Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

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A Difusão Difussão Pública Públicca do do Conhecimento Conh hecim mentto Musical-cultural na Espanha Contemporânea

COLEÇÃO HUMANIDADES

Coleção coordenada pelo Núcleo de Humanidades do Centro de Ciências Humanas da Universidade Federal do Maranhão

Endereço para correspondência e pedidos: Universidade Federal do Maranhão – Centro de Ciências Humanas – Núcleo de Humanidades – Av. dos Portugueses, s/n Cep: 65.085-580 – São Luís – MA – Brasil Fone: (98) 3272-8337 E-mail: [email protected] Home Page: www.nucleohumanidades.ufma.br

Oswaldo Lorenzo Quiles João Fortunato Soares de Quadros Júnior

MÚSICA, CULTURA E SOCIEDADE NA ESPANHA CONTEMPORÂNEA A DIFUSÃO PÚBLICA DO CONHECIMENTO MUSICALCULTURAL NA ESPANHA CONTEMPORÂNEA

São Luís 2014

UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Prof. Dr. Natalino Salgado Filho - Reitor Prof. Dr. Antonio José Silva Oliveira - Vice-Reitor Prof. Dr. Fernando Carvalho Silva Pró-Reitor de Pesquisa e Pós Graduação CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS Prof. Dr. Francisco de Jesus Silva de Sousa - Diretor de Centro NÚCLEO DE HUMANIDADES Prof. Dr. Ricieri Carline Zorzal – Coordenador Luciana Bernardi Nunes – Secretária EDITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO Prof. Dr. Sanatiel Pereira - Diretor COMISSÃO EDITORIAL Prof. Dr. Ricieri Carlini Zorzal - DEART/UFMA; Profª Drª Helen Nebias Barreto - DEGEO/ UFMA; Prof. Dr. Jadir Machado Lessa - DEPSI/UFMA; Prof. Dr. Juarez Lopes de Carvalho Filho- DEHIS/UFMA; Prof. Dr. Sidnei Franscisco do Nascimento- DEFIL/UFMA, Prof. Drª. Veraluce da Silva Lima - DELER/UFMA DIAGRAMAÇÃO, CAPA E ARTE FINAL: Wellington Silva

FICHA CATALOGRÁFICA Quiles, Oswaldo Lorenzo Música, cultura e sociedade na Espanha contemporânea: a difusão publica do conhecimento musical – cultural na Espanha contemporânea /Oswaldo Lorenzo Quiles, João Fortunato Soares de Quadros Junior. – São Luís: Edufma, 2014. 124p. Coleção Humanidades ISBN: 978-85-7862-367-8 1.Sociologia cultural – Espanha 2.Conhecimento musical – Espanha I. Quadros Junior, João Fortunato Soares de II. Título CDD 362.034 6 CDU 316.7 (460) 2014 Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade Federal do Maranhão – EDUFMA - Núcleo de Humanidades - Av. dos Portugueses, s/n Cep: 65.085-580 – São Luís – MA – Brasil - Fone: (98) 3272-8337 [email protected] - www.nucleohumanidades.ufma.br

A publicação deste trabalho foi financiada pelo Núcleo de Humanidades da Universidade Federal do Maranhão (UFMA).

Índice Introdução ........................................................................................09

Primeiro Capítulo A música e sua natureza multifacetada ...................................... 13

Segundo Capítulo Antecedentes próximos na difusão da cultura musical na Espanha ........................................................................................... 21 2.1. Difusão da música na cultura espanhola ........................ 22 2.2. A cultura musical espanhola difundida durante o período franquista (1939-1975)................................................................. 25 2.2.1. A etapa 1939-1960......................................................... 25 2.2.2. O entorno musical do pós-guerra.............................. 38 2.2.3. O pasodoble, sinal de identidade da música popular espanhola................................................................................. 43 2.2.4. A copla e sua utilização intencionada desde o regime franquista................................................................................. 45 2.2.5. A difusão musical popular através do rádio e do cinema.................................................................................... 47 2.3. A etapa 1960-1975................................................................. 50 2.3.1. A difusão social da música popular........................... 50 2.3.2. Canção de autor............................................................ 56 2.3.3. A difusão social da música clássica............................ 58

Terceiro Capítulo A difusão da cultura musical na Espanha recente...................... 61 3.1. A cultura musical espanhola difundida durante a transição à democracia (1975-1982)........................................................... 61 3.1.1. A difusão social da música popular........................... 65 3.1.2. A difusão social da música “clássica”........................ 67 3.2. A cultura musical espanhola difundida durante a etapa democrática (1982-atualidade).................................................. 70 3.2.1. A difusão social da música popular........................... 71 3.2.2. Difusão através da televisão e do cinema................. 74 3.2.3. Publicidade na mídia................................................... 78 3.2.4. Tentando decodificar a música presente na programação televisiva.......................................................... 81 3.2.5. Rádio: ambientação e difusão do conteúdo musical na programação e na publicidade............................................. 87 3.2.6. A presença e difusão do musical na imprensa escrita ................................................................................................... 90 3.2.7. A rede Internet.............................................................. 90 3.2.8. A difusão social da música “clássica”........................ 92 Conclusão.......................................................................................... 99 Referências bibliográficas.............................................................. 103

INTRODUÇÃO O presente trabalho aborda o estudo descritivo, ainda que sistemático e profundo, da difusão do conhecimento musical presente na cultura e na sociedade espanholas desde o final da Guerra Civil de 1936 até o início do século atual. Este estudo se realiza em atenção à perspectiva da história recente da Espanha no contexto da construção e divulgação pública do conhecimento musical-cultural na sociedade contemporânea, contexto no qual os meios de comunicação veem tecendo paulatinamente uma ampla presença na vida cotidiana dos espanhóis, sem a qual hoje não poderíamos entender o complexo espaço sonoro que configura os hábitos de consumo musical do adolescente espanhol. Os antecedentes históricos e culturais nos ajudaram a entender a particular visão e valoração da música com grande presença na sociedade espanhola até os dias atuais, mostrando a relação latente que existe entre os agentes música, cultura e meios de comunicação como veículo de transmissão e difusão de conhecimento musical informal entre a população. É necessário pontuar que nas intenções deste trabalho não estão incluídas a abordagem do exame do que é ou pode ser a música em si mesma nem dos elementos característicos de sua grafia e linguagem: notas musicais, melodia, harmonia, ritmo, etc. Portanto, o afã difusor do texto omite intencionalmente 9 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

exemplos musicais criados em sua grafia específica. Além disso, os outros três grandes significantes que conduzem este livro – Cultura, Sociedade e Meios de comunicação – são campos de estudo com uma grande estratificação de conteúdos e, como não, com um interesse poliédrico por parte da investigação social, educativa ou científica, ainda que apresentam uma diferença fundamental com relação ao termo Música que os fazem mais próximos e compreensíveis à população em geral. Enquanto que qualquer espanhol minimamente formado e com uma idade aproximada de 12-14 anos saberia e poderia nos dar uma definição mais ou menos correta do que é Cultura, Sociedade ou Meios de comunicação, o mesmo não ocorreria sobre o termo Música ou quais seriam os fundamentos teóricos mais elementares desta, obtendo possivelmente uma resposta tão difusa e disparatada que nos pareceria própria de uma criança sem formação escolar. Naturalmente, esta é uma apreciação que poderia ser tomada como um juízo de valor, mas que se vê assegurada por incontáveis reflexões similares sobre a lamentável educação/ formação musical que se dá, em geral, à população espanhola atual e à evidente desídia institucional sobre isso que também se tem dado até pouco tempo. Dentre as mencionadas reflexões, oferecemos a seguir algumas citações significativas que apoiam nossa argumentação e que podem ilustrar ao leitor desta valoração que sobre o reconhecimento social da música na Espanha se tem feito em tempos recentes e de como este reconhecimento tem interagido na difusão pública do conhecimento musical:

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Pérez (1986, p. 15): Em poucos países da Europa, incluindo os do Leste, se dá esta confusão ou quebra-cabeça de ensinos musicais, como uma carência de verdadeira infraestrutura musical desde o Jardim de Infância até a Universidade. E pelo que se refere de atraso com relação à Europa, creio que pode ser de aproximadamente cinquenta anos.

Pérez (1988, p. 204): (…) A sociedade começa a se conscientizar de que a música não deve ser patrimônio de uns poucos financeiramente abastados ou de uns pobres artistas sonhadores. (...) Necessitamos, pois, entrar nessa terceira fase musical, na qual mudamos o antigo traje infantil da música para um novo e moderno; na qual a música invada de cheio toda a sociedade que nos rodeia (…).

Alfaya (1993, p. 21): (…) tentar averiguar, e se possível cientificamente, as origens da ignorância musical neste país, relacionando-as com o relativo desdém com que socialmente tendem considerar as atividades que têm a ver com a música, nos ajudaria a traçar as linhas de uma autêntica reforma de nossa vida musical. Conheço e trato por motivos profissionais a muitos homens e mulheres da cultura em nosso país e só conheço uns poucos, que pertencem sobretudo ao mundo da pintura ou da arquitetura, que mostram

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gosto ou respeito pela atividade musical. No campo da literatura, por exemplo, o habitual é uma certa suficiência desdenhosa, ainda que haja exceções muito notáveis. Nunca me foi explicado bem essa atitude (...).

Palacios (1997, p. 177): Desde muito tempo, o abatimento que nos produz a muitos a situação musical em nosso país se apresenta como um lugar comum. Por onde quer que olhemos, encontramos um desconhecimento e desídia tal que nós acabamos precipitando na seguinte opinião: em termos gerais, podemos proclamar que na Espanha não há verdadeira afeição à música, e, se ela existe, está tão escondida que não se percebe sua força. Pode ser que considerem um pouco exagerada a expressão, mas em minha opinião não parece.

Oriol (2001, p. 113): (…) até a década de 1970, a educação musical escolar era quase nula na educação geral. A partir da Lei Geral de Educação, ela toma corpo como disciplina na Educação Primária e Secundária: na primeira, fica quase totalmente desatendida na educação pública ao não disponibilizar de professorado para poder lecioná-la; na segunda, se começa a contratar professores nos institutos paulatinamente, até que no ano de 1984 se convocam concursos públicos para a área. Há que se esperar o ano de 1990, data em que com a LOGSE, a educação musical se estabiliza nos centro de Ensino Primário e Secundário (...).

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Primeiro Capítulo

A MÚSICA E SUA NATUREZA MULTIFACETADA Entender a vertente sociocultural e de difusão da música que se estuda neste trabalho necessita de um primeiro exame sobre o caráter diverso e heterogêneo que apresenta o fenômeno musical em relação aos múltiplos âmbitos de conhecimento que se interessam por ele e com os diferentes estilos e gêneros que lhe dão forma. A entidade do feito sonoro ao que chamamos Música apresenta hoje tantas possibilidades de aproximação e aplicação que seu estudo completo e pormenorizado seria uma empresa tão grande como ilusória nos seus resultados esperados. Por ele, salvando as críticas justificadas que alguns autores como Morrin (1994) fazem do pensamento disjuntivo e redutor que se pudera derivar da atomização que a racionalidade científica tem imposto na análise atual dos distintos campos do conhecimento humano, uma classificação seria das chamadas ciências da música ou Musicologia – ocupadas no “estudo científico da Música em todas suas manifestações” (MARTÍN, 2001, p. 539) – não pode na atualidade deixar de lado uns mínimos princípios científicos de construção. Em consonância com ele, encontramos ao classificar o vasto conceito do musical mais de 25 elementos que transitam 13 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

por disciplinas talvez não divergentes, mas sim com linhas de trabalho e investigação bem diferentes e independentes: História, Psicologia, Direito, Antropologia, Filosofia... (ver figura 1). A esta classificação, como aponta Martín (2001, p. 540), “(...) há que ir agregando todas aquelas manifestações musicais que a evolução da ciência, da tecnologia e, em suma, da sociedade, vão incorporando ao acervo musical1”. Por exemplo, no terreno da Musicologia Sistemática haveria que incluir a vertente musical de aplicação às ciências da saúde conhecida como Musicoterapia, uma parcela da música que em conjunção interdisciplinar com a psicologia, a medicina e outras ciências se aplica em terapia e reeducação (DUCORNEAU, 1988). CLASSIFICAÇÃO DAS CIÊNCIAS DA MÚSICA MUSICOLOGIA HISTÓRICA Organologia Iconografia Prática musical Ciência da notação Ciência das fontes Biografia Ciência da composição Terminologia Estilística

MUSICOLOGIA SISTEMÁTICA Acústica musical Fisiologia de la voz Fisiologia da execução instrumental Psicologia da audição Psicologia da música Sociologia da música Pedagogia musical Filosofia da música Estética musical Etnomusicologia

MUSICOLOGIA APLICADA Construção de instrumentos Teoria musical Crítica musical Tecnologia musical Legislação musical Programação e gestão musical

Figura 1. Classificação atual da musicologia ou ciências da música – adaptado de Ulrich (1982) Figura 1. Classificação atuale Martín da musicologia ou ciências da música – (2001).

adaptado de Ulrich (1982) e Martín (2001).

Não é exagero dizer que cada uma das possibilidades disciplinares contidas na

 “(...) hay que ir añadiendo todas aquellas manifestaciones musicales que la evolución de la figura laanterior admite tantosdevínculos comvanoutras áreas do saber musical”. humano (tradução como ciencia, tecnología y, en suma, la sociedad, incorporando al acervo nossa).

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queremos imaginar. Sem ir muito longe, a Acústica Musical – parcela da Acústica que

14 estuda o som musical – está diretamente relacionada com a Organologia, que se ocupa Oswaldo Quiles musicais,  João Fortunato Soares está de Quadros do estudo dos Lorenzo instrumentos mas também com a Júnior Arquitetura, pois os

auditórios e as salas de concerto necessitam de um desenho sonoro (acústica arquitetural) que otimize a interpretação dos instrumentistas que em seu momento

Não é exagero dizer que cada uma das possibilidades disciplinares contidas na figura anterior admite tantos vínculos com outras áreas do saber humano como queremos imaginar. Sem ir muito longe, a Acústica Musical – parcela da Acústica que estuda o som musical – está diretamente relacionada com a Organologia, que se ocupa do estudo dos instrumentos musicais, mas também está com a Arquitetura, pois os auditórios e as salas de concerto necessitam de um desenho sonoro (acústica arquitetural) que otimize a interpretação dos instrumentistas que em seu momento atuarão neles (prática musical), de forma que a música produzida chegue da melhor forma ao ouvinte presente nestes ambientes, o que nos obrigaria a ter em conta como os humanos ouvem (psicologia da audição) e, portanto, como deve ser controlada a propagação do som no recinto em questão (emprego da tecnologia/informática musical – hardware e software – e de materiais de condicionamento acústico procedentes da indústria química), para conseguir o grau desejado de qualidade sonora, que por sua vez estará condicionado pelos gostos que sobre percepção e interpretação da música (estética musical e sociologia da música) primem em cada momento histórico (história da música). Vemos como sem grande esforço temos estabelecido uma sequência (figura 2), entre outras possíveis, que poderia continuar incorporando mais e mais elementos que a fariam, sem dúvida, enorme.

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Figura 2. Exemplo de encadeamento potencial de distintas disciplinas musicais que partem de uma mesma origem.

Esta ideia de encadeamento potencial e criativo de diferentes matérias e conhecimentos coincide, no geral, com a opinião de Alcina (1994, p. 43), quando diz: (…) me agrada conceber a organização dos campos científicos mais bem como um sistema ou rede de inter-relações possíveis, no qual de fato não existe uma ordem hierárquica não evolutiva, senão um conjunto de impulsos e reações no qual para cada caso concreto se pode dar uma linearidade e ordenação diferentes;

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e no específico, com as reflexões de Martín (1997, p. 50): A música pode (e deve) ser estudada desde muitos pontos de vista, já que entre seus aspectos existem fatores históricos, psicológicos, sociais, culturais, funcionais, estruturais, estéticos, simbólicos ou físicos;

e Fubini (1990, p. 496): “(…) qualquer estudo sério cujo objeto seja a música parte hoje em dia de uma extensa base histórica fenomenológica”. Por outro lado, encontramos também uma enorme profusão na classificação que nos permite fazer a música pura2 enquanto a suas conotações estilísticas3. É talvez o estilo o parâmetro musical que mais ramificações nos permita traçar num exercício de classificação: são tantas as variáveis às que podemos atender quando estabelecemos uma categoria estilística e a associamos a um compositor e/ou a uma composição determinada – marco histórico e/ou temporal, localização geográfica, evolução e circunstâncias pessoais atuais de composição informática autônoma, sem intervenção humana, etc. –, que convertem em gigantesca a empresa de classificar tão somente as obras musicais que pertencem a algum breve período de tempo da história da música, algo que ainda se faria mais complicado se este período de tempo pertencesse à segunda metade do século XX, momento em que a liberdade criativa do compositor é tal que cada obra musical “se converte dramaticamente em uma criação ex-nova” (MARCO, 1983, p.  Música pura é a que não busca finalidade extramusical alguma e só persegue sua escuta sem outro valor que o gozo estético (LORENZO, 2002).

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3  Musicalmente entendemos por estilo o modo característico em que cada compositor – de diversas épocas e diferentes lugares do mundo – combina e apresenta os elementos básicos da música – melodia, ritmo, harmonia, timbre, textura e forma – em suas composições (BENNETT, 1998).

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304), supondo em si mesma o germe potencial não de um novo estilo, mas sim de uma variação estilística que haveria de ser contemplada em uma hipotética classificação. Tanto a possível tarefa classificatória que acabamos de ver sobre o estilo musical como a que mostrávamos na figura 1 necessitaram e necessitam, para se efetivarem com critérios de operacionalidade e eficácia, da aplicação de certos princípios e técnicas de caráter científico, pelo que estes comportam de sistematicidade e categorização. Por outro lado, sabemos por estudos acerca dos começos e pormenores da investigação musicológica (KERMAN, 1985; CHAILLEY, 1991) que, em geral, a aproximação da música às ciências é um feito recente em comparação com outras disciplinas de tradicional fundamentação empírica e/ou experimental, como a Física ou a Biologia, e inclusive com relação a outros campos de conhecimento de caráter mais observacional, como a Astronomia ou a História. Ele nos mostra, como opina Hempel (apud ALCINA, 1994) acerca do desenvolvimento científico de algumas disciplinas, o estado tenro no qual se encontram as ciências da música, ainda que é verdade que as impressionantes possibilidades de intercâmbio de informação de todo tipo e de colaboração interdisciplinar de que hoje dispomos no âmbito da pesquisa, especialmente vinculada à atividade universitária e de ensino superior, tem favorecido a inclusão do espírito de trabalho que qualificamos de científico no que fazer das diferentes disciplinas musicais, de forma que já nos é possível dispor de não poucos trabalhos que reúnam interesse por algum aspecto musical com o rigor característico dos planejamentos científicos4, entre os que a modo de exemplos significativos citamos os de Raymond et al (1995), que analisam  O que de modo algum há que confundir com o grau de experimentalismo que mostram estes trabalhos, pois a ciência hoje não maneja somente critérios de corte experimental-positivista, senão que integra também, como ferramentas de comprovação científica, outros procedimentos com perfil interpretativo, sobretudo na pesquisa social (KING et al., 2000).

