas e outros santuários de diferentes religiões, espaços com vocação desportiva, etc.) que podem ser utilizadas, quer para a sua função central, quer como lugares públicos que podem ser desviados dessa função para atividades de natureza educativa. Pensemos também nas associações e noutros grupos organizados, que têm uma finalidade social, cultural ou educativa, e podem ser legitimamente mobilizados para ações de educação popular. Citarei naturalmente aqui os novos museus, de comunidade ou de território, que possuem, desde o momento da sua conceção, uma explícita vocação de educação popular e se apresentam oficialmente como parceiros dos processos de desenvolvimento. Podemos encontrar um exemplo no projeto de Ecomuseu das Serras do Algarve ou no que está agora a emergir no Norte de Portugal, na pequena região do Barroso. A educação popular é mencionada aqui explicitamente como umas das dimensões do programa. Das pessoas Trata-se de pessoas-recurso, que se encontram em qualquer comunidade, mas também e potencialmente, em dado momento, todo e qualquer membro dessa comunidade. Têm conhecimentos e saber-fazer, uma memória, experiência, competências profissionais, tempo, relações e redes locais ou exteriores, motivações sociais ou outras que as tornam disponíveis, dentro de circunstâncias variáveis, para uma utilização coletiva. Serão intervenientes, referentes, conselheiros, enquadradores, informadores, etc. Podemos observar, no Norte de França, agrupamentos de pessoas, no âmbito de movimentos de economia solidária, que põem em comum as suas competências, relações e meios financeiros, a fim de suscitar e facilitar a iniciativa económica por parte de pessoas desprovidas de meios mas portadoras de projetos pessoais. Dos saberes

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Qualquer comunidade é um banco de saberes, uns formais e explícitos, outros informais ou virtuais, que podem ser úteis mais tarde ou mais cedo, quer a uma dada pessoa, quer ao conjunto da comunidade ou a uma determinada categoria dos seus membros. Estes saberes podem valorizar-se em tempos normais ou por ocasião de crises. Os portadores destes saberes são as pessoas-recurso de que falámos acima. Em França, as Redes de Trocas Recíprocas de Saberes (“Réseaux d’échanges réciproques de savoirs”), em centenas de lugares, vêm criando laços entre indivíduos de origens socioeconómicas e socioculturais muito diferentes, para gerar solidariedades cativas que fazem dos seus membros atores imediatamente úteis aos processos locais de desenvolvimento, no interior dos bairros, das empresas, das relações interpessoais. Dos bens materiais Tudo o que existe, com duas ou três dimensões, sobre o território e no seio da comunidade, pode ser utilizado para a educação popular, para a observação, o conhecimento do meio, a análise, a aprendizagem, o consumo, o controlo da técnica, a identidade, o conhecimento do passado. A sua principal qualidade é ser uma realidade tangível que multiplica a sua virtude pedagógica. Organizei pessoalmente, em vários locais do Norte (Compiègne e arredores) e do Oeste (Bouguenais, perto de Nantes) de França, “passeios de descoberta” do património, destinados a formar militantes e animadores do desenvolvimento, oriundos da população local, levando-os a ganhar consciência, ao mesmo tempo, dos materiais à sua disposição e das suas responsabilidades na respetivas preservação e utilização. Mencionarei também as exposições participativas e os inventários participativos, deveras eficazes, não só para (re)criar a identidade local, mas também para identificar as pessoas-recurso que poderão tornar-se atores voluntários do desenvolvimento. Dos bens virtuais O mesmo sucede quanto à memória, tradição oral, costumes, particularidades linguísticas, que apelam à imaginação e à sensibilidade e que ilustram as diferenças entre as pessoas e os grupos, permitindo-lhes fortalecer interações e cooperações. É o caso, entre outros, da “Abordagem Bairros” (“Démarche Quartiers”), da cidade de Saint-Denis (próximo de Paris) ou da companhia “Samirami Métropole Théatre”, em Roubaix (Norte de França): a memória oral dos residentes, via de regra ocultada pela vergonha de uns e pelo desprezo de outros, torna-se um fator dinâmico de construção da identidade, da vontade de reagir, de participar na melhoria do quadro e das condições de vida. No primeiro caso, emprega-se a técnica do conto narrado coletivamente; no outro, é a encenação teatral na tradição do Teatro do Oprimido que serve de veículo para a expressão pública da memória. Será apenas quando todos estes meios se encontrarem inventariados e mobilizados que se torna necessário apelar a outros materiais e a outros meios, importados ou criados especialmente “in loco”. Em todo o caso, é de constatar

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que o conjunto dos meios próprios da comunidade constitui ao mesmo tempo o seu património, natural e cultural, material e humano.

