MUSEU EM FAVELA: CULTURA E MEMÓRIA NA (RE)PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO

June 3, 2017 | Autor: Aline Portilho | Categoria: Territorio, Favelas, Memória social
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MUSEU EM FAVELA: CULTURA E MEMÓRIA NA (RE)PRODUÇÃO DO TERRITÓRIO Aline dos Santos Portilho1 Resumo: Este artigo tem por objetivo refletir sobre as recentes associações entre governo e sociedade civil na criação de museus que têm como objetivo a patrimonialização e a promoção de memórias em favelas cariocas. Comparando duas iniciativas distintas, procura-se entender como estas articulam elementos que possibilitam a ressignificação do território de favela, produzindo novos sentidos atrelados a estes ao operar em interface com os setores de governo como a Cultura e Segurança Pública. Palavras-chave: favela, museu, política de memória. No mês de maio de 2011, duas oportunidades me levaram a conhecer o Museu de Favela (MUF), localizado no Complexo do Pavão – Pavãozinho – Cantagalo e a revisitar o Museu da Maré, localizado em umas das favelas do complexo que dá origem ao seu nome. Estava planejada para o dia 14 daquele mês, por ocasião da 9ª Semana Nacional de Museus2, a realização, na Quadra de Esportes do Cantagalo, de um concerto da harpista Claire Jones – “a harpista do casamento do príncipe William”, como era definida pelos promotores do evento. A apresentação era parte de uma parceria com o programa Música no Museu, que promove o evento Rio Harp Festival3, que, naquele ano, ocorreu no mesmo período da Semana Nacional de Museus. A apresentação em si precisou ser adiada em razão da forte chuva que caiu justo no momento em que se iniciaria o concerto, mas, ainda assim, foi uma oportunidade única para conhecer um museu cujo acervo “são cerca de 20 mil moradores e seus modos de vida, narrativos de parte importante e desconhecida da própria história da Cidade do Rio de Janeiro”.4 Também foi através desta primeira incursão que pude tomar conhecimento e participar de uma visita guiada ao Circuito de Casas Tela do Cantagalo, que ocorreria alguns dias depois. Professora temporária do Departamento de Arte da Universidade Federal Fluminense e produtora cultural na Escola de Comunicação/Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutoranda em História, Política e Bens Culturais pelo CPDOC/FGV. 2 Evento promovido pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) em comemoração ao Dia Internacional dos Museus. 3 Informações disponíveis em www.musicanomuseu.com.br, acesso em 29/07/2011. 4 Texto “Sobre o MUF”, disponível em www.museudefavela.org. Acesso em 30/07/2011. 1

Na mesma semana, por razões de trabalho, fui convidada a conhecer, ao lado da equipe de extensão da Escola da Comunicação da UFRJ, o Observatório de Favelas 5, organização não-governamental baseada no bairro da Maré, e após seguimos para uma visita ao Museu da Maré, cujo objetivo é enunciar a favela como “lugar de memória e por isso nada mais significativo do que se fazer uma leitura museográfica a partir de tal percepção.”6 Fomos acompanhadas por uma museóloga e a experiência muito recente de contato com o MUF atuou o tempo todo como um referencial para a apreensão do que via e vivia naquele espaço. Já havia visitado a exposição do Museu da Maré outras vezes também em situações de trabalho, quando pude, também, manter contato mais freqüente com seus organizadores. Porém, influenciada pelos investimentos que estava promovendo para a elaboração do projeto de pesquisa para a seleção do doutorado, somente naquele momento específico pude olhar aquele empreendimento de outra forma.7 Dois elementos que chamaram muito a atenção nas incursões aos dois espaços foram as aproximações e os distanciamentos que ambas as iniciativas guardavam entre si. As especificidades dos caminhos que cada uma tomou para criar um mesmo empreendimento – museu em favela – e as distintas maneiras pelas quais as duas instituições mantinham relações com um mesmo agente – o governo. Pareceu bastante evidente, naquele momento, que havia elementos sobre o caráter relacional do comportamento do Estado perante grupos organizados da sociedade que, uma vez postos em análise, ajudariam a compreender questões sobre o funcionamento do Estado tanto quanto sobre as possibilidades de ação daqueles atores sociais. A análise sobre o encontro entre políticas públicas e os agenciamentos da memória em favelas cariocas promovidos por seus próprios líderes comunitários e demais atores locais suscita questões em torno da (re)produção dos territórios sobre as quais é urgente refletir. Por (re)produção se está entendendo o processo pelo qual novos Segundo definição disponível no site da organização, “O Observatório de Favelas é uma organização social de pesquisa, consultoria e ação pública dedicada à produção do conhecimento e de proposições políticas sobre as favelas e fenômenos urbanos. O Observatório busca afirmar uma agenda de Direitos à Cidade, fundamentada na ressignificação das favelas, também no âmbito das políticas públicas.” www.observatoriodefavelas.org.br, acesso em 29/07/2011. 6 Texto “Museu da Maré, a proposta. Lugar de memória, lugar de encontro”, disponível em www.museudamare.org.br. Acesso em 30/07/2011. 7 Este artigo faz parte das reflexões que venho desenvolvendo para realização do projeto de doutorado “Relações entre governo e sociedade civil nos Complexos do Pavão – Pavãozinho – Cantagalo e da Maré: agenciamento e institucionalização da memória de favelas cariocas através da constituição de museus”. 5