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desde a perspectiva das ciências econômicas distintos aspectos da música popular de consumo; Mackensen e Wille (1999), que realizam uma profunda análise qualitativa-quantitativa de textos do século XIX sobre música e estética musical, com a ajuda de ferramentas e procedimentos informáticos; e Scheufele (2000), que relaciona experimentalmente o campo do relaxamento com o uso da música clássica. Na Espanha, o estado tenro do desenvolvimento científico apontado com relação às ciências da música supõe um problema agregado à precária situação descrita na Introdução sobre a música e a educação musical espanhola, pois se no cenário internacional a aplicação do espírito científico ao âmbito musical é próximo no tempo, aqui não só é recente, como também, por razões que iremos esclarecer no decorrer deste trabalho, todavia não terminou de estar realmente presente na teoria e na prática musical espanholas.

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Segundo capítulo

ANTECEDENTES PRÓXIMOS NA DIFUSÃO DA CULTURA MUSICAL NA ESPANHA Não é assunto deste trabalho fazer retroagir a tempos antigos com a profusão de um estudo histórico sobre o âmbito sociocultural nesse país, mas sim resulta obrigado a examinar o passado imediato da difusão social da cultura musical espanhola, ao menos o que a parte do presente século se refere, se pretendemos entender o que na atualidade sucede. Determinar o porquê da difusão social do fenômeno musical e do comportamento até este presente nessa sociedade é um empenho que deve começar com a análise do que tem ocorrido na Espanha em matéria de música como fenômeno de divulgação cultural e educativo a partir do momento histórico em que a cultura e a educação geral na Espanha apresentam umas ramificações temporais que, todavia, hoje mantém sua influência em grande parte de diferentes segmentos populacionais. No momento atual, podemos estabelecer três categorias temporais de inclusão cultural da maioria dos espanhóis:

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•  O período franquista (1939-1975); •  A Espanha da transição (1975-1982); •  A etapa democrática (1982-atualidade). Começa, portanto, esta revisão crítica com o final da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) e a instauração de um novo regime com 36 anos de duração – o da ditadura franquista – que vai se caracterizar no cultural (igualmente que em outros aspectos da vida pública e privada) pelo totalitarismo e nacionalismocatolicismo (DE PUELLES, 1991). 2.1. Difusão da música na cultura espanhola Falamos aqui de cultura musical com relação ao conhecimento e a (in)formação musical não regular adquiridos pelo cidadão espanhol comum através da presença da música no entorno, por exemplo, através dessa educação invisível da cultura audiovisual (YOUNNIS, 1993), assinalando como principais agentes participantes em sua difusão os seguintes5: 1. Instituições culturais públicas, encarregadas de legislar, articular e financiar o funcionamento dos distintos centros e entidades públicas de caráter cultural – teatros, auditórios, orquestras, companhias, etc. -, que por sua vez haverão de invadir a programação e gestão das atividades que justifiquem sua existência e difundam seus conteúdos: festivais, concertos, certames, prêmios, etc. Em ocasiões, as Instituições culturais públicas co-financiam atividades de Instituições culturais privadas.

 A ordem de aparição não implica maior ou menor importância em seus encargos e fins culturais.

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2. Instituições culturais privadas – associações, fundações, sociedades, etc. – com funções e tarefas similares às das instituições públicas, ainda que com as limitações e vantagens legais e morais de atuação que determine sua condição privada. 3. Artistas, criadores e intérpretes, pois sem esses não haveria produção nem transmissão de objetos musicais. 4. Empresas e grupos empresariais, públicos e privados, dedicados à informação, comunicação e divulgação (mass media): canais de televisão e rádio, setor cinematográfico, publicitários, Internet, imprensa escrita, etc. 5. Empresas e grupos empresariais dedicados à venda e bens e serviços relacionados com a cultura e sua difusão: gravação e distribuição discográfica, venda de livros, discos e artigos culturais, consultoras culturais, lugares de lazer, recreio e restauração como teatros, salas de cinema, bares, cafeterias, discotecas, etc. 6. Família e grupo de amigos (iguais), que intervém no processo de transmissão de (in)formação cultural tanto em qualidade de receptores como de reforçadores, estabelecendo uma relação de feedback e influência com as pessoas próximas. Com relação aos vínculos entre esses agentes, podemos desenhar uma rede de interdependências que mostra como se relacionam (figura 3), pois todos eles pertencem a esse conjunto sistêmico que é a sociedade.

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Figura 3. Relações de interdependência entre os principais agentes sociais de organização, criação, transmissão e recepção cultural da música.

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A redação da presente seção atenderá em diferentes lugares aos seis agentes enumerados, ainda que mantendo uma visão constante de distinção até as Empresas relacionadas com a informação e comunicação, a gravação, a divulgação, a distribuição discográfica e os lugares de lazer, recreio e restauração: teatro, salas de cinema, bares, cafeterias, discotecas, etc., ou seja, os agentes 4 e 5. O resto de elementos que confluem e influem na divulgação da cultura musical entre a sociedade não tem tido nestes últimos sessenta anos tanta importância em seus efeitos como a difusão massiva da música conseguida pelos mass media, primeiro o rádio e o cinema e depois a televisão, que constituem desde os anos 1940 em veículos de transmissão de informação e conhecimento diverso onipresente no entorno do espanhol comum de quase todo o século XX e, hoje em dia, do século XXI. 2.2. A cultura musical espanhola difundida durante o período franquista (1939-1975) 2.2.1. A etapa 1939-1960 Durante o regime franquista I, com um clima cultural alienante definido pelo consumo de massas (FUSI, 1999; 2001), e posteriormente em uma Espanha ansiosa por se incorporar à modernidade cultural internacional, tomando como base um modelo importado, sobretudo, dos usos e preferências culturais do mundo anglo-saxônico (daqueles países que representavam e simbolizavam uma cultura democrática livre, de sustentação claramente social e crítica frente ao sistema), o rádio, o cinema, a televisão e a imprensa escrita tem sido os principais instrumentos de construção e difusão sociocultural do conhecimento musical neste país. 25 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Recém terminada a Guerra Civil, se inicia na Espanha um longo e difícil período de austeridade (vivido com diferente intensidade segundo se pertencera ao bando vencedor o ao grupo dos perdedores) que impregna todas as ordens da vida com um espírito político-totalitário e católico-repressivo, em alguns aspectos não menos enérgicos que os de seus regimes contemporâneos de Berlim e Roma, ainda que com menos executados, e sempre vigilante e crítico de quantas pessoas e/ou atividades puderam ser, ou tão somente parecer, subversivas ou contrárias ao novo e imperante estado das coisas. Ao zumbido dos motores da aviação de bombardeio e as explosões dos projéteis sucedem agora as descargas dos fuzilamentos e as bandas e charangas de organizações paramilitares que fazem soar o hino da ditadura do General Franco (TUÑÓN, 1981), o “Cara al sol”6, e outros cantos patrióticos ostentados e insistentemente fomentados durante a guerra e a pós-guerra entre/desde as organizações juvenis de apoio ao regime, organizações centralizadas na duradoura OJ (Organización Juvenil Nacional, com mais de 30 anos de existência) e nas que também participavam adultos, ainda que em qualidade de mandos. O franquismo se ocupou de envolver ativamente na organização e extensão provincial e local da OJ às três figuras chaves em muitos aspectos da vida dos municípios: o médico, o pároco e o músico. Especialmente sacerdotes e docentes se preocuparam pela captação de desejo de jovens e não tão jovens para vinculá-los à OJ, seus princípios e cultura (SÁEZ, 1988). Nesta Espanha de vencedores e vencidos, de ilimitado poder militar, falangista e eclesiástico (JULIÁ, 1999), a vida intelectual  Curiosamente, o “Cara al sol” era originalmente uma canção de amor, que uma vez adaptado convenientemente às necessidades da multidão falangista (membro de um partido político espanhol de ideologia fascista) – estreou oficialmente em Madrid no dia 2 de janeiro de 1936 – seria cantado por milhares de espanhóis durante os anos do franquismo (PORTO, 2000).

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– a cultura em geral – “sofreu a morte, ausência ou silenciamento de seus melhores valores e (...) conheceu uma dura repressão de qualquer dissidência doutrinal” (MAINER, 1988, p. 474). Não obstante, afirma este último autor que a grande incultura dos novos mandatários unida à carência de uma ideologia que tivesse em conta outros pressupostos distintos da vitória militar sobre o bando republicano fizeram que não terminasse de “alcançar autoridade moral suficiente – e não digamos entidade cultural respeitável – a intenção de ordenar a vida intelectual conforme às pautas impostas” (MAINER, 1988, p. 474), algo no qual seguramente não coincidiriam aqueles que comprovavam como “a convivência e o respeito à cultura emparelhavam mal em um dispositivo ideológico fascista” (TUÑÓN, 1981, p. 446). Entre estes se encontram o violoncelista catalão Pau Casals, o diretor de cinema aragonês Luis Buñuel e tantos outros artistas e intelectuais da época que tiveram que abandonar o país a caminho do exílio ao ter adotado uma posição de firmeza crítica frente ao regime e de compromisso com as liberdades cerceadas. Ainda assim, parece ter algo de certo em que por detrás do franquismo subjazia uma clara incapacidade ideológica para propor alternativas a uma corrente cultural que provinha da anterior república, momento político na história da Espanha no qual a cultura supunha a essência mesma do Estado (HUERTAS, 1988). Esta corrente, com óbvias limitações, acabou por imporse, pelo que Fusi (2001), fazendo um balanço cultural da década de 1940, expõe que “o Regime não tinha mais sustentação ideológica que uma caduca teologia inquisitorial: o franquismo havia perdido a batalha da cultura” (p. 460). Das anteriores palavras podia desprender-se que no musical não tivemos uma ruptura traumática com relação ao que se estava fazendo nos países de nosso entorno e no resto do ocidente, e, portanto, a cultura musical espanhola gozara de 27 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

boa saúde durante o franquismo, referindo-nos agora somente à música de consumo e interesse até então minoritário, a música chamada “clássica ou culta”, distinta da outra música mais popular7 e próxima à maioria da sociedade. Sem dúvida, isto  Este é um bom momento para que de forma breve façamos um esclarecimento necessário com relação aos adjetivos clássico e popular aplicados à música e, em geral, a outras manifestações artísticas. Sobre o termo clássico, Pérez (1980) chama a atenção sobre o abuso e mal uso que hoje se faz deste termo, estabelecendo de maneira precisa em quais casos podemos e devemos empregálos e pondo de manifesto como se tem desvirtuado seu significado:

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“Arte clássica, no sentido stricto, é a arte do período correspondente aos séculos V e VI antes de Cristo. E classicismo se tem chamado aos períodos nos quais se tem imitado de um modo mais ou menos livre os modelos da antiguidade clássica. Tais períodos tem sido principalmente o Renascimento e segunda metade do século XVIII, que na França se adianta ao último terço do século XVII; esta última época é a que se tem designado comumente nas artes e na literatura com o nome de Neoclassicismo. Por extensão e impropriamente, o nome de Classicismo se aplicou também aos momentos de culminância e perfeição de um período histórico, que é como se entende habitualmente em música. Ampliando este sentido, o conceito de música clássica tem sido também aplicado indevidamente, não só à música compreendida na segunda metade do século XVIII, mas a qualquer gênero de música histórica já consagrada e anterior a nossa própria época, e até ainda mais impropriamente, a toda música lenta e folclórica” (Pérez, 1980, p. 408). Tampouco se tem melhor sorte definidora o adjetivo popular em relação à música; como afirma Martí (1998, p. 7): “(…) ainda não encontramos uma definição satisfatória para isto que pretendemos designar. Desde que a musicologia se interessa seriamente por estas músicas durante tanto tempo desamparadas de interesse acadêmico, esta é uma das primeiras questões que se tem delineado: O que realmente entendemos por música popular?” Sobre esta necessidade de esclarecimento e delimitação do conceito popular, Martínez (1998; 1999) aponta que os critérios de classificação da música como fenômeno global não são nem coerentes nem excludentes. A pretensão de criar categorias isoladas e independentes que definam e classifiquem os distintos tipos de música existentes – clássica, popular, tradicional – obedece muitas vezes a interesses extramusicais (sociais, comerciais, tecnológicos, inclusive filológicos) e associa, “fruto dessa confusa e inconsistente hierarquização da música” (MARTÍNEZ, 1998, p. 20), conotações pejorativas à música popular que resiste fortemente a ser superada e que tanto no âmbito cultural-social como, particularmente, no da educação tem consequências indesejadas que precisam ser corrigidas. Por nossa parte, coincidimos totalmente com as observações anteriores de Pérez (1980), Martí (1998) e Martínez (1998; 1999), mas como nossa incumbência aqui não é resolver o problema proposto sobre a atual determinação e confusão das categorias musicais mais habituais, empregaremos os adjetivos clássico e popular levando em consideração os esclarecimentos necessários que cada contexto linguístico venha requerer, pois ao menos estes contam com suficiente consenso semântico e nos são úteis no marco deste trabalho.

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não foi assim, sendo muito claros os efeitos negativos que para a música e a cultura musical espanholas resultou o período franquista. Devemos afirmar que nem sequer os círculos de criação musical pertencentes à órbita da “música clássica”, sempre interessados em analisar e integrar a produção e os procedimentos de composição musicais procedentes de outras nações e compositores estrangeiros, puderam escapar aos desafortunados efeitos que na criação musical tiveram a guerra civil e o posterior isolamento do exterior (RUIZ, 1999). Como recorda Marco (1983, p. 170): Dispersa e ausente a Geração do 27, e posteriormente morto Falla, a composição espanhola ficou em uma situação de desamparo que se agravou pelo isolamento imposto por três anos de guerra espanhola, quase seis de mundial e um longo bloqueio exterior – refletido em um ambiente interior fechado – ao regime do General Franco. É difícil que nestas circunstâncias surja uma geração de maestros, e realmente não surgiu, e em compensação resulta mais fácil que a linguagem não evolua, especialmente se a situação social favorece a uma música sem maiores problemas e com os olhos postos no passado.

Lamentavelmente, se tinha perdido a extraordinária oportunidade que brindava “a primeira consciência musical do Governo espanhol” (CASARES, 1996, p. 54), para sobrepor definitivamente a música na cultura normalizada da sociedade espanhola, como começava a ocorrer com a chegada da II República, cujo governo tomou consciência imediata da importância da intelectualidade na modernização, educação e cultura do país, e da importância da música e dos músicos entre esta intelectualidade (BIZCARRONDO, 1996), afastando assim 29 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

o fantasma da excepcionalidade que sempre acompanhou aqui à música e o que com esta tivera relação: Com a chegada da República, se tentam dissolver todos os grandes problemas musicais eclodentes na Espanha desde o século XVIII. Se empregam uma série de projetos musicais, que se não tivesse perdido as eleições de 1933, não duvidemos que haveria mudado a face da Espanha para sempre. Vendo as coisas desde a perspectiva que o passar do tempo oportuniza, hoje podemos afirmar que aquele não foi uma simples ilusão, mas sim um dos momentos mais gloriosos da música espanhola e são numerosos os acontecimentos que o demonstram (...) (CASARES, 1996, pp. 54-55).

Um sentir que corrobora Martín (1985, p. 345) quando expõe sobre a música andaluza, em particular: (…) é um feito que a guerra civil cerceou o extraordinário renascimento musical andaluz, dizimando seus principais protagonistas (entre eles, Dom Manuel de Falla) e se entrando em um período no qual a música não foi precisamente a arte mais favorecida;

Por ele, não podemos ver em atuações de pronunciamento oficial do regime sobre diferentes feitos da música e dos músicos do momento outra coisa que “a necessidade de aval que tinham as autoridades surgidas da contenda fraticida” (AVIÑOA, 1985, p. 42). Por exemplo, nas honras e boatos com que foi recebido o cadáver de Manuel de Falla na Espanha em 1946, que, morto na Argentina em 14 de novembro desse ano, merecia um respeito e reconhecimento oficial sincero que em vida não obteve, por ser a figura musical espanhola de maior renome até então. 30 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

Algo parecido ocorria com as outras manifestações cênicas, que, igualmente à música, não terminavam de encontrar seu lugar em uma sociedade de pós-guerra traumatizada ainda pelas dramáticas consequências do conflito de 1936 e da II Guerra Mundial. Com relação ao teatro, ligado então à criação musical, do mesmo modo que em muitos momentos e tendências das artes cênicas do século XX (OLIVA; TORRES, 1992), comenta Laín Entralgo (apud TUÑÓN, 1981, p. 475) – em Descargo de conciencia, livra escrito em 1976 com caráter autobiográfico: (…) Em uma Espanha depauperada, estremecida pelas lembranças da guerra civil, tensa de um modo ou de outro ante a situação que o recente término da II Guerra Mundial propunha, o teatro não podia ser, nem para Ortega, nem para os espanhóis de 1946, o tema do nosso tempo.

As artes plásticas também sofreram com o novo regime o estabelecimento imposto de um academicismo conservador e de uma politização peculiar de seus conteúdos e infraestruturas (JIMÉNEZ-BLANCO, 1989), ainda que dentro das especiais condições do momento, encontramos em ocasiões indícios de inovação que se diluem no mar de religiosidade e propaganda oficial que inunda a pintura, a arquitetura ou a escultura (LLORENTE, 1995). Resulta clara a convergência dos muitos autores que evidenciam como o franquismo no artístico-cultural “se distanciou de todo vanguardismo estético e favoreceu um retorno às formas culturais mais ‘estabelecidas’ (...)” (FUSI, 2001, p. 447), afastando-se de uma sequência cultural-evolutiva de quase quarenta anos e contradizendo a essência natural do desenvolvimento da arte e da cultura em geral, pois “(...) cada 31 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

período da cultura produz uma arte própria que não pode ser repetida. A tentativa de reviver princípios artísticos passados pode produzir, no auge, obras de arte que são como uma criança morta antes de nascer (KANDINSKY, 1988, p. 21.). Essa sequência evolutiva da cultura, natural durante o século XX para o resto de países desenvolvidos, surgiu no início deste século a partir precisamente de uma ruptura com os valores do século XIX tanto estéticos como intelectuais (DE MICHELI, 1989), representando definitivamente uma oposição ao tradicional, no sentido amplo da palavra: A arte moderna, em sua totalidade, pode ser considerada como uma crítica mais ou menos consciente, mais ou menos virulenta, segundo o caso, da cultura tradicional e da ordem social já caduca ilustrada por ela (POUSSEUR, 1983, p. 102).

De concreto na arte musical, defende Kröpfl (1985, p. 7) que: Em nossa época, a modificação da linguagem musical está ligada a uma mudança de ordem geral: às transformações operadas em distintos setores da atividade humana correspondem, na música, novas dimensões da percepção sonora.

