Museu, público, arte contemporânea, um triângulo nem sempre amoroso. Arteunesp, p. 131 - 146.

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i' ¡t púsrtco.

ARTE coNTEMponÂNse. UU TNNUGULO NEM SEMPRE AMOROSO

MUSEU.

I

Cristina

FREIRE1

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RESUMO: Esse estudo foi realizado através da aniiùise dos questionários respondidos pelos visitantes do Museu de Arte Contemporânea da UsP São estudados fatores que caracterizam a relação do público com a arte contemporânea no espaço do museu.

r

UNITERMOS: Público contemporâneo; recepção estética; museu de arte; percepção.

Introdução

A

relação das pessoas com as obras de arte, especialmente as produçöes contemporâneas expostas em museus, vem suscitando há bastante tempo muita polêmica, por um lado, e pouca investigação mais rigorosa, por outro. Para uma confirmação basta constatar a absoluta falta de títulos publicados no

I '1.

Brasil, especificamente sobre o assunto. Para os estudiosos de público de museus, a referência continua sendo o clássico estudo realizado por Bourdieu e Darbel nos museus franceses na década de 1960. Nada justifica mais a importância da investigação do público do que a segnrinte constataÇão: sem a existência do púbìico, o museu não existÍ¡ia. As obras reunidas, sem a sua exposição, constituem uma coleção e não um museu. No entanto, há de se notar que o museu é, no momento em que vivemos, um dos espaços privilegiados para a convivência social. Nesse contexto de "declínio do

homem público", parafraseando Sennett, restam poucos lugares para o encontro social, e o museu cumpriria essa função. Basta obsewar o crescrmento do número de museus no mundo todo nas últimas décadas, assim como as características que vêm ganhando os museus contemporâ1. Pesquisadora e Coordenadora de Cursos do Museu de Arte Contemporânea da usp

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04098-000

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São Paulo

-

sp

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neos. Como bem aponta Arantes, não há muita distinção entre os museus e shopping

centeß. Mesmo com todas essas modificaçöes impostas pela sociedade contemporânea, o museu reclama ainda pa¡a si a possibilidade de fruição da cultura, através de uma experiência fenomenológica Ímpar - gual seja: o contacto direto com obras de arte. Nos liwos didáticos as obras aparecem impressas em cores, formatos, contextos absolutamente diferentes do que sua exibição no museu. É o museu imaginário impresso nos [wos didáticos ou revistas especializadas gue fornece, não raro, as referências iniciais para o vlsitante. Não são raras as exclamaçöes de decepção ou regozijo guando as obras expostas não se identificam com a reprodução vista anteriormente. Multiplicam-se as imagens, altera-se a percepção.

O silêncio e a estaticidade das obras, gue apesar de todas as modificaçöes apontadas ainda mantêm sua aura, quando expostas no museu, seguem no contrafluxo do contexto mais amplo onde se inserem: a cidade. O fluxo dos habitantes é impulsionado pelo desejo de seguir adiante, desejo esse que é inerente à massa, e é desacelerado no espaÇo do museu. Diferente do contexto da Bienal de São Paulo, em gue o visitante é empurrado cada vez mais à frente e sofre o impulso de ver tudo que está ali exposto, tal como foi observado em pesquisa anterior (Freire, 1990).

Ressaltamos mais uma vez que pesquisas mais sistemáticas em museus brasilei-

ros são praticamente inexistentes. São realizadas, muitas vezes informalmente, sondagens de caráter bastante genérlco. Além dos "livros de visitaçäo", nos quais o público registra apenas o nome, endereço e ocupação, algumas enquetes são realizadas, também esporadicamente. Sem qualquer rigor metodológico ou intenção de abrangência, essas pesquisas têm caráter pontual e objetivam sondar a maior ou menor aceitação do público frente a algumas exposiçöes ou obras específicas. O máximo gue se pode alcançar com esse tipo de sondagem é uma aproximação mais superficial sobre a guantidade do público e a aprovação ou reprovação desses visitantes à exposição em questão. Uma análise de caráter guantitativo através de questionários é uma sondagem inicial importante na elaboração do perfil do público visitante, que poderá ser complementado com uma investigação mais detida através de entrevistas, que possibilitará conhecer em profundidade esse público.

