Música e mitologia do cinema - nas trilhas de Adorno e Eisler (LIVRO)

July 22, 2017 | Autor: R. Alberti da Rosa | Categoria: Theodor Adorno, Industria Cultural, Escola de Frankfurt, Música para cinema
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Descrição do Produto

Ronel Alberti da Rosa

Musica e Mitologa

do Cinema Na trilha

de Adorno.

Eisler

Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2003

@ 2003, Editora Unijuí Rua do Comércio, 1364 Caixa Postal 560

98700-000-Ijuí-RS

- Brasil Fone: (0-55) 3332-0217 Fax: (0-55) 3332-0343 e-mail: editora@unijui'tche'br http ://www. unij ui.tche. br/unij ui/editora/

SUMARIO

Responsabilidade Editorial e Adrninistatioa :

Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí;Ijuí, RS, Brasil)

S ertti çct s Gruíficos

: Sedigraf

Capa: Elias Ricardo Schüssler

IONS, Veronica' História ilustrada da mitologia. São Paulo: Manole, 1999. p' 94' Imagem da capa retirada /e:

Odissãus amarrado ao mastro para salvar-se da atração do canto das Sereias; essas lindas monstras marinhas conduziam os marinheiros a uma morte sanguinolenta'

TRAILER lntrodução O Film Music Project

t2

Catalogação na Fonte: Biblioteca Central Unijuí

I _LUZ (B R788m

Rosa, Ronel Alberti da Música e mitologia do cinema na trilha de Adorno e Ijuí : Ed. Unijuí, Eisler / Ronel Alberti da Rosa 2003.

-136

P.

t9

Música não-idêntica

t9

Vers une musique

32

-

ISBN 85-7429-367-9

formelle

l.Artes 2.Música 3.Cinerna 4.Tiilha sonora 5'Adorno, Theodor 6. Eisler, Hanns I.Título

CDU:

78

TI

- CÂMERA (GRANDE PERSPECTIVA)

49

778.534.4 791.43

Óp"r^

-

Quasi una fantasia

49

Cinema

- Piú che la realità

70

Editora Unijuí rfiliadar

ÍÍtl=Etlul

Associrrio Brasilcirr Editoris UnivEÍlitiÍirs

das

rrr -AÇÃo! (+ REAÇÃO)

81

O "tema do Ti:barão"

82

As time goes by

93

Ouvir ou não ouvir

97

O que os olhos vêem e o coração não sente

101

Tiilhas no atacado e no varejo

110

IV - SOM (DIABOLUS IN MUSICA)

tt7

THB END - Onde nenhum homem jamais esteve

t27

BIBLIOGRAFIA

133

TRAILER

INTRODUÇAO Quando foi forçado a deixar a Alemanha em virtude da tomada do poder pelos nazistas e abandonar seus projetos no Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, Theodor Adorno, então com 35 anos, esco-

lheu como destino o mesmo país que já vinha acolhendo muitos de seus colegas e colaboradores: os Estados Unidos'. Por ironia, seria ali que ele entraria em contato direto com fenômenos de natureza social que o impulsionariam ao amadurecimento forçado e amargo de algumas de suas melhores teorias a respeito da manipulação da arte e da dominação do homem na sociedade contemporânea. rAdorno não partiu imediatamente para o exílio americano. Desde 1934 aluava como professor visitante em Oxford, fazendo esporádicas viagens à Alemanha. Só em 1938 abandonou a Inglaterra e fixou-se nos Esrados Unidos.

RONEL ALBERTI DÂ

ROSA

A obra capital daquele período de exílio, que se estendeu

de

nele meramente resultados técnicos de uma pesquisa musicológica acer-

-

sobre a platéia de

t938 até 1949, é o hoje clássico Dialética do Esclarecintento, escrito em parceria com Max Horkheimer' A originalidade do pensamento dos

ca do efeito da música leia-se aqui trilhas sonoras

autores, somada a uma escrita impressionantemente direta e contundente, faz da Dialética do Esclarecintento uma espécie de porta de entra-

muito grande com o passar do tempo, já que a realidade do cinema, em especial no que toca à técnica, modificou-se enormemente desde

a

da para todos que queiram refletir sobre como levantar o véu de Maia que a organizaçáo social do mundo teceu a nossa volta e com o qual

década de 40. O próprio Adorno, como veremos adiante, continuou

a

somos coniventes'

cinema. Vista sob esta ótica,

é

claro que a obra sofreu um desgaste

refletir sobre o cinema e corrigiu algumas de suas posições. Uma leitura unilateral, contudo, proporia uma superficialidade que não faz jus à produção filosófica dos dois autores, e que tratam aqui

O outro livro a que quero me referir é a Filosofia da Nooa Músi-

um excurso

à

Dialítica do Esclarecimento

-

-

também como

da relação entre arte e reali-

ca, que o próprio Adorno explicou tratar-se de um excurso à Dialática

dade e da manipulação com intuitos catárticos de instrumentos que

do Esclarecimento, portatto, um elemento basilar para quem queira descer a detalhes que o autor só havia esboçado na obra anterior. A

intervêm em desejos arquótipos humanos.

Filosofia da Nova Música apresenta-se dividida em duas seções forte-

mente antagônicas

-

dialéticas

- e que curiosamente foram escritas

pelo autor com um intervalo de oito anos. Basicamente este breve livro, de não mais de 200 páginas, trata da busca da verdade na arte arte que, para Adorno, é sempre a música. Uma vez que não é mais possível encontrá-la no mundo, o filósofo propõe, então, ir ao encontro

de seus desdobramentos nas partituras de música. Ali, contudo,

Composição

para Cinema também foi escrito em parceria, desta

vez com o compositor Hanns Eisler (1898 - 1962), que havia chegado aos Estados Unidos praticamente junto com Adorno. Não poderia imaginar-se uma mistura mais explosiva, pois Adorno e Eisler defenderam, ao longo de suas obras, posturas freqüentemente antagônicas quan-

to ao papel da música na sociedade, um tema que aprofundaremos no capítulo I.

da

mesma forma como no mundo dos homens, é fáctl ser enganado pelas aparências, e obras reacionárias se insinuam entre as "verdadeiras".

Como aprender a diferenciá-las é uma questão que as ferramentas de reflexão estética da Escola de Frankfurt, imbuídas de uma forte carga ética, podem ajudar a responder.

Eis aqui, assim, o ponto de partida para este livro: que consideremos que Adorno não escreveu apenas um excurso a Filosofia da Nooa l{úsica

clarecimento

-

Komposition

fiir

den

-,

à Dialética do Es-

mas dois, incluindo-se

Film. A razáo para tall Recordemos:

a grande

a

preo-

cupação de Adorno era com a rccaída na barbárie, a regressão ao mito

-

apresentada de forma poética na interpretação do episódio de Ulisses

A obra que complementa o tríptico ó o muitas vezes ignorado Komposition fiir den Filrn (Composição para Cinema), ainda sem tradução em língua portuguesa. É possível que a razáo para o relativo esquecimento em que caiu este livro seja o - a meu ver

I

-

engano em procuraÍ

com as sereias, o Canto

XII

da Odisséia. Na Filosofia da Noaa Música

Adorno abre uma janela no grande painel dialético humanidade lbarbârrie

e identifica duas correntes estéticas beligerantes ativas na primeira metade do século XX, a que empresta'o nome de Progresso (repre9

senrada pelo austríaco Arnold Schõnberg) e Reação (que cabe ao russo

Engels, para quem a atividade de conhecer o mundo não se resume

Igor Stravinski). Finalmente, na Komposition für den Film, é tÍatada a condição de libertação do humano da ilusão da aparência, ilusão esta

interpretá-lo, mas a transformá-lo revolucionariamente, ele lamentava que os filósofos do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt não se

que conta com o reforço da ala reacionária das artes e que condiciona

engajassem de forma mais prática contra o statas quo, q:ueriam ser

a

ta falsa Káfiarsis só pode ser conseguida pelo conhecimento dos ocul-

-

('mar-

xistas sem política"2. A arte, para Eisler, era um instrumento não só para conhecer o mundo, mas pata transformá-lo. Após ler o "Zur

percepção das imagens que apreendemos do mundo. A superação des-

tos mecanismos de cooptação

a

gesellsciaftlichen Lage der Musih", de Adorno, escreveu:

em Adorno, o encontro com a arte

passa sempre pela consciência de seu ordenamento interno.

Tâmbém um senhor Wiesengrud-Adorno, que [.,'] se esforça em aplicar "métodos marxistas" mas ftca na pura interpretação da realidade, sem nem fazer a tentariva de pesquisar as forças que a poderiam [à realidade] modificar. É ,,* caso singular de confusão de materialismo dialético com misticismo dialér.ico!3

Este livro se originou da leitura e estudo das obras citadas, bem como de minha experiência prâtica na composição de música para cinema, dança e teatro. A observação de que, passados quase sessenta

o

Adorno não reconhece esta possibilidade, insiste na autonomia da criaçáo artística e alerta para o perigo de manipulação política da

cinema, é um atestado mais que suficiente da aguda atualidade desta

música. No primeiro parágrafo da Dialítica Negatiaa ele apresenta seu

obra e da necessidade que temos de refletir acerca do lugar da arte na

credo filosófico, que responde à crítica de Eisler. O fato de a transfor-

anos da publicação do Composição para cinema, os mesmos preconceitos

e ingenuidades continuam regendo a feitura de trilhas sonoras para

mação do mundo pela Filosofia não ter se efetivado como desejado,

pós-modernidade. Juntamente com a apresentação do pensamento tra-

obriga-nos a continuar interpretando-o, rejeitando uma mentalidade

zido por Adorno e Eisler em seu livro, apresenrarei uma visão da dialética

derrotista.

arte autônoma oersas arte engajada, personificada pelos autores, e uma análise do uso da música na criação de atmosfera psicológica na ópera

-

A conclusão sumária, de que ela [a filosofia] Eenha meramente interpretado o mundo e, por resignação, se atrofiado diante da realidade, constitui-se num derrotism o da razí,o, depois que fracassou a modifi-

como precursora de uma forma que engloba várias manifestações artís-

ticas

e no cinema propriamente dito. Pretendo demonstrar como, para interditar a manipulação da arte, é necessária uma redeterminação

-

cação do mundo.a '? "Es

da dialética autônomo-funcional, e que a semente desta reconciliação

estudar as motivações sociopolíticas que moldam as massas não basta, sendo necessário agir para modificar o mundo. De acordo com Marx e 10

diesen lIla

utie der Bretfu sie nannte, eine ecrtk KampJstellung gegen

tlÍanist sein oÀne Politil." (Eis)er, apud Bunge, apud

IvIayer, 1979, p. 152)

já ocorreu no trabalho conjunto de Hanns Eisler e Theodor Adorno.