É certo que durante a etapa franquista não podemos constatar um intervencionismo meridiano do aparato do regime no tipo e estilo de composição musical “clássica” que até então se dava, ao menos desde aqui não contamos com dados objetivos que assim o demonstrem. Sem dúvida, para o franquismo, a música foi um mal menor em comparação com outras manifestações artísticas de natureza menos abstrata, com o que 32 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

a sua aparente assemanticidade foi atribuída uma valorização oficial de escassa potência subversiva. Ele não supõe de maneira nenhuma que a oficialidade do momento se despreocupara por controlar a atividade musical, pois esta se vigiava desde um “Comissariado de Música”, denominação (para aqueles que sugerem) do organismo público encarregado de decidir os destinos do “ghetto” no qual mal vivia a arte sonora durante esses anos (PÉREZ, 1989), pelo que observamos, como veremos imediatamente, certa oficialidade em determinadas música com relação a outra(s). O regime do pós-guerra instaurava uma pervivência oficial de valores artísticos claramente opostos às vanguardas dominantes no resto da Europa e em outros países, feito que motivou que a música na Espanha se mostrara impermeável e distante dessas correntes europeias (SÁNCHEZ, 1992), predizendo musicalmente de fato a compositores como Joaquín Rodrigo (1901-1999), quem (possivelmente de forma involuntária) respondia com seu modo de fazer música às novas demandas oficiais, pois seus padrões criativos descansam, na maioria de suas obras, em fórmulas neoclássicas e casticistas (MARCO, 1983) que são articuladas com uma linguagem musical facilmente assimilável pelo grande público, claramente tonal8, e que o proporcionaram tão bons resultados profissionais e pessoais na Espanha da ditadura bem como em muitas outras partes do mundo. Chegando a este ponto, surge inevitavelmente uma questão  É notória a coincidência de vários autores (SCHÖMBERG, 1979; PISTON, 1993; HABA, 1984; PERSICHETTI, 1989; SALZER, 1990; MUSSAT, 1995; etc.) no momento de se estabelecer como diferença fundamental entre a música de tradição “clássica” anterior ao século XX e a composta já neste último século, o seguimento da primeira de uma linguagem musical que terminologicamente qualificamos como tonal – baseado na dependência hierárquica das notas musicais de uma escala com relação a uma nota central, tônica, e outra dominante –, frente ao embasamento da segunda em uma linguagem musical atonal que já não é fiel a essa hierarquia de sons agrupados em torno de uma escala básica e que rejeita a dependência obrigatória de determinadas notas com relação a outras, incorporando também novos traços melódicos e novos grupos de sons considerados dissonantes.

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que talvez por seu caráter espinhoso não foi abordada pelos estudiosos de cultura musical espanhola durante o período do franquismo, ou foi abordada de modo superficial, mas que ao menos de forma retórica queremos expor aqui. Sem pretender difamar em sentido algum àquelas pessoas relacionadas durante o regime de Franco com o âmbito da música em qualquer uma de suas facetas (intérprete, compositores, gestores...), não podemos deixar de estabelecer uma comparação entre as pessoas que colaboraram com o fascismo franquista obtendo privilégios, prêmios, cargos oficiais ou emprego para sobreviver, ao amparo do fanatismo militar e a integridade religiosa – “(... em provas e concursos não havia mais que mostrar ardor patriótico e alguma recomendação para obter a vaga” (JULIÁ, 1999, p. 154) –, dando as costas assim ao dever moral que tinha todo aquele vinculado ativamente ao mundo da cultura de denunciar o que com o franquismo, e/ou em outros regimes, estava ocorrendo, e quem realmente assumiu responsavelmente o trabalho de queixa pública acerca dos atropelos que sobre os direitos humanos mais básicos se sucediam no pós-guerra espanhol, alçando a voz no marco nacional e inclusive frente àqueles países que por omissão permitiam a existência do regime. Diferentemente dos primeiros, há quem empregou seu talento, fama e posição privilegiada de artista reconhecido internacionalmente – como Pau Casals (1876-1973) – para por de manifesto com veemência a situação de revanche falangista e de integrismo religioso que se vivia até então na Espanha, renunciando inclusive a seus interesses e comodidades pessoais e escapando assim dignamente ao que Thomas Mann, novelista alemão comprometido contra os regimes totalitários e expatriado voluntariamente frente à ocupação nazista da Alemanha em 1933 (apud CORREDOR, 1985, p. 120), chamava de “a tendência a prostituir-se que inicialmente caracteriza ao amável mundinho 34 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

dos artistas, que costumam dizer: ‘Eu trabalho para quem me paga’”, uma frase que recorda o caso de seu compatriota alemão von Karajan, membro do Partido Nacional-Socialista alemão e diretor de orquestra oficial do Terceiro Reich (JUNGHEINRICH, 1991). Ao menos como recompensa moral, a história tem destinado aos músicos verdadeiramente comprometidos com a estética de seu tempo e com outros valores extramusicais o lugar que os corresponde entre as resenhas sobre música espanhola presentes em algumas das monografias internacionais com maior reconhecimento sobre a história da música – por exemplo, Grout e Palisca (1990) –, admitindo que o dito possa encontrar numerosos detratores pela justiça que suponha para alguns ter sido ingratamente esquecidos ou subjetivamente tratados. A teor do exposto sobre os diferentes papéis julgados por uns e outros músicos e compositores no cenário da ditadura, surpreende a leitura de alguns textos que manifestam ou pretendiam mostrar uma situação de aparente difusão de cultura musical de qualidade ao alcance de toda a população espanhola e da que toda a sociedade desfruta felizmente: •  Kamhi (1986), no livro claramente subjetivo e condicionado de forma evidente por suas positivas e afetivas vivências na Espanha franquista, nos fala das estreias e atuações musicais que em locais abarrotados de público emergiam aqui e ali – quase sempre em relação com a carreira de seu marido, Joaquín Rodrigo, como compositor –, perfilando uma imagem da sociedade espanhola de 1944 até certo ponto despreocupada e que gostava da música “clássica” e da cultura musical em um ambiente de “vida social, que era bastante intensa para aquela época” (KAMHI, 1986, p. 139). 35 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

•  Por outro lado, Gómez de la Serna (1975), sobre a inauguração do Teatro Real de Madrid em 1966, afirma que o ato foi realizado “em meio à jubilosa expectativa de toda a Espanha (...)” (GÓMEZ DE LA SERNA, 1975, p. 69), escrevendo estas palavras desde uma visão centralizadoramadrilenha que ignorava a situação musical-cultural dessa outra Espanha afastada das capitais e representativa da maioria dos espanhóis. •  Fernández-Cid (1984), cronista musical de renome durante toda a etapa do militarismo, narra em seu livro Granada: Historia de um Festival, apoiado em seu discurso por escrito da época sobre o evento e que são resgatados no livro (PERNÁN, 1954; GALLEGO, 1952), a andadura de um dos mais expoentes do tipo de cultura musical elitista propiciada pelo franquismo, o “Festival de Granada”, cuja primeira edição se remonta a 1952, mostrando entre linhas uma sociedade ideal, supostamente acomodada e dando a sensação de que o Festival estava pensado para todo aquele que quisera assistir, quando a realidade era bem diferente. Estes e outros traços, parciais e às vezes também oficiais, ilustram o retrato de uma Espanha musical que resulta irreal quando a contrastamos com a normalidade cultural da época. Palavras como as seguintes de Ridruejo (apud TUÑON, 1981, p. 449): Os anos 1940 foram, para a base mais ampla e submergida da população, anos de dor, fome, humilhação e medo em um regime de “salvocondutos” para viajar e de “cartilhas” para adquirir miseráveis porções alimentícias. Foram também

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anos de euforia frívola, ofensiva, na reduzida classe, profundamente vulgarizada, dos mandachuvas sem respeito e dos ricos especuladores;

nos permitem afirmar hoje que as atividades musicais cênicas9 que chegavam de verdade ao comum dos cidadão durante os anos 1940 e 1950 se circunscreviam às grandes capitais de província e especialmente à capital do país, Madrid. Podemos supor sem temor a de nos equivocar que a música ao vivo, popular ou clássica, era um luxo para a maioria da população, em umas circunstâncias históricas e situacionais de grande depressão humana e econômica (BIESCAS, 1981) e de preponderante tom rural (TUÑÓN, 1981). Passados 13 anos do final da guerra civil, o conhecido tenor José Carreras conta em sua autobiografia (CARRERAS, 1989) que em 1952 assistir ao teatro – entendido como lugar de representações e atuações cênicas diversas – em uma cidade como Barcelona, que depois de Madrid representava um dos lugares de maior desenvolvimento socioeconômico nacional, seguia sendo proibido para muitas famílias espanholas, incluindo a sua, que sem nadar na abundância não era precisamente das mais necessitadas: “(...) no verão de 1952 a situação econômica espanhola não havia absolutamente melhorado” (CARRERAS, 1989, p. 73).

9  Fazemos aqui um esclarecimento sobre o que chamamos de artes cênicas. Denominamos com este termo o conjunto de manifestações artísticas que se desenvolvem mediante uma representação (como o teatro), de uma atuação (como a dança e a música), ou de uma representação-atuação (como a ópera), em um espaço cênico ou uma sala com dimensões consideráveis, e às que o espectador potencial pode ter acesso assistindo diretamente no local onde cobra vida essa manifestação ou através dos meios audiovisuais de comunicação, como a televisão e, com certas restrições, também o rádio.

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2.2.2. O entorno musical pós-guerra Para grande parte desta sociedade depauperada dos primeiros anos de pós-guerra, antes da chegada extensa do rádio aos lares espanhóis como indubitável veículo de difusão massiva de cultura musical social, talvez as únicas músicas ouvidas ao vivo foram, por um lado, as do catolicismo que invadia e inundava a tudo, tanto o público como o privado: “(...) procissões, missas de campanha, missões populares, chegavam de cantos e músicas religiosas às ruas de cidades e povos. “ (JULIÁ, 1999, p. 162); ao amparo de uma Igreja que fazia presente sua influência “(...) nos espetáculos, nas diversões, nos costumes (...)” (Calvo apud SÁNCHEZ, 2001a, p.111) –; e, por outro, com segurança, as de suas próprias canções e melodias que individual e/ou coletivamente se cantavam e tocavam com acompanhamento às tarefas agrárias e camponesas (CRIVILLÉ, 1988; GIL, 1982), para desfrute de grupos e dos próprios executantes (NETTL, 1985) e em torno às muitíssimas festividades e celebrações religiosas – calcula Sánchez (2001b) mais de 60 ao longo do ano –, civis e militares disseminadas pelo calendário oficial da época – estas duas últimas ligadas também ao catolicismo. Não acontecia o mesmo com os segmentos sociais favorecidos pelo regime, a nova classe média, os militares e os falangistas – além do clero e suas facções –, pois sua situação econômica os permitia ocupar seu tempo de ócio e divertimento com atividades que incluíam a assistência a salas cênicas, concertos musicais e, em maior medida, cassinos e locais vespertinos e noturnos nos quais pequenas e grandes orquestras, das que também se dispunham nas emissoras de rádio de até então (IGLESIAS, 1996), interpretavam música de baile. O tipo de música que predominava nos cinco cenários 38 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

enumerados antes com relação à sociedade majoritária do pós-guerra (1. tarefas agrárias e camponesa; 2. desfrute de grupos e executantes; 3. festividades e celebrações religiosas; 4. festividades e celebrações civis e; 5. festividades e celebrações militares) era diferente para cada um deles, se bem que em algumas ocasiões coincidiam as mesmas músicas. Muito possivelmente, nessa Espanha ruralizada do primeiro franquismo abundaram a canção e a música folclórica10 para dança e baile, entre as músicas presentes no âmbito tradicional: Sem dúvida alguma, o tipo mais generalizado dentro do repertório tradicional espanhol é o da canção. Correspondem a ela múltiplos gêneros e espécies. Nas práticas ritualísticas ligadas às crenças religiosas, à vida dos indivíduos, às comunidades sociais ou ao transcurso da vida durante o ano natural, a música vocal e, por tanto, a canção, ainda que seja em sua manifestação mais primitiva e rudimentar, tem sido sempre ingrediente indispensável (CRIVILLÉ, 1988, p, 121).

Esta afirmação se pode referendar com as palavras do professor Manuel García Matos (1985) – eminente expert no estudo da música folclórica espanhola – e nos trabalhos de outros autores (SEGUÍ, 1973), que constatam como a canção tem mantido sua presença no folclore tradicional espanhol até bem pouco tempo: 10  “Por música tradicional costumamos entender aquela música anônima, de caráter popular, que tem chegado até nós através da tradição oral e que contém uma série de aspectos e características inerentes a uma sensibilidade e a uma cultura que reconhecemos como nossas. Independentemente de sua qualidade musical e de seu valor estético ou expressivo – que sem dúvida existe – apreciamos nessa música seu arcaísmo, e, além disso, somos conscientes de que possui uma estranhável antiguidade, aquilo que os historiadores e os consumidores de arte denominam a pátina del tiempo, realidade que, por si só, já faz desta música um objeto de culto” (LAMBEA, 1997, p. 21).

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Referente à canção, todavia é impossível comprovar nos momentos presentes o pródigo que em sua produção se mostra a Espanha. Apesar dos lamentáveis efeitos que o acesso crescente da cultura urbana aos meios rurais e aldeias vem operando sobre os costumes tradicionais e a vida natural do povo. Ainda se oferecem à mão comarcas e regiões em que a abundância de canções vivas pode satisfazer completamente ao mais ávido folclorista buscador destas belas manifestações do saber e sentimento populares. Factível é encontrar aldeias e povoados com repertórios vigentes que alcançam a soma de até 140 melodias de toda classe. Não são raros os camponeses que sabem entoar 30 e mais canções diferentes (GARCÍA, 1985, p. 119).

Tanto as músicas cantadas como as tocadas com motivo de tarefas agrícolas e diversão do mundo rural apresentavam um perfil estético e construtivo, que ainda conservam, e provém do folclore com maior presença em cada região, ainda que mantendo sempre todas elas as características estilísticas e estruturais próprias da música tradicional espanhola que apontamos na sequência11: 1. Peculiar uso da voz cantada, com despreocupação pela afinação exata das notas e aparecimento frequente de ornamentos na melodia. 2. Formas simples e repetição de determinados segmentos musicais.  Relembrando as limitações que fazem parte desta tarefa de análise e síntese (RANITA, 1984; NETTL,1985) devido à escassa atenção acadêmica prestada até pouco tempo ao estudo rigoroso da música tradicional e, talvez consequência disso, à falta de conexão entre as diferentes disciplinas – Sociologia, Antropologia, Psicologia, Musicologia, etc. – necessárias para abordar corretamente este estudo: “Se tem reunido muitas canções e existem muitas gravações, mas o trabalho de analisar as canções e de descrever os estilos em termos acadêmicos está apenas começando” (NETTL, 1985, p. 35). 11

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3. Gravitação em torno das notas que definem a tonalidade, ainda que jogando em muitas ocasiões com o modalismo. 4. Músicas fundamentalmente monofónicas, ou seja, a uma só voz, ainda que estejam cantadas/interpretadas por mais de uma pessoa, e sem acompanhamento simples; por exemplo, um instrumento de percussão ou, naqueles instrumentos capazes de fazer soar mais de um som simultaneamente, uma nota sustentada (bordão) sobre a que soa a melodia, como no caso da gaita. 5. Melodias às vezes ásperas, arcaicas ou com giros inusitados nas músicas não tradicionais, que as convertem em difíceis de assimilar para quem não está familiarizado com sua audição (NETTL, 1985). 6. Ritmos de certa liberdade que escapam em ocasiões a essas métricas regulares às quais hoje os ouvintes ocidentais estão acostumados. 7. Músicas de transmissão comumente oral. Sobre as festividades de tipo religioso (Quaresma, Semana Santa, etc.), elas incluíam também música de caráter tradicional que, compreendidas em um amplíssimo repertório disponível e com um marcado acento vocal e sacro, resultam mais próximas aos usos compositivos da tonalidade-modalismo padronizado desde séculos passados pela música “clássica” ocidental, mais especificamente desde o Barroco musical, e, assim, mais acessível aos ouvidos dos paroquianos. Entretanto, além disso, aparecem outras músicas processionais – de marcha-lenta – interpretadas por grupos como a banda de música ou banda de cornetas e tambores, as chamadas marchas de procissão, cujos padrões construtivos respondem, no caso das marchas pensadas para a banda de música, a uma escritura tonal que imita o sinfonismo europeu 41 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

da primeira metade do século XIX, e no da banda de cornetas e tambores, às origens militares do final do século XVIII e primeira metade do XIX dos quais surgiram as bandas civis do século XX, origens que nos recordam, por exemplo, os grupos musicais que acompanharam os soldados franceses na invasão napoleônica da Espanha12. Por outro lado, as celebrações civis e/ou militares, mescladas inseparavelmente durante o franquismo, como vimos anteriormente, com o religioso, fazem uso tanto de músicas e intérpretes de cunho tradicional-folclórico como de outras músicas que caracterizam sem rodeios essa Espanha tópica de folclorismo aflamencado e tauromaquia que ainda hoje buscam alguns estrangeiros e que, sobretudo nos anos 1940 e 1950, e ainda mais tarde, se encarregaram de transmitir agrupações musicais como as bandas de música e as orquestras e orquestrinas. Sobre estas últimas iremos falar em seguida, mas antes é necessário destacar o relevante encardo sócio-musical que desempenharam e ainda desempenham as bandas de música (ADAM, 1986; COELLO; PLATA, 2000), e que em 1983 sintetiza Franco com umas palavras de plena vigência na Espanha da ditadura: (…) as bandas de música, emancipadas de seu primitivo caráter militar, tem dado lugar às numerosas bandas municipais e particulares que na atualidade conhecemos. Sua utilidade é inegável. Não há cidade nem povo que não considere indispensável para a celebração de suas festas a obrigada colaboração de uma ou várias bandas de música. (...) Enfim, elas são porta-vozes da alegria e a cultura em todas as partes (FRANCO, 1983, p. 12-13). 12 A diferença entre um e outro grupo radica no tipo e número de instrumentos musicais que as integram. Na banda de música encontramos instrumentos de sopro/madeira – como o clarinete –, sopro/metal – como o trompete –, e percussão – como o tambor e o bumbo; enquanto isso, na banda de cornetas e tambores (uma variação da fanfarra) somente tem lugar alguns instrumentos de sopro/metal e percussão, e o número de instrumentistas é menor que no caso da banda de música (TRANCHEFORT, 1985).