Evidentemente, sendo a pesguisa realizada no museu, não podemos desconsiderar algnrmas nuanças específicas da relação sujeito/obras de arte, justamente por estar inserida nesse espaço especial. Do mouseion, ou casa das musas, morada desses entes de inflnita memória, pouco parece restar no espaço simbólico e material dos museus contemporâneos. Da reverenciação à memória, expressa no sentido etimológico do termo - museu -, chega-se a algo que se afasta definitivamente dessa simbologia.

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O senso comum empresta à palawa museu uma conotação pejorativa. As "peças de museu" teriam como atributo central o imobilismo, a morte. Adorno (1962), através da exploraçäo do qualificativo "museal", sugere ser a proximidade com mausoléu uma das vocaçöes possíveis dos museus. Oual seria hoje o sentido procurado pelo público, ao visitar espontaneamente um

museu?

Lembremos gue o museu representa hoie um marco referencial nas ctdades contemporâneas. Falamos aqui mais especificamente da arquitetura dos novos museus. Se em paÍses como a França ou a Alemanha tal constatação é bastante evidente, no Brasil podemos citar o MASP como um ponto referencial na cidade de São Paulo, além do MAC, especialmente através de sua nova sede, gue funciona como um novo elemento referencial, do ponto de vista arquitetônico, na Cidade Universitária. Como objeto arquitetônico, suas formas chamam a atenção do passante. Falamos aqui especialmente da sede nova do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, local onde realizamos a pesguisa de campo gue fundamentou esse trabalho. Como museu universltário, o MAC, além de cumprir as funçöes de preservação e exposição de obras, inclui a pesquisa em seu plogrrama. Abrindo-se à pesquisa, verte a curiosidade cJue move essa investigaçäo sobre si mesmo. Nas suas duas sedes - na Cidade Universitária e no Pargue do Ibirapuera - foram aplicados os guestionários e realizadas as entrevistas. É preciso notar que as duas sedes devem ser consideradas em sua diversidade ao traçarmos as caracterÍsticas do público visitante. Se o ambiente universitário do campus propicia a visita de um

determinado tipo de público, o Parque do Ibirapuera, onde se situa a outra sede, abre-se a um tipo diferente de visitante espontâneo.

O museu na Cidade Universitária tem um público circundante

homogêneo

(universitário), envolto gue está por construções também homogêneas em suafunção (repartições públicas). Havendo poucos espaços "naturais" de convivência pública, o museu cumpre ali essa função extremamente contemporânea para um museu: a reabilitação do espaço

público. É nesse espaço pontencialmente público que foram entrevistados os visitantes. Potencialmente, pois, como veremos com o avanço dessa investigação, o acesso às artes visuais extrapola qualquer relação mais direta e objetiva com o espaço.

Pesquisa de campo

A pesquisa de campo é uma tarefa fundamental para o trabalho posterior

de

sistematização das possÍveis análises dos dados. Confignrra-se em um recurso metodológico capaz de traçar um estudo etnogrráfico gue dê conta de gerar subsídios para

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a Ínvestigação, através do levantamento do perfil do sujeito e seus dÍferentes níveis de avaliação. Traduz ainda um pouco a relação de fusão entre o sujeito e o objeto da pesquisa, através de seu discurso. O sujeito, para nós, o público espontâneo do MAC, e o objeto, seu olhar sobre a arte contemporânea. Assim, passamos a limitar, de forma a responder aos requisitos para a análise, o espaço e o público alvos desse trabalho. A sugestão do "olhar do público -qobre a arte contemporânea" exige concomitantemente um espaço determÍnado - no caso, as sedes do MAC no Parque do Ibirapuera e na Cidade Universitária "Armando Sales de Oliveira" e o público visitante no período de realização da pesguisa de campo, que foi eleito para nossos registros etnográficos.

-



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FIGURA 1

-

Prédio do Museu de fute Contemporânea

-

Cidade Universitaria

Para essa análise da relaçäo do freqúentador do MAC com as obras ali expostas, elegemos como sujeito os freqüentadores do museu, em todos os dias de visitação e que fossem maiores de 15 anos. Não investigamos crianças, grupos organizados de instituÍçöes ou empresas, excluindo portanto as vrsitas organizadas de escolas, os funcionários, além dos alunos dos cursos oferecidos no próprio museu.