Eisler era a favor de um engajamento máximo da arte como função social para a libertação do homem, argumentando que apenas

ftfi.lt üei

das Biirgertilm.

\ I

i

I

1 "Auch ein HerrWiesengantl-Adorno, der [...] sich úentifit,'maruisíistlte lletioden'anzuaenden, ttteiüt l,ei der reinen Interpietarion der Wirllichleit sÍehen, o/tne auclt nur den Versaci za macÃen, die KràfÍe, die sie àndem li)nnlen, zu erforschen. Es ist ein eigentiinlicler Fall der Veraechslung des dialeltisclen l[aterialismus mit dem. dialeitisclen 1ll1síizisnast" (Eisler, cit. em Mayer, 1979, p. 139)

a "Das sammarisclte Urteil, sie rtabe die Wek ltlop interpreíiert, sei durch Resignation uor der Realitàt aertrüppelt atcl in sitlt, zoird zun Defuitisnas der lternunft, nachden die Veranderung der Weh niB lang" (Adorno, 1982, p. 15). 11

RONEL ALBERTI DA

ROSA

É notável como, apesar destas divergências fundamentais, ambos souberam encontrar um caminho conjunto e realizar uma síntese de pensamento que.pode nos apontar uma reciclagem do que tomamos como aparição do objeto artístico no mundo dos homens. Cumpre-nos, agoÍa, tiÍar as múltiplas conclusões de suas páginas.

Tâmbém no prefácio encontramos o testemunho do próprio Adorno de que o embasamento filosófico para esta obra deve ser procurado na Dialética do Esclarecimen,to - que só ganhou este nome mais tarde, ao ser publicado pela Fischer Verlag, de Frankfurt

-,

escrita em

parceria com Max Horkheimer: T, W. Adorno agradece a seu amigo Max HorkheimeÍ, com o qual ele crabalhou em estreita colaboração. A quem desejar informar-se acerca do fundamento teórico do escudo sobre a música para cinema queremos indicar o ensaio "Indústria Cultural", do livro "Fragmentos filosóficos", de Horkheimer e Adorno, publicado primeiramente de for-

o Ftt tut MUSrC PROJECT Foi no exílio na América do Norte que Hanns Eisler (1898-1962) e Theodor Wiesengrund Adorno (1903-t969) tiveram sua colaboração mais estreita, que culminaria no livro escrito a quatro mã.os, Komposition filr den Film. O ponto de partida da obra, que levou quatro anos para ser escrita, de 1940 a 1944, foi a encomenda de alguns projetos de

mento e avaliação das trilhas sonoras empregadas no cinema de

pesquisa por parte da Fundação Rockefeller, para cuja direção foi con-

Hollywood

vidado Hanns Eisler. Já Adorno pesquisava em projetos financiados pela Radio Princeton. No prefácio ambos buscaram, por assim dizer, justificar o fato de trabalharem juntos, apesar da notória discordância

é muito mais amplo, e vai desde considerações de ordem sociológica e

em respeito ao emprego da música com outras artes. É natural que os âutores, há muiros anos reciprocamente muito bem familiarizados com seus respectivos crabalhos práticos e de ceoria musical, se unissem para efetivar formulações conjuntas sem qualquer pretensão de complecude sistemática e, finalmente, sem pretender dar um panorama da atual música para cinema e suas correntes. Os vários anos de convívio em Hollywood, em contato imediato com a produção cineilatográfica, forneceu-lhes a oportunidade pro-

ma mimeografada pela editora do Institttto de Pesquisa Social da Universidade de Columbia, Nova Iorque.6

Os autores não tinham intenção de realizar um mero levantae seus possíveis desdobramentos. A

livro de Adorno e Eisler

estética até o exame de um caso prático, que ó a composição feita por

Eisler para o documentário Regeru (Chuoa, 1929), do cineasta holandês Joris Ivens: Vierzefi.n Arten den Regen zu beschreiben (Quatorze Formas de se Descrever a Chuva), 1941. Na verdade, o filme de Ivens não tem som, e foi feito quase quinze anos antes de llusic Filrn Project, tendo, além disso, já uma trilha sonora, feita pelo holandês Lou Lichtveld. Adorno e Eisler, no entanto, não pareceram se importar com isso, achando que seria um bom exemplo para a aplicação de uma trilha de acordo

com os princípios que defendiam.

pícia.s

s "Es lag nahe, dap die Autoren, die nit irtrer praÍtiscfi- und tl.eoretisclt-musilaliscien Arüeit seit oielen Jartren aec/tselseitig genau üertraat sind, sicl aerúanden, um einiges zusannen zil formulieren, ohne allen Ansprucrt auf systematische Vollstàndigleit und oollends ohne die Absicit, etaa eine Übersiclrt uber die gegenaàrtige Filmmasil und ihre Ricltungen zu geben. llertrere Jaire, die sie gleichzeitig in Hollyaood, in unm.ittelbarem Kontait mit der Filmproduition, zterbracfilen, botea ilnen dazu die ailllommene Gelegenfieil' (Adorno; Eisler, 1996, p. 9).

6 "Der Danl T. W. Adornos gilt seinen Freand Max Horifieimer, mit dem er auJs engste zusam.mengearl,eitet. Wer sitl iiber den tleoretisclen Hintergrund der Untersuc/tung üÜer Konposition für den Fihn unterriclrteil aill, sei aaf die AÜhandlung'Kulturinduslrie' aus dern z-ton Horlleiner und Adorno zuerst im Verlag da Inslitute of Social Researclt, Colunúia [/niversity, Nevt Yorl, mineografiert oeri)ffentlicfiten Band 'Pltilosoltlistfie Fragmente' aafmerlsam genacfit." (Adorno; Bisler, 1996, p. 10)

12

13

Desde então muito tem se discutido sobre quem escreveu qual

música de entretenimento ia ao encontro de sua concepção de uma

parte no livro, quem cortou ou acrescentou qual passagem, e assim por

futura sociedade sem classes8. Bem ao contrário de sua visão da música de concerto, cuja decadência não teria, segundo ele, grande repercus-

diante; o mesmo se dá com a Dialética do Esclarecimento, de Adorno

e

Horkheimer. Óreio poder afirmar sem receio que, mesmo reconhecendo os grandes móritos composicionais de Eisler, que, à parte de sua produção de música socialista para os movimenros operários da Alemanha e para dramas teatrais de Bertolt Brecht, tambóm teve um estudo

são, já que a decadência da arte burguesa se daria em ambiente alheio

frir den Film, contttdo, Eisler teve certamente que fazer um caminho muito mais longo para se distanciar da estética marxista-leninista da teoria do espelhamento, segundo a

ao povo. Ao colabora r no Komposition

formal de composição bastante rigoroso como aluno de Arnold

qual o propósito da aÍte seria refletir a realidade do mundo'

Schõnberg, foi Adorno quem menos teve de afastar-se de suas concep-

O princípio de uma arte a serviço de produção de fitos é refutado por ambos, por exemplo, neste parâgraÍo, em que arte funcional

ções estéticas para escrever o Kompositionftirden

Fitm.É fácil reconhe-

cer os tópicos que, nesta mesma época, Adorno estava amadurecendo

chega a ser estigmatizada como arte manipulada:

em sua Filosofia da Nooa A.lúsica, tais como o novo material musical, sua independência na ilustração das imagens a fayor da intenção psico-

Toda arce, enquanto meio de preencher a liberdade, lransforma-se em enlretenimento, ao absorver em si, ao mesmo tempo' mateÍlals e formas das tradicionais artes au!ônomas enquanlo "bens culturais".

lógica e a recusa em identificar som e lmagem.

Juslamente graças a esle Processo de amálgama quebra-se a autonomia estérica: o que lhe sucede, com a SonaEa ao Luar cantada poÍ um coro e tocada por uma orquestra de baile, sucede na verdade a todos. A arce irredutível, porém, é cotalmence demolida pelo consumo e atirada no isolamenco. Tlrdo mais é desmonrado, esvaziado de se u

Da parte de Eisler, seu pensamento permanece muito estreitamente ligado a correntes ortodoxas de leitura de Hegel e Marx, nem sempre pontuadas pela crítica, como acontece com seu colega Adorno.

sentido, e novamente colado. A única diretriz deste processo é a exigência de atingir com o maior vigor possível o consumidor' Arte manipulada é arte para consumidores.e

Eisler permanece um leitor de Hegel e acredita ver solucionados problemas capitais da estérica, como a diferenciação entre subjetividade e

objetividade no estilo da músicai. Uma contribuição valiosa sua seguramente repousa sobre o fato de ter vivenciado na prática o mister de compor para reatro (vários dramas de Bertolt Brecht, entre l9Z8 e l93Z)

e cinema (para roteiros escritos por Brecht e em Hollywood mesmo, onde continuou a trabalhar). Ademais, a pesquisa da eficácia dos modernos meios de comunicação de massa aúaíam muito o Eisler teórico

de uma reforma do papel social da música: a produção d,e tma boa

I

Sua idéia era elevar gradnalmenre o nivel da música de entretcnimento, revertendo "a pela escrrpidização diária dos onvidos e do mundo perceptivo dos ouvinrcs" (Eislcr, 45),

a coáscienrizaçáo polirica das classes. O papel recrearivo da música';lig"ir"" só seria reestabelecido em,m momento posterior, àa u,-'" nova sociedade sem classes quando náo houvesse risco dc regressão' v.rA

trrnr-irráo de elemenros que possibilicem

un

du einem Crtor gesltfigefieil und einen Spltàrenorclester gapielan tlloonlight Sona.ta w.tiderfrihrt ií lvoí"htit ollen. Unaclgieltige Kunst aber aird oon Konsum adllig untl ín Isol.ierung geÍrieben. Alles a.ndlre |t)ird demontiert, seines Sinnes entãupert, und aieder zasannengesetzl.-Der einzige lllapstalt rJer Prozedur ist die Forderung, die Konsumenten (Adorno; Eisler, nõglicrtst ã,i"Áro, za erreitfi'en. Manipalieru Kunst is/ Konsumenten'lunsL"

1996,

14

p.

13-14).