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O repertório no qual estas bandas centravam suas atuações em desfiles e outras atividades parecidas, fora das marchas de procissão nos atos puramente religiosos e nos concertos que em ocasiões se davam com transcrições de obras para orquestra, se nutria basicamente de pasodoble ou passacaglias e marchas militares de uma estética muito parecida a dos primeiros. Esta coexistência das duas formas musicais no repertório comum das bandas de música se mostra natural ao observar a grande similaridade existente entre elas: tanto as marchas militares como os pasodobles espanhóis são essencialmente marchas de velocidade viva, articuladas em grupos de dois tempos – compasso 2/4 – com um inegável sabor popular que “convida” a desfilar ou dançar e que desde os anos 1940, se não antes, tem calado fundo, junto com outras músicas que logo estudaremos, na memória musical coletiva dos espanhóis. O hino nacional espanhol é a adaptação moderna de uma marcha com origem no antigo reino da Prússia. 2.2.3. O pasodoble, sinal de identidade da música popular espanhola Já na década de 1950, o pasodoble não só estava presente nas festas e ruas dos povos e cidades, mas também era peçachave em um dos pontais que o regime fomentava “para manter o estereótipo oficial da Espanha nacional” (FUSI, 2001, p. 451), os touros, pelo que talvez este tipo de forma musical passou a se considerar taurino por excelência. Raro era o toureiro que desde princípios do século XX não tinha sua carreira apoiada com a composição dedicada de um pasodoble: Gallito, Manolete, Joselito... O espetáculo taurino, elevado à categoria de “festa 43 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

nacional”, supunha uma parte importante, junto com o futebol, a literatura de quiosque, o cinema e o rádio, do que a escritora espanhola Carmen Martín Galite (apud FUSI, 2001, p. 453) chama de a cultura da evasão do país, que de forma artificial silenciou os problemas de uma sociedade com muitas carências e reprimida em suas liberdades individuais e/ou coletivas, públicas e privadas, mais básicas. Desde as corridas de touros, as festas populares e, como não, o rádio, o pasodoble se difundia e estendia com força na Espanha franquista. Concretamente, com o apoio da voz midiática mais característica do regime entre os anos 1940 e o começo dos 1970, a do locutor radiofônico e periodista Matías Prats, o rádio fazia de alto-falante massivo dessas peças que soavam nas Plazas de Toros e que hoje estão na mente de todos aqueles que viveram a etapa da ditadura ou seu posterior rastro: Islas Canárias, Soldadito español, España cañí, Pan y toros, El beso, En er mundo, Los nardos, etc. Os pasodobles, além disso, cobraram relevância social não só por ser elemento consubstancial do ritual da própria festa, na que se escutam em vários momentos – antes do começo da corrida, entre a morte de um touro e a saída à praça do seguinte, durante a atividade de apoio, etc. –, se não também por pertencer a um dos tópicos da Espanha de até então13 que todavia hoje segue despertando interesse social, o romance amoroso e/ou a relação sentimental entre o toureiro e a tonadillera (mulheres que cantam tonadillas), alimentado por algumas cantoras de tonadillas, cuplé e coplas junto com outros tantos toureiros sobressalentes da época, que como Luis Miguel Dominguín e Antonio Ordóñez somavam a sua fama e celebridade nos círculos a presença contínua nas revistas del corazón e no entorno da indústria cinematográfica  Em 1846, o escritor francês Prosper Mérimée aborda já a temática da Espanha romântica e exótica em seu relato Carmen, que convertido mais tarde (1875) em ópera pela mão do seu compatriota Georges Bizet, retrata uma Sevilla costumeira na qual destacamos o toureiro Escarnillo apaixonado pela gitana Carmen, a qual canta a famosa Habanera da ópera. 13

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do franquismo, um verdadeiro mentidero14 nutrido de intrigas e rumores vários. 2.2.4. A copla e sua utilização intencionada desde o regime franquista Essa relação exposta entre a figura do matador de touros e a cantora de peças populares traz a nomeação outra das formas de música que mais enraizamento e difusão teve entre os anos 1940 e o começo da decadência do franquismo, a copla, que se bem tem mantido até o presente a denominação derivada do cuplé de origem francesa, modificou logo suas características primitivas incorporando elementos do canto flamenco e da canção popular andaluza, e dando lugar ao que conhecemos como canção espanhola (ESTEBAN, 1977). Tanto a copla como a canção espanhola respondem à mesma estrutura construtiva que o pasodoble, tendo este último um caráter mais instrumental e as primeiras uma maior importância vocal. Não faltam críticas acerca do uso perverso que a canção espanhola fez de suas origens flamencas, já que este teve consequências pejorativas na percepção social, na Espanha e fora dela, que sobre essa música se tem. O mal entendido tipismo do franquismo destinava ao flamenco a categoria de gênero musical nacional, algo que o aparato do estado se preocupava de exportar com fins turísticos, para satisfazer o consumo tópico de visitantes forasteiros ávidos de touros e paella, mas se tomava por flamenco o que geralmente eram músicas aflamencadas, de fácil assimilação e pegajosas, escritas com o único fim de convertê-las em êxito rápido e fácil. O verdadeiro flamenco não começou a se conhecer até o início dos anos 1960 – em peñas, festivais, concursos,  Local onde se reúnem ociosos, para conversar.

14

45 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

associações de amigos e locais cênicos públicos –, já que “com o franquismo, o flamenco local transcorre, sobretudo, nas vendas e brincadeiras dos rapazes, nas redondezas da cidade” (LORENTE, 1995, p. 165). A projeção parcial de um flamenco desvirtuado criou confusão com relação a este dentro e fora de nossas fronteiras, pois em várias ocasiões se tomou e se toma por flamenco ao que não é outra coisa que canção espanhola; “(...) aquela canção espanhola! – irrelevante e sem alma (...)” (GONZÁLEZ, 1998, p. 52) que potenciada oficialmente pelo regime provocou na Espanha dois graves efeitos: 1. A colonização, homogeneização e substituição forçosa da riquíssima música tradicional “verdadeiramente espanhola” que de forma natural emergia durante o primeiro terço do século passado, dotando de identidade musical própria, em um marco de positiva diversidade cultural, aos distintos povos da Espanha. 2. A extensão maldita de uma falsa cultura andaluza que nada tinha a ver com a imagem adulterada que dela se estava dando e usando na Espanha nacional e no estrangeiro, o que, desgraçadamente, originou essa estampa exótica e estereotipada do povo andaluz como paradigma de gente ociosa somente preocupada com a brincadeira e outros tópicos: touros, Semana Santa,... As coplas de moda no primeiro pós-guerra, como El relicário ou La violetera, cantadas então com grande êxito por Raquel Meller, e os espetáculos e canções de ares flamencos e andaluzes impulsionados pelos andaluzes Pepe Marchena, Estrellita Castro ou a Ninã de los Peines se fizeram em seguida com a atenção comercial dos teatros – com uma programação na qual abundam 46 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

os espetáculos de variedades –15, as casas discográficas e o cinema, que, convertido pelo regime em um instrumento de propaganda e apoio ferreamente vigiado pela censura, se centrou em produções destinadas ao consumo da maioria. Durante a década de 1950 e ainda a de 1960 brilhavam nos teatro espanhóis intérpretes dessa música (DÍAZ; LÓPEZ, 2001) como Lola Flores, Conchita Piquer, Imperio Argentina, Juanita Reina, Estrellita Castro, Manolo Caracol y Juanito Valderrama. Este último atuou e cantou vários anos para o General Franco nas celebrações comemorativas do 18 de julho, que se faziam nos jardins do palácio da Granja, em Segóvia, pelo que podemos deduzir a grande repercussão social que em todo o país teria nesse momento seu nome, pois custa crer que fora solicitado a estes atos oficiais da ditadura somente em atenção para sua arte, já que, como afirma Fernández-Cid (1994, p. 172), “nunca Franco se caracterizou por seu interesse por música”. 2.2.5. A difusão musical popular através do rádio e do cinema Ao tempo que o rádio se introduzia suficientemente nos lares espanhóis, e antes de que o transcurso da década de 1950 convertera ao cinema no espetáculo social majoritário, coexistiam na cultura musical radiofônica a copla e a canção espanhola com outras músicas que provinham da América do Norte e do Sul. Da América do Sul chegavam a música afro-cubana e da América do Norte o swing e a música ligeira – estilos considerados afro-americanos, de andamento rápido, como as músicas de Cole Porter e Glen Miller. 15  Nestes espetáculos, nos quais se mesclava de tudo um pouco, sem muita coerência, eram interpretados também fragmentos das zarzuelas que mais êxito havia tido no final do século XIX e começo do XX, e que finalmente foram substituídos do todo pela nova ‘revista’ (CASARES, 1999; COSTAS, 1987), mais próxima à frivolidade cultural da Espanha que no pós-guerra se permitir a assistência ao teatro.

47 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Da música afro-cubana16 são inumeráveis os sub-estilos que se escutavam até então pelo rádio e que interpretavam as pequenas orquestras e orquestras nas próprias emissoras, teatros, salões de baile, cassinos e outros lugares de lazer: mambo, cha-cha-cha, rumba, merengue, guajira, bolero. Lembramos o nome de Antonio Machín como um dos intérpretes de música afro-cubana de maior popularidade. Por outro lado, a música afro-americana17 nos fez chegar esse som brilhante tão característico das orquestras norte-americanas da época, que aqui foi rapidamente imitado, e cujo expoente o temos na orquestra do norte-americano Glen Miller, que converteu em grandes êxitos melodias como Moonlight Serenade ou In the Mood. Uma vez que o cinema se afiançou definitivamente como espetáculo de massas, coexistindo com o rádio como difusor popular de música afro-cubana e afro-americana, se incorpora ao consumo musical da sociedade espanhola outro estilo muito característico desde então nas produções cinematográficas norte-americanas e europeias, e que tanta repercussão tinha na cultura musical da Espanha, o sinfonismo romântico e pós-romântico (XALABARDER, 1997), herdeiro das composições “clássicas” do século XIX e princípios do XX e seguindo os padrões da linguagem tonal. Ao tempo que isso acontecia, a copla soube aproveitar a conjuntura e, com o apoio oficial, se adaptou bem à indústria do cinema, conseguindo desta forma não perder a presença social que o rádio e as atuações ao vivo lhe haviam proporcionado – afirma Iglesias (1996, p. 8) que nesse momento “o cinema é o melhor meio de divulgação da canção espanhola em todas as suas variantes 16  Chamamos afro-cubana a música que os negros da África trouxeram a Cuba e que posteriormente foi “recriada” pelos cubanos incorporando influências de música procedentes de outros muitos lugares do mundo, por exemplo, Brasil e América do Norte (ORTIZ, 1974).

 Tampouco a música afro-americana escapou à mestiçagem; através do rádio, o gramofone/tocadiscos, o cinema e a televisão, elementos aos quais havia que agregar outros mais difundidos como a vontade dos compositores por incluir em suas obras detalhes, giros, novidades, etc., de outros estilos e linguagem estrangeiras, a música ligeira – e não ligeira – dos Estados Unidos assimilou logo essas influências inevitáveis e enriquecedoras. 17

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(...)”. Cantores do gênero como Carmen Sevilla ou Lolita Sevilla, tornadillera do conhecido filme espanhol Bienvenido, Mr. Marshall – rodada em 1952 por Luís García Berlanga –, foram protagonistas musicais, como tantas outras folclóricas coletâneas, em não poucas produções do cinema espanhol da época. Antes de abordar o último período da ditadura do Caudilho, que, respeitando a divisão temporal do franquismo estabelecida por diferentes autores como Barciela et al (2001) começa em torno de 1960 – 1956/57 se pode já observar a “progressiva emergência da sociedade civil” (REDERO, 2001, p. 77) –, resulta conveniente fazer um balanço gráfico das músicas que até essa data focalizaram a atenção da sociedade espanhola (figura 4).

49 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Figura 4. Difusão social da cultura musical durante o franquismo (1936-1960).

50 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

2.3. A etapa 1960-1975 2.3.1. A difusão social da música popular As tímidas demandas sociais de reforma aparecidas ao redor de 1960, a chegada a Espanha de novas e forasteiras modas musicais – como o rock e o pop – e o surgimento aqui, ao mesmo tempo que em outros países, da canção de autor – Nova Cançó na Catalunha –, que neste país teve um claro propósito de protesto, traria consigo a separação paulatina da copla e da canção derivada desta, ambas muito vinculadas ao franquismo pela intelectualidade do momento e consideradas um expoente da subcultura do regime. Apesar disso, a canção espanhola continuou sendo tutelada pelo Estado até a morte do General Franco, e ainda depois, já que com ela se satisfazia parte das expectativas do turismo internacional que vinha em busca do flamenco, entre outras coisas, e também da demanda de um segmento nada desdenhável da população espanhola que não tinha contado com outra cultura musical que a representava por este tipo de música. Enquanto isso ocorria, os meios de comunicação – principalmente o rádio, o cinema e a recém criada televisão (em 1956 se apresenta oficialmente a emissora Televisión Española) – mais a evolução do antigo gramofone, que por estas datas passa a ser toca-discos (DONINGTON, 1986), fortalecem dia-a-dia a presença e difusão das músicas assinaladas na cotidianidade dos espanhóis, fundamentalmente música de consumo massivo, ao tempo que cobram cada vez mais força no que é “o anúncio de algo sem volta: a presença asfixiante do anglo-saxão no mundo da música ligeira” (IGLESIAS, 1996, p. 9). Se até 1960 os mass media haviam sido importantes na 51 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

difusão popular da música nesse país, eles serão muito mais a partir de então, sobretudo no momento que ao começo de 1970 a televisão iguala ao rádio e desbanca o cinema como instrumentos de informação, lazer e entretenimento de maior presença na cultura espanhola. De 1960 a 1973 comprovamos que a evolução na aquisição de eletrodomésticos nos lares espanhóis reflete a tendência ao azar dos aparatos de televisão e toca-discos, sobretudo dos primeiros, sendo o incremento dos sintonizadores de rádio pouco significativo neste período de 13 anos: Tipo de eletrodoméstico Rádio Tipo de eletrodoméstico Televisão Rádio Toca-discos Televisão

Ano 1960 (% lares) 64(% lares) Ano 1960 1 64 3 1

Ano 1973 (% lares) 86(% lares) Ano 1973 85 86 35 85

Toca-discos

3

35

Figura 5. Evolução comparativa da aquisição em lares espanhóis dos principais eletrodomésticos de reprodução social (1960-1973) adaptado de Figura 5. Evolução comparativa da(privada) aquisiçãoda emmúsica lares espanhóis dos–principais REDERO (2001). Figura 5. Evolução comparativa da aquisição em(1960-1973) lares espanhóis dos eletrodomésticos de reprodução social (privada) da música – adaptado de

REDERO (2001). principais eletrodomésticos de reprodução social (privada) da música (1960 -1973) – adaptado de REDERO (2001).

100 90 100 80 90 70 80 60 70 50 60 40 50 30 40 20 30 10 20 0 10 0

Rádio Televisão Rádio Toca-discos Televisão Toca-discos

1960 1960

1973 1973

Figura 6. Evolução – gráfica – da aquisição em lares Figura 6. Evoluçãocomparativa comparativa – gráfica – da aquisição em lares espanhóis dosespanhóis principais dosFigura principais eletrodomésticos de reprodução social (privada) da música eletrodomésticos de reprodução social (privada) da música (1960-1973) – adaptado de 6. Evolução comparativa – gráfica – da aquisição em lares espanhóis dos principais REDERO (2001). (1960-1973) – adaptado de REDERO (2001). eletrodomésticos de reprodução social (privada) da música (1960-1973) – adaptado de REDERO (2001).

Como era de se esperar, esse notável incremento na compra de televisores Como era se esperar, esse notáveldoincremento na compra pelos espanhóis não de supôs senão a confirmação tipo de cultura musicalde quetelevisores o regime

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pelos supôs senão a confirmação do tipo de cultura espanhola, musical queque o regime havia espanhóis instauradonão anos atrás, consagrando oficialmente a canção agora Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior havia instaurado anosporta-vozes: atrás, consagrando a canção Bautista, espanhola,tentando que agora contava com novos Carmenoficialmente Sevilla e Conchita se contava aocom porta-vozes: Carmen e Conchita Bautista,e outras tentando se adaptar novonovos pop; Raphael, durante váriosSevilla anos o cantor mais popular, vozes

Como era de se esperar, esse notável incremento na compra de televisores pelos espanhóis não supôs senão a confirmação do tipo de cultura musical que o regime havia instaurado anos atrás, consagrando oficialmente a canção espanhola, que agora contava com novos porta-vozes: Carmen Sevilla e Conchita Bautista, tentando se adaptar ao novo pop; Raphael, durante vários anos o cantor mais popular, e outras vozes da década anterior que todavia seguiam enchendo salas de festa e teatros. De 1963 a 1975, na Espanha, afirma González (1998, p. 47): A uniformidade, oficial e forçosamente imposta no âmbito das ideologias e das crenças, foi também, como é lógico, uma das características que definiram as manifestações culturais da época e, mais precisamente, a música e a canção.

Paralelamente à já televisiva canção espanhola, parece que outros gêneros musical e ideologicamente inócuos, surgidos ao redor do Festival de Benidorm18 e outros festivais similares que começavam a aparecer na Espanha, ganharam também a confiança do regime, principalmente a canção melódica, importada da Itália e França, e um pop oficial – como o do Dúo Dinámico – mais “brando” e acessível ao grande público que o de outras propostas e que, além disso, incorporava em seu repertório baladas influenciadas pela canção melódica que resultavam muito comerciais. Assim mesmo, a música afro-cubana instalada desde anos anteriores na cultura radiofônica desse país, como tivemos ocasião de constatar, manteve sua presença durante a etapa que nos ocupa, na qual não lhe faltaram êxitos nacionais como o 18  Junto com outros festivais espanhóis dos anos 1960, o de Benidorm, que teve sua primeira edição em 1959, tratou de obter o êxito conseguido pelo Festival de San Remo (Itália), que desde seu começo em 1951 se havia revelado como um importante motor do turismo nesta cidade.

53 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

da canção Me lo dijo Pérez, que em 1965 popularizaram Los tres sudamericanos. Por outro lado, o rádio continuou tendo durante quase toda a década de 1960 a 1970 um enorme seguimento da audiência popular, pois quantitativamente superava em muito à televisão, que em 1968 só contava com algo mais de três milhões de receptores e não alcançou ao rádio até 1973. Por este motivo e por apresentar a televisão um maior controle e submissão dos preceitos da ditadura, o rádio foi o verdadeiro porta-voz das músicas estrangeiras, e de outras nacionais (FEITO, 1983), que invadiam com força na cultura mundial, mas que na Espanha não eram bem vistos pelo regime, por exemplo, os Beatles e os Rolling Stones. A única televisão então, Televisión Española, foi convertida desde que se instalara em Prado del Rey, em 1964: (…) no mais poderoso instrumento ideológico tanto do regime como das classes dominantes em geral. E não só pelos telejornais, mas também pelos filmes tão pobres em qualidade como conformistas (tomando o relevo dos “seriados” do rádio); conformismo e arcaísmo que se manifestava em programas musicais, etc., alternando com a mais inábil propaganda do regime e de seus personagens até de segunda e terceira fila (TUÑÓN, 1981, p. 518).

Esta se limitava a tratar de “amortizar” o grande impacto social que de forma evidente e fundamentalmente estavam conseguindo na Espanha (como em outros países) entre os extratos juvenis da população os poucos músicos do pop imperante na década de 1960 que atuaram aqui de má vontade para os dirigentes franquistas: 54 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

(…) (Beatles, Kinks, Animals, Tom Jones, Moody Blues e poucos mais). E não foram acolhidos de braços abertos: o No-Do19 manipulou as imagens dos Beatles nas vendas para minimizar seu impacto, Tom Jones foi recriminado por um policial uniformizado para que não se excedesse na performance, e os Kinks não impressionaram a uma parte do respeitável madrilenho por tocar versões ‘extremamente longas’ de seus êxitos (MANRIQUE, 2002).

Evidentemente, se tratava de uma nova batalha perdida pelo regime frente a um feito cultural que desde o resto da Europa se refletia na Espanha dos finais dos anos 1960 com força crescente (RODRÍGUEZ, 1999) e que aqui tinha seu correlato musical nas centenas de grupos e músicos de estilo pop-rock que surgiram na década de 1960: Los Bravos, Los Brincos, Nino Bravo, Bruno Lomas, Fórmula V – que em 1970 terminaram de consagrar o fenômeno da canção veraneia com seu êxito Un rayo de sol; e sua dimensão cultural nessa desinfreável atitude crítica e de protesto juvenil que nos inícios dos anos 1960 se materializou em várias ordens. O mais visível, uma negação ao estabelecido (GUILLOT, 1997; MARCUS, 1993) que gerou: (…) a aparição de uma contracultura juvenil que exteriorizou seu inconformismo mediante atitudes de ruptura com relação a usos e costumes sociais muito arraigados na convivência, com uma maneira nada convencional de vestir (calças jeans, cabelo longo...), identificando-se com certos fenômenos musicais (Beatles, Rolling Stones...), etc. Como estava ocorrendo em muitos aspectos, seus valores morais e suas preferências culturais se aproximavam aos que predominavam na Europa (ABELLA, 1996; TORRES, 1996 apud REDERO, 2001, p. 55). 19  No-Do é a abreviatura dos Noticiários e Documentários que de forma obrigatória se emitiam nas salas de cinema durante a ditadura, também em outros países, servindo de veículo de propaganda e de ideologia do regime.