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Assim, convidamos à entrevista aquele freqtientador que espontaneamente compareceu ao MAC para uma visita, sem outro interesse que não fosse a apreciação espontânea de qualquer de suas exposiçöes temporárias ou de seu acervo permanente. Foi necessário, antes de iniclarmos as entrevistas, reconhecermos qual seria o "cfuculo ideal" revelado na própria montagem da exposição.

Conhecido o espaço e determinado o público, partimos para o campo com prancheta e roteiro, sobretudo com o ouvido aguçado para a fala dos entrevistados. A abordagem para a entrevista sempre se dava dentro das instalações das exposições temporárias e acervo permanente do MAC, em suas duas sedes. A desenvoltura para a aplicação do questionário era suficiente para deixar o ftegüentador decidir sempre sobre a forma de ser entrevistado. Ao prÍmeiro contato explicávamos o gue se passava em relação à pesquisa e o convidávamos a cooperar conosco respondendo às questöes propostas no questionário elaborado. Na elaboração do questionário, articulam-se questöes fechadas (múìtipla escolha) e algumas guestões abertas. Foram ao todo 33 pergmntas fechadas e 4 pergnrntas abertas. É preciso notar gue a elaboração do questionário representa um momento crucial para a posterior análise dos dados recolhidos. Não é possÍvel interpretar dados que não se articulem entre sÍ, ou mesmo que não possibilitem uma interpretação. Esse recolhimento de dados que difÍcultam maiores interpretações é muitas vezes o problema das sondagens mais ligeiras sobre a aceitação das exposições pelo público. Saber se o visitante gosta ou não gosta, não avança muito sobre o conhecimento dos meandros da relação do público com as obras.

Nessa sondagem, realizamos: em primeiro lugar, um levantamento do perfiÌ socioeconômico do visitante (sexo, idade, formação escolar, faixa salarial etc.) e, em segmida, passamos a uma sondagem acerca do acesso e freqüentação aos bens e eventos culturais. Foram entrevistados, respondendo ao questionário proposto, 111 visitantes em ambas as sedes do MAC. Algnrns entrevistados mostraram-se curiosos e intrigados pelas questöes propostas; outros, impacientes pela extensão do questionário. No entanto, todos procuravam dar respostas, como se dessem uma solução interna a um guestionamento próprio, antes impensado - por exemplo, quanto à guestão sobre "uma obra que lhes chamava a atenção", ou "que mais gostou na exposição visitada". Era comum gue os entrevistados saíssem perconendo toda a exposição procurando por aquilo que correspondia a uma visão ligada a um julgamento estético, muitas vezes porgue já haviam passado por algmma obra que de alguma maneira havram memorizado. O roteiro/questionário utilizado para entrevistar os freqüentadores alvo da pesquisa foi formulado sobre a perspectiva de análise, a saber:

.

dia da semana, mês e ano da realização da entrevista;

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.

. . . .

Espaço de tempo gasto para sua execução, incluindo uma análise de entrada e saída do visitante; características pessoais do freqùentador entrevistado, sua identificação: sexo,

idade, estado civil, baino e cidade, escolaridade, profissão, renda familiar e vinculação com a USP; as condições em gue se dava a sua visita e sua relação com o MAC; sua fregtientação ao MAC, a outros museus ou atividades ligadas à freqüentação cultural ou relação com a mídia (televisäo, teatro, cinema, liwos, Ievistas na área de arte etc.); e, por fim, sua opinião sobre os espaços e obras visitadas no museu.

As questöes eram colocadas de forma mais geral para os entrevistados, e depois investigadas um pouco mais detalhadamente em algumas guestões abertas. Houve casos em gue o entrevistado não quis nos fornecer dados pessoais. Algnrns omittam-se em respostas que exigiam sua opinião sobre determinado aspecto. Após transconermos sobre a etapa inicial da pesquisa de campo, os questionários,

passaremos a uma exposição/discussão sobre a forma metodológca escolhida pa¡a analisarmos alguns dados recolhidos aÍ. Entre os quais: a fieqüência, a faixa etária, a categorização profissional, o nível socioeconômico, escolaridade, freqüentação cttltural e relação com a mÍdia, além da rela@o especifica com o espaço da exposição investigado.

