Museu de Arte Sacra de Pedrógão Grande

September 28, 2017 | Autor: Antonio Carreira | Categoria: Museum Studies, History of Museums, Museology
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Região . 27

16 de Dezembro de 2014

Pedrógão Grande: Museu de Arte Sacra

Dos museus que a Santa Casa de Misericórdia de Pedrógão Grande criou e mantém, o Museu de Arte Sacra será, talvez, aquele que melhor espelha uma das mais fascinantes facetas desta Vila: a sua história e monumentalidade, ambas intrinsecamente ligadas à religiosidade ancestral. Porque de facto, a enumeração de “Museu de Arte Sacra” é redutora do que o visitante realmente encontra, ou seja, um museu, é certo, mas integrado num complexo de edifícios seculares, declarados de interesse público, por si também já inseridos na zona histórica da Vila. Tivemos o privilégio de ser acompanhados na visita que fizemos ao Museu de Arte Sacra pelo actual viceProvedor da Misericórdia, António Figueira, e por Antonino Marcelo Salgueiro Batista, que foi também viceprovedor da instituição, precisamente na altura em que foram criados os museus da Misericórdia, tendo sido também posteriormente Provedor, e que conhece como ninguém os cantos à casa e as peças em exposição. E foi ainda no exterior do magnífico edifício, cuja construção remonta a 1470, que nos foi adiantando que a Misericórdia de Pedrógão Grande é das poucas do país cuja fundação é anterior à Misericórdia de Lisboa, instituída pela Rainha Dona Leonor em 15 de Agosto de 1498. Segundo Antonino Marcelo, existia em Pedrógão Grande uma instituição chamada Albergaria de São Pedro, com algumas funções da entidade que viria a ser a Misericórdia, entre estas a de acolher peregrinos de passagem(para Santiago,supõe-se). Com

a reforma assistencial iniciada pela Rainha, a antiga albergaria deu lugar à actual Misericórdia. Foi também ainda no exterior, na calçada junto aos primeiros degraus que dão acesso ao patamar de onde parte a escadaria que dá acesso à Sala do Capítulo, que soubemos do triste destino que teve uma pedra cerimonial que ali existia, mandada retirar na altura das obras de requalificação do centro histórico de Pedrógão Grande, pela arquitecta (?) responsável, por alegadamente “estar toda gasta e não servir para nada”… Subindo a dita escadaria atinge-se a Sala do Capítulo, onde os Irmãos recatadamente assistiam à Santa Missa que se celebrava na Igreja da Misericórdia contígua. A visita segue para a sacristia e Igreja da Misericórdia, com passagem pela sala onde se guardavam as opas. São visíveis nestas salas vários utensílios e ornamentos antigos, para além de dois magníficos arcazes. O retábulo que ornamenta o altar-mor da Igreja, da autoria do pintor da escola maneirista de Coimbra Álvaro Nogueira (Penacova – 1560-1635) é talvez a obra de arte mais importante deste complexo monumental, e que deu origem à sua classificação como imóveis de interesse público. Composto por seis quadros distintos, apresenta como destaque ao centro uma cena de Pentecostes, com cenas de Natividade e Anunciação nas laterais. No patamar superior, o retábulo apresenta uma cena da Visitação ao centro, ladeada pela Circuncisão e Adoração dos Magos nas laterais. É uma peça de arte magnifi-