55 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

De forma natural, a mesma essência transgressora da música pop e rock, consubstancial às suas origens de rebeldia de classes oprimidas e/ou desfavorecidas, de grupos sociais desencantados e doídos com o sistema (PRATT, 1990; MARTIN, 1995), encaixou perfeitamente com os novos ares de mudança política e social que os jovens espanhóis, e não tão jovens também, do momento desejavam para seu país (FEITO, 1989). Sem dúvida, o pop inglês e o rock de influências americanas constituíram um fenômeno decisivo na cultura internacional, não somente dessa época, mas também de várias outras décadas. Com sua chegada na Espanha, a música espanhola de consumo, igualmente à de tantos outros lugares do mundo, já nunca escaparia a esse som característico de guitarras e teclados elétricos e insistente percussão, em ritmos sempre binários e quaternários, que já terminaram monopolizando os gostos e afeições musicais da maioria da população jovem20 do planeta. O que leva a Irles (1997) a sustentar que: Em cada país, especialmente nos democráticos, o pop colonizou qualquer tradição previamente triunfante. Em umas nações mais que em outras, casos da França e Itália, (...), a raiz autóctone favoreceu uma implantação mais feliz, mas em outras seu caráter subsidiário e mimético retardou ou impediu o nascimento de uma identidade musical própria (IRLES, 1997, p. 12);

palavras escritas com relação ao pop, mas que são aplicáveis por inteiro ao caso de implantação cultural extensiva da música rock.  Convém indicar que, como aponta Frith (1980), esta relação constatada empiricamente entre a música pop-rock e a juventude necessita de um maior estudo por parte do âmbito sociológico, pois este não se interessou excessivamente nele por considerá-lo pouco acadêmico. É certo que de 1980 até hoje se tem avançado bastante na investigação e produção acadêmica deste tipo de estudo, mas não precisamente na Espanha. 20

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2.3.2. Canção de autor Merece uma reflexão aparte o caso da canção de autor, que coincidindo com os últimos anos do franquismo se converteu em um instrumento de protesto social contra o inacabável franquismo e de petição pública dessa liberdade que chegaria em poucos anos com a democracia. Cantores do gênero como Victor Manuel, a quem a censura chamou à ordem em alguma ocasião pela inconveniência das letras de suas canções; o valenciano Raimon, cujo canto Al vent se converteu logo em um símbolo do especial momento vivido pelos espanhóis (GONZÁLEZ, 1998); ou Joan Manuel Serrat, que chegou a sofrer o exílio em 1975 por suas declarações no México sobre os recentes fuzilamentos ocorridos na Espanha (BERNEJO, 1995), dinamizaram e até certo ponto vertebraram com sua música uma consciência cidadã que cada vez com maior presença e coesão reclamava aos dirigentes uma profunda mudança política, social, cultural, etc. González (1998), em seu excelente trabalho de análise sobre a nova canção de 1969 a 1982, mostra como a dimensão e difusão social que esta música adquiriu na Espanha até então transcorria de forma correlata às circunstâncias e mudanças políticas nestes anos. Nos resultados obtidos neste estudo (ver figura 7 e 8), observamos que o número de gravações sobre nova canção ou canção de autor cresce desde a morte de Franco em 1975 até alcançar seu momento álgido no ano das primeiras eleições democráticas – 1977 –, desaparecendo paulatinamente o interesse comercial e social por este tipo de música. Ao anteriormente temos que acrescentar que a temática presente nas gravações enumeradas é coincidente também com as expectativas e demandas sociais do momento, sendo os problemas sociais, o amor e a esperança os núcleos principais em 57 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

democráticas – 1977 –, desaparecendo paulatinamente o interesse comercial e social por este tipo de música. Ao anteriormente temos que acrescentar que a temática presente nas gravações enumeradas é coincidente também com as expectativas e demandas sociais do momento, problemas sociais, e a conceituais, esperança os núcleos em torno aossendo queosse agrupam oso amor temas nãoprincipais musicais, torno aos que se agrupam os temas conceituais, não musicais, das canções. das canções. Núcleos temáticos Problemas sociais Amor Esperança Outros –15 núcleos categorizados–

Porcentagem 23,2 17,0 12,3 47,5

Figura 7. Principais núcleos temáticos presentes nas canções de autor quantificadas na figura 1.7 – adaptado de González (1998). nas canções de autor Figura 7. Principais núcleos temáticos presentes

quantificadas na figura 1.7 – adaptado de González (1998). 26

1982

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1976 67

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1974 21

1973 1972

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120

Figura 8. Número de discos sobre a nova gravados entre Figura 8. Número de discos sobre a nova cançãocanção gravados entre e 1982 (GONZÁLEZ, 1998) 19601960 e 1982 (GONZÁLEZ, 1998) 2.3.3. A difusão social da música “clássica”

40

Finalmente, abordamos nesta síntese da cultura musical espanhola difundida durante a última etapa do franquismo a situação que apresenta o âmbito da música e dos músicos da vertente “clássica”. O motivo de haver proposto até agora o estudo desta outra música se deve, desafortunadamente, ao motivo de sua presença e importância na sociedade da etapa pré-democrática ser meramente testemunhal. À riqueza reconhecida

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do patrimônio musical espanhol se opõe, em termos gerais, à falta de uma produção musical de altura e a carência de uma dotação estável de grupos profissionais de Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

2.3.3. A difusão social da música “clássica” Finalmente, abordamos nesta síntese da cultura musical espanhola difundida durante a última etapa do franquismo a situação que apresenta o âmbito da música e dos músicos da vertente “clássica”. O motivo de haver proposto até agora o estudo desta outra música se deve, desafortunadamente, ao motivo de sua presença e importância na sociedade da etapa prédemocrática ser meramente testemunhal. À riqueza reconhecida do patrimônio musical espanhol se opõe, em termos gerais, à falta de uma produção musical de altura e a carência de uma dotação estável de grupos profissionais de interpretação musical, tais como orquestras ou coros, na quase totalidade do país (ROBLES, 1974). A deplorável situação da prática musical profissional (MARTÍNEZ, 1993) leva o tenor Alfredo Kraus (apud AMÓN, 1995, p. 896) a fazer um balanço do momento afirmando que “(...) o Governo franquista nunca prestou demasiada atenção à cultura. A Espanha não oferecia atrativos profissionais: más orquestras, produções pobres, etc.”. Motivo este pelo que, em 1974, Sánchez (1974, p. 100), em relação com a sustentação das orquestras espanholas da época, manifesta o necessário que são “os estímulos profissionais e econômicos” e a “estabilidade do profissional da música”, reclamando, além disso, para este último, uma consideração social inexistente: Este digno posto que o músico há de ocupar entre seus similares nos vem dado pelo aumento da devoção à música e o auge que possa adquirir em um contexto sociocultural a arte dos sons. Como fruto maduro dessa elevação da cultura filarmônica de um povo dependerá a maior atenção para o músico (SÁNCHEZ, 1974, p. 100).

59 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Concluindo, diremos que os anos 1970 significaram o começo neste país da difusão artística e intelectual de autores e obras banidos somente há poucos anos atrás, mas, apesar dele, esta “abertura” apenas tinha incidência na grande massa populacional da época, que seguia divorciada da cultura minoritária que se apostava por esses valores que sempre haviam despertado a hostilidade do regime (FUSI, 1999; 2001). À atenção e ao crescente reconhecimento internacional que despertavam as composições musicais da chamada geração de 51 – Halffter, de Pablo ou Bernaola –, integrada sem dúvida na vanguarda mais audaz (MARCO, 1983; IGLESIAS, 1982; GARCÍA, 1979), se opunha na Espanha uma cultura oficial majoritária de escassa qualidade musical, dito em termos condescendentes, que contava com o apoio e reforço da televisão, principal instrumento difusor da subcultura franquista. Como se desprende do até aqui exposto sobre os últimos 15 anos da difusão da cultura musical franquista, e como impõe a acumulação de elementos de interesse que em todo assunto ajuda o transcurso de sua história e da história em geral, a Espanha anterior à transição para a democracia (1970-1975) apresenta uma crescente densidade em seu cenário musical que resumimos de forma sinótica na figura da página seguinte:

60 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

Figura 9. Difusão social da cultura musical durante o franquismo (1960-1975).

61 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Terceiro Capítulo

A DIFUSÃO DA CULTURA MUSICAL NA ESPANHA RECENTE 3.1. A cultura musical espanhola difundida durante a transição à democracia (1975-1982) Os primeiros três anos posteriores à morte do General Franco em novembro de 1975 trouxeram uma série de feitos e circunstâncias bastante favoráveis para a cultura na Espanha (FUSI, 1999), que incidiam positivamente em todos os agentes participantes em seu desenvolvimento e divulgação21: 1. Tomaram corpo liberdades necessárias na difusão e transmissão plural e independente da informação e da arte. 2. O Estado espanhol, como fizeram desde anos atrás a maioria dos governos do entorno europeu, se posicionou decididamente apoiando ao setor cultural em sua ordenação, gestão e vinculação com a sociedade. 3. As “novas” Comunidades Autônomas contribuíram à potenciação de suas diferentes identidades culturais próprias, 21  Agentes que substancialmente coincidem com os que enumeramos na figura 3, em relação com a organização, criação, transmissão e recepção cultural da música.

63 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

somando seus esforços aos do governo central e organizando desta forma uma Espanha culturalmente mais rica e melhor organizada. Não obstante, esse incipiente e positivo cenário foi talvez mais espetacular no que concerne aos planos organizativos e de difusão que no terreno dos produtos, pelo que não podemos estabelecer uma diferença meridiana entre a produção cultural que vinha ocorrendo de fato nos últimos anos do franquismo e a que de imediato agora observamos, já que os desinteresse e a desídia que neste âmbito caracterizaram a política geral de um regime que tocava ao seu fim, supuseram que no início da transição o setor cultural seguira desfrutando de forma natural, admitindo todas as objeções que esta afirmação pudera suscitar, desse deixar fazer, dessa desídia que o franquismo havia favorecido (MAINER, 1988; FERNÁNDEZ, 1991). O novo estado das coisas do que em geral começava a desfrutar a cultura era um dos resultados da mudança política e social que se referendaria institucionalmente na Constituição de 1978, um texto “embasado nos princípios de igualdade, liberdade e pluralismo político”, e no qual “o estado se define como democrático e social de Direito, se organiza como Monarquia Parlamentarista e ‘reconhece e garante o direito à autonomia das nacionalidades e regiões’ dentro da ‘indivisível unidade da Pátria’” (JULIÁ, 1999, p. 244). Ainda mais concretamente, no interessante estudo que faz Prieto (1993) em seu livro Cultura, culturas y constitución sobre a presença e significado da cultura na última Constituição que tiveram os espanhóis, este autor assinala (PRIETO, 1993, p. 193) o desejo manifestado exposto na Carta Magna por:

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 “Promover o progresso da cultura e da economia para assegurar a todos uma digna qualidade de vida”; parágrafo quinto do Preâmbulo.  “(...) facilitar a participação de todos os cidadãos na vida política, econômica, cultural e social”; (artigo 9.2).  Reconhecer aos privados de liberdade por cumprimento de sua pena “(...) o direito a um trabalho remunerado e aos benefícios correspondentes da Seguridade Social, assim como o acesso à cultura e ao desenvolvimento de sua personalidade”; (artigo 25).  Promover “(…) as condições para a participação livre e eficaz da juventude no desenvolvimento político, social, econômico e cultural”; (artigo 48).  Promover o bem-estar da terceira idade “mediante um sistema de serviços sociais, que atenderão seus problemas específicos de saúde, moradia, cultura e lazer”; (artigo 50). Estes e outros extratos textuais colocam em relevo a vontade firme de quem elaborou e defendeu a Constituição aprovada em 1978, para sobrepor a cultura com essa nova sociedade que desejava alcançar o mesmo grau de bem-estar que os países ocidentais que lhe serviam de modelo, países que integravam e integram em suas estruturas públicas, as que irão garantir as condições mínimas de oferta e acesso social à cultura, a música em qualidade de bem necessário na construção de todo estado de bem-estar: França, Alemanha, Estados Unidos, Suíça, Áustria, Holanda, Inglaterra, Itália, Dinamarca, etc. Nessa Espanha musical de transição encontramos uma continuação do divórcio entre cultura de massas e minorias presente no franquismo dos anos 1960 e início dos 1970, que não começaria a remeter, se é que o faz, até a chegada dos anos 1980. 65 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Fruto disso, na música popular de massas seguíamos devorando produtos de baixa qualidade, ainda que alternados cada vez mais com outros que refletiam a segmentação do consumo musical que progressivamente iria ganhando terreno nos hábitos dos espanhóis, algo que, como teremos ocasião de explicar, tem suposto na atualidade um crescimento ainda maior dessa densidade do cenário musical-social que resumimos no capítulo anterior. A democracia nos trouxe à mão a liberdade de opção frente a crescente oferta musical, mas não a chave para evitar os efeitos perversos que o oficialismo do anterior regime havia provocado no comum de uma sociedade com todavia nulos ou muito escassos referentes educativos que lhe assistiram na formação de um critério próprio, independente e objetivo, imprescindível para decidir o que escutar e porquê. Não era possível desde logo exilar em tão poucos anos o espírito de uma ditadura com quase quatro décadas de duração, na qual a população já havia se acostumado a uns usos musicais se não intervindos desde logo, sim vigiados pelo recémdesaparecido (1976) Ministério de Informação – substituído em 1977 pelo Ministério da Cultura – a Associação Católica Nacional de Propagandistas ou o Opus Dei. O caso é que de 1975 a 1982-83, anos em que se produzem as eleições nacionais, estaduais e municipais que levaram a maioria socialista a quase todo o território nacional e que foram considerados por alguns historiadores como de consolidação da democracia, contamos musicalmente com os seguintes fatores de influência:

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3.1.1. A difusão social da música popular •  A presença crescente do rádio – 7.000.000 de ouvintes em 1975 (DÍAZ, 1995); a televisão – 4.030.000 de receptores no início da década de 1970 (OROSA, 1995); e o cinema – que começava a se recuperar lentamente da censura e das pressões exercidas por e durante o franquismo (GONZÁLEZ, 1995); na transmissão da música de consumo massivo. Assim mesmo, estes meios, como viemos observando desde décadas atrás, terminarão capitalizando definitivamente o modelo dos hábitos e preferências musicais dos maiores segmentos sociais. • O crescimento progressivo da aquisição de música gravada e a aparição de novos suportes de gravação e sistemas de reprodução sonora. • O apogeu da nova canção – 1975/1977 – (GONZÁLEZ, 1998): María del Mar Bonet, Aute. • A consagração da canção melódica – “canções de amor exageradamente sensíveis e muito, muito comerciais” – (BERNEJO, 1995, p. 124): Julio Iglesias, Camilo Sesto. • A perda da audiência da canção espanhola, exceto nos casos de alguns autores como Manolo Escobar, Carmen Sevilla ou Rocío Jurado, que incorporaram à sua música elementos de “modernidade” e se adaptaram em parte às novas circunstâncias. • O aparecimento com força do “disco sound” ou música disco, proveniente dos Estados Unidos, muito reforçada por êxitos cinematográficos como Fiebre del sábado noche (1977), filme com canções novas do grupo Bee Gees e outros temas clássicos – por exemplo, “Disco Inferno”, dos Trammps –, e na qual John Travolta protagonizou um verdadeiro fenômeno de massas projetando entre a população masculina jovem uma imagem imitada até a saciedade. 67 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

• A mescla da música pop americana e britânica, a canção melódica de inspiração italiana e a música comercial alemã materializada nos êxitos do grupo de origem sueca Abba, o mais popular na Europa durante o ano de 1976. • A popularização e difusão ampla do flamenco puro: Enrique Morente, Paco Toronjo. •  O aparecimento de músicas que se aproximavam da grande “fusão” estilística das duas últimas décadas: ⇒  Jazz com flamenco, pop, rock, etc. Por exemplo, o grupo catalão Iceberg, “a proposta de jazz elétrico mais sólida dos anos 1970” (REKALDE, 1995, p. 125). ⇒  Flamenco combinado com elementos do jazz, pop, rock, etc. (Las Grecas, Paco de Lucía, Manolo Sanlúcar, Camarón) (BERMEJO, 1995). ⇒  Músicas caribenhas: Rumba Tres, salsa, adaptação da música cubana de baile (Rubén Blades), reggae, de origem jamaicana (Bob Marley). • O êxito de novas propostas de teatro musical que, como Evita em 1980 – “fenômeno teatral mais importante dos últimos anos” (SAN BASILIO, 1995, p. 541) –, nos aproximavam do consumo cultural do resto da Europa, ainda que coexistindo com outras propostas autóctones: recordemos o espetáculo de variedades e a revista, que ainda continua. • A substituição do rock sinfônico da primeira metade da década (IRLES, 1997) pelo que Manrique (1977, p. 54) denominava como rock bronca ou rock macarra: (…) parece que na Espanha do pós-franquismo se dão as condições objetivas e subjetivas para a

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invasão do rock bronca: asfixiantes concentrações urbanas, ânsia pela ausência de repressão, necessidade de exorcizar os hábitos fascistas, sentimentos antiautoritários, etc.

Este tipo de rock refletia na Espanha o que em Nova York estava sendo o movimento punk e em Londres a New Wave, ainda que em comparação com estas outras manifestações musicais resultava ser um subproduto. Ainda assim, o depoimento de sua contribuição ao rock espanhol do momento foi coletado em parte pelo que em seguida seria la movida ou la nueva ola madrileña (Tequila, Alaska, Loquillo e Los Trogloditas, etc.), fenômeno que excedeu o musical para se converter em símbolo do “ressurgimento cultural de Madrid com a democracia”, e que “afetou (...) por igual a todo o país” (FUSI, 1999, p. 157). 3.1.2. A difusão social da música “clássica” Durante esses anos de transição começou a aparecer a espetacular mudança institucional e social que em relação com a música “culta” se constata a partir da década de 1980; um novo e promissor panorama operado principalmente por: 1. A vontade de uma sociedade espanhola plural e de espírito democrático de incluir em seu consumo cultural produtos e serviços de maior qualidade e diversidade. 2. A adoção estatal de alguns princípios culturais conforme à nova situação democrática: “neutralidade cultural do Estado e reconhecimento do pluralismo cultural da sociedade civil” (FUSI, 1999, p. 154). 3. Com relação aos dois pontos anteriores, o decisivo exercício 69 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

do Ministério da Cultura na estabilidade, criação, promoção e difusão de uma cultura plural, neutra e de qualidade. 4. O apoio dos meios de comunicação na sobreposição dos diferentes agentes implicados nas novas pautas culturais: sociedade, instituições, os próprios meios, etc. 5. Como ocorria com a música popular, também o crescimento progressivo da aquisição de música gravada e a aparição de novos suportes de gravação e sistemas de reprodução sonora contribuíram para uma melhor situação e difusão social da música “clássica”. À positiva mudança aperfeiçoada se soma na música espanhola “(...) uma jovem geração na qual encontramos uma boa quantidade de autores de singulares ideias de composição e uma capacidade de futuro muito esperançosa” (MARCO, 1983, p. 281-282). Não obstante, comparada com a música popular, a música clássica continuava sendo um produto das minorias no conjunto das preferências culturais dos espanhóis. Na página seguinte mostraremos a figura que resume o período da transição. Somente aparecem nesta página os traços gerais de maior importância para a música na Espanha de 1975 a 1982, já que toda a informação contida na presente parte está suficientemente esquematizada.