Freqüência A pesguisa de campo foi realizada no MAC-Ibirapuera e no MAC-Cidade Universitária, no þeríodo de 20 de agosto a 20 de dezembro de 1991, durante todos os dias (de terça a domingo), nos mais variados horários de visitação. Ressaltamos gue na sede do MAC no Parque do lbirapuera funcionavam,2 nesse perÍodo, além das instalaçöes das exposiçöes, as Divisões Científica, Educação e Difusão Cultural, além do atelier, a biblioteca e a admlnistração do museu. Excluídas aS pessoas gue passavam pelo museu em função de algumas atividades ligadas a esses setores, estabelecemos parâmetros metodológicos para dar a significância da amostra colhida, a partir de dois pontos:

. faixa etária a partir de 15 anos; ou seja, os visitantes

espontâneos adolescentes e por técnicos do museu; gnriadas adultos que não participaram de grrupos de visitas

. visitantes espontâneos

É importante ressaltar que investigamos, agui, não a relação dos visitantes com obras ou exposiçöes isoladas, mas principalmente com o Museu de Arte Contempo-

rânea como um bloco único.

2

O MAc-s€de foÍ inaugurado dia 22 de outubro de 1992 e situa-se na Cidade\lniversitária em frente ao MAc-anexo, aqui denominado MAC-Cidade Universitária O MAC contâ, portanto, a partir dessa data, com duas sedes na

Cidade Universitária

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Fregüência total anual Apresentamos na Tabela 1 o número absoluto de visitantes registrados nas enfiadas das duas sedes do MAC, no parque do lbirapuera e na Cidade Universihria, duante o ano de 1991, explicitando as variaçöes dessa freqüência durante os meses do ano. É preciso apontar, ainda, gue os dados apresentados a segruÍ são o resultado de um registro gue muitas vezes não pode ser considerado como único para a análise do número de visitantes, uma vez gue podem existir casos em gue alguns visitantes não são registrados nessa contabilidade, por näo passarem pelas catracas de controle da portaria. Considerando, poftanto, essa certa flexibilidade nos números recolhidos, os dados levantados não funcionaram agui como números absolutos, mas principalmente como elementos indicativos para uma análise de caráter global.

Tabela 1

-

Fïeqüência absoluta anual: número de visitantes durante o ano de 1991, no MAC (sedes do lbirapuera e Cidade Universitária) Ano: 1991

Freqüência de visitantes Mês

Total por espaço

Total mensal

Jan.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid Univ.:

1.550

Fev.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid. Univ.:

1 126

Mar.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid. Univ.:

1 540

MAC/'lbirapuera:

2 566

MAC/Cid. Univ:

809

MAc/lbirapuera:

3 590

MAC/Cid Univ:

3 190

Jun.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid. Univ.:

4 379

Jul.

MAc/lbirapuera: MAC/Cid. Univ.:

3.937

Ago.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid. Univ :

3 638

Set.

MAC/lbirapuera: MAC/CÍd. Univ.:

9.420

Out.

MAC/'lbirapuera: MAC/Cid Univ.:

49.105

Nov.

MAc/lbirapuera: MAC/Cid. Univ :

38 413

Dez.

MAC/lbirapuera: MAC/Cid Univ.:

3.433 859

Total Anual

MAC/lbirapuera: MAC/Cid. Univ.:

122 697

Total

22.303

Geral:

Abr. Mai.

3,014

1.4æ

2912

1 786

27æ

1.259

3 375 6.780

7.486

3 107

5 815

1.878

6.119

2.481

11.474

205/

51 092

1.987

39842

1.429

4.292

145.000

FONTE: caEaca de enfiada do museu e livro de visitâqão.

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A análise dag variáveis Um dos primeiros elementos a ser analisado, ao observarmos os dados referentes quantidade de visitantes, é a discrepância nas duas sedes do museu. à Há de se notar gue o MAc-lbirapuera recebe um número mator de visitantes do gue o MAC-Cidade Universitária, especialmente em determinadas épocas do ano. Esse dado näo parece se justificar pelo teor ou características da coleção exposta nesses dois espaços. Na sede da Cidade Universitária estão expostas especialmente obras da