significados, positivos, vão sendo incorporados à representação da favela, em geral caracterizada pelas ausências e negatividades. Entende-se o processo recente de valorização e institucionalização de memórias em museus de favela como parte integrante deste processo. É importante ressaltar que este não é um projeto sem tensões, ou que seja um fenômeno que ocorra de igual maneira em todas as favelas e demais locais de moradia das populações pobres. Não é toda favela que será musealizada nem tampouco entendida como patrimônio da cidade. Estabelecidas, as estratégias para fazer de determinada favela patrimônio da cidade passam, essencialmente, por tessituras de memória social destas populações e territórios. O lugar de importância que assumiu a memória no mundo contemporâneo é apontado por diversos autores, seja assinalando a sedução que exerce (Cf. Huyssen, 2000), seja denunciando sua ebulição como a característica que comprova o fim de um estado natural de memória, porque necessita ser objetivada e evocada em “lugares” especificamente destinados para este fim (Cf. Nora, 1993). São diversos os empreendimentos de cunho acadêmico, comercial ou governamental que buscam entender esses processos, bem como estimulá-los, produzi-los. Por outro lado, as relações que os agentes locais conseguem estabelecer com os setores de governo são elementos importantes para a urdidura patrimonial destes lugares. Considerando a trajetória da relação entre o poder público e as favelas cariocas, é preciso ressaltar que, a partir dos anos 1980, houve uma inflexão na orientação das políticas promovidas pelo Estado tendo-as como objeto. Segundo Pandolfi e Grynszpan, é nesse momento que, de modo mais patente, consolidando um movimento que já vinha se anunciando há alguns anos, as práticas predominantemente repressivas e remocionistas vão cedendo lugar a uma ação mais positiva do Estado nas favelas, no sentido de urbanizá-las, dotá-las de infra-estrutura e de serviços públicos. (Pandolfi e Grynszpan, 2007: 239) Entretanto, como afirmam os próprios autores, ressaltar que há uma mudança nas relações entre Estado e favela não significa afirmar que estas ações sejam extensas e eficientes o suficiente para que não haja mais, ainda hoje, questões estruturais a serem resolvidas nestes territórios, tampouco que a repressão tenha deixado de ser um componente fundamental nas relações entre Estado e favela (idem, idem). Ainda que não sejam novas as relações entre governo e favelas, configuradas de diferentes maneiras ao longo do tempo, ou mesmo os empreendimentos que visam promover memórias de favelas cariocas, é novo o olhar sobre elas e as formas de