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Figura 10. Difusão/situação da cultura musical na Espanha da transição (1975-1982).

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Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea DEFESA DA CULTURA NA CONSTITUÇÃO ESPANHOLA DE 1978

POSICIONAMENTO DECIDIDO DO ESTADO E AS “NOVAS” COMUNIDADES AUTÔNOMAS A FAVOR DA CULTURA

CONSUMO MAJORITÁRIO DE PRODUTOS DE BAIXA QUALIDADE ALTERNADO COM OUTROS DE MAIOR QUALIDADE

GRANDE DENSIDADE DO CENÁRIO MUSICAL

MÚSICA “POPULAR”

50

APARIÇÃO DE UMA GERAÇÃO JOVEM COM GRANDE FUTURO NA CRIAÇÃO E INTERPRETAÇÃO

MÚSICA “CLÁSSICA”

CONSUMO CRESCENTE DE PRODUTOS E SERVIÇOS RELACIONADOS COM A MÚSICA “CULTA”

OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO E AS “NOVAS TECNOLOGIAS” DE REPRODUÇÃO SONORA COMO MEIOS DE DIFUSÃO MUSICAL MASSIVA E DE MODELAGEM DE HÁBITOS E PREFERÊNCIAS MUSICAIS

A TRANSIÇÃO RUMO À DEMOCRACIA (1975-1982)

Figura 10. Difusão/situação da cultura musical na Espanha da transição (1975-1982).

CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA CULTURA (1977)

NOVA SITUAÇÃO SOCIAL

CIRCUNSTÂNCIAS E FEITOS FAVORÁVEIS PARA A CULTURA MUSICAL DA ESPANHA

3.2. A cultura musical espanhola difundida durante a etapa democrática (1982-atualidade) Os anos 1980 são na Espanha tempos de consolidação da democracia, que se reafirma já desde o começo do decênio com a resolução pacífica e própria de um estado de direito constitucional do intento golpista de 1981, instigado por setores do franquismo tardio e liderado por alguns mandatários do exército espanhol que, como o tenente coronel Antonio Tejero, vieram fracassado imediatamente – 24 horas – seu empenho de instaurar o que de seguro houvera sido outra ditadura militar. Assim, muito do dito no ponto anterior com relação aos novos feitos e circunstâncias favoráveis para a cultura na Espanha obtém seu respaldo com o transcurso não só dos anos 1980, mas também destes últimos anos, segmento temporal especialmente significativo para a música na Espanha, já que em 1990 se promulga a única Lei Educativa do século XX, a LOGSE, que vem conseguindo levar verdadeiramente a música e seu ensino ao âmbito da educação geral e, portanto, propiciar nos espanhóis das últimas gerações uma cultura musical baseada em referentes objetivos e, sobretudo, normalizados em sua aprendizagem e vida cotidianos. O clima que se deu nos anos 1980 de respeito pelas liberdades recém adquiridas e a pluralidade em todas as ordens, fez que os espanhóis ampliassem progressivamente seus horizontes de lazer e tempo livre convertendo-se em ávidos e frequentes consumidores de cultura: “(…) talvez fora a massiva assistência a atos culturais que se registrou em toda Espanha a partir de 1975 o feito mais significativo da história da cultura em toda transição da ditadura à democracia” (FUSI, 1999, p. 157).

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Uma cultura na qual a música adquire uma dimensão social inusitada até então: Um dos signos culturais nos últimos anos é o fervor musical em setores sociais cada vez mais amplos. As filas para os concertos que duram, às vezes, toda uma noite; a mobilização de distintos públicos em torno aos diferentes produtos musicais e a proliferação de formações sob projetos criativos ou, em todo caso, interpretativos, são a expressão deste fenômeno universal em nosso país que vem convivendo com as grandes carências nacionais em matéria de música (MINISTÉRIO DA CULTURA, 1986, p. 123).

3.2.1. A difusão social da música popular Os primeiros anos da década de 1980-1990 assistem ao apogeu e decadência da “movida”, esse movimento de corte juvenil que se gestou em torno à Madrid pós-Franco e cuja finalização poderíamos fechar (MEMBA, 1995) em 1985 coincidindo com o fechamento do local mais emblemático de sua música, a sala Rock-Ola, templo noturno no qual ao redor do pop, o rock e outros estilos musicais derivados22 se encontravam “todos os que eram alguém na Madrid do enlouquecimento” (BERLANGA, 1995, p. 648). Mostra do impulso oficial que recebe a música nestes momentos, algo que já apontamos como um dos fatores positivos do desenvolvimento da cultura musical espanhola pós-Franquismo, e agora da democracia, é o apoio público que o Prefeito madrilenho de 1984 – Enrique Tierno Galván –,  Entre a numerosa bibliografia existente sobre o pop-rock da movida, é interessante a contribuição de Feijoó e outros (1998) por sua delicadeza e visão distante no tempo do que foi a Nova Ola Espanhola. 22

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socialista como a maioria dos dirigentes espanhóis de então, prestava à causa jovem da movida, personificando-se e animando aos assistentes em diferentes atos musicais, o qual se pode interpretar como apoio à música popular e não a toda a música, mas que seria e é rebatido com diferentes dados que iremos aportando e que mostram como desde as instituições públicas se dava também alento e sustento às músicas de interesse mais minoritário. Por exemplo, com a criação em 1985 do Instituto Nacional das Artes Cênicas e da Música, cujos logros se fez esperar, publicando nesse mesmo ano o livro Recursos Musicales em España (MINISTÉRIO DA CULTURA, 1985), manual sobre músicos e entidades dedicados ao âmbito musical clássico que supunha um primeiro passo na construção e difusão de uma grande base de dados de caráter musical. Paralelamente à música popular de preferência mais juvenil, centrada sempre no pop-rock e seus múltiplos derivados, muitas outras músicas da mais variada procedência continuavam formando parte importante do consumo musical espanhol. Se bem que esta pluralidade estilística responde basicamente à enumeração que fizemos ao referirmos à etapa 1975-1982, assumindo que cada uma das músicas ali coletadas sofrerá as flutuações de oferta e demanda e as modificações de estilo que lhe imponham diferentes conjunturas; por ele, nos limitaremos agora a assinalar aqueles aspectos mais relevantes do período que nos ocupa23 e que complementam dita enumeração:

 Queremos fazer este inciso para por de manifesto que até a década de 1990 não contamos na Espanha com estudos científicos sérios e confiáveis sobre consumo cultural e musical (BAUTISTA, 2000), pelo qual as inferências que neste sentido temos redigido até aqui se remetem a conclusões obtidas a partir de dados de caráter fundamentalmente textual-descritivo, em poucas ocasiões dados quantitativos. É com a chegada do decênio que arranca em 1990 quando desde diferentes instituições – Ministério da Cultura, 1993; Centro de Investigações Sociológicas, 1999; Sociedade Geral de Autores e Editores da Espanha (SGAE), 1999 – se iniciam na Espanha projetos e trabalhos com um suporte estatístico e sociológico relevante para o setor da cultura e do lazer. 23

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1. Uma das peculiaridades a evidenciar de forma global nas duas últimas décadas tem sido o fenômeno da fusão, quer dizer, a mescla de diferentes estilos, às vezes inclusive aparentemente antagônico, mas que com certa experimentação e melhor ou pior acerto terminam se fundindo. Parece razoável afirmar que isto é uma consequência mais da mestiçagem racial e cultural que caracteriza os tempos de globalização que vivemos, tempos nos quais: (…) está aumentando a consciência de que os atributos da globalização não são unicamente econômicos e tecnológicos. A busca de caminhos para influir sobre as dimensões sociais e éticas da globalização (ou para inventá-las) conduz inevitavelmente a questões culturais (MATSUURA, 2001, p. 5).

2. A partir da mestiçagem e a globalização cultural se observa, finais da década de 1980-1990, um interesse que não deixou de crescer pelas músicas de culturas não ocidentais (África, Ásia, América do Sul, etc.) e inclusive pela recuperação do autêntico folclore tradicional característico de cada comunidade; na Espanha, como vimos, suplantado pelo folclorismo oficialista do franquismo. A estas músicas se as tem denominado, também a falta de um melhor qualificativo, étnicas e/ou músicas do mundo. 3. Os avanços tecnológicos sucedidos nestes últimos vinte anos não têm sido desaproveitados pelos compositores e companhias discográficas de música popular, incorporando à atual música de consumo um grande número de detalhes eletrônicos. Devemos recordar a chamada música tecno, importada a princípios dos anos 1980 desde a América do Norte 75 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

e que emprega sintetizadores e ferramentas informatizadas no desenho e interpretação de suas composições. Na Espanha, o grupo pop Mecano, independentemente da qualidade de sua música, é um bom expoente dele. 4. É patente que os anos 1980 e 1990 são, em música de massas, anos de pop e rock. Ambos estilos tem dado lugar a uma imensidão de novas sonoridades; por exemplo, do rock surgiu o hard rock, o heavy, o heavy metal, etc. (GUILLOT, 1997), e, por sua vez, a música pop tem gerado tantas propostas inovadoras como movimentos de revival de modas nacionais e internacionais. 5. Como era previsível, os meios de comunicação – fundamentalmente, televisão, rádio e cinema, e, em menor medida, jornais e revistas – confirmam de maneira definitiva seu enorme poder sociológico em qualidade de instrumentos de transmissão e difusão musical – além de muita outra informação de diferente índole – e sua hegemonia sobre outros agentes sociais para condicionar e modelar os hábitos e as preferências do consumo musical dos espanhóis, o qual não é exclusivo deste país, pois se trata de um fenômeno com dimensões planetárias. 3.2.2. Difusão através da televisão e do cinema Continuando com a evolução ascendente que mostrava já a televisão em relação ao rádio desde 1960, comprovamos agora que nos anos 1990 o meio televisivo não só deixa para trás em porcentagem de audiência ao rádio, como também com diferença significativa se posiciona em primeiro lugar com relação aos outros quatro principais meios de comunicação de massas (figura 11). 76 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

Além disso, a televisão apresenta um lugar relevante tanto entre os demais meios como inclusive entre as atividades que ocupam a maior parte do tempo da vida cotidiana dos espanhóis: “Salvo dormir e trabalhar, ver a televisão é a atividade a qual os espanhóis dedicam mais tempo” (SOCIEDAD GENERAL DE AUTORES Y EDITORES DE ESPAÑA, 2000, p. 94). 100 90 80 70 60

1972 2004

50 40 30 20 10 0

DIARIOS

RADIO

REVISTAS

TELEVISÃO

CINEMA

Figura 11.11. Evolução emporcentagens porcentagens de audiência principais meios Figura Evolução em de audiência dos principaisdos meios de comunicação na de Espanha, de 1972 a 2004 tomado de Anuarios El Mundo a 2005).El Mundo comunicação na Espanha, de –1972 a 2004 – tomado de(1999 Anuarios (1999 a 2005). Traz os espaços esportivos, a programação de maior audiência nas emissoras de televisão mais vistas e difundidas durante os anos 1990 é a que se refere a longas-

Traz os espaços esportivos, a programação de maior metragens procedentes do cinema e séries criadas geralmente para serem exibidas no audiência nas emissoras de televisão mais vistas e difundidas meio televisivo (figura 12). durante os anos 1990 é a que se refere a longas-metragens procedentes do cinema e séries criadas geralmente para serem exibidas no meio televisivo (figura 12).

77 ultura e–Sporcentagens ociedade na–Enas spanha Contemporânea Figura 12. Programação M deúsica, maior C audiência emissoras de televisão mais vistas e difundidas em 199724 (tomado de Lorenzo e Herrera, 2000).

de televisão mais vistas e difundidas durante os anos 1990 é a que se refere a longasmetragens procedentes do cinema e séries criadas geralmente para serem exibidas no meio televisivo (figura 12).

Figura 12. Programação de maior audiência – porcentagens – nas emissoras de televisão mais Figura 12. Programação de maior24audiência – porcentagens – nas emissoras vistas e difundidas em 1997 (tomado de Lorenzo e Herrera, 2000). de televisão mais vistas e difundidas em 199724 (tomado de Lorenzo e Herrera, 2000). 24 Os dados sobre audiência da programação em 1997 têm sido contrastados com outros mais recentes (2004), confirmando estes últimos que os filmes e os longas-metragens se mantém em segundo lugar dadespertam supremacia sobre os outros entreMusicalmente, os três tipos de programa que o maior interessetelevisiva e satisfação dos espectadores espanhóis.

meios e atividades de lazer – e de não lazer – se deriva uma série de extremos sobre o qual devemos refletir. 55 Na programação televisiva predomina o que costumamos chamar de filmes (LORENZO; HERRERA, 2000), produções nas quais a música presente25, de caráter nem sempre incidental – ainda que para o espectador, que não somente é vidente, mas também ouvinte, assim o seja –, está capitalizada pelo sinfonismo romântico e pós-romântico do que já falamos (XALABARDER, 1997), e, em segundo lugar, pelo pop e pelo rock.  Os dados sobre audiência da programação em 1997 têm sido contrastados com outros mais recentes (2004), confirmando estes últimos que os filmes e os longas-metragens se mantém em segundo lugar entre os três tipos de programa que despertam o maior interesse e satisfação dos espectadores espanhóis. 24

 Interessante aproximação à música escrita com uma finalidade cinematográfica é a de Téllez (1996; 1997), quem se insere de forma didática em um nível mais profundo – quando conciso – das relações entre trilha sonora e imagem fílmica que encontramos em outros trabalhos que não superam o limite do descritivo, pois, como aponta Chion (1997, p. 448), ao ler alguns textos sobre este assunto, “(...) a ‘música de filme’ parece, em alguns casos, constituir um gênero e um tema completamente diferentes e isolados do da ‘música no cinema’ (...). 25

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Por outro lado, resulta que mais da metade do cinema visto na Espanha, que posteriormente a sua estreia nas salas comerciais ocupa principalmente a programação televisiva de longasmetragens e a eleição geral dos expectadores, é de origem norteamericana (UNESCO, 2001), com o qual também as músicas das que gosta a indústria cinematográfica norte-americana serão as mais escutadas através da televisão e, obviamente, do cinema, músicas que respondem majoritariamente às necessidades técnicas e estéticas do próprio filme e aos interesses comerciais e gostos da cultura em torno à qual este se cria, anglo-saxão, neste caso: As diferenças fundamentais entre a música de cinema e as outras músicas, na maioria dos casos, provém mais de seu caráter de elemento geral intermitente, no seio de um conjunto, e das condições comerciais, práticas, econômicas e culturais em que esta nasce. Enquanto elemento em um conjunto bastante complexo, a música de cinema se vê forçada geralmente a ser mais simples e redundante que uma música ‘pura’, já que, ao estar incorporada no filme, já não é mais que uma parte em uma complexa rede de ritmos, sensações, informações verbais, visuais, cinéticas, etc. (...) Este frequente caráter de simplicidade e redundância pode fazer que resultem fastidiosos e inaudíveis os álbuns que reúnem certas músicas entre as melhor concebidas para o cinema. O álbum integral da partitura de Hermann para Psicosis (PSYCHO, 1960), por exemplo, é de uma monotonia terrível, enquanto que esta partitura funciona perfeitamente dentro do filme (CHION, 1997, p. 253).

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3.2.3. Publicidade nos meios Coexistindo com os programas televisivos mais vistos e difundidos, e com praticamente todos os demais, encontramos à onipresente publicidade26, que nos últimos anos e “(...) em um contexto de livre mercado competitivo, adota a música como veículo idôneo para dar a conhecer os produtos de consumo. Os publicitários lançaram a máxima: ‘Se não sabes o que dizer de um produto, cante-o’” (ALSINA; SESÉ, 1994, p. 106; FERRÉS, 1994). A publicidade27 tem ampliado notavelmente sua influência no modelo dos gostos musicais espanhóis, despertando o interesse dos consumidores tanto para o anunciado como para as próprias músicas que acompanham as imagens do spot e que serviram também para captar a atenção do ouvinte no meio radiofônico, pois “(...) quando o jingle – palavra inglesa para a que não existe em espanhol uma tradução satisfatória – se associa corretamente com o produto, é de grande utilidade para a identificação do anúncio e serve para transferi-lo sem perda de eficácia de um meio a outro, principalmente da televisão ou cinema ao rádio” (GONZÁLEZ, 1994, p. 432). Além disso, os anunciantes têm dado conta do valor agregado que tem o spot como anúncio do artigo ou serviço para o que se cria, bem como da música no presente. As gravações empregadas na publicidade que tem conseguido uma maior aceitação popular não deixam de aproveitar o “efeito multiplicador da própria gente assoviando essa melodia na  O número de horas semanais de presença publicitária na programação televisiva durante 1992 foi de 73,75 (GONZÁLEZ, 1994). Ainda que não se disponha de dados similares com relação ao ano atual, pelo que se desprende de outros indicadores recentes sobre publicidade em televisão, é possível que essas 73,75 horas se tenham incrementado hoje ostensivamente. 26

 “Tudo aponta para a confirmação de que não somos tão impermeáveis como cremos diante do assédio publicitário e a música é um fator muito importante. Os publicitários, conscientes do poder de evocação, da permanência em nossa memória de uma melodia e a facilidade que temos para associá-las com um determinado produto, buscam melodias cativantes, conhecidas. Curiosamente eles utilizam bastante repertório dos anos 1960 (...)” (PUENTE, 1996, p. 91). 27

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rua, na ducha ou no lugar de trabalho” (BASSAT, 1998, p. 156), servindo-se dele para vender igualmente o Compact Disc – ou outro suporte – que recorrera o novo êxito musical. Não faltam exemplos desta simbiose comercial que certamente estão, de forma consciente ou inconsciente, na mente de todos. Puente (1996, p. 92) nos lembra o caso da publicidade na televisão de Delta Airlines, que: (…) serviu não apenas para anunciar essa companhia aérea, mas também utilizou como meio de publicidade para a música em si. Primeiro se anunciava o produto, a companhia aérea; mais tarde, abaixo numa linha se informava que a trilha sonora original do spot estava disponível em Compact Disc; e, por último, se lançou a campanha publicitária do grupo que interpretava o tema do spot, Adiemus.

Até tal ponto a música da publicidade televisiva tem gerado interesse como produto de consumo – comercial entre as companhias discográficas e cultural entre os espectadores –, que em alguns casos é ela mesma a protagonista de CDs que levam por título A música da publicidade. Por épocas e estilos, é a música popular pop-rock da década de 1960 a de maior presença na publicidade de televisão, rádio e cinema. Irles (1997, p. 256), ratificando essa polarização publicitária até o pop-rock revival, afirma: (…) os jingles dos spots dos anos 1990, como outrora as trilhas sonoras dos filmes da década de 1970, são o suporte de maior difusão comercial do revivalismo da década em questão, seu inesperado mecenas publicitário, que nos desenvolve de novo, na audição em miniatura do som dos anos 1960: pouco a pouco.