A pedagogia da educação popular A educação popular não é nada de novo, mas, para além de um período inicial de prática militante, manteve-se vezes demais nas mãos dos docentes, membros de uma corporação de técnicos da pedagogia. A verdade é que os hábitos dos “clientes” potenciais da educação popular já não são os mesmos de há 50 anos. Os não-letrados recusam o quadro escolar e os constrangimentos da educação bancária, sobretudo quando o conheceram e dele saíram sem qualquer bagagem cultural utilizável. Por seu turno, os letrados não veem a utilidade de uma abordagem que não considere até certo nível os seus próprios adquiridos culturais e intelectuais. Além disso já não se procura ocupar de forma inteligente os tempos de lazer, mas sobretudo aceder a um estatuto sociocultural e socioeconómico reconhecido ou adquirir o controlo dos meios de expressão e de criação, tendo em vista uma plena participação na construção do futuro. Em ambos os casos, a procura das pessoas coincide com a dos agentes de desenvolvimento e da Acão comunitária, que pretendem interagir com atores locais conscientizados e formados. Esta situação pressupõe a invenção e a aplicação de uma nova pedagogia interativa, em que o educando terá igual valor e igual contributo que o educador, podendo este último beneficiar até, por sua vez, da posição de educando. É aqui que os recursos culturais e patrimoniais do território, da comunidade e dos seus membros, entram em jogo, porque irão ser suporte, pretexto e matéria-prima desta pedagogia. De facto, cada pessoa, independentemente do seu estatuto social, possui um património que lhe é próprio e é, ao mesmo tempo, coproprietário moral do património da comunidade a que pertence. Poderá, assim, aprender a partir de algo que “é seu”, que conhece como seu ou como fazendo parte do seu contexto, algo que vai poder reconhecer, aprofundar e, por fim, utilizar. O património (no sentido mais global do termo, evidentemente, natural e cultural, material e imaterial, reconhecido publicamente ou desconhecido) vai fornecer, muito especialmente, à educação popular os meios de atingir quatro grandes objetivos, que são os mais úteis para o desenvolvimento participativo da comunidade e do território:  

a formação da consciência da sua identidade, do seu território e da comunidade humana de pertença; a autoestima e uma maior confiança nos outros, condição da participação e da cooperação ao serviço do desenvolvimento;

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o despertar da capacidade de iniciativa e de criatividade, para se deixar de ser consumidor e assistido e tornar-se empreendedor e promotor;  o domínio da expressão e dos instrumentos da negociação, que permitem intervir eficazmente na esfera pública. Dois exemplos me vêm à mente para ilustrar esta abordagem pedagógica. Em primeiro lugar, o do ecomuseu da Comunidade Urbana Le Creusot-Montceau (Bourgogne, França), nos anos 70. Os dois primeiros objetivos tinham sido definidos à partida para assegurar a transformação de uma população operária, que saía de mais de um século de paternalismo autoritário, numa comunidade de atores adultos, protagonistas de um desenvolvimento que se tornava cada vez mais plural e territorialmente significativo. Contribuímos eficazmente para isso, a partir de uma abordagem essencialmente patrimonial, em que os técnicos-mediadores que constituíam a equipa do ecomuseu se apoiavam quase exclusivamente nos recursos patrimoniais do território e dos seus habitantes. Da mesma forma, e mais recentemente, os promotores do projeto de desenvolvimento em Maestrazgo (Aragão, Espanha) prosseguiram os dois últimos objetivos e conseguiram utilizar o património a fim de organizar progressivamente uma população rural desvalorizada e a envelhecer para investir no ordenamento do território, organização social, desenvolvimento económico, acolhimento turístico, domínio e utilização corrente das novas tecnologias.