qualificar as memórias remanescentes da ação de seus moradores ao longo de sua trajetória. As memórias da favela passam a memórias da nação, na medida em que as instituições de governo atuam no sentido de estabelecê-las como tal através de políticas. Igualmente recente é a orientação de políticas que tornem o poder público responsável por outros aspectos que não só infra-estruturais no território das favelas. O estímulo para esta pesquisa está, em grande parte, no interesse em entender como se dá o encontro destes três eixos: a memória, produzida e promovida pelos moradores destas favelas e que encontra nos museus o formato privilegiado para sua institucionalização; o Estado, como agente que possibilita visibilidade e legitimidade para estas ações no desempenho de seu papel de gestor de populações e territórios no espaço imaginado como nacional brasileiro (Cf. Foucault, 1984, Lima, 1995 e Andersen, 1989); e as favelas cariocas, ao mesmo tempo, espaços de conflitos, territórios de possibilidades e objeto das ações destes atores. Os objetos privilegiados nesta análise são duas ações de agenciamento e institucionalização da memória em favelas cariocas promovidos na interação do governo com organizações de agentes locais: o Museu da Maré, e o MUF, cujas políticas a que se ligam revelam matrizes discursivas diferentes8. A instituição responsável pelo Museu da Maré, o Centro de Ações Solidárias da Maré (CEASM), começou a realizar o projeto em 2005, quando foi contemplada pelo programa Pontos de Cultura, do Ministério da Cultura (MinC). O objetivo deste programa era estimular financeiramente grupos culturais que desempenhavam suas ações sem necessitar de ações diretas do Estado e que, por isto, estariam fora de suas tramas burocráticas e institucionais. Os grupos que compõem o Programa são definidas em textos institucionais como “entidades reconhecidas e apoiadas financeira e institucionalmente pelo Ministério da Cultura que desenvolvem ações de impacto sócio-cultural em suas comunidades”. 9 Esta definição pode ser complementada pela do ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, para quem “O Ponto de Cultura é uma espécie de ‘do-in’ antropológico, Para um histórico das políticas culturais promovidas pelo Estado no Brasil a partir dos anos 1930, ver: Calabre, 2009. Para um aprofundamento sobre políticas culturais e as mudanças de paradigmas conceituais e práticos ocorridas no período mais recente, ver: Rubim, 2007 e Botelho, 2007. Para uma crítica do discurso sobre a cultura e do uso de conceitos como “identidade”, “resgate” e “preservação” como base para a promoção de políticas públicas neste setor, ver: Albuquerque Jr, 2007. 9 Disponível em http://www.cultura.gov.br/culturaviva/ponto-de-cultura/, acesso em 16/10/2011. 8

massageando pontos vitais, mas momentaneamente desprezados ou adormecidos, do corpo cultural do País”. Diversas entidades do movimento social organizado com diferentes perfis de atuação no campo da cultura foram contempladas pelos editais do Programa Cultura Viva ao longo de sua realização e, entre estas, estava o CEASM, com o projeto do Museu da Maré. À sua inauguração, em 8 de maio de 2006, compareceu o então ministro Gilberto Gil e o evento contou com importante repercussão nos meios de comunicação. Já o MUF faz parte do Programa Pontos de Memória, posto em prática desde 2009 pelo Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), em parceria com o Programa Mais Cultura e Cultura Viva, do MinC; com o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci/Ministério da Justiça) e com a Organização dos Estados Ibero– americanos (OEI). O programa surgiu para atender a um quadro maior de populações e territórios, definidos pelos operadores destas políticas como “os diferentes grupos sociais do Brasil que não tiveram a oportunidade de narrar e expor suas próprias histórias, memórias e patrimônios nos museus”10. Desta forma, temos, de um lado, um programa que promovia ações no campo da cultura, mas sem delimitar as linguagens ou setores específicos que abrangia, incluindo, portanto, entre tantos outros projetos com atuações as mais diferentes, um museu em favela. De outro lado, temos um programa cujo foco em si é a institucionalização de memórias em periferias e que inclui também, entre tantas outras iniciativas desenvolvidas nos mais diferentes locais, um museu em favela carioca. As questões acima explicitadas estão colocadas em um contexto no qual há a associação de dois atores políticos construídos historicamente pela apartação no espaço de sua ação pública – o poder público e a favela. As favelas cariocas têm sido, nos anos mais recentes, territórios de novos investimentos de recursos do poder público para infra-estrutura e segurança, perceptíveis, em especial, pela existência de ações como o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci). Vale destacar que estes dois programas não se aplicam apenas às favelas cariocas. O Pronasci é definido como uma “iniciativa de enfrentamento à criminalidade [que] articula políticas de segurança com ações sociais; prioriza a prevenção e busca atingir as causas que