coleção internacional, como o auto-retrato de Modigliani, entle telas de Chagall, Picasso, Matisse, além de esculturas de Max Bill, entre outros, ao passo que na sede do lbirapuera estão expostas obras nacionais da coleção do MAC, como Ta¡sila, Anita Malfati, ignralmente sigrnificativas dentro do contexto da Arte Moderna brasileira. Se, pela representatividade da coleção, não é possível justificar essa discrepância, devemos analisar então a situação e localização das duas sedes em guestão. A sede do MAC-lbirapuera situa-se desde 1963, ano de sua fundação, no terceiro andar do pavilhão da Bienal. Tal pavilhão foi construído por ocasião dos festejos do guarto centenário da cidade de São Paulo, juntamente com outros edifÍcios gue compöem o Pargue do Ibirapuera. ConstruÍdo para abrigar feiras industriais, originalmente chamado Palácio das Indústrias, abriga eventos das mais diferentes naturezas, por diferentes perÍodos. A comunicação entre o espaço do pavilhão e o espaço do museu é total, uma vez que constituem espaços diferenciados dentro do mesmo edifÍcio. Sendo assim, os visitantes gue afluem aos eventos gue ocorrem no Pavilhão da Bienal, eventos esses gue são das mais diferentes naturezas, como a Bienal do liwo, Feira de Brinquedos, de material de hotelaria, de mÓveis etc., além da Bienal

Internacional de São Paulo, passam do espaço do evento vÍsitado para o espaÇo contígruo do museu, como um traieto direto. Podemos observar tal fato ao notarmos com atenção os números recolhidos nesse levantamento. Como podemos constatar (Tabela 1), há um aumento no volume de visitantes durante os meses de setembro, outubro e novembro na sede do MAC-Ibirapuera, e um decréscimo na sede do MAC-Cidade Universitária durante o mês de dezembro. Isso deve-se ao fato de gue, estando a sede do MAC-Ibirapuera no terceiro andar do prédio da Bienaì de São Paulo, durante a reallzação da >OC BIENAL INTERNACIONAL DE SAO PAULO, houve um afluxo do público daquele evento para o espaço contíguo do MAC-Ibirapuera; no caso da sede do MAC-Cidade Universitária, o decréscimo no número de visitantes durante o mês de dezembro deu-se, muito provavelmente, em função das férias letivas da universidade, e portanto à diminuição no trânsito de pessoas pelo campus da Cidade Universitária.

Devemos observar ainda que, na população estudada, cerca de 58,8% dos visitantes têm entre 75 e 47 anos. Essa concentração é, por si, reveladora de gue a população de visitantes é preferencialmente formada por jovens. Esse dado aparece ainda através da Divisão de Educação do MAC e compreende, além de adolescentes

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e adultos, uma faixa etária mais ampla gue se inicia aos 5 anos de idade. É importante

ressaltar agui gue as crianças e adolescentes menores de 15 anos não foram considerados dentro do universo estudado.

Formação escolar Dentro da escolaridade superior, não por acaso, situa-se a maior porcentagem dos entrevistados -73o/o. É notório gue a freqüentação aos "templos" da cultura erudita, como os museus e bibliotecas, vem sendo desde longa data reservado aos momentos de fruição da cultura erudita - a chamada high culture (Tabela 2).

Tabela 2

-

Faixa etária x formação escolar (em %) Formação escolar

Faixa etária

Toøl

Primário

75 a25 22,6

26a36 36,0

37 a47 18,0

48a58 12,6

+de58 9,9

*

Superior

Total

Pós

8,2

74,4

2,7

31,5

1,8

0,9

13,5

3,6

1,8

8,1

2,7

2,7

5,4

0,9

S/I 0,9

100,0*

.

0,9

Secundário

0,9

0,9

16,3

72,9

9,9*

Um freqüentador não declarou a sua idade

É bastante evidente nos dados recolhidos que o nÍvel de escolaridade é um fator de distinçäo para o público vrsitante do museu. Como Bourdieu já havia descrito em seu célebre trabalho La Dßtinction (1979), a freqüentação a determinados espaços, como museus, reguer um determinado nível de capital crultural, para usar a termino-

logia cunhada pelo próprio Bourdieu. Tal capital é adquirido através da educação ARTEunesp, São Paulo, 9: 131-146, 1993

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familiar e da formação escolar. Esse fato é facilmente constatado quando observamos que 82% dos visitantes analisados pelos questionários têm nÍvel superior.