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Nestas palavras de Irles (1997) aparece um dos efeitos perniciosos da escuta musical publicitária para o grande público: as “licenças de 15 segundos”. Posto que o emprego aqui da música está condicionado pelas características habituais da linguagem da publicidade audiovisual – fins comerciais da mensagem; representação de uma suposta realidade muito desejável, ainda que virtual; uso intencionado de tópicos e estereótipos; e, sobretudo, concentração excessiva de informação em um segmento de tempo fugaz (15/20 segundos) – (VICTOROFF, 1985), sua audição continuada no marco dos anúncios condiciona os gostos do ouvinte, acostumando-o a ouvir sempre breves fragmentos musicais desvinculados artificialmente da composição à qual pertence e centrados em pegajosos e insistentes estribilhos. Empregando um literário semelhante, os meios nos estão levando a extrair e ler das novelas e poemas somente aqueles trechos mais conhecidos e assimiláveis, deixando de lado o resto das palavras. Se está fomentando uma escuta que modifica paulatinamente, de novo simplificando e homogeneizando, a percepção natural de todo discurso musical, com independência de que este seja de cunho popular ou clássico, pois os meios utilizam preferentemente a música pop-rock, mas não só esta. Em ocasiões, a roupagem musical do spot se cria expressamente para o anúncio, coincidindo a maioria destas músicas compostas pelas agências de publicidade em duas características: melodias pegajosas e textura anódina. Somente com uma formação musical suficiente se pode ser crítico com a recepção destas músicas fragmentadas, evitando assim que as necessidades naturais de escuta da própria música se vejam negativamente alteradas.

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3.2.4. Tentando decodificar a música presente na programação televisiva Resulta evidente por tudo o que até aqui foi exposto, que as características musicais da atual programação televisiva conformam, em geral, uma situação musical de reducionismo que estende sua influência para o conjunto da sociedade. Se a ele somamos o feito de que a televisão é hoje um potente instrumento de comunicação, mas também de educação social não-formal28 – algo constatado por numerosos autores, estudos e pesquisas (HERMOSILLA, 1996; TYNER, 1996; CHARLES, 1990; CERVERA, 1977; GRANDI, 1995; DAHLGREN, 1997; GUBERN, 1994; VILLAFAÑE, 1996) –; que o espectador não é consciente de que este meio não apenas se vê, como também que por suas características audiovisuais também se ouve (CHION, 1999); e que de fato o espectador espanhol médio carece de uma mínima educação musical absolutamente necessária para decodificar a mensagem sonora e musical da televisão; não será exagerado afirmar que a (in)formação – musical ou não – recebida pelos espanhóis através do meio em questão, o de maior incidência em sua educação informal, é simplista e conduz a fomentar os fenômenos de representação e de criação de estereótipos que destacam Quin (1996) e Mingolarra (1987). Ainda que o estudo psicossocial dos meios de comunicação não abundam os trabalhos sobre o aspecto sonoro-musical, por aquele ter se centrado principalmente nas características e  Rica (1991) nos mostra uma relação hierárquica entre o conceito de educação, o ser humano, a sociedade e os mass media na qual a educação – regular ou não – é em nossos dias perigosamente dependente do rol desempenhado pelos meios de comunicação de massas: “(...) educação entendida como a relação entre sistemas inteligentes que potencia a otimização da dimensão evolutiva de um deles e é catalisadora de autodeterminação, consciência e liberdade no ser humano. A relação educativa se estabelece em um mundo dominado pelos mass media no qual o fluxo de informação unidirecional é venenoso. Por isso deve se estabelecer uma comunicação autêntica entre os dois sistemas, um diálogo que implica e gera o pensar crítico e que neutraliza a influência ambiental” (RIVA, 1991, p. 4). 28

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significados dos conteúdos verbo-icônicos, é lógico e lícito afirmar que as mensagens de natureza musical não haverão de escapar à uniformidade e banalidade presentes nos meios audiovisuais, pois destaca Cerezo (1993, p. 43) que: A comunicação social se realiza em situações de interação múltipla dos indivíduos com os códigos ou linguagens que se tem criado historicamente por parte da cultura à qual pertencemos. Estes códigos, que intervém simultaneamente em toda comunicação presencial, são de tipo verbal, gestual, espacial, posicional, sonoro e icônico. (...) E ele é assim ainda que não advirtamos sua presença.

Seria pouco ou nada provável e crédulo que a música integrada no marco midiático pudera e quisera impermeabilizarse da uniformidade e banalidade presentes nos meios audiovisuais, já que as regras que estes estão impondo ao jogo de construir a realidade e os processos sociais de oferta e demanda de informação afetam globalmente, de maneira multidimensional e multidirecional, a toda a coletividade e a toda sua cultura. Inclusive, como denunciam Herman e McChesney (1999) e Urra et al (2000), o audiovisual está mudando negativamente o mais profundo de nosso sistema de socialização, imprimindo-lhe uma forma homogênea e trivial que parece ser, infelizmente, o cartão de apresentação da expansão mundial que nossa sociedade tecnológica realiza inexoravelmente, orientando seus passos “para o consumo de massas e para a utilização de alguns meios de comunicação de massas” (SANCHO, 1994, p. 25). Admitindo então que o processo de mediação audiovisual não é gratuito para a sociedade, mas que tem um alto custo cognitivo (pelo perigo do pensamento único); atitudinal 84 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

(pela possível refuta para o diferente); relacional (pelo modo no qual socialmente primamos a imagem pessoal de nosso interlocutor antes que outros valores não menos importantes); comportamental (pelo reforço da violência latente ou manifesta); etc.; deveremos abordá-lo com seriedade e profundidade desde múltiplos pontos de vista e estudar os pormenores de todas suas arestas. Resulta inadmissível que a atual investigação espanhola sobre os meios de comunicação se centre quase exclusivamente na imagem e na palavra, esquecendo que o componente musical dos produtos audiovisuais é capital para sua construção e difusão. Pensemos por um momento no que seria dos filmes sem sua trilha sonora, ou, indo um pouco mais longe, como se utiliza a música adequada para criar e acentuar cenas de violência, essas mesmas cenas que tantas investigações e debates promovem e geram. Os mesmos fenômenos de representação e criação de estereótipos necessitam da cooperação musical para ser recriados em sua totalidade; assim, os adolescentes negros se representam acompanhados de música hip-hop ou rap; a alta sociedade ocupa parte de seu tempo de lazer assistindo a ópera e a concertos de música clássica, motivo talvez pelo qual estas atividades sejam pontuadas frequentemente de estilísticas, e os andaluzes recebem um polimento flamenco que os distingue dos demais espanhóis29. Ainda reconhecendo que os autores espanhóis têm superado já a etapa do interesse pelo apenas visual que em seu momento importaram do âmbito anglo-saxão, incorporando o auditivo à 29  Se podia contestar, com razão, que os meios audiovisuais além de apresentar efeitos claramente perniciosos, também contam com aspectos positivos e socialmente úteis, com o qual nossa argumentação aqui resultaria aparentemente tendenciosa e subjetiva. Sem dúvida, os mass media contém tantos defeitos como virtudes – exemplo disso é sua extraordinária potência educativa (SEVILLANO, 1996) –; no entanto, quando se trata de examinar de que forma estão atuando hoje os meios sobre a grande massa social, sobre educação informal e/ou não-formal, não exageramos ao dizer que a quase totalidade das fontes bibliográficas consultadas coincidem ao apontar que estes não são precisamente um aliado, mas sim um ente ao que devemos vigiar, controlar – o que não implica necessariamente censurar – e, chegado o caso, corrigir.

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pesquisa atual sobre os meios (RIVERA, 1996; APARICI, 1996; etc.), não se para de assimilar a verdadeira importância da presença musical nestes, a necessidade real de que a música seja um elemento mais a decodificar convenientemente para lograr uma completa compreensão do conteúdo das mensagens difundidas e analisadas. A diferença da enorme produção bibliográfica existente em outros países de fala inglesa sobre o estudo de diferentes fenômenos vinculados aos mass media que incluem aspectos musicais considerados na mesma medida que outros verbais ou icônicos – porquê não haveria de ser assim? – (EVANS; DELPIIZZO, 1999; VALDEZ; HALLEY, 1999; GIBSON, 1999; MCKEE; PARDUN, 1999; MURRAY; MURRAY, 1996; JONSON et al, 1995), na Espanha ainda não calou esta visão global da análise midiática que aqui defendemos, algo que obedece à complexa confluência de vários fatores, entre os quais destacamos: •  Primeiramente, o interesse acadêmico-universitário na Espanha para a pesquisa dos meios tem deixado de lado, com muitas poucas exceções, a análise do conteúdo sonoro-musical das mensagens audiovisuais. Esta ausência comum da música e do musical nos estabelecimentos superiores nacionais de docência e pesquisa fez com que estes se preocupassem majoritariamente pelo visual: Enquanto que outras matérias com respaldo universitário dedicaram parte de sua atividade ao estudo do componente icônico e visual do âmbito televisivo, como ocorria nas Faculdades de Belas Artes, Ciências da Informação e Sociologia, entre outras, no caso da música unicamente encontramos presença universitária nas atividades de Extensão Cultural que com melhor ou pior fortuna se davam, de forma pouco normalizada e quase

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aleatória, em algumas universidades nacionais; apenas existia pesquisa musical no nível de ensino superior por antonomásia, e quando esta aparecia o fazia timidamente e sempre condicionada a aspectos para-musicais, mas não de conteúdo qualitativamente musical. Desta forma, era certamente difícil que se produzisse a relação imagem-som musical no contexto universitário e que neste se realizassem estudos que conectassem ambas as áreas (LORENZO; HERRERA, 2000a, p. 169-170).

•  Na soma com o anterior, o feito de que a atenção humana está fortemente dirigida para o visual, talvez por ele a cultura espanhola dá tanta importância ao que vemos e menos ao que percebemos através dos outros sentidos diferentes da vista. Desta forma, os estudos e pesquisas psicológicos sobre processamento da informação, fundamentais para a compreensão das mensagens midiáticas, são hoje um campo de trabalho com grande atividade no visual (ROSENZWEIG; LEIMAN, 1996) frente à menos ocupação que tem despertado o processamento auditivo30, e, dentro deste, o processamento da informação musical. Não sem razão se surpreendem alguns autores (GÓMEZ-ARIZA et al, 2000b, p. 64) da situação de escassez investigadora que apresenta a música com relação à psicologia: A pesar de que desde idades tenras somos capazes de recordar e reconhecer melodias, e de que ao nosso redor uma grande parte da estimulação é musical, as tentativas de compreensão por parte da psicologia dos processos de interação com a música têm sido, em geral, escassos se si comparam com os dedicados a outro tipo de informação como a verbal ou a pictórica. 30  Nesse terreno contamos no âmbito espanhol com destacáveis contribuições como as de Atienza et al (2000) – de caráter geral –; e Moreno (1999) e Gómez-Ariza et al (2000a) – com atenção específica ao musical.

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É claro, a partir do exposto, que não resulta nada fácil tomar consciência do componente auditivo na mensagem televisiva nem para o investigador, nem para o espectador passivo – que é a maioria –, quem geralmente não aplica filtros de crítica quando consome programação televisiva. Por este motivo, no estudo dos meios prima a consideração dos espectadores de televisão como expectadores, ratificam a denominação de caráter visual com que se lhes categoriza preferentemente, já que apenas detectam de maneira consciente que o que se vê no meio em questão não apenas se vê como também o que se ouve. De um interessante estudo sociológico-musical de âmbito estatal realizado na Espanha em 1991 pela firma comercial Pioneer (ESTUDO SOCIOLÓGICO PATROCINADO POR PIONEER, 1991), podemos deduzir esta carência de consciência auditivomusical no espectador, que parece considerar como música somente aquela que escuta isolada da imagem: unicamente 0,2% das 1.441 pessoas questionadas afirmam escutar música com o objetivo de ver a televisão, e somente 0,4% relaciona as horas que escuta música com o tempo que passa vendo televisão, dados que contrastam com os que antes expusemos (INFORME SGAE SOBRE HÁBITOS DE CONSUMO CULTURAL, 2000) acerca de que a televisão ocupa a maioria do tempo da vida cotidiana dos espanhóis. Isto é, grande parte destes últimos consome uma quantidade importante de sua vida vendo televisão, mas a maioria não é consciente de que todo esse tempo está ocupado tanto por informação visual como também por informação sonora, e que entre esta se destaca a música.

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3.2.5. Rádio: ambientação e difusão do conteúdo musical na programação e na publicidade A programação especificamente musical das emissoras de rádio generalista com maior audiência (figura 13) é escassa, colocando-se em espaços localizados em horários com pouca audiência. Não obstante, todas as principais emissoras pertencem a grupos midiáticos que dispõem também de outras emissoras com perfil musical, encarregadas de atender as demandas de um target31 concreto, e que à vista de sua audiência devemos ter aqui muito em conta, especialmente duas delas – 40 Principales e Cadena Dial –, pois competem em similares níveis de ouvintes com o rádio convencional, a de caráter geral. EMISSORAS DE RÁDIO DE INFORMAÇÃO GERAL COM MAIOR AUDIÊNCIA (2004-2005) Cadenas SER COPE Onda Cero Figura 13. Emissoras de rádio de informação geral com maior audiência (abril 2004-março

Figura 13. Emissoras2005). de rádio informação com maior audiência Fonte: de Estudio General degeral Medios. (abril 2004-março 2005). Fonte: Estudio General de Medios. Às quatro emissoras enumeradas na figura anterior se associam outras filiais

Às fundamentalmente quatro emissoras enumeradas naas existentes figura temos anterior orientadas à programação musical. Dentre que sedestacar associam outras filiais orientadas fundamentalmente 40 Principales e Cadena Dial, ambas pertencentes ao grupo radiofônico da à programação musical. Dentre as existentes temos que destacar SER, como as mais ouvidas, não apenas com relação às de seu tipo, mas também com 40relação Principales e Cadena Dial, ambas pertencentes ao grupo às convencionais. radiofônico da SER, como as nessas mais duas ouvidas, apenas com O conteúdo da programação emissorasnão musicais se nutre relação às de seu tipo, mas também com relação às convencionais. invariavelmente de música pop, rock e afro-americana (salsa, sobretudo), destacando Oprimeiros conteúdo programação os dois estilos nada emissora 40 Principales e nessas o terceiro naduas Cadena emissoras Dial. Essas musicais se nutre invariavelmente deseu música rockmidiático e afromúsicas, claramente melosas e que buscam com afã espaço nopop, mercado americana (salsa, sobretudo), destacando os dois primeiros estilos comercial, apresentam características muito similares com as emitidas na televisão e namuitas emissora 40 Principales e o terceiro na Cadena Dial. Essas vezes se repetem em um e outro meio, dinamizando um ciclo de retroalimentação no qual às vezes que impõem gostos e preferências musicais na

31 Palavra inglesa que se refere neste contexto ao público ao qual é dirigida a programação da sociedade, alimentam a criação emissora, o público chamado objetivo.e difusão de cada nova produção discográfica com as

características musicais que estes mesmos gostos e preferências já modelados

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demandam desde a sociedade. Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea Quase tudo que foi dito a respeito da televisão é aplicável à ambientação e ao

conteúdo musical do rádio e de sua publicidade. Se repete aqui os mesmos critérios de

músicas, claramente melosas e que buscam com afã seu espaço no mercado midiático comercial, apresentam características muito similares com as emitidas na televisão e muitas vezes se repetem em um e outro meio, dinamizando um ciclo de retroalimentação no qual às vezes que impõem gostos e preferências musicais na sociedade, alimentam a criação e difusão de cada nova produção discográfica com as características musicais que estes mesmos gostos e preferências já modelados demandam desde a sociedade. Quase tudo que foi dito a respeito da televisão é aplicável à ambientação e ao conteúdo musical do rádio e de sua publicidade. Se repete aqui os mesmos critérios de simplicidade e banalidade na roupagem musical, ainda que o conteúdo musical da mensagem é logicamente maior que na televisão, pois este já não é audiovisual, mas somente sonoro. Sobre a ambientação musical chama a atenção Beltrán (1985), convidamos aos profissionais de rádio e televisão a “(...) fugir de convencionalismos, de ideias muito conhecidas, para conseguir uma ambientação criativa nem sempre é possível já que, geralmente, se trabalha sobre um guia e umas imagens realizadas e a elas há que ater-se” (p. 81). Sem dúvida, no rádio, a diferença da televisão e outros meios que como o cinema combinam imagens e som, o verdadeiro protagonista é este último, o som, o que concede à música do rádio grande potencial de transmissão de seu conteúdo intrínseco, que já não se vê mediado pela seletividade da atenção (SANTIAGO et al, 1999; HARDY; JACKSON, 1998) que no ponto anterior vimos como deslocava o som em favor da imagem. Rivera (1996), sintetizando o trabalho da música na mensagem radiofônica, expõe que:

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A música é outro dos elementos básicos da linguagem sonora. Além de ser a protagonista de alguns programas, cumpre duas importantes funções na elaboração de mensagens radiofônicas. Uma função que poderíamos chamar gramatical: desde o início até o final de um programa escutamos diversos fragmentos musicais, mais ou menos amplos. O indicativo da emissora, a sintonia que anuncia o programa, as rajadas de separação como fundo musical, sublinhando, preenchendo, etc. Mas, também, cumpre outra importante função: a de transmitir sensações, recriar um ambiente, situar uma ação, reforçar ou completar as mensagens ali onde as palavras não são suficientes (RIVERA, 1996, p. 292).

Temos de lamentar que o potencial musical com que conta o rádio fique somente nisso, em mera potência que não se materializa em uma difusão de música de qualidade. A homogeneização imperante na cultura midiática do audiovisual e dos interesses comerciais que rodeiam a esta afeta também ao rádio, o que no caso da música nas emissoras mais ouvidas se traduz numa relegação do difundido aos ditados das Companhias Discográficas, cujo principal veículo de publicidade direta ou indireta para suas gravações é o meio radiofônico, e cujo interesse é mais econômico que cultural-musical. Não se toca e escuta a música com melhor qualidade, mas sim aquela que se vende melhor, o qual deixa de aproveitar as excelentes características técnicas do meio que o convertem em um ágil e precioso instrumento de transmissão de conteúdos musicais ao tempo que uma melhor ferramenta de educação sócio-musical que a televisão: o rádio, ao deixar de lado a supremacia televisiva da imagem frente à música e ao som em geral, proporciona ao ouvinte a possibilidade de se centrar no que ouve sem a distração do que vê. 91 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

3.2.6. A presença e difusão do musical na imprensa escrita A presença da música e do musical e sua difusão na imprensa espanhola escrita se mostram crescente durante os últimos vinte anos. Principalmente a partir da década de 1990, o periodismo se preocupa por incluir temas de tipo social e cultural de interesse para o leitor, temas próximos ao entorno cotidiano do ser humano que afetam o espaço pessoal e que não tem a ver com as chamadas “notícias duras” do periodismo de serviço social, nas quais se prima a política e a economia (DIEZHANDINO, 1994). Assim, os principais jornais e suplementos dominicais de informação geral se tem tido que acomodar à nova situação, incrementando o número de páginas e informações relativas, entre outros temas, à música. Apesar disso, o tratamento periodístico que recebem estas notícias musicais, não é desde logo idôneo, pondo os textos o acento em aspectos que rodeiam à música, como a vida pessoal dos intérpretes, mas que não são de natureza verdadeiramente musical, mas também para-musical. 3.2.7. A Internet Entre as enormes possibilidades de todo tipo que oferece a Internet, encontramos milhares de sites dedicados à cultura, ao lazer e à música, cuja presença no ciberespaço resulta hoje espetacular32 (GRUPO ANONIMI INTERNAUTAE, 1998; GIRÁLDEZ, 2005). A World Wide Web conta “(...) com grandes recursos relacionados com todos os gêneros e estilos musicais (...)” (PARRA, 1996, p. 25). Assim, a música tem encontrado um novo meio de difusão que se soma ao resto de meios de comunicação, incorporando prestações que, por sua versatilidade, comodidade  Espaço virtual criado nos e pelos computadores conectados à rede.