“Programa Pontos de Memória”. Disponível em http://www.museus.gov.br/programa-pontosde-memoria/. Consulta em 24/06/2010 às 9:50. 10

levam à violência, sem abrir mão das estratégias de ordenamento social e segurança pública”11. Já o PAC é definido como “um novo conceito de investimento em infraestrutura que, aliado a medidas econômicas, vai estimular os setores produtivos e, ao mesmo tempo, levar benefícios sociais para todas as regiões do país”12. Por terem como eixo de atuação, ambos os programas, os elementos que são apontados, em geral, como os grandes problemas das favelas (ou, os elementos que tornaram a favela um problema durante décadas) – a criminalidade e a infraestrutura, se há de considerar que as favelas tenham se tornado o palco privilegiado para a execução destas políticas, entretanto, elas acabam atendendo a um conjunto mais amplo das periferias brasileiras, de que são exemplos as cidades satélite de Brasília – DF ou a região metropolitana do Recife – PE. Em paralelo a isto, os sentidos das favelas como espaço da ausência e da exclusão têm passado por um processo de ressignificação em que determinados setores da sociedade passam a enxergá-las como territórios de potência criativa, preenchendoos, assim, de capital simbólico (Cf. Bourdieu, 2005). Conforme apontam Pandolfi e Grynszpan (2007: 253), há resgate positivo das favelas promovido pela grande diversidade de projetos sociais e culturais que ali passam a se estabelecer. É neste sentido que Bianca Freire-Medeiros se dedicou a explorar a transformação da favela em patrimônio da cidade, promovendo uma “ressignificação semântica” daquele espaço, mobilizando também ações no campo do turismo. Analisando os casos do Museu a Céu Aberto do Morro da Providência e do Museu da Maré, a autora infere que estes são exemplos de uma dupla requalificação recente: da favela, que busca ser vista como parte historicamente relevante da cidade, assumindo uma visibilidade distinta daquela que a associa à violência; e da própria noção de patrimônio, que se distancia das suas significações mais cingidas, tem revistas suas instâncias de validação e passa a qualificativo de um território geográfico e simbólico ainda amplamente estigmatizado. (Freire-Medeiros, 2006: 52 – Grifos da autora.) Se ressignificações e novas negociações de sentidos são procedimentos que vêm promovendo, mais recentemente, o alargamento do conceito de patrimônio cultural adotado pelos institutos de governos responsáveis pela sua identificação e promoção, são também componentes da prática museal, conforme explicitou Mário Chagas de Souza (2003: 40-1). Em consequência, os objetos e territórios do museu de favela 11 12

Disponível em: www.portal.mj.gov.br/pronasci, seção “O que é o Pronasci?” Disponível em: www.brasil.gov.br/PAC, seção “O PAC”

passam por um equivalente processo de ressignificação e sua população participante pela re-identificação com o espaço em que habita. De corpos estranhos à cidade, que precisam ser “higienizados” e “removidos”, conforme estabeleciam as políticas de governo no início do século XX, as favelas passam ao reconhecimento como partes integrantes da cidade, dotadas de valor e capazes de “representar” a história não só nos objetos que preserva, mas especialmente, em seu território e nas práticas que mantém. Pode-se entender que a política de governo do início do século XX era contraposta por uma motivação especialmente ligada aos intelectuais modernistas do mesmo período, que entendiam a favela como o lugar da originalidade brasileira, da verdadeira essência do povo brasileiro (Cf. Valladares, 2009). Talvez, o que se possa ressaltar de efetivamente novo nesta dinâmica de percepções sobre a favela seja a incorporação, por parte das instâncias de governo, do respeito ao seu espaço como parte da cidade e não como problema exterior a sua constituição. Retirados do cotidiano, preenchidos da aura que os musealiza, os territórios de favela que são patrimonializados são alçados à condição de “signos mediadores” que articulam duas temporalidades: o passado o qual se deseja que representem e o próprio presente em que são evocados. Mário Souza Chagas chama atenção para as “qualidades distintivas” que serão atribuídas a estes elementos, afirmando que do imensurável universo do museável (tudo aquilo que é passível de ser incorporado a um museu), apenas algumas coisas, a que se atribuem qualidades distintivas, serão destacadas e musealizadas. Essas qualidades distintivas podem ser identificadas como: documentalidade, testemunhalidade, autenticidade, raridade,