15

A proximidade com Hollywood marcou o livro de forma decisiva,

já que a fábrica de sonhos era

-

assim como segue sendo

-

o símbolo

paradigmático da cultura de massa. Para Eisler, marxista bem mais or-

todoxo que Adorno, Hollywood é apostrofada como "sonho de todo pequeno-buÍguê5.ltt" E é como produto da cultura de massa que o cinema é abordado, nunca como forma própria de arte: um produto da cultura de massa que se utiliza de meios mecânicos de reprodução.

em passsagens-chavão; B) o uso abusivo de clichês musicais, encenação de situações típicas, momentos emocionais sempre repetidos e padronizaçã,o

de estímulostt; 9) padronizaçáo da interpretação musical (in-

clusive da dinâmica). Cada um desres tópicos é examinado em detalhes no terceiro capítulo (Som - preconceitos que não desaparecem) deste livro. O Kompositionfiir den Film segue com uma exposição detalhada

Os autores põem abaixo uma série de estereótipos e preconcei_ tos construídos a partir de uma teoria estética funcional que apenas

do que possa ser uma interação não estereotipada de música e açáo na tela, inclusive com vários exemplos (Função e Dramaturgia). O capi

tem como intuito perpetuar uma tradição erroneamente interpretada do que seja o romantismo tardio. Para isso foi necessário um procedimento de tabula rasa, nã.o validando nenhum conceito empregado em

tulo III é dedicado

Hollywood sem antes submetê-lo a um exame radical.

a

um dos temas prediletos de Adorno: o norro mate-

rial musical. Ao mesmo tempo em que escrevia

sua

Filosofia da Nozta

tl{úsica, Adorno, fascinado com as possibilidades do atonalismo livre e

do dodecafonismo de Arnold Schõnberg, teorizava sobre seu emprego en_

como trilha sonora cinematográfica. Nas Observações Sociológicas, ca-

contrados 1) o emprego equivocado de Leinruotiaa (os motivos condutores, que os diretore s norte-americanos tentavam imitar a partiÍ de uma

pítulo IV, podemos reconhecer o pensamento que orientou, da parte de Adorno, o Zur gaelkc/raftliclren Lage der A[usih (A situação social da

estreita compreensão do que havia sido seu emprego nas óperas de Richard wagner); 2) a exigência de que a trilha sonora contenha melo-

música), de 1932, e, da parte de Hanns Eisler, as Gesellschaftlicie

dias sonoras e cantáveis; 3) o preconceito de que a música para cinema

moderna), do mesmo ano. Em especial, ressalte-se a alienação a que o

é boa quando não é ouvida, isto é, quando não é percebida como tal pelo espectador; 4) o emprego da música tem que ser sempre justifica-

compositor de música para cinema não pode escapar, devido à divisão

do pelas imagens projetadas na tela; 5) a ilustração obrigatória e mais óbvia possível da ação e do cenário por meios musicais; 6) a produção

ser mais capitalista que produzir filmes em Hollywood? O compositor,

Entre os elementos identificados como incoerentes foram

forçada de música "folclorística" para acompanhar cenas rodadas em países supostamente exóticos; 7) a "armazenagem,, de exemplos musi_ cais (stocÉ music

-

Grundfragen der ruodernen

-

e o que pode

em geral, só ingressa no processo criativo quando este já está praticamente encerrado. Desta forma, a música é e permanece escrava de seu amo, cujo nome é diretor, isto é, produtor.

música em estoque) prontos para serem empregados

Eisler, 1990, p. 213.

16

-

(Quatões sociais fundamentais da rurisica

do trabalho e das funções próprias do sistema capitalista

tt ro

lllusii

"Die tvassenprodultion des Filnr hat zur Herausbildung oon rypi.sclun situationen, inner oiederielrenden emotionalen tllonenten, standardisierten Spannangsreizer gefii)/trt. Den entspreclen Cliclézoiilangen in der /l,lusil." (Adorno; Eisler, 1996, p. 34).

17

Finalmente, os alltores formulam suas Idéias úca

-

a respeito da Esté-

capítulo V. Mesmo a singela fórmula "I-lma coisa é certa: alguma

relação tem que haver entre som e imagem"l2e que, claro, não consti-

tui mais que uma frase subordinada em meio

aos parágrafos desta se-

ção, soa, diante da extrema automatização das produções atuais, como uma advertência quase original! É qr", como aponra Martin Hufner,

I

devido aos altos custos da produção cinematográfica, busca-se qualquer oportunidade para assegurar o retorno financeiro. Uma prâtica

LUZ

popular tem se revelado a da trilha sonora "desconexa", uma espécie

(e sombra)

de reaproveitamento paralelo da música: produza-se uma trilha que possa ser apreciada mesmo sem qualquer relação com o filme, o que redt'rz a exigência de uma contextualização de som e imagem ao

míni-

mo possível" O público, porém, tão habituado já está com esra espécie de trilha acoplada ao filme, que imagina esrar percebendo uma relação

efetiva entre os dois! O livro termina com os capítulos VI sitor e a tomada de cena, e VII

-

-

O compo-

Relatório do "Fihn Music Projecf', no

//^

MUSICA NAO.IDENTICA

qtral é feito um exame detalhado da trilha composta por Eisler para o Regen de Joris Ivens.

Adorno vê na autonomia da aÍte, na ausência de qualquer função, sua característica mais essencial. concebendo a criação artística enquanto inegociável inutilidade, Adorno confirma o que Kanr em 1790

já,

havia determinado sobre arte e beleza: ,,Beleza á a adeqaação rle

am objeto, na rnedida em qae esta é nele percebida sem a pr€tensão de am objet'ies"rt. O processo de fundar o estatuto de autonomia da arte acom-

panhou desde sempre a reflexão estética; toda a sua história é uma busca de definir pelo raciocínio - em detrimento do gosto o especi-

-

ficamente estético.

tz "Soaiel is/ aafir: zaisclten 1996, p. 103).

Biltt

und

fullsil ntup

eine Bezieiung beslelen."

(Adorno; Eisler,

ti

"Stltônleit is/ Fonn der Zuechniissigleil eines Gegenstanrles, sofern sie olne Vorslellung ilm zoalrgenommen oird" (Kanr apud Fiillsack, 1995, p. ZS).

Zuecls an

18

19

eiaes

I - LUZ (e sombra)

O procedimento rotineiro da estética musical, quase sem exceção,

Poucos anos antes da publicaçã o da Cútica do Juízo de Kant, Karl

padece do impressionante equívoco de não se ocuPar tanto em indagar o que é belo na música, mas, antes, de retratar os sentimentos que se apoderam de nós. Essas averiguações correspondem inteiramente ao ponto de vista daqueles ancigos sistemas estéticos, que consideravam o belo apenas em relação às sensações despertadas por

Philip Moritz tentava determinar, em 1788, o que diferencia o objetivo de um objeto profano de um objeto belo: "O objeto meramente útil não é, portanto, inteiro ou completo em si; ele apenas o será no instante em que atingir, em mim, seu propósito, ou completar-se em

ele e que, como se sabe, sustentavam a filosofia do belo como filha It das sensações (ctoOr1otç).

mim. Na contemplação do belo, porém, projeto a intenção de volta ao

próprio objeto: eu o contemplo como algo que é completo não em mim, mas em

si mesmo, e que, portanto, encontra-se

e que me proporciona prazer por ele mesmo, na medida em que eu não concebo neste objeto belo uma relação para comigo, mas sim uma relação minha para com ele.14"

No que se refere especificamente

Vamos nos voltar agoÍa a Adorno e conhecer melhor seu pensa-

inteiro nele mesmo,

à ârte musical, o processo de

fundamentação teórica da autonomia alcança a maturidade com Eduard

Hanslick, contemporâneo de Brahms e Richard Wagner, e que publicou em 1854 seu "Do belo musical' (Vona musiialiscl Schtinen). O escrito de Hanslick se opõe às teorias da estética do sentimento, e atrai em

mento, o qual gira sempre em torno da arte e como ela está ligada de

forma indissolúvel ao destino do homem. Na arte Adorno vê ainda uma possibilidade de verdade, possibilidade esta que não se dá mais no mundo. O lugar onde vamos encontrar a verdade é a não-identidade.

O trabalho filosófico de Adorno tem de ser entendido a partir da

Têoria Crít\ca, isto é, Filosofia não no sentido de uma teoria geral do ser: ela deve ser compreendida como uma análise do estranhamento a

e enfadados com as descrições pseudo-científicas então em voga. Re-

que o homem está submetido no mundo. Para a arte isso tÍaz gÍaves conseqüências, uma vez que, imerso num mundo em constante

jeitando

possibilidade de que uma estética possa construir-se a partir

reificação, o indivíduo converte-se em mero abstrato coletivor6 e não

de um ajuste do conceito geral metafísico do belo, Hanslick propõe

consegue afirmar sua autonomia. Nossa realidade, então' é determina-

que "as leis do belo são inseparáveis das propriedades de seu material,

da pelo estranhamento que a nós se impõe, sendo o sujeito forçado

de sua técnica".

submeter-se ao imperativo identitário, totalitarista, tendo de abdicar

torno de si compositores e maestros partidários de uma arte autônoma

a

ta "Der Üloss Nillzliclte Gegenstand ist also in siclt nichts Ganzes oder Vollendetes, sondern oird es erst, indem er in mir seinm Zaecl ereicltt, oder in mir vollendet aird. - Bei der Betracilung des Scliinen aber oiilze icl deb Zoeci aas nir in den Gegenstand selbst zuriicl: ich üetraclte iltn als etaas nic/tt in rnir, sondern in sicl se/bst oollendetas, das also in sicl ein Ganzes ausmacht, und mir aus seiner selüst rsillen Vergnügen gewàfirt; indem icl dem scliiutt Gegerctand nicltt sototoltl eine Beziehung auf miclt, als mir aielnelr eine Bezielang auf iltn gettd' (Morirz, apud Fiillsack, 1995, p. 25).

20

a

de sua não-identidade e fundir-se com o conceito. Conceito que' no pensamento de Adorno, nunca abrange completamente o objeto que quer significar - tal objeto sempre terá arestas ou pontas diferentes da mais detalhada descrição possível. Toda arte produzida sob este man-

ts Hanslick, 1992, 16

p.

13.

Adorno, apud Costa Passos, 1998, p. 25.

2I

I - LUZ (e sombra)

damento náo faz outra coisa que prestar vassalagep à identidade conceitual, esgota-se em si mesmo e nunca poderá ser uma "mensa-

noma deve empregar, para escapar à gravitaçáo do racionalismo, sua

gem na gaÍÍafa", de que Adorno fala na Filosofia da Noaa lllúsica. En-

própria racionalidade, "uma racionalidade boa"

frentar essa questão é, a tarefa da Filosofia enquanto teoria crítica.

diada pela fantasia.