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e baixo custo, fazem a essa rede musicalmente muito atrativa. Por exemplo, a assistência virtual a concertos ou o armazenado e reprodução gratuitos de diferentes músicas presentes na Internet – a maior parte das músicas existentes – e/ou vídeos musicais, são algumas das numerosas utilidades que empregam os chamados internautas (pessoas que navegam pela rede e fazem uso de seus serviços). A alta presença da música associada ao lazer no ciberespaço se intuía desde que em meados dos anos 1990 os Estados Unidos fizera suas previsões sobre o perfil majoritário da demanda potencial de conteúdos na rede, fazendo o prognóstico que o uso massivo da Internet se produziria “(...) pela demanda de particulares, baseando-se em sua necessidade de aceder a atividades de lazer e entretenimento” (ESEBBAG et al, 1996, p. 18), visão que parece imperar na atualidade33, a diferença das previsões feitas também desde Europa e Japão – principais interessados, junto com os Estados Unidos, no desenvolvimento e acesso da Internet –, que perfilavam a possível demanda em relação a outros parâmetros (ESEBBAG et al, 1996). Acerca do uso musical que os espanhóis fazem da Internet, um dado significativo é o que entre os cinquenta sites WEB mais visitados na Espanha durante 2004-2005 figuravam várias emissoras de rádio – Estudio General de Medios (2005) –, que obviamente permitem escutar sua programação através de um computador conectado à Internet, a primeira das quais baseia a maior parte de seu conteúdo em transmitir música. Ditas emissoras são:

33  Ainda que o chamado comércio eletrônico não fique atrás destas atividades, pois é também uma ocupação na qual se centram de forma crescente as atuais aplicações de Internet (KAHN, 2000).

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•  Los40.com •  Ser.com •  Ondacero.es Se bem que não dispomos de dados concretos sobre a música mais escutada e “consumida” na Espanha através da Internet, pois os estudos e estatísticas a respeito são neste momento verdadeiramente escassos no âmbito espanhol. Dessa forma, é presumível que as emissoras de rádio citadas nos possam servir como indicador aproximado dos estilos com maior circulação na rede, já que o conteúdo musical destas se baseia majoritariamente na música pop, rock e afro-cubana, o que é do todo coincidente, como aqui viemos demonstrando, com as músicas de maior difusão e demanda social na Espanha. 3.2.8. A difusão social da música “clássica” Com relação à difusão e consumo social deste tipo de música durante os últimos vinte anos na Espanha, cabe dizer que o novo estado democrático consolidado a partir de 1982 e o conseguinte renovado clima cultural, favoreceram também, ao igual que havia ocorrido com a música mais popular, a aproximação da sociedade à música “culta”. Para ele, tem sido e é decisivo o trabalho que o Ministério da Cultura e algumas entidades privadas tem realizado em prol da difusão social da música clássica desde o começo da década de 1980 até o presente momento, um trabalho verdadeiramente notável, com independência de que as estratégias político-culturais que a animaram foram ou não mais acertadas. Por um lado, a instância do citado Ministério empreendeu e materializou numerosas ações com a intenção de que o grande 94 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

público não seguisse alienado à produção musical sinfônica, coral e de câmara. A tal fim, se iniciaram a partir de 1982 atuações concretas como a construção de auditórios na maior parte das capitais da província, construção que começou com o Auditório Nacional de Madrid (MINISTÉRIO DA CULTURA, 1986); a criação do Conselho da Música – com funções encaminhadas a atender aspirações e necessidades musicais da sociedade, através do desenvolvimento da política cultural na música, a concessão de subvenções, elaboração de normativas, organização de concursos e prêmios, etc. (Ordem 1-3-1983); a criação da Joven Orquesta Nacional de España (JONDE) – incentivo à promoção e fomento da vocação artística de tipo profissional, o cultivo da música entre a população jovem e a criação de orquestras com características parecidas em todo o território nacional (Ordem 17-10-1983); a criação do Prêmio Nacional para Empresas Fonográficas ao melhor trabalho de edição sonora sobre a zarzuela – em apoio ao desenvolvimento deste tipo de música espanhola – (Ordem 1710-1983); a criação (consolidação) do Prêmio Nacional de Música – em reconhecimento institucional e público de pessoas físicas ou jurídicas com um distinto trabalho em qualquer faceta musical – (Ordem 3-5-1984); a articulação do Centro para a Difusão da Música Contemporânea – mostrando atenção especial aos compositores espanhóis – (Ordem 25-9-1985); etc. Junto a estas atuações ministeriais encontramos as das Comunidades Autônomas, como correspondia à nova Espanha descentralizada, plural no cultural, mas também no territorial, e especialmente as das Prefeituras, cuja intervenção na difusão da cultura foi “(...) um fator decisivo de promoção e desenvolvimento cultural nestes anos (...)” (SOLÉ, 1993, p. 29). Desta forma, a iniciativa autônoma se criou em projetos como o da criação em 1986 do Instituto Valenciano de Artes Escénicas, Cinematografia y Música, na Comunidade Valenciana (Lei 30-12-1986), e as 95 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

corporações locais incrementaram sua inversão nas chamadas Casas de Cultura: edifícios destinados a desenvolver e dinamizar a cultura do município e que musicalmente resultaram férteis centros de difusão social de música de todo tipo. Desde o âmbito da iniciativa privada – na qual se inclui a participação das entidades financeiras, principalmente as Cajas de Ahorros – também se tem vindo realizando importantes contribuições de idealização e desenvolvimento de projetos, assim como de sustentação econômica de outros que já existiam, tendentes à difusão social da música mais minoritária, algo que se reforçou em 1994 com a promulgação da conhecida Ley de Fundaciones (Lei 30/1994), que, dentre outras coisas, vinha estimular o setor privado para coadjuvar – ou suprir – às atuações da Administração pública na busca de determinadas garantias proclamadas na Constituição de 1978 (FENELLÓS, 1997), oferecendo deduções fiscais de 20% (CORREDOR, 1997) às empresas e organismos que investiram em atividades de cunho social, cultural, científico, etc. Este feito incentivou uma participação empresarial no financiamento da cultura em geral que até hoje tem crescido – em 1991, todavia era escassa em comparação com os trinta milhões de pesestas que neste mesmo ano gastavam as Cajas de Ahorros (FERNÁNDEZ, 1993) através de sua obra social e/ou sociocultural para subsidiar o setor cultural – e que musicalmente tem resultado crucial para que múltiplas iniciativas (ciclo de concertos, realização de festivais, publicações especializadas e generalistas, criação e sustentação de orquestras, aperfeiçoamento e promoção de músicos, etc.) pudessem sair adiante. Devemos nos perguntar agora o porquê de, apesar do exposto, a música clássica não alcançou em todos estes anos a conexão majoritária com o público que se tem conseguido os estilos musicais de cunho popular. Se bem que continuavam e 96 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

continuam se mantendo as circunstâncias positivas que haviam permitido estender a projeção da música erudita com maior amplitude para o conjunto da sociedade durante o período de transição à democracia (1975-1982). Por diferentes motivos, esta música apresenta nas últimas duas décadas um interesse minoritário que inclusive tendeu a decrescer levemente entre 1997 e 1998 (INFORME SGAE SOBRE HÁBITOS DE CONSUMO CULTURAL, 2000). Lamentavelmente, parece que de pouco tem servido os esforços feitos pelas instituições públicas e pelos agentes privados interessados no patrocínio e proteção desta música para aproximá-la ao comum da coletividade, ainda que este fenômeno não seja um feito isolado com relação ao resto de manifestações culturais qualitativamente mais interessantes, pois ao longo dos anos 1990 a cultura de massas – esportes, touradas, literaturas de quiosque, rádio, televisão, best-sellers, revistas gráficas, imprensa de fofoca ou de amor, pornografia – uma cultura definida pela geral pela vulgaridade e mediocridade segue tendo uma vigência social incomparavelmente superior à cultura de qualidade (FUSI, 1999, p. 190).

É curioso que ocorra isto numa sociedade como a espanhola, que se autodenomina hoje culta, porque a relação entre o nível educacional e o maior consumo de música clássica está suficientemente demonstrada por estudos recentes (PRIETO; FERNÁNDEZ, 2000; INFORME SGAE SOBRE HÁBITOS DE CONSUMO CULTURAL, 2000), o que suscita algumas dúvidas razoáveis que aqui somente queremos esboçar. Sem dúvida, uma das causas que no caso espanhol influiu para que a música clássica não alcançasse a profundidade na 97 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

sociedade que se tinha outras músicas foi a disfunção existente entre o âmbito educativo regular e o âmbito educativo informal. A carência de adequados referentes musicais na educação formal tem sido nestes últimos anos cooperador necessário na desvalorização dos espanhóis para uma música muito distante do consumo sonoro fomentado, como repetidamente tem podido comprovar, pelos meios de comunicação, que nunca tem incluído nos conteúdos de sua programação a música clássica em outros termos que os da marginalidade horária e o emprego utilitário e vulgar desta música nos spots de televisão e rádio: em 1998 declarava o pintor Eduardo Arroyo (apud FUSI, 1999, p. 189) que a cultura espanhola era “absolutamente lamentável no sentido de sua expressão, do que nos chega através dos periódicos, do rádio e da televisão”. Em conexão com a disfunção educativa apontada está o fato de que a estratégia a seguir pela Administração pública na difusão da cultura – geral e musical – não foi de toda adequada. As instituições culturais públicas, diante do reto de conectar com a audição e produção de música clássica a uma sociedade em sua maior parte analfabeta musicalmente, apostaram por um modelo de acesso que garantia a oferta e a possibilidade para a maioria da população de assistir a espetáculos e atividades artísticas, entre outras atividades culturais. Se bem que é certo que essa postura encontra defensores, como Salazar (1991), que sustenta que o fortalecimento do interesse da cidadania para a audição musical permanece na reiterada exposição do público à experiência musical – aos concertos –, nossa posição se decanta para a participação da população na oferta cultural – que já nos anos 1980 estava bastante estendida em outros países (KUCHARSKI, 1980) –, pois fica demonstrado com as políticas de acesso desenvolvidas nas duas décadas anteriores que se não se parte de ou não se dá a implicação pessoal do público 98 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

cidadania para a audição musical permanece na reiterada exposição do público à experiência musical – aos concertos –, nossa posição se decanta para a participação da população na oferta cultural – que já nos anos 1980 estava bastante estendida em outros países (KUCHARSKI, 1980) –, pois fica demonstrado com as políticas de acesso

no sentido de que este desfrute fazendo música como uma forma

desenvolvidas nasocupação duas décadas anteriores que se não sedeparte de (DE ou nãoPABLO, se dá a a mais de produtiva do tempo lazer implicação público no sentido de que este desfruteuma fazendo música como 1968), pessoal resultado muito difícil que se produza aproximação

e duradoura sociedade de 1968), música de umadireta, forma a sentida mais de ocupação produtiva da do tempo de lazer ao (DEtipo PABLO, resulta que nosque estamos ocupando. muito difícil se produza uma aproximação direta, sentida e duradoura da sociedade No caso danos música ao tipo de música de que estamoscontemporânea, ocupando.

a distância entre suas propostas e o público éa distância ainda maior, já propostas que estasonoras música No caso sonoras da música contemporânea, entre suas eo sofre a discriminação inclusive dos aficionados ao marco musical público é ainda maior, já que esta música sofre a discriminação inclusive dos que a contém, a música clássica (BOULEZ, 1996), resultando para aficionados ao marco musical que a contém, a música clássica (BOULEZ, 1996), eles complexa de entender e muito difícil de lembrar e assimilar. resultando paraestudo eles complexa de entender muito pela difícil de lembrar e pública assimilar. Em um Em um realizado em e1994 emissora Radio estudo realizado 1994 Nacional pela emissora Radio(IGES, Clásica,1996), da Rádio da Clásica, da em Rádio dapública Espanha seNacional mostram com (IGES, claras1996), diferenças quais asdiferenças preferências estilísticas dos Espanha se mostram comsão claras quais são as preferências ouvintes (ver figura 14): Clássica, Barroca e Romântica, nesta estilísticas dos ouvintes (ver figura 14): Clássica, Barroca e Romântica, nesta ordem, ordem, dando por indicador a escuta dando por indicador confiável para a escuta confiável desta e outraspara músicas de cunho desta erudito oe outras músicas de cunho erudito o meio radiofônico, talvez o meio radiofônico, talvez o instrumento mais útil de difusão da música clássica no instrumento mais útil de difusão da música clássica no século XX século XX (SOPEÑA, 1989), e tendo em conta as limitações de audiência desta (SOPEÑA, 1989), e tendo em conta as limitações de audiência emissora: média semanal de 0,4% semanal do total dede ouvintes durante o ano de destauma emissora: uma média 0,4%de dorádio total de ouvintes 1998 El País (VV.AA., 1999). de– Anuário rádio durante o ano de 1998 – Anuário El País (VV.AA., 1999).

Figura 14.14. Preferências musicaisdos dos ouvintes da Radio Clásica Figura Preferências musicais ouvintes da Radio Clásica (IGES,(IGES, 1996). 1996).

99 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea 71

Finalizamos este Capítulo da mesma forma que temos concluído os anteriores, apresentando uma figura que sintetiza o que até aqui se expôs sobre cultura musical espanhola e sua divulgação social musical espanhola desde 1982 até o momento atual.

Figura 15. Difusão/situação da cultura musical na Espanha atual.

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CONCLUSÃO A medida em que se foi redigindo os diferentes capítulos deste livro, foi aparecendo com clareza a ideia de que a Espanha evoluiu positivamente como país, sendo seu interesse social e cultural para a música um exemplo disso. Não existe avanço em nenhuma ordem social sem que este não venha acompanhado de um incremento na diversidade, no interesse e na amplitude das manifestações culturais e de conhecimento dos cidadãos, e a música na Espanha tem sido, durante os últimos anos, um dos elementos de convergência deste país com a contemporaneidade cultural do entorno europeu e o contexto internacional, com o desenvolvimento que como país este esperava conseguir durante as últimas décadas do século XX em comparação com as demais nações avançadas. Se durante os anos de ditadura militar a cultura musical espanhola esteve a serviço da opressão imperante, assistindo ao regime do momento em seu desejo de estender uma cultura de pretendida qualidade para classes acomodadas e outra mais popular para entreter a uma maioria com voz atenuada e apagada em sua expressão de consumo artístico, a mudança à democracia trouxe consigo uma explosão de desejo dos cidadãos por se incorporar aos níveis de consumo cultural das sociedades desenvolvidas. Seguramente, isto ocorre tanto de um modo consciente como inconsciente, talvez tão somente pela saudade do povo por inaugurar e conquistar novos cenários de mudança 101 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

social, que conduzem sempre à necessidade de disfrutar de atividades de enriquecimento pessoal associadas a uma percepção e recepção das mesmas de tipo lúdico, de empatia com os demais e, ao mesmo tempo, de crítica social e renovação de ideias. E é aí onde faz sua aparição espontânea o setor da cultura, oferecendo a satisfação de algumas necessidades do ser humano que transcende os valores superficiais e aprofundam no transcendental, no intangível de uma existência comum quase nunca simples e em ocasiões alienantes. Também, provavelmente, isto fora devido à urgência dos cidadãos por respirar outros ares diferentes aos da cultura oficial de um passado já esgotado e ao impulso de uma nova etapa cultural, o que resulta lógico em tempos de mudança para um cenário de liberdades públicas garantido pela nova ordem de governo e por uma sociedade que é consciente de seu potencial e pode já mirar ao exterior dos países livres sem medo de ser silenciada. O fenômeno descrito não é exclusivo do caso espanhol, pois os paralelismos de mudança social entre os diferentes países do mundo são surpreendentes por sua coincidência; sempre chegam emparelhados, quando se trata de mudanças de tipo democrático, uma imediata aparição de expressões de caráter cultural tanto espontâneas como organizadas. Não podia ser de outro modo, já que os humanos são essencialmente animais culturais. Na ordem das preferências de consumo musical dos espanhóis, o crescimento da demanda cultural gerou várias consequências: um maior acesso e consumo geral de todo tipo de música, o qual está em consonância com o cenário atual de ecletismo musical que caracteriza as sociedades de finais do século XX; uma maior diversificação do consumo musical como resultado do aumento da população e de sua cultura geral e nível acadêmico; e um assentamento e normalização da oferta de bens e serviços culturais-musicais de todo tipo, algo para o qual 102 Oswaldo Lorenzo Quiles  João Fortunato Soares de Quadros Júnior

foi necessário não somente que as características da sociedade mudassem, mas também que o país dispusesse de um cenário econômico mais favorável. Assim mesmo, se constata que a brecha entre consumo de cultura musical clássica e popular atual é notável, pois os modos tradicionais de produzir espetáculos musicais de obras clássicas não souberam evoluir e se adaptar a um novo desenho social no qual uma linguagem artística deve ir acompanhada de um entorno que o faça atrativo ao grande público, além de escapar de se isolar em nichos de comodidade que o afastam do dinamismo e frescura do atual. Seria necessário que a música séria na Espanha soubera evoluir neste sentido e conseguira alcançar os gostos de uma sociedade que segue vendo-a em sua maior parte como uma reminiscência de um passado altamente superado e como algo chato. Em outro sentido, o presente livro expôs também algo esperável em relação à música, à cultura e à sociedade: o caminho paralelo das manifestações musicais na Espanha, durante toda a etapa analisada, com o lento, mas imparável avanço da sociedade midiática e digital. Desde os meios de difusão musical que ofereciam os primeiros anos da década de 1940 até o momento atual, se a música chegou ao âmbito cultural de forma massiva tem sido principalmente por sua possibilidade de ser conservada em sua manifestação sonora e exposta aos ouvidos da maioria através do rádio (inicialmente) e logo do toca-discos, a televisão e as novas redes e dispositivos eletrônicos: Internet, Spotify, etc. Quase todo o consumo atual de música segue sendo hoje na Espanha, como na maioria dos países do mundo, um elemento cultural mediado e de massas, algo que a indústria do entretenimento soube explorar economicamente enquanto pode, mas que neste momento mudou para se converter cada vez mais em um objeto de intercâmbio gratuito e de fácil acesso na Internet. 103 Música, Cultura e Sociedade na Espanha Contemporânea

Finalmente, é de se esperar que os leitores deste trabalho desfrutem de sua leitura, vislumbrando que o compartilhamento com eles do conhecimento sobre a cultura musical espanhola das últimas décadas seja proveitosa tanto para estudiosos deste tema como para quem simplesmente se interesse por ampliar um pouco mais sua cultura geral.

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