Categoria profissional

A categoria profissional aparece também como um fator a ser analisado, uma vez gue podemos identificar certas categorias profissionais ligadas a uma maior frequentaÇão do museu. Consideramos ser a denominação - profissional liberal - uma categoria ampla, representada, nessa amostra, por diversos profissionais (arquitetos, advogados, fotógrrafos, terapeutas, médicos, estatísticos, matchands, engenheios, psicólogos, assessoras de moda, enfermeiras, assistentes socials, geógrafos). Dentro dessa categoria podemos encontrar 28,B% dos visitantes. Juntamente com os professores, pedagogos, orientadores educacionais, que representam 22,5o/o do total de visitantes, os profissionais liberais de nível superior e os educadores representam 51,3% do total dos visitantes pesquisados' Comparando esse dado com a freqúência de visitação, pudemos confirmar que o maior número de visitas ao museu distribui-se entle os profissionais liberais e os educadores. O museu surge agui como um local de aprendizagem ou de cultivo de certos valores. Portanto, se a formação escolar é um fator muito significativo para a presença dos visitantes do museu, sua atividade profissional também se revela como um fator para a reafimação dessa presença.

A relação do visitante com o espaço do museu

Tempo de permanência O tempo de pgrmanência no museu ou, em oufias palavras, o tempo gasto na visitação são bons indicativos da qualidade da visita. O encontro com as obras requer uma disponibilidade de tempo maior para sua contemplação. Nesse Sentido, oS números levantados confirmam os dados já apontados com relação à frequência da visitação. Observamos (Tabela 3) que 53,1% dos visitantes que passaram mais de 30 minutos visitando'o museu têm nível superior de escolaridade, ao passo que apenas 10,8% dos visitantes de nível primário ou secundário pesguisados permaneceram o mesmo período de tempo. Devemos observar que o tempo médio de permanência no museu entre os visitantes espontâneos (que não participam de uma visita orientada por técnicos do museu) varia entre 30 e 60 minutos.

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Tabela 3

-

Permanência na visitação x formação escolar (em %) Tempo de permanência

Formação escolar

Total

Até 30 min

Primário

I

16,3

Superior 72,9 Pós-graduação 9,9

Total

* 100,0 *

+de01h

0,9

0,9 Secundá¡io

30mina01h

6,4

5,4

4,5

26,1

36,9

9,9

3,6

4,5

1,8

36,1

47,7

16,2

Tentamos apreender de uma maneira bastante simplificada as caracterÍsticas da relação dos visitantes com o espaço do museu. Como o instrumento utilizado para tal'

apreensão foi o questionário, nessa fase inicÍal, sugerimos algnrns locais (igrreja, biblioteca, auditório, grrande loja)para servirem de suporte a uma possÍvel identificação com esse espaço; abrimos ainda nessa questão o item outros, no qual os visitantes podiam recorrer às próprias associaçöes para responder a questão. É importante lembrar, agui, gue tais questionários foram aplicados nas sedes do MAC no Parque do lbirapuera e na Cidade Universitária. As peculiaridades de cada espaço parecem refletir-se nas respostas dadas a essa pergn-lnta. o MAC (sua sede do Parque do lbirapuera)foi comparado a um grrande gatpão ou um grande åall em 31% das respostas. Essa comparação se faz significativa pelas

características pregnantes do Pavilhão da Bienal, como foi apontado em trabalho anterior sobre o público da Bienal de A¡tes Plásticas (Freire, 1gg0). A segmnda associação mais significativa realizada pelos visitantes foi a associação do museu com o espaço de uma biblioteca, que significou 33% das respostas. Essa associação não se relaciona, ao contrário da anterior, com o espaço físico do

edifÍcio, mas especialmente com sua origem e seu lugar simbólico. Fruto do ideaì democratizante que remonta ao século xvlll, a biblioteca e o museu fundem-se no imaginário do visitante contemporâneo, reafirmando, assim, o museu como espaço de acesso a bens culturais reservado a um público especial. o interesse da comparação museu/biblioteca não parece se esgotar aí, se pensarmos gue os livros que constituem o acervo dessas são, de certa maneÍa, evocados quando os visitantes se queixam de faltar, às obras expostas no museu, maiores informaçöes.