As conseqüências disso paÍa a música são que uma música autô-

Adorno acredita que praticamente não haja esperança de esca-

va", que tem

a

-

esta se manifesta enquanto "dialética negati-

missão de romper com

a

relação sujeito-objeto. A dialética

negativa de Adorno, com sua crítica ancorada nas relações sociais, pos-

sui um determinado carâter moralizante: já que toda a sociedade está arruinada pelo capitalismo, é urgente a resistência moral contra esta situação. A Filosofia

- aLógica-

envenenou o mundo, por isso lemos

boa porque é me-

A racionalidade tocal da música é a sua organização total. Através da organizaçáo, a música emancipada gostaria de reconstituir a cocalidade perd.ida, o poder e a força de comprometimento também perdidos, de um Beethoven.r'

par ao estranhamento, já que todos estamos imbricados na sociedade. Assim, a critica exercida por Adorno não possui um senrido positivo, centrado em si próprio

-

Como em Marx, o pensamento de Adorno é o pensar uma sociedade livre, em que os indivíduos possam exercer a autonomia que

por direito lhes cabe; esta

socie dade está ainda

por se realizar no futu-

ro. Vem daí a importância, para os dois filósofos, da ciência da História: suas filosofias são determinadas pela História.

Dialítica NegatiaatT que o antídoto para a Filosofia seria desmitologizar o mundo. na

Para resistir à racionalidade iluminista que tenta expuls ar

o

O modo de produção da vida material determina os processos social, político e espiritual da vida em geral. Não é a consciência que determina a vida, mas a yida é que derermina a consciência.z0"

pa_

radoxal e o ambíguo, e não dá trégua a sua voracidade identificadora,

Adorno propõe uma dialética que aponte para a verdade que está escondida nos interstícios do particular, daquilo que é distinto, sem visar

A Filosofia só subsiste, mesmo depois de Hegel, porque se perde u o momento de sua rcalizaçáo: "Filosofia que uma vez parecia estar

qualquer síntese final apaziguadora. um mundo inteiro sintetizado seria um mundo inteiro reificado. Na 1l[inirua À.Ioralia, Adorno explica

ultrapassada mantém-se viva porque

que pensar a dialética negativa é uma tentativa de vencer os imperativos da lógica com suas próprias armas - daí o perigo constante em

babilidades de retrocesso fZerfalfl não são casuais, elas fazem parte do

sucumbir à sedução: "a astúcia da razáo poderia impor-se mesmo contra a dialética"r8.

realtzaçá,o."2r

foi perdido o momento de sua

Dentro do quadro histórico da atividade humana,

as pro-

próprio desenvolvimento do homem. Este tema é o fio condutor da

te "Die Íotale Rationalitàt der ll,Iusil ist ihre totale Organisation. Durclr Organisalion miichte die

llusiÍ das verlorene Ganze, die oerlorene Macht ard Írerl,inrlliclleit Beeliooens aiederlerslellen." (Philosophia der neven Music - PhnM, 69).

Üefreite

l; Ad"rrq ,prd r8

z0

C"rca passos, 199g, p. 29-30.

Adorno, 1993, p. l3?.

22

Marx, apud Ovsiánnikov, 1982, p. 26.

2t "Plilosoplie die einma/ iiüeilolt sclt.ien, erlâlt sicl an Leüen, aeil der Augenülitl ihrer Veru;irtlliciung versàunt u;arde." (Negativc Dialektik - ND, l5)

23

I - LUZ (e sonbra)

Dialética do EsclarecinaenÍo, obra que constitui a base paÍa a FilosoJia da Noaa tVlúsica e também para nosso objeto neste livro, o Kompositionfür

O progresso filosófico zomba de si mesmo poÍque, quanto mais ele adensa os conceúdos de fundamentação, quanto mais vulneráveis se

tornam as formulações, tanto mais se conveÍte em pensamento

Film. A localizaçáo deste retrocesso na fiaÍuÍeza mesma do homem é decisiva paÍa a noção adorniana de História. Porém, ao contrário de

den

Hegel e de Marx, Adorno aponta a contingência como fator sempre presente na História. Na Dialética Negatiaa ele escreve que a seqüência das coisas se fundamenta no acaso - nâda tem necessariarnente que acontece(z. Acreditar que o andar dos acontecimentos se dá de forma necessária implicaria em admitir que todo o sofrimento, toda a desgraça humana, Auschwitz e Hiroshima, tinham necessariamente que acontecer para que a História pudesse seguir adiante: esta é sua maior crítica à visão necessitarista da História de Hegel. As ocasionais quedas na

barbárie são inerentes à condição histórica humana, não há um plano

identitário.2a

A Dialética do Esclarecim€ntl irvestiga a história deste retrocesso

lZerfall; aqui

é onde Adorno concentra sua crítica à noção de História

de Marx, para quem é possível eliminar-se a possibilidade de erro, já que não é o homem que carrega o germe da ruína, e sim as relações entre os homens que estão (até agora) defeituosas: caberia então

marxista, por meio daaçã,o no mundo, corrigi-las! ADialática do Esclarecimento mostra, pelo contrário, que o próprio homem, sua essência, é

ambígua.

emanente guiando a sucessão dos acontecimentos.

Em resumo: Adorno e Horkheimer sabem que têm um compromisso para com o espírito do Esclarecimento

Hegel, com sua filosofia da hisrória que vai se desdobrando como uma dedução lógica, legirima toda dor e sofrimento do mundo; Adorno quer rompeÍ com esta linha reta, Íomper com a idéia de história como um rrilho de bonde que só pode comar aquela via, sem outra alternaciva: é o que exige no Prismas ("Que a Narurbefangenheit (dependência da natureza) não tenha a última palavra!") e explica nos Tiês estudos sobre Hegel ("4 hisrória é contingente, daí oferecer-se, a cada momento, a possibilidade de acontecer "diferenEe".el

ao

se

cristalizou no início da era moderna

-

-

na forma como este

em contrapartida à superstição

e ao autoritarismo. Ambos, contudo, não compartilham o otimismo quanto ao futuro, e, acima de tudo, não apostam na racionalidade como valor sine qua nzn. Ao contrário da pintura de Goya "O sono da razáo gera monstros", os frankfurtianos temem que a razáo desperta, a lâmina afiada da lógica, cause males ainda piores à humanidade.

A Filosofia, que deveria

alavancar a instauração de uma nova ordem livre de mitos, vai vendo enfraquecidas suas proposições, mesmo porque não consegue se desvencilhar do que há de científico de Iógico

-

em seu cerne . O que a ciência não quer - ou não pode mais usar é então abraçado pela Filosofia, o que só aumenta seu risco de regredir em mitologia.

Visto assim, o Esclarecimento não significa e nem pode significar um progresso absoluto, e este fato reside em sua essência: umavez

que ele se estabelece como supressão da servidão, ele mesmo exige dominar, o que, a partir daí, conduz a nova dominação. Esta dialética é, de certa forma, construída por empréstimo de Hegel. Em Hegel,

a

substância é superada pela subjetividade e, no final, transformada em positivo, torna-se autoconsciência. Já na Dialética do Esclareciruento, pelo

zz

Alberri da Rosa, 2003, p 39 'zr Alberti da Rosa, 2003, p 39

2{

24

-

Adorno, 1995, p. 59.

Z5

RONEL ALBERTI DA R(

I - LUZ

(e

sonbra)

contrário, náo há um final positivo: o Esclarecimento Superâ a natuÍeza por meio da razáo e da subjetividade, mas este, por sua vez, ÍegÍide novamente à mera rratuÍeza. Adorno e Horkheimet querem mostrar

Adorno, porém, sabe que esta é uma exigência quase impossível de ser atendida: o pensamento iluminista tenta cobrir, por meio do conceito, o específico, que tem de esquivar-se a este movimento de

como a submissão de tudo que é natural sob a égide do sujeito culmina com o despotismo do objetivismo cego. Concluindo: a civilizaçáo apre-

apropriação. Uma vez apreendido, o objeto artístico vai transformar-se em identidade e regride ao mito; é a partit da margem escura - sua

senta, como seu derradeiro resultado, o regresso ao temido estado na-

tural. Uma das teses principais da obra é que já o mito é Esclarecimento. O pensar é o ponto crucial do problema: este pensar é determinado de forma muito abstrata como predomínio do geral sobre o

porção que resiste a ser iluminada, resiste a ser esclarecida

-

que a obra

de arte pode reagir e afrrmar sua não-identidade. com base nisso Adorno constata que "as únicas obras [de arte] que hoje contam são aquelas t

)1t,

que nao sao oDras-'

específico, num processo em que o geral se constitui como conceito. Pensar sujeito e objeto um cobrindo o outro está na origem da ques-

Enquanto escrevia a Dialítica do Esclarecimento junto com Horlrheimer, Adorno jâ redigia a primeira parte de sta Filosofia da

tão, "o sujeito objetivado e o objeto sendo mera abstração que lhe

Noaa À(úsica. terminada em 1940, e' ao mesmo temPo' encontrava-se

é

atribuída"2s.

E aqui chegamos a um dos eixos cruciais do pensamento adorniano e sua abertuÍa paÍa a estética: contÍa este pensar "cindido", a arte deve procllrar levar o específico (que Adorno equipara ao não-

idêntico) a assumir o que lhe é de direito, exigindo-se que não se violente pelo pensamento identitário, transformando-se em conceito. No momento em que a ârte tivesse condições de cumprir esta missão,

envolvido com os trabalhos de pesquisa de cinema da Fundação Rockefeller. Alguns conceitos apresentados na Dialitica, que se referem mais especificamente

à arte musical, são aprofundados na

Filosofia

da Nooa llÍúsica. Tenhamos em menre que, partindo da Dialética, cumpre ao filósofo pensar a interdição da manipulação da obra de arte' As

palavras-chave são história, progresso e técnica'

É de conhecimento de Adorno que, mesmo juntando-se todas

se isso pudesse ser realizado em uma humanidade "pacificada", cum-

de as peças do quebra-cabeça que é a constituição técnica de uma obra

prir-se-ia a condição segundo a qual Hegel previu a morte da arte, em uma transiçã,o paru uma sociedade de filósofos: "Somente numa hu-

arte, não se poderá reproduzi-la. A técnica, contudo, é a resposta que o artisra pode dar ao mundo que regride à barbárie. A racionalidade boa

manidade pacificada e satisfeita a arte deixará de viver

-

se ela morres-

se hoje, como ameaça suceder, seria apenas o triunfo do mero Dasein sobre o olhar da consciência que a ele ousa resistir.26" ã Adorno, apud 26

"Erst einer einzig der

befriede/en tllensr:lrfieit

sici uermipt."

da obra de arte

-

compositor tem de empregar o material em seu mais recente apuro já técnico, pois, uma vez que este é empregado, sua potência começa

Costa Passos, 1998, p. 30.