Altar Mor da Igreja da Misericórdia com o Retábulo de Álvaro Nogueira

ca e bem documentada, uma vez que a arqueóloga Maria Isabel Rocha e Sousa, na pesquisa documental que fez na Misericórdia de Pedrógão Grande nos anos 80, encontrou o contrato de adjudicação do retábulo ao pintor de Penacova, datado de 12 de Março de 1606, pelo preço de “80.000 reis e 20 alqueires de trigo”. A obra foi totalmente desmontada, tábua por tábua e enviada ao Instituto Rainha Dona Leonor para avaliação e depois restaurada no Instituto José de Figueiredo, após análise por raios X, tendo sido feita a expensas de um mecenas de Pedrógão Grande, com um valor que rondou vários milhares de contos. Uma operação que deu origem a uma polémica nos jornais da época, entre os quais A Comarca de Figueiró dos Vinhos e Diário de Coimbra, mas que por ter acabado inconclusiva nas várias acusações que envolveu, nos abstemos de comentar, até porque o magnífico retábulo do pintor maneirista que bebeu inspiração na Roma de Sixto V, lá está no Altar Mor em todo o seu esplendor. Entramos depois no propriamente dito Museu de Arte Sacra, uma colecção preciosa de estatuária religiosa, mas não só, podendo ser observados também paramentos e utensílios de culto. Entre várias peças medievais e renascentistas, todas elas de valor histórico incalculável, uma, a imagem da “Virgem com o Menino”, nos mereceu um especial destaque, e por duas ordens de razão. A primeira porque poderia estar reduzida a cinzas não fossa e intervenção do nosso guia. Procedia-se à limpeza e organização deste espaço e das peças para constituir o futuro Museu de Arte Sacra, quando Antonino Marcelo vê passar um colaborador com um saco de lixo, tendo-lhe perguntado o que era. Resposta: é um boneco de madeira que estava num dos gavetões do arcaz, está todo podre, vai para o lixo. Curioso para ver que boneco era aquele, depara-se com uma peça em madeira, e ainda sem saber bem do que se tratava, achou melhor guardar o “boneco” para se mandar ver afinal o que era. Mandado para o Instituto José de Figueiredo para avaliação e onde acabou por ser restaurado, verificou-se tratar-se de uma imagem religiosa com datação do Séc. XII / XIII, representando a Virgem e o Menino, a peça mais antiga do espólio do Museu, quem sabe se anterior à nacio-

Antonino Marcelo, o nosso cicerone no Museu de Arte Sacra

nalidade, a segunda ordem de razão para o nosso destaque. Nas paredes, vários exvotos testemunham a fé dos ancestrais pedroguenses. Mas mais imagens merecem uma atenta observação, como um São Pedro (C/ Coroa Papal, o que é raro) do Séc. XV, Nossa Senhora da Nazaré do Séc. XVII, Nossa Senhora do Leite do Século XVI, entre outras. Um Cristo em pedra de Ançã, recuperado do altar-mor da Igreja Matriz de Pedrógão Grande, da autoria de João de Ruão, é mais um exemplo da atenção que deve haver quando se trata com edifícios seculares. Curiosa é também outra peça de mobiliário, um cofre chamado “Burra”, onde se guardavam os valores e cuja abertura só era possível com o uso simultâneo de três chaves. Da Igreja da Misericórdia passamos à Capela do Calvário, já no Largo da Devesa, em cuja escadaria é visível uma pedra que segundo o arqueólogo pedroguense José Costa dos Santos, já falecido, é a base de uma coluna de um edifício romano. A confirmar-se, tratar-seia com certeza de um grande edifício, um templo ou um fórum que ainda não foi descoberto. O que é certo é que mesmo ao lado da Capela do Calvário, escavações realizadas quando das obras de requalificação da Devesa, puseram a descoberto parte de uma Villa Romana, pelo que a suspeita de um edifício maior estar implantado nas imediações não é de todo descabida. Conhecida é também a existência de um forno romano, no Cabeço da Cotovia, nos limites da Vila de Pedrógão Grande. O Museu de Arte Sacra, a Igreja da Misericórdia e a Capela do Calvário estão abertas a visitação pública e gratuita, carecendo no entanto de marcação antecipada junto dos serviços administrativos da Santa Casa de Misericórdia de Pedrógão Grande. Bibliografia: “La vida ejemplar de Álvaro Nogueira, um pintor português de la Roma de Sixto V (1585-1590)” de Vítor Serrão; “O Retábulo da Igreja da Misericórdia de Pedrógão Grande e bo Pintor Álvaro Nogueira” in a Voz das Misericórdias - Maria Isabel Rocha e Sousa – Fevereiro de 1985. O nosso agradecimento ao Sr. Antonino Marcelo pelas informações que nos prestou, e a António Figueira pela disponibilidade em acompanhar a visita. António B. Carreira

A Virgem e o Menino, escultura em madeira (Séc. XII / XIII)

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