Museu de Arte Sacra: ensino de história e “musealização” do sagrado. Segundo Dia. 2015

June 3, 2017 | Autor: Guilherme Luz | Categoria: Religion, Museum Education, Religious art, Museums
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Conceitos introdutórios de arte religiosa, religião e cultura material. Primeira parte do segundo dia do curso: Museu de Arte Sacra: ensino de história e “musealização” do sagrado. CEMEPE / LEAH-UFU / MAS – © 2015, Guilherme Amaral Luz

Conceitos fundamentais – “Artefato simbólico” • Cultura material: conjunto de objetos elaborados e utilizados por determinada sociedade de modo a cumprir finalidades práticas ou simbólicas. • Artefato cultural: objeto produzido pelas mãos humanas (arte + fato = feito com arte) e que dá testemunho a respeito da cultura (material) da qual provem. • Símbolo: substituição de um conjunto de significados culturalmente partilhados por um significante ativador da memória. • Artefato simbólico: objetivação material do símbolo, que dá testemunho a respeito de significados culturalmente partilhados na memória coletiva de uma sociedade em determinado espaço-tempo.

Conceitos fundamentais - Sagrado e Profano (mito e ritual) • Mitos – Do grego, mythós/mythói: narrativa, história. Os mitos contam as histórias que dão sentido ao mundo, ao cosmos e ao cotidiano. Passam de geração em geração por meio de suportes orais, escritos e materiais. A temporalidade dos mitos é a da “origem”: tempo significativo e essencial que define “o ser” dos entes que habitam o mundo conhecido. • Rituais – Os rituais são suspensões do tempo ordinário ou cotidiano para a atualização, na história, dos mitos de origem. Sua temporalidade é um intermédio entre a “origem” essencial dos seres e o cotidiano histórico. Seu objetivo é propriamente a passagem de um tempo ao outro de modo a permitir a experiência do mito na história.

Conceitos Fundamentais – Sagrado e Profano • Profano: toda experiência e conjunto de objetos a ela relacionados que se situam no tempo ordinário do cotidiano e da história, em que a essencialidade dos seres se esconde nas “impurezas” ou “imperfeições” de tudo que seja provisório, parcial ou mortal. • Sagrado: toda experiência e conjunto de objetos a ela relacionados que se situam no tempo original do mito, em que a essencialidade dos seres se mostra na “pureza” ou na “perfeição” de algo que pareça sempre permanente, integral ou imortal. • Religião – Do latim, religare (vb.: religar). As religiões buscam reestabelecer as ligações essenciais entre o provisório e o permanente; o parcial e o integral; o mortal e o imortal; o ordinário e o original; a aparência e a essência; o corpo e a alma; o homem e Deus...

Obs.: as imagens que seguem não são de peças compõem o acervo do MAS, mas exemplos retirados da Internet.

Passagens do Profano ao Sagrado Torii do Santuário de Inari em Kyoto, Japão.

Miyajima Torii em Hiroshima, Japão.

Passagens do Profano ao Sagrado Notre Dame de Paris, França. Fachada da entrada principal.

Notre Dame de Paris, França. Gárgulas.

Cultura Material e Artefatos Simbólicos de Caráter Religioso • A transição do espaço-tempo profano ao espaço-tempo sagrado se dá por efeito de rituais, cuja materialidade é composta por artefatos simbólicos. • A cultura material de caráter religioso é testemunha de uma complexa rede de significados partilhados por determinada comunidade quanto à essência de todo o seu universo pensável (seja ele físico, moral, natural ou artístico) em sua inter-relação com o cotidiano vivido. • Os artefatos simbólicos de caráter religioso são objetos inseridos em práticas rituais cujos sentidos só podem ser buscados tendo em vista as suas funções em determinada cultura religiosa.

Artefatos Simbólicos e Contexto Ritual (instrumentos musicais) Instrumentos para Ritos Afro-brasileiros

Órgão da Catedral da Sé de Mariana-MG, Brasil

Artefatos Simbólicos e Contexto Ritual (Objetos de Oração – O Rosário / Terço)

Questões fundamentais da imagem sacra: dimensões teológicas, artísticas e culturais.