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O museu na sociedade de massa. O público na contemporaneidade The simultaneous rcplacement oÍ the old notion ol the museum with the new one of the museum culturc de' moßtra¡es that arc being confronæd wil'h changes of unpredicable dimensions. Christa Burger

Parece senso comum a afirmação de gue é impossÍvel qualquer apreciação do aparato cultural de uma sociedade sem uma análise dessa mesma sociedade que o produz e sustenta. Não são Iaros os trabalhos (Burger, 1986; Klotz, 1991; fuantes, 1991) que denominam cultura dos museus a época gue estamos vivendo. Seja através de uma discussão sobre arquitetura, gue se renova em interesse a cada nova construção de museus mundo afora, seia pela observação da Sua guantidade sempre crescente (Félnandez, 1986), encabeçada evidentemente por países do himeiro Mundo. Está claro, também, que as causas para tal diagnóstico são bastante complexas e não é nosso objetivo aqui rastreá-las em profundidade; no entanto, parece importante voltar a Benjamin em Seu famoso ensaio "A obra de arte na época de sua reprodutibilidade técnica". Datadas da década de 1930, as suposições de Benjamin de que a reprodução da obra de arte alteraria não apenas o estatuto dessa obra, mas também o tipo de relação das pessoas com a arte, parecem aqui bastante atuais. Se a relaçäo não se centra mais na contemplação, como previu esse autor, é bastante natural gue hoje os museus já não preencham mais unicamente o papel de templos, sacralizadores dos objetos gue expöem e conservam. Além da necessidade sempre crescente de lazer das sociedades de consumo, o museu contemporâneo preenche, cÐmo já apontamos anteriormente, a função de consagrração de um espaço público, cada vez mais restrito nos tempos em cJue vivemos. Sobre esse espaço público é importante observar gue, na Cidade Universitária, o

museu situa-se justamente próximo ao cenüo de convivência, onde se localiza o restaurante central, ponto principal de encontro dos alunos de todas as faculdades; mas situa-se, também, junto ao centro de irradiação de poder dentro da universidade: a Reitoria. Situando-se, portanto, num domínio público, podemos observar gue o acesso às obras expostas em seu interior não se realiza simplesmente através da transposição da baneira fÍsica de sua entrada. Barreiras de outra ordem precisam, portanto, ser sobrepostas; e a possibilidade para tal remete tanto a uma questão social, guanto a um problema de disposição individual.

A freqüência cultural A relação do visitante com as mais diversas atividades culturais, como cinema, teatro, liwos ou revistas especializadas, assim como a freqüentação aos mais diversos 142

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museus são reveladores de uma certa disposÍção estética, e mais do que isso, definem um lugar ocupado pelo visitante no universo do consumo dos bens simbólicos. Tal lugar evÍdentemente o qualifica e o situa dentro desse mercado, não tão flutuante, diga-se de passagem, como o mercado dos bens econômicos. Sobre o público pesquisado, podemos obsewar gue 36% dos entrevistados decla-

raram ir semanalmente ao cinema, ao passo qte 7,2% declararam ir com essa freqüência ao teatro e 15,3% disseram freqüentar o museu com essa regmlaridade. O cinema apareceu entäo como gnande unanimidade da preferência pública (Tabela 4). !

Tabela

4

-

Formação escolar x fregüentação culturat (em %)

Freqüentação cultural Formação escolar Cinema

Primário Secundário

Superior

Pós

Total

Semanalmente

2,7

29,7

3,6

36,0

Mensalmente

5,4

27,0

3,6

36,0

Anualnente

2,7

7,2

0,9

10,8

Quase nunca

0,9

5,5

9,0

1,8

17,2

Total

0,9

1ô,3

72,9

9,9

100,0

Superior

Pós

Total

Teatro

Primá¡io Secundário

Semanalmente

7,2

7,2

Mensalmente

3,6

30,6

3,6

37,8

Anudmente

9,1

24,3

3,6

37,0

12,7

62,1

7,2

82,0

Total

( Inúmeros são os trabalhos que tentam desvendar esse fascÍnio. Parece significativo, ainda, observar que os visitantes gue responderam ao questionário apresentam uma freqüentaçäo significativa, em gue o cinema ocupa o lugar de maior popularidade. Podemos indagar por gue 36% do total de entrevistados fteqüentam sessöes de cinema semanalmente. Teria a imagem em movimento, ou a A¡te do século, tamanha ascendência sobre o público, capaz de desconsiderar em absoluto o preço dos ingrressos para assisti¡ às sessöes? Não é o preço monetário gue está em iogo agui, mas antes de mais nada o acalanto mágicode poder ficar por algruns minutos em um estado de pura distração. Nada se assemelha ao espaço quase idÍlico, ARTEunesp, São Paulo, 9: 131-146, 1993