Tinpi

é a arma para combater a racionalidade instrumental do mundo. Para esquivar-se à cooptação pelas forças regressivas' o

-

26

Blici

ilr

fod fieute, aie er droltt, aàre des Bnouptseins, der ilm standzalalten

aürde die Kunsl absterüen:

des ülofun Daseins über den (PhnM, p. 24)

a

,, "Dlt ,*rlCt, lv*i,

lteure

rlis ziiltlen, sind die, aeltlu leine

27

Werhe

melr sind." (PhnlVI,

p'

37)'

I - LUZ (ê sombra)

Por um lado, estética é teoria filosófica e' poÍtanto, alheia à arte. Por

diluir-se. Este material, que, para Adorno, é história sedimentada, não renega a fonte de onde brotou, mas só conquista sua maioridade ao superá-la e assumir plenamente sua identidade autônoma. O progresso na música'é, portanto,

um movimento oscilance da obra de arte para

negar-se à apreensão pelo conceito. Na Filosofia da Noaa Música, encontramos como isso seria possível: 1) pelo irrompimento do irracional

na obra de arte; 2) pela máxima racionalização do procedimento composicional; 3) pela submissão à dialética do material e, 4) pela recusa em apreender o heterogêneoz8.

Em Schulz lemos que a estética de Adorno é, sem dúvida, de orientação metafísica. O problema da conciliação de sujeito e objeto, homem e natuÍeza, é também um dos temas fundamentais da arte. Se a conciliação fosse

efetiva, aaÍte se tornaria até desnecessária, pois arte

é o aspirar lSertnsucit) a um algo, um objetivo. A arte não media este objetivo, porque ela tem seu lugar de manifestaçáo lfaitisclter Ortf no seio do estado do irreconciliado. Todas as obras de arte, e toda a arte são enigmas; isto sempre confun-

diu a teoria da arte. O fato de que obras de arte digam algo e, ao mesmo tempo, o ocultem, define o caráter e nigmárico sob a linguagemze.

O

caríLter enigmático não

é decifrado pela "compreensão" da

obra: "Decifrar o enigma é como [tanto quanto] indicar a razáo de sua

indecifrabili dade

(Un ltisbarÉei t)"

outrolado,hánecessidadedeumareflexãofilosófica.obrasdearte objedvas e têm em si a pretensão de objedvar-se; nesta decifração, o enigma revela seu conteúdo de verdade'30

são formas

A infinita espera de uma interpretação é o que caracteriza o estatuto da arte, espera esta que nunca terá um Íim, pois a linguagem significativa sofre, diante deste objeto, um pÍocesso de subversão que remonta a algo de muito arcaico e irresolvido, algo que a racionalidade objetiva não consegue dobrar: a verdadeira linguagem da arte é muda' Este fundamento mudo da linguagem da arte falaao homem de uma forma irreconciliada; sua mensagem não pode satisfazeÍ aos que busrecuperar este imemorial e verdadeiro momento é a função da arte. A este, Adorno dá o nome de " Ursinn" , "sentido primeiro", e que guarda paralelo com a "aura" de Walter Ben-

cam a identidade de idéia e objeto

jamin: ,,o (/rsinn de todas as descobertas musicais está irremediavel-

mente ligado à sua primeira aparição",31 sendo o trabalho da arte recuperar a sensação de (Jrsinn - tão somente a sefisaçãq já que o sentido original se desintegrou junto com sua manifestação primeira. "Arrancar à muda eternidade as 'imagens musicais primeiras' Ímusilalischen (Jrbitder) é a verdadeira intenção do progresso na música"'r2.

que sinQuando Adorno fala em "progresso na música" - tema tetiza sua Filosofia da Nova Música - temos que ter em mente a frase de Rimbaud, "É necessário ser-se absolutamente moderno". Este tema

tem grande significado para Adorno, para quem a modernidade exige

*.U*rrit,

.

-

AIr íitetih

ist philosoptriscie Tluorie

*nd insofem der Kanst Fremd..Andereneiu

einer philosopiisclen Reflexion. Kanstoerle sind obleltioe Gelilde den Ansiracl des Obirifiõtn on sici, an dessen Entràtselung das.RàÍsel seinen Walrleitsgelalt entfiüllt." (Schtilz, 1985, p. 86).

tut ni ilt'Notaendigleit

iii t"tro

3t ,,Der,[Jrsinn' aller nasilalisclen Futde

lafiu ulwiederbringlicl an ilren enten Ailftrüefi" Ttr. W. Adorno und Ernst Krenek, Bàefoecisel, Fortsclitt, in *nd Realtion «ÃJorno,

28

Alberui da Rosa, 2003, p. 80.

ze

"Alle Kunslaerle und Kuns/ insgesamt sind Ràtsel; das lat z;on alterslter die 'lTteorie der Kunst irritiert. and mir dem gleiclen Atemzug es z.»rbergen, unnt den Ràrs€lcl, racie.', (AdorÃo, apud SchuÉ, 19g5, p" 86).

28

32

1974, p. 179). "Der sprachlosen Eoigieif die musilalischen UrÜilder za entreifun ist die aalre Intention Fortschritles von ,4tÍusil." (Adorno, iÜid, p, 179).

29

des

RONEL ALBERTT DA

I - LUZ (e sombra)

ROSA

que a interpretação da aÍte não seja contemplada isoladamente. Esta interpretação tem que ser realizada sempre tendo em vista o contexto da sociedade, mas não da forma primitiva marxista, que tenta explicar a produção artística apenas de forma econômica, mas sim como Benjamin tentou fazer, isto é, uma interpretação empírica-especulativa que vê a arte ameaçada pela ruína lverÍal\ e tematiza as possibilidades que então se oferecem.

traz' paÍtir do barroco. A música autônoma, como Adorno a preconiza' Paradoxo em sua recepção, momentos de ambigüidade e de paradoxo' à furtar-se por recusar-se ao movimento esPerado de resolução' por por identificação, e ambigüidade por não oferecer solução acabada' sentidos deixar em aberto ou por oferecer uma abertura paÍa diversos pode dar de interpretação. Brandindo a obra de arte, o homem-Édipo pelo mundo3a' resposta possível ao enigma da esfinge proposto a única

A exegese da arte deve se pÍocessar não apenas de forma críticasociológica, mas também histórico-filosófica. Segundo Adorno, uma

que o mundo ploPõe As obras de arte têm seus alicerces nos enigmas o artista' seu Edipo esfinge; a é mundo O homens' para devorar os que a sábia tornado cego; e as obras de arte são da mesma DatLtÍeza conua a está arte toda Assim' q,i" atit' a esfinge no abismo'

visão artística adequada a nossa época só pode ser transmitida por uma

resposm

estética não mais ligada à tradição, isto é, a aÍte quer representar o específico e não-idêntico, e só pode realizar isto por meio da ambigüi-

mitologia.Emseu..malerial,,naturalestásemprecontidaa..resposda próta", a única resposta possível e correta' mas nunca separada pria obra.ts

dade. O pensamento que procura subjugar a obra de arte sob um conceito, forçá-la a igualar-se ao conceito, é aquele que se aferra ao real, ao dogma, à totalidade, ao visível. A arte não-idêntica se afasta desta rea-

lidade, btrscando a abstração. Este pensamento é de capital importância na teorização da função da música frente à imagem, no cinema. De

outra forma, a trilha sonora pode acabar reincidindo nas mesmas obviedades já apontadas por Adorno e Eisler no Komposition

fiir

den Fihn,

como ilustrar cenas de crianças brincando com música de flauta doce, cenas de mistério com acordes dissonantes e tremolo nas cordas, etc.

A recepção junto ao ouvinte será, comumente, de não-cumprimento das expectativas. Este é um procedimento que até podemos

os Como observa Ó"néi. em seu estudo sobre a ambigüidade, são múltiplos aspectos e valores resultantes da obra de arte moderna que nunca caracter\zados por um constante movimento de esquiva,

significados mais cessa, oscilando de um extremo a outÍo, visitando os significado diversos, por excludentes que seJam' Nunca confirma um equivalente definitivo, pois encontrar um sentldo "verdadeiro" seria o O enigma a paralisar o movimento que anima sua condição autônoma' meperdura paÍa a eternidade, pois Edipo se recusa a responder com ros

elc'' com as As emoções mais brutas, como tetrot' alegria' trisleza' agora' exercem' anterior' qr-rais a arte se conten[a durante o período

encontrar na música tradicional, porém ali esclerosada enquanto expe-

diente de efeito, como é o caso da cadência quebrada (V' => VI)33

ttsimt' ou ttnão".

desperlar pouca arração sobre o artisca' Ele deseja empenhar-se,em ref inada' Ele mesmo mais natureza enrão, de até emoções

a

,"- "ot"

ri Na harmonia tradicional, a cadôncia à tônica (V' :> I) é o gesto de, resolvcndo a rensão do acorde consrruído sobre o 5" €irau, retornâr ao acorde Fundamcntal, contruído sobrc o 1" grart, correspondcndo ao movimcnto de nrsis e trtesis. A cadência qucbrada, ou cadência dc surpresa, ou ainda de engano lTragvhlilssl, prolonga a sensaçdo dc afastamcnto da tônica arravés da resolução não sobrc a 'l'ônica ( I ), mas, por exemplo, sobrc o 6" grau, a Superdominante (V7 => VI).