Musealização como Recontextualização • “O museu eclesiástico não é uma simples colecção de objectos que já não se usam, mas sim uma instituição pastoral de pleno direito, já que guarda e valoriza os bens culturais que outrora estavam "postos ao serviço da missão da Igreja" e que agora são significativos sob o ponto de vista histórico-artístico. Apresenta-se como um instrumento de evangelização cristã, de elevação espiritual, de diálogo com os afastados, de formação cultural, de fruição artística, de conhecimento histórico. É, portanto, um lugar de conhecimento, prazer, catequese e espiritualidade”. (Pontifícia Comissão para os Bens Culturais da Igreja. Carta Circular “A função pastoral dos museus eclesiásticos, Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_commissions/pcchc/documents/rc_com_pcchc_20010815_funzionemusei_po.html)

Ambivalências da Imagem Sagrada • A imagem sagrada “é um gênero que serve a dois mestres, a arte e a Igreja”. (HALL, Marcia B. The sacred image in the age of art: Titian, Tintoretto, Barocci, El Greco, Caravaggio. New Haven and London: Yale University Press, 2011. p. 01)

• O ícone na tradição “niceno-bizantina”. João Damasceno (c. 730 d.C.): “Como dar forma ao invisível? Como representar aquilo que não admite qualquer representação? Como figurar aquilo que é imponderável, sem dimensões, indefinido e amorfo? Como pintar aquilo que é incorpóreo? Como definir, por meio de um contorno, o que em si mesmo não tem forma? O que, verdadeiramente, é isso que é revelado de maneira mística? Evidente fica agora a razão pela qual não deves fabricar imagens do Deus invisível.”

“Mas quando vês o incorpóreo feito homem por tua causa, então fabricas uma forma humana que se lhe pareça em alto relevo. Igualmente, quando o invisível é tornado visível na carne, então fabricas uma imagem de visível semelhança. Quando vires ao incorpóreo, indeterminado e imponderável na grandeza de sua própria natureza, com a forma de Deus, tomando a forma de um humano, tu então desenha Seu corpo, definindo-a de acordo com suas dimensões, linhas e caracteres e, então, na pínax gravas Sua imagem e a expões para que seja contemplada e conhecida.” (João Damasceno. Discurso Apologético contra os que rejeitam as imagens sagradas, c. 730)

Culto às imagens • Na tradição teológica cristã, a imagem sagrada é efeito do mistério da encarnação, cuja artística é dele dependente. • Ao mesmo tempo, como herdeiro da iconoclastia judaica, o Cristianismo rechaça a ideia de substancialização do sagrado nas imagens, tratando-as, antes, como formas artísticas aproximadas de um arquétipo. • No caso cristão/católico, as imagens, como representações do arquétipo, podem ser cultuadas, mas apenas o arquétipo, adorado. • As potenciais ambiguidades do culto às imagens, historicamente, foram (e ainda são) fermentos à intolerância e à iconoclastia no contato entre várias culturas religiosas, sobretudo, quando envolvem tradições judaicas e derivadas do Judaísmo, tais como o Islã e o Cristianismo.

Dirck van Delen Iconoclastia em uma Igreja (1630) Óleo sobre painel Rijksmuseum, Amsterdam. SK-A-4992

Exemplos de Imagens destruídas no surto iconoclasta do século XVI na Holanda (Utrecht) e na Inglaterra (Thornham, Norfolk).

Arte Religiosa “iconoclasta”

Afastamentos e aproximações (questões para debate) • Ao deslocar artefatos simbólicos de caráter religioso de seus contextos rituais, o que “perdem” e o que “ganham” em termos de possibilitar a compreensão das práticas históricas a que estão articulados? • Para observar, analisar e interpretar um objeto sacro disposto em um museu, em que medida é necessário recuperar o seu lugar cultural de origem? Como fazer isso? • Como a objetivação de uma cultura religiosa em seus artefatos simbólicos pode servir ao diálogo de estudantes com a sua própria identidade e com a alteridade presente na história das religiões e da religiosidade? • Em que sentido a musealização do sagrado, descontextualizando os seus artefatos simbólicos, pode ser adequada ou não à formação da consciência histórica e da sensibilidade às diferenças humanas?

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