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já comparado ao útero materno, da sala do cinema. As imagens ali se movimentam rapidamente, e através desse choque é a percepção de choque postulada por Benjamim (1985) - a mente permanece guieta. Tudo se passa como se a velocidade

-

das imagens da tela compensassem a quietude dos movimentos da mente. No museu, parece que algo diametralmente oposto se passa. O preço que o visitante paga não tem um valor fixo em moedas, mas pertence, talvez pudéssemos arriscar a dizer, ao

aceite de um risco. O risco da transformação. Nas obras, como suas imagens permanecem estáticas, o gue está em movimento é o gue elas produzem no imaginário de cada um dagueles que, evidentemente através de um olhar detido, puderem confrontar, através da própria percepçäo, o seu universo interior criado ao longo de toda uma vida, com as criações singnrlares expostas no museu. Neste sentido, o museu continua representando um espaço alternativo de resistência.

Comparações significativas Abusando ainda mais da imaginação motivada pela associação entre espaÇos tão díspares, como bibliotecas e hal/s, lembramos cJue em algTuns casos o espaço do museu foi associado a uma grrande loja. Como ensina fugan (1992), uma vez gue as obras de arte säo coisas às quais está ¡elacionado um valor, há duas maneiras de tratá-las. Pode-se ter preocupação pelas coisas: procurá-las, identificálas, classificá-las, conserválas, restaurá-las, vendê-las; Ou, entãO, pode-Se ter em mente o valOr: pesguisar em gue ele cOnsiste, como Se gera e se transmite, se reconhece e se usufrui. Nesse misto de loja e biblioteca, reconhece-se o museu como um espaço púbìico por excelência, em que o valor dos objetos expostos ora oscila entre uma valorização

pela sua referência econômica (loja), ora tem um valor de ordem simbÓlico-cultural (biblioteca).

Considerações finais

A nova "Cultura dos Museus", identificada por

diversos autores em âmbito

mundial, parece ter tido apenas algmns reflexos em nosso país. Se a espera em longas filas assim como o alto preço dos ingrressos não intimidam oS visitantes dos museus na Europa ou nos Estados Unidos, por exemplo, no Brasil,

a disposição do público em visitar os museus se dá dentro de um contexto bem diferente. Na maioria dos museus de São Paulo a entrada é franca, fato gue é muitas vezes estranhado por visitantes estrangeiros, acostumados a compulsÓrias colaboraçöes no pagamento de ingressos.

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Como vimos, não é apenas a grratuidade que favorece qualquer acesso às obras de arte e ao museu. Para além de qualquer elemento extemo a sua existência, o museu contemporâneo

ainda existe como um espaço altemativo de resistência ao massacre exercitado cotidianamente contra a sensibilidade humana. No entanto, essa relação se torna dificil num mundo onde a banalização da imagem e o conseqüente imediatismo de sua leitura fazem do museu um local onde o visitante deve cumprir a dificil tarefa de reaprender a olhar. Condizentes com esse paradoxo, os novos museus são projetados de forma que possam desempenhar a tarefa mais ampla de revitalização do espaço

público. Seduzido por lojas ou interessado nos restaurantes gue porventura dividam o espaço com o museu, o visÍtante necessita, conforme vimos, de opçöes mais amplas gue estimulem a sua visita. Mais uma prova de que o trabalho da percepção se torna cada dia mais difícil...

Agradecimentos Esse trabalho contou com a participação de lderaldo Luis Beltrane, aluno da FFLCH-USP e estagiário da FUNDAP no MAC, a quem agradeço a colaboração.

FREIRE C. Museum. Public. Contemporary Art: a triangle in conflict. ARTEtJnesp, São Paulo, v.9, p. 131-146, 1993.

t

ABSIRACI: This study rs based on the analisß of questiondrcs tilled out by the pubtic visiting the Art Museum oÍ the University São Paulo. The Íac'tors wùch charac'terize lhe relationship

Contemporary

between public and contemporcry aft in a museum were studjed.

t

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(

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