30

31

3s

n den Rritseln, ru;elcfie nx, der Kiinstler ilr o rÍ, zoehy're die SPlrinx

Kunst gegm die Mytrtohgie." (PhnM,

p' 125-l?6)' 31

RONEI. ALBERTI DA

I - LUZ (e sonbra)

ROSA

vive uma existência rela[ivamente distinta e complexa e o trabalho nos espectadores suscetíveis a elas, emoções que não somos capazes

Na verdade Karl Marx não legou à posteridade nenhuma teoria estética; tampouco o fizeram Engels e Lenin. Algumas conclusões,

de expressar com as palavras3u.

contudo, foram tiradas por Marx a partir da análise de contradições do

que produz deve, necessariamente, acordar emoções mais apuradas

O conceito de arte autônoma fica, assim, ligado à idéia

do

indeterminado. O caminho rumo à indeterminaçáo é tomado pela arte no exato momento da criação, ao receber seu caráter de aparência (Sciein), dissociando-se da realidade que a modelou.

capitalismo, como a de que "... a produção capitalista é hostil a todos os ramos conhecidos da produção espiritual, por exemplo, a aÍte e a Poesia"38. Esta hostilidade, como toda tendência contra a humanidade, foi

interpretada por Marx como sendo, no fundo, dirigida contra o trabapoderia, segundo Marx, .lhador. A relação deturpada no seio da sociedade ser corrigida pela socialização dos meios de produção.

wRS tÀIE MUSTgUE

FORA/IELLE

Desde a publicação do Koruposition für den Filrn não cessam as discussões não apenas sobre quais idéia teriam partido de qual pensador, mas tambóm sobre como foi possível conciliar de forma tão produtiva duas correntes estéticas tão opostas como as representadas por Theodor Adorno e Hanns Eisler. Ambos se dedicaram, é verdade, à mesma causa, que é impedir que a arte seja cooptada pela sociedade de consumo. O frankfurtiano Adorno opta pelo caminho da técnica, afirmando que só o emprego do mais avançado material disponível salvará a música de ver regredir seus pressupostos até o fundo do poço, até abarbârie. Hanns Eisler, pelo contrário, entende que a autonomia da arte não assegurará seu estatuto de liberdade; ele preconiza a politização da música, seu emprego funcional, atrelado a um propósito social - isso sim, poderia impedir sua cooptação pelas forças regressivas: uma música que êspelhasse a realidade do mundo37.

É ertu arazáo pela qual os marxistas, atribuindo um significado primordial ao papel cognitivo da arte, colocaram no centro das suas investigações estéticas o problema do realismo como método artístico que assegura plenamente a profundidade e a mais vasta abordagem do reflexo do mundo real. A teorização inicial da idéia de "espelhar a realidade por meio da

arte" pode ser encontrada em um texto de Lenin de 1908, Materialismo e Erupiriocriticismo'te, em que ele trata, no capítulo VI, de uma crítica da teoria idealista dos símbolos. Lenin considera que toda imagem é a representação concentrada do mundo real. O reflexo deste mundo real no cérebro humano é que vai constituiÍ

a

base da teoria do reflexo.

Já o símbolo possui outÍo statusi ele tem, é verdade, a propriedade de abrir caminho para o irreal, para o místico e o onírico, mas não pode-se

inferir disso que

as sensações e

emoções humanas sejam apenas símbolos.

É possível seguir o caminho desta idóia desde o princípio: Marx

"

17

Krrdt".kt

"p"d

Õ enéic,

l7g.

Definição da estérica marxisra-leninista: "É um sistema dos conhecimenros, em desenvolvimento, sobre a natrÍeza e a essência do belo e do feio, do sublime e do vil, do

32

primeiramente havia falado de "reflexo", ou de "eco" do mundo real. Esta noção foi tomada emprestada por Engels, que definiu a religião

rE

Nlarx, aptrd Ovsiánnikov,1982, p.28.

re

Lido por Eisler quando tinha 20 anos, logo depois de voltar da JJ

gtterra.

I

I-

LUZ (ê sombra)

I

como "uma reflexo fantástico de coisas humanas no cérebro do ho-

mem"40. Finalmente chegou a Lenin, mas longe de possuir

o

dogmatismo que seus posteriores intérpretes soviéticos a ela conferiram, e também sem uma associação com qualquer teoria estética. Lenin,

que tinha consciência de ter Iacunas em sua formação filosóficaar, tal-

Esta teoria, que inicialmente foi tratada de forma bastante fle-

xível pela política oficial, gradualmente se endurece. Finalmente, em 1950, foi publicado o estudo "Sobre os problernas do realismo socialista na ntúsica", pelo crítico musical Gorodinski, em que a Federação dos Com-

positores da União Soviética recebia as seguintes diretrizes:

vez nem sonhasse com o alcance que esta idéia ganharia na forma de teoria da arte.

O compositor soviético tem que devotar toda sua atenção às

vitorio-

e progÍessistas fontes da realidade, às heróicas clarcza e beleza que caracterizam o espírito do homem soviécico. Isso tudo deve ser apreendido com plasticidade musical, plena de belezae força vital. O realismo socialista exige uma luta inexorável contra as tendências sas

O que provavelmente tenha ocorrido é que, devido à carência de escritos sistemáticos de Marx, Engels e Lenin, uma teoria marxista da arte foi construída pelos teóricos soviéticos a partir dâ exegese de

'

indícios fragmentários espalhados por todas suas obras. "A arte é refle-

antipopulares modernas, que acompanham a decadência e a ruína da

cul[uraburguesacontemporâneaaa.

xo artístico4z da realidade": assim define-se o realismo socialista, enNos anos mais duros do realismo socialista esta diretriz receberia

quanto espelhamento da base econômica sobre a consciência da socie-

ainda a adição da muito citada fórmula estalinista "Nacional na forma e

dade.

socialista no conteúdo"a5. O conhecimento da essência da arte pressupõe, antes de mais, a investigação de sua ligação com a realidade, com a consciência social e individual, da influência da sociedade sobre a arte [...] e da influência da arte sobre a sociedade. No contexto deste funcionamento evidencia-se a missão social da arte...al

Desta maneira, a aÍte socialista absolutiza um componente icônico, tudo tendo sua origem no texto de Lenin, que equipara refle-

A notícia da vitória da Revolução de Outubro chegou

Eisler nas trincheiras da Primeira Grande Guerra, depois de seu recrutamento em l9l6a6. A partir da década de 1920 já tinha bem presente a relação entre música e a realidade política e social. Eisler possuía grande fé em um retorno da supremacia da música vocal sobre a insq "Der soajetische

Komponist mup seiw Harptaufnerlsamieit auf die siegiaften, fortvltittlichet Urquellen der Wirlhcrtfuit lenien, auf die fieroisclre Klaileit und Schiinleit, die die Seelenaelt des soajetischen llettschen aaszeicinet. Dos alles nup nit masilalischer BildhoÍtigteit eía$l aerden, die aoller Sclriinleit and lebensl,ejalender Kraft ist. Der Sozialistiscler Realismus oerlangt einen aruerüittliclen Kamp/ gegen die antioiiliisclen, m.odernen Tendenzen, àie den Niedergang and Zerfall der zeitgenôssisclten, bourgeoisen K*ltar begleiten." (Gorodinski apud Schwarz apud Fiillsack, 1995, p. 87).

xo a cópia.

i('Cf. Ftillsack, 1995, p. 85. {r Em uma carra a Maxim Gorki, Lenin escreveu que "não se sentia competente

o

suficienre em âssrrnros de Êilosofia." (Lenin, apud Ftillsack,1995, p.85). a2 Em russo, AP{IE (islassn / e ARTÍSTICO (cltodttzcsnenyr) não rêm a mesma raiz,dai a cacofonia (Fiillsack, 1995, p, 86). ar Ovsiánnikov, 1982, p. 6.

34

a Hanns

3s

Cf. Fiillsack, 1995.

a6

Em agosto de 1917, em plena campanha, compôs o oratório

Gegen den

Krieg(Conta

a

Gtrerra), sobre antigos texcos clássicos chineses adaptados para o alemão por Klabund. A obra lamentavelmente perdeu-se durante um incêndio nas trincheiras, Eisler só conseguiu salvar alguns solos e movimentos corais (Cf. Notowicz, apud Acosta, 1990, p. 51).

35

I - LUz (e sombra)

acreditava que o aspecto coletivista da atividade coral aca-

compondo algumas peças originais. Pouco depois de sua ruptura com

baria se impondo sobre a especialização exacerbada a que a sociedade

Schônberg, em l9Z6ae, conheceu e começou a trabalhar para Bertolt

burguesa obrigava os intérpretes de música paÍa instrumentos. Quando as condições sociais fossem favoráveis, Eisler dizia que os primeiros

Brecht. Para ele, Eisler comporia trilhas de obras de teatro e cinema,

rrumental

-

desafios a serem enfrentados seria eliminar o analfabetismo musical e

entre as quais Á rnedida e A mãd?. Ambos tinham muitas idéias em comum, mas especialmente concordavam em que' utilizando-se dos

levar a experiência musical à maior parcela possível da comunidade. O compositor russo Dimitri Schostakovich disse dele que "permanecerá

meios adequados, era possível levar ao povo questões estéticas ousadas

para todos nós como magnífico exemplo de um músico que sempre se

lidade social vivida pela platéiast.

e composições modernas, desde que estas tivessem vínculo com a rea-

colocou na linha de frente do combate [...] Suas canções eram uma das armas preferidas do proletariado"aT.

Com a ascensão dos nazistas e a anexação da Áustria ao Reich hitleriano, Eisler partiu para o mesmo destino de tantos de seus com-

Diferentemente de Adorno, Eisler teve uma infância bastante modesta, seus pais não puderam custear-lhe aulas de música. Aprendia

patriotas e de seu futuro parceiro Theodor Adorno: os Estados

como era ainda hábito naquele tempo, pelas partituras dos clássicos, o

acusação de ser agente comunista.

Unidos. Seu exílio durou dez anos (1938-48), até acabar expulso, sob

que não o impediu de ser aprovado para estudar no Conservatório de Viena, onde sua família estava vivendo em 1918, depois de voltar da guerra. Em breve estava tendo aulas com Arnold Schônberg. Eu procurava por um professor rigoroso; isso me levou a Arnold Schônberg, que me admitiu em suas magníficas aulas. Com ele esEudei contraponto e composição; tinha enconrrado o esperado professor rigoroso. Schônberg não permitia que seus discípulos compusessem em estilo "moderno"; o contraponto e os temas de composição tinham que estaÍ dencro do escilo clássico. Bach, Beethoven, Mozart, Schubert, Brahms, eÍam os grandes modelos que devÍamos imitar para aprender a técnica.a8

Naquela época já tinha contato com Materialismo e Empiriocriticisruo e O radicalismo de Esquerda, de

Lenin. Tâmbém começou a

trabalhar com corais operários em Viena, regendo, fazendo arranjos e já a7

Schostakovich, apud Acosra, 1990, p.

a8

Eisler, 1990, p. 51-2.

8.