Como pôr em prática esta nova pedagogia? Existem, obviamente, tantos métodos quantos os lugares de aplicação. Alberto Melo, um português que foi encarregado em 1998, pelo seu governo, de conceber e de lançar uma nova política e novos programas de educação de adultos, tentou inventar um modo de organização (a nível nacional) adaptado às condições do Portugal de hoje. E, muito naturalmente, porque isso lhe pareceu evidente, designadamente à luz da sua experiência de agente de desenvolvimento no Algarve, recomendou, como um dos elementos essenciais do novo dispositivo, a criação de redes desconcentradas de estruturas locais de apoio, a partir das bibliotecas e dos pequenos museus que são espaços familiares para a comunidade, geralmente geridos e animados por voluntários da própria comunidade. Do mesmo modo, os mexicanos fazem do museu comunitário, que é uma primeira abordagem da reapropriação do património pela comunidade, um espaço indiscutível de educação popular. Mas não se trata apenas de museus: eu pratico pessoalmente, no âmbito de missões sobre desenvolvimento local, o método dos “passeios de descoberta”, que acima já referi, e que constituem uma pedagogia de formação partilhada, através da qual os habitantes comunicam reciprocamente os seus

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conhecimentos sobre o património e decidem assumir alguns problemas ou adotar certas soluções resultantes da associação das suas competências. Chega-se assim, e de forma algo surpreendente, a passar muito rapidamente da tomada de consciência à tomada de confiança em si mesmo, em seguida à iniciativa, e daí à organização coletiva. Muitas associações ambientais adotam processos idênticos para educar jovens e adultos sobre o conhecimento da Natureza, do ambiente, das consequências do consumo e dos hábitos modernos, o necessário respeito de regras e normativos, etc. Neste caso, deve partir-se, é evidente, do património, mas a experiência demonstrou que as explicações puramente teóricas, mesmo sustentadas por argumentos de elevado valor científico, não são suficientes para fazer face a más práticas individuais e coletivas. A região autónoma de Aragão, em Espanha, adotou, em 3 de Dezembro de 1997, uma lei dos parques culturais, sublinhando claramente a função educativa destas instituições territoriais, onde se incluem entre os objetivos o de “promover atividades pedagógicas sobre o património cultural junto das crianças das escolas, das associações e dos residentes em geral” (o património cultural abrange aqui espaços naturais, paisagens e o conjunto dos bens e fenómenos que derivam da Natureza). O primeiro destes parques culturais, o de Maestrazgo, já levou à constituição de inúmeros “Grupos de Acão sobre o Património”, que atuam ao nível das aldeias para mobilizar os residentes e elevar a tomada de consciência sobre a identidade local. Um amigo meu, o professor V. H. Bedekar, museólogo indiano, lançou um combate corajoso para pressionar gradualmente os milhares de grupos étnicos e culturais do seu imenso país, uns atrás dos outros, a ganharem consciência do valor da sua identidade, através da reconquista dos seus patrimónios próprios. Começando no sudoeste, em Chaul, um território indo-português em plena decadência económica e cultural, está a conseguir construir uma rede de colegas extremamente envolvidos por todo o país (uma experiência destas está a emergir agora em Assam, um Estado do nordeste). Em todos estes lugares, o património local, sob as suas mais diversas formas, serve de matéria-prima para um processo formativo no seio da população, na sua própria língua, tendo em consideração a respetiva religião e o contexto socioeconómico específico. O prof. Bedekar quer levar as populações locais a criarem uma oferta de ecoturismo, um método original de educação popular, visando formar os visitantes no conhecimento e no respeito pelas culturas que encontram6 Neste mesmo espírito, os animadores do Centro Cultural dos “Viajantes Irlandeses” (ou “Irish Travellers”, uma população autóctone de nómadas, que sofrem preconceitos racistas ou até graus de marginalização semelhantes aos 6

Para as pessoas locais, Ecoturismo significa um diálogo aberto e contínuo entre os de fora e os de dentro; ao explicarem aos visitantes aquilo que são, as comunidades indígenas descobrem o que realmente são”
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