beleza,

riqueza,

curiosidade,

antigüidade,

exoticidade,

excepcionalidade, banalidade, falsidade, simplicidade e outras não previstas. (Chagas, 2009: 18) Ao mesmo tempo, toma como pressuposto que, “as noções de museu e patrimônio no mundo moderno além de se manterem conectadas à de propriedade – material ou espiritual, econômica ou simbólica – estão umbilicalmente vinculadas à idéia de preservação” (Idem: 34). Indo além, o autor levanta a ideia de que “um anelo preservacionista aliado a um sentido de posse são estímulos que se encontram na raiz da instituição do patrimônio e do museu” (Idem: idem). Articular as noções de posse e preservação pode ser produtivo ao refletir sobre o objeto em questão, levando em consideração que os agentes em empreendedores destes museus buscam se apossar de seu passado e de seu território, bem como preservar suas

práticas e objetos, ao organizar sua história em um museu. São, ao mesmo tempo, espaços em que disputam a reescrita de uma história oficial que configurou uma comunidade política imaginada como nacional que não os incluía até então13. Assim, se ao longo do século XX, foi construída em museus uma história nacional que diferencia “heróis” e “bandidos” (Cf. Sepúlveda, 2006: 21), no século XXI, este vai ser o campo em que as batalhas das favelas pelo seu reconhecimento como parte legítima da cidade tomarão o corpo das disputas pela significação e pelos elementos que vão compor esta “história nacional”. Retornando à proposição inicial na qual se afirma que não são todas as favelas objetos de musealização, cabe refletir, ainda que brevemente, porque a Maré e o Complexo do Pavão – Pavãozinho – Cantagalo o são? Algumas hipóteses podem ser levantadas. No Complexo da Maré, a atuação do CEASM se caracterizou historicamente por uma relação intrínseca com o universo acadêmico, o que se vislumbra na primeira iniciativa que funcionou como ação motivadora do empreendimento; a constituição de um curso pré-vestibular aberto à participação da comunidade. A ação é definida como “um momento de transição nas lutas sociais no bairro” cujo foco das reivindicações era, até o momento, “geralmente dado à conquista de infra-estrutura básica: esgoto, luz e água encanada.”14 Essa articulação entre movimento comunitário e universo acadêmico pode ter sido fundamental para a construção das estratégias e acessos às políticas de governo que possibilitaram a existência do empreendimento memorial que se realizou anos depois. No Complexo do Pavão – Pavãozinho – Cantagalo, a construção da favela turística parece estar em primeiro plano e com este foco se articulam governo e movimento comunitário. Neste sentido, além da disputa pela história que inclua suas ações e territórios como elementos patrimonializados, parece haver também uma concorrência pela visualidade que o Rio de Janeiro comercializa fortemente e que, do alto da favela, se realiza mais plenamente que ao rés do chão. A associação, neste caso, seria entre movimento comunitário e turismo. Bibliografia

Esta reflexão está baseada especialmente no trabalho de Myrian Sepúlveda dos Santos (2006) em que analisa como o Museu Histórico Nacional e o Museu Imperial, ao desempenharem uma relação metonímica com o passado evocada pelos objetos que expõem, promovem uma escrita da história nacional. 14 Ver o texto “Nossa história”, disponível em http://www.ceasm.org.br/joomla/index.php? view=article&id=164%3Anossa-historia&format=pdf&option=com_content&Itemid=213 13

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