Toda a obra de Hanns Eisler foi dedicada a aplicar o marxismoleninismo ao estudo da música e de sua função na sociedade. Mesmo

tendo aprendido a técnica dodecafônica com Schônberg, na época o estágio mais avançado para a composição musical, Eisler manteve em toda sua obra um nível bastante simples na escolha do material. Como

ele mesmo afirmara, já tinha se despedido da "lírica de concerto burguesa" com seus Zeitungsaasc/tnitte op. 11, e temia que composições por demais complexas não tivessem o desejado apelo revolucionário sobre

o operariado. Não que Eisler não acreditasse na superação do abismo existEnte entre os compositores de vanguarda e o proletariado - seu com seu ay'' 11' " Ettl* """"rq.* "se despediu da lírica de concerto bttrguesa" Zeitungsauscrtnitte (Recortes de Jornal) (Notowicz apud Acosta, 1990' p' 27\' Eisler e Brecht tinham as mesmas concepções a respeito da açáo da música na sociedade, que deveria servir primeiramence à conscientização do povo, mantendo-se distânte da mistificação do virtuosismo das salas de concerto bttrguesas' sr A estótica marxista-leninisra consideia a consciência estética uma forma particular de

s0

consciência social.

36

JI

I-

propósito era unir uma boa técnica composicional, não demasiado complexa, com a reprodução e a distribuição oferecidas pelos novos meios de comunicação de massa. Utilizando novos recuÍsos artísticos é possível aproximar-se da consciência social das massas de um modo tão intenso e irrefutável que o desnível não se percebe como um obstáculo, e sim como o momen[o mais eficaz da obra de afte.sz

Seu intuito não possuía nada de ingênuo ou de simplificação gratuita. Eisler tinha consciência de que estava sendo um pioneiro na aplicação da dialética materialista à estética musical, e isto justamente

em um momento histórico em que a tonalidade tinha chegado a um esgotamento e os compositores experimentavam com novas tócnicas de criaçãos3. Para não cair em uma "sociologizaçáo superficial de materialismo vulgar", era imperioso estudar-se, para uma dialética da música, "o nascimento e o ocaso, bem como o desgaste e a renovação do material musical nos estilos socialmente condicionados da música, em suas funções cambiantes"s4.

sz s3

LUZ (e sombra)

A concepção marxisra da História também determina o pensamento de Eisler que, como Adorno, trabalha para erigir uma sociedade igtalitâria que irá se concretizar no futuro. A crise por que passava a música burguesa, com a dissolução da linguagem tonal, era interpretada por Eisler como sintoma de uma crise muito mais ampla, pela qual passava a sociedade como um todo.

A música, entretanto, por ser uma

atividade artística marcada por um individualismo mais exacerbado que outras artes, apresentava com mais evidência os sintomas de decomposição da cultura burguesa: "uma arte que perde seu caráter social, perde-se a si mesma"ss.

Este caráter social da arte é que precisa ser recuperado. O pensamento de Eisler sempre foi no sentido de superar a atividade artística individual

-

ocorrida a partir de seu desligamento dos ritos e práti-

cas do cotidiano

-

visando ao resgate da coletivização. A coletividade,

porém, receberia, no futuro, a música com uma consciência de classe

bem diferente do que ocorria na Antiguidade: "Se as massas exigem da arte efeitos embriagadores, ou no mínimo os aceitam, deve-se ao

Bisler, 1990, p. 39. De forma muito hábil, Eisler criava momentos de orientação harmônica dentro d,a série.

fato de que, desta forma, buscam equivalentes psíquicos paÍa ativida-

devido à escuridão. Este estilo desenvolvido por Eisler não desobedece em nada as regras do serialismo, e âo mesmo rempo se apóia nos hábitos de audição harmônica do ouvinte, criando assim uma ambiência sonora não demasiado estranha para os ouvidos não acosnrmados. O próprio Schônberg, constata Adorno, ltilizava o novo sistema para dele extrair resultados excra-seriais. Adorno verifica que "schônberg violenta a séiie", por utilizar, deritro de seu material, elemenros residuais de tonalismo e, mesmo assim, não renegar a nova linguagem: "Na realidade, Schônberg considera a récnica

residiria o perigo da ação da música sobre uma população inculta:

a

música burguesa, com promessas de felicidade, serve para apaziguaÍ

a

Isto resultaya em uma dodecafonia com orientações tonais, funcionando como um sistema de faróis que orientam um navio cujo timoneiro náo pode enxergâÍ a costa,

dodecafônica ia ?rails da composição como merâ preformação do. material. Ele ,,com-

des e vivências que lhes são negadas por sua situação social"s6. Aqui

consciência da classe operária. Vejamos: Eisler constata que, quanto mais consciente uma co-

munidade, tanto menor a influência da música em seu meio

-

"na

comunidade primitiva a música opera de um modo totalmente dife-

sa

Eisler, 1990, p. 19-20.

38 i I

55

Eisler, 1990, p. 31.

s6

Eisler, 1990, p. 223.

39

RONEL ALBERTI DA

ROSA

I - LUZ (ê sombra)

rente de uma sociedade com alto grau de civilização"si. Aqui temos um ponto de confluência dos pensamentos de Eisler e Adorno: repu-

Neste contexto atenção de Eisler

-

de relação das forças políticas com a arte -

a

foi chamada pelo forte repúdio que o movimenro

Kdtharsis individual manipuladora e intencional, ambos apon-

fascista apresentava contra os que eram os mais destacados composito-

ram que a verdadeira purificação só se dá por meio da consciência. Esta é a verdadeira catarse. Então, em um futuro ideal e marxista, o ho-

res burgueses de música moderna, Arnold Schcinberg, Igor Srravinski

diando

a

mem altamente conscientizado (o ser comunistas') cessidade da aparência (schein) do Belo

-

nã"o terâ

mais ne-

vam verdadeiro horror nos nazistas alemães e nos correligionários em

sua emoção estética será ra-

outras nações européias. Este fenômeno contradizia o princípio defen-

cional, o reconhecimento da forma. Assim faz sentido o que Hegel escreveu: "É possível que, em uma sociedade liberta, a arte se extinga; em seu lugar se encontrará a filosofia.se,,

Em conteúdo

e Béla Bártok. Estes, apesar de serem artistas da burguesia, desperta-

dido por Eisler de que a estética comporra-se sempre de forma partidarista, isto é, os grupos sociais se identificam sempre com seus interesses62. Ora, como acontecia que a direita européia

Forma, sua última conferência, dada em Berlim em 1962, na união dos composirores e Musicólogos Alemães, Eisler e

portanto

, ca, é bem explícito: "Deve-se evitar a introdução de novas formas musicais como o maior dos perigos, porque em nenhuma parte ocorre

mudança das leis da música sem que seja acompanhada pela mudança

dos mais importantes institutos sociais, segundo conta Damon e eu mesmo acredito.60" o citado Damon era um músico ateniense, aluno

do sofista Prodikos e supostamente professor de sócrates. Na tentativa

burgueses,

rejeitava a música dos mais refinados dentre os composito-

res de sua classe?

recorda mitos da Antiguidade para aludir

à poderosa influência da música sobre o ouvinte, insistindo no imperativo de se educar a sociedade para que ela mesma se resguarde de manipulações. platão na Repúbli-

-

-

Eisler conclui que estes compositores, ainda que vivessem dentro do capitalismo, eram progressistas, possuindo um caríter antecipador,

criando obras "iluminadas por um mundo que ainda não existia"63: suas músicas "não supõem relações entre pessoas, relações que já não

existem na sociedade burguesa, não evocam 'sentimentos afetivos"'64. Esta "boa" música burguesa, reflete Eisler, sobreviverá à derrocada da classe em cujo seio foi gerada, e seu legado será recebido pelas massas trabalhadoras do

futuro. Segundo a estética marxista-leninista,

de colocar em prática a doutrina pitagórica que rrata da importância da

música para o Estado, Damon teria, por meio das aulas que dava a Péricles, influenciado diretamente no governo de Atenas6r.

'/ Eisler, 1990, p. 475. s8

Eisler, 1990, p. 4?. Hegel apud Eisler, 1990, p. 470. 6{rPlarão apud Füllsack, I995, p. 16. 6r Cf. Ftillsack, 1995, p. 16. se

Ainda da estética marxisca-leninisra de Ovsiánnikov (p. B-9): ,,Por exemplo, para as classes progressistas e, concretamente, paÍa o proletariado e todos os trabalhadores, a arte só tem valor se expressâr os aspectos do mundo espiritual que contribuem para a formação dos sentimentos, idéias, caracterísricas e qualidades da voncade úteis ao desenvolvimenco progressista da sociedade, à edificação do socialismo e do comunismo. Ao contrário, para as classes reacionárias e conservadoras da sociedade burguesa, o valioso consiste em expressar, atrâvés da arte, diversos aspectos da consciênciâ burguesa - política, moral, religiosa, etc. - por exemplo o individualismo, o nacionalismo, o erotismo, o misricismo, a depressão, o temor e otrtros." 6r Eisler, 1990, p. 39. 62

6a

40

Eisler, 1990, p. 34. 41

I-

a obra de arte nasce das condições sociais em uma época determinada

e, portanto, era mesmo de se esperar que a contradição entre a bur-

4. que os avanços musicais, até então alcançados na perspectiva burguesa de experiência e valoração, regulados pela perspectiva da dialética histórica de progresso e recuo, recebam uma outra escala

guesia e o proletariado, tão acirrada naquele início de século XX, tives-

de valores6s.

se sua imagem refletida pela música. Ao contrário de Lukács, que via as composições desta época como

LUZ (e sombra)

O nó que Eisler tinha mais dificuldade em desatar era a questão

"produtos em decomposição", resul-

da técnica. Reconhecia o método schônberguiano de composição com

tado da simultânea ascensão da classe burguesa no século

XIX e da

concomitante decadência de sua arte, Eisler sustentaya que

âs convul-

Temia, porém, que o novo estilo não conseguisse resistir a uma

de "uma época e uma

fetichização da técnica, ao misticismo que aÇompanham procedimen-

sociedade prenhe de futuro", e que estavam testemunhando não me-

tos criativos demasiado complexos66. O cerne da questão era o seguin-

ramente uma decomposição, mas também uma transição dialética para

te: Eisler era um compositor de boa formação, que compunha para o povo utilizando-se de fórmulas simples - bem mais simples do que era capaz. Mas sabia também que trabalhar desta forma era coisa para poucos; ao fim e ao cabo, faltariam compositores de qualidade para o pro-

sões políticas e sociais na Europa eram próprias

uma nova era que já se anunciava.

Eisler tinha algumas teorias a respeito de como ajudar a operar esta transição:

12 sons como uma solução lógica para o esgotamento do sistema tonal.

Ietariado.

1. que a formação ideológica e estética da consciência da classe proletáse

A solução estaria provavelmente, pensa Eisler, em uma mudança da função social da música. Não bastaria, então, apenas apropriar-se

concretizar no seio do movimento trabalhista, enquanto vetor orga-

de novos métodos de criação; seria preciso, ao contrário, observar quais

nizado do socialismo científico, apenas na esteira de uma altamente

modificações do material seriam trazidas pela "nova arte revolucioná-

desenvolvida luta de classes;

ria"í'7. IJma transformação do papel da música na sociedade de uma

ria na contraditória relação entre massa, classe e partido pudesse

Z. que, em meio a este processo contraditório, pudesse desenvolver-se

uma nova e coletiva experiência de realidade, de consciência, de combativa subjetividade individual, opondo-se assim à [subjetividade] burguesa;

6s 66

técnica, Eisler não deixou de apresenrar suas reflexões, algttmas coincidentes com a de seu colega frankfurtiano. Quando examina a obra de Carl Philipp Emanuel Bach, constata o grande re!Íocesso q1e se dá, a enorme simplificação composicional que represenra aquela passagem estilística do barroco para o rococó. Ainda assim, observa Eisler, houve um pÍogresso: nasceram novas possibilidades expressivas, tlma nova emocionalidade, graças à possibilidade que entáo se abria para contrâpor temas de caráter beligerante. O que ocoÍretl naquele momento, foi o que Adorno também apontou na Filosofia da Nooa Música: para haver um desenvolvimento de rrm dos pârâmetros da mírsica, outro ou outros têm que retroceder. A síntese, acredita Adorno, só viria com a Segunda Escola de Viena sob Schiinberg'

3. que, em conseqüência disto, bem como das alteradas condições de comunicação e de efetividade, sejam também liberadas forças musicais produtivas, ultrapassando as posições e formas de organização burguesas;

67

42

Mayer 137, apud Alberti da Rosa, 2003. Ainda que não tenha se dedicado tão exaustivamente quanto Adorno à questão da

Eisler, 1990, p.

128.

43

I - LUz

forma geral traria necessariamente um novo critério estético. Discordando de Adorno, não teriam importância, nesta concepção, qualidades como "moderno" ou "ultrapassado", e sim "útil" (e mais: útil para quem?) e

"inútil". O progresso na música,

para Eisler, não se resume

em incorporat novos procedimentos técnicos, e sim em fazê-lo para novos objetivos sociais'68

Na tabela a seguir podemos visualizar e comparar as posições antagônicas ou coincidentes de Adorno e Eisler referentes aos vários

de Adorto à música de entretenimento Fcrítica

(e sombra)

é

Eisler pensava em introduzir, na música de entretenimento, paulàtinàmente, elementos de música modema, realizando uma fusão eotre Às duas linguagens.

paÍir

da dessublimação catáÍica (Ettlsublinietung), proporcionada por este tipo de música enquanto fonte de gratificação imediata.

feita a

Na música de entretenimento, e mesmo na

"Na música soviética já encontÍamos

folclórica, Adomo não vê senão a expressão de um passado mítico. Considera que seu intuito, na ãonservação de fórmulas antigas e muito atenuadàs,

a".

seja manter viva a ilusão de energias coletivas que antes moviam a sociedade. Energias que seriarn ilusórias, porque a música popular e a folcórica

uma "canção da moda'' e uma Peça que pertence I nova cultura musical." (Eisler, 1990' também sofreram, como todo o Ocidente p.183). industrializado, um processo de cÍescente racionalização. Adomo não acredita que haja restado

temas abordados neste capítulo. Eisler publicou em l93l seu texto G eselk chaftlk:he G rurulfragen de r mode rnen Ma.rit (Questões sociais fundaÍneÚais da música modema). Depois do exílio norteamericano, em 1948, profere em Praga a conferência "Questões Sociàis Fundamentais Seu projeto é que a realização de uma arte autônoma da Música Modema". encontÍe paralelo em uma sociedade de indivíduos instrumento de investidos de sua subjetividade plena. Adomo via na Eisler vê a música como conscientização, lamentando que muitos possibilidade de resistir à apreensão pelo conceito compositores modemos ainda acreditem no formâlista a chxnce de resistir-se ir regimes ideai da beleza que não pode ser comunicada' de esquerda. como direita de tanto totâlitários, mPenhe um Eisler o vital a papel nova a que é condenada a que isolamento o Acredita e útil Para música nãà por ela teÍ caráter associal; ao contrário, quem? - e inútil. sua essência social indica a desordem existente, e isso é condenada ao ostracismo.

Ádorno publicou em 1932 seu ensaio "Zzr A vrncuarda utística tem de dominü o material soDoro mais avmçado tecnicamente, pois este material sempre o mais àr frente possível em seu tempo - é o único que ainda náo foi cooptado pelas forçâs reacioníuias regressivas 'Todos os progressos nos âmbitos culturais o são quanto ao domínio material, quanto à técnica" (Progresso, 57). "Arrancar à mudit etemidade as "imagens musicais primeiras" [musikalischen Urbilder] é a verdadeira intenção do progresso da música". ( domo, Redklion und Fotlschriu, em Th. W. Adorno und Ernst Krenek,

Adorno, não existe música que não sejâ a burguesa

resume em incorporu Dovos procedimeoios técnicos, e sim em fzê-lo para novos objetivos sociais" (Eisler, 1990,p 42) Eisler acredita que critérios como "modemo" ou 'hltrapassado" não serão capues de du conta da potencialidade que a música tem para agir no meio da sociedade. Ser mermente modema e não contribuir no engajamento das massas náo seria suhciente. Modemâ é â arte que aponta ptra o futuro de indivíduos conscientizados, e trabalha com a finalidade de consúuir uma nova sociedade (comunista).

"O progresso não

se

a na música erudlta de concerto o tato de terao programa geral de refomm (referindo-se à social-democracia européia) que pretende preservar a srciedade burguesâ, e não

se adaptado

de cotrcerto.

'Até agora, a música existiu apenas como produto da burguesia, a quzrl, tmto em suas formas fragmentadas como completas, representa e Íegistrâ esteticamente todâ â sciedrde." (PhnM, p 123). Adomo acredita no vigor da lingutgem da música burguesa para combater a própria burguesia, ele acredita que as hernéticas obras da música contemporâneâ fauem uma crítica mais severa ao .§ÍdÍff qaa do que aquelas que, por mor a umâ crítica social inteligível, esforçam-se por obter uma conciliação

transfomála. Também coodena a "atemporalidade", isto é, na sua opinião, a ausência de vínculo com os âcontecimetrtos de sua época; "como conseqüência, ninguém quer ouviJa" (Eisler, 1990, p 72). Não poupa seu professor Amold Schônberg, a quem, quando compôs o oratório Die JakobsLeiter l,A escada d,e Jacó), actsot de refugiar-se no misücismo.

formal. Eisler, cotrstatmdo a repulsa que a direita européia nutria pela modema música burguesa (Schiinberg, Hindemiúr, Stravinski), acreditou que esta contiúa elementos pÍogressistas, e que, uma vez dembado o atual sistema sócio-polÍtico, o proletariado "receberá com avidez o Iegado da música bursuesa notável" (Eisler. 1990, p. 129

geselLschaJtlichett ltge der Musik" (A situação social da música), em que examina as condições sociais da criação artística, analisando-âs sob a ótica da dialética marxista e do materizüismo histórico.

pro edu avaliaçáo

verdadeira a que suscitada pela compreensão dà estrutura formal da obra. A consciência do ouvinte, lo invés de

Fdornoconsidera a única catarse

permaneceÍ na tem que Procur a concordância com a realidade sensível . A catarse, para Adomo, liga-se uo entendimento distanciado do processo de trâtamento que o compositor emprega, e, em seu momento último provocir não lígrimas. como nà dÍamaturgiâ aristotélicâ, mas uma confirmação de sua condição de sujeito. Náo é a submersão no sentimento que a provoca, màs a manutenção da tensão entre o homem e o mundo.

e

1990, p.224).

música, de à medida ndivíduo' daí

iminui e

45

máxima

conscientização do ouvinte: "Se us massas exigem embriagadores [...] é buscam equivalentes e vivências que lhes

Eisler, 42.

44

vez de buscar o aturdimento psíquico ouvinte, de produzir estâdos e motivos anárquicos, à músicà tem que procurâÍ à eluciàação da consciência da classe social mais lvarçadr, dl classe operíria, assim como tentàÍ exeÍcer influência sobre o comportànento prático do ouvinte." (Eisler,

dl

urte efeitos

RONEL ÁLBERTI DA

Morte "somente numa humanidade pacificada e satisfeita a arte deixará de viver - se ela morresse hojê, como ameaça suceder, seria apenas o triunfo do mero Dasein sobre o olhar da consciência que a ele ousa resistir.' (PhnM, p.24).

Eisler espera que, na transição para uma sociedade comunista do futuro, as pessoas atinjam um nivel de consciência tão pleno que a arte não terá mais nenhuma ingerência

Para Eisler, é mais importante a relação Pela tentativa de perpetuar estilos desgastados, Adorno vê o desejo de manter vivo o staturi quo. mediada com os acontecimentos sociais, por isso não descarta compositores neoComo, para ele, o próprio "material" é espírito sedimentado, algo socialmente preformado pela clássicos, já que seu estilo pode ajudaÍ o

em suas psiques. O ser comunista não terá mais necessidadê da aparência (Schein) do Belo - sua emoção estética será racional, o reconhecimento da forma.

consciência do homem", (PhnM, p. 39), a resistência ao emprego de material musicâl avançado caracteriza o reacionaÍismo na arte e na sociedade.

Dodecdfonismo

outÍas palavras: só podemos esperar passar o invemo se a música conseguir se emancipar também da técnica dodecafônica." (PhnM, p. I 10).

Reacõ.o

da arte

Cumprir-se-ia o que Hegel escreveu: "É possível que, em uma sociedade liberta, a arte se extinga; em seu lugar se encontrará a filosofia." (Hesel, apud Eister, 1990, o.470\. Música autônoma 1 finciotnl Não acÍedita em um compÍomisso Reconhece que a música se encontra diante formalista, pensa que a arte deve manter de uma missão contraditória, que é a de ter perenemente seu movimento de esquiva a que ser realista (para não cortar seu cordão de qualquer tentativa de fazê-la relacionar-se Iigação com o processo histórico), mas com o natureza. Para isso ela deve negar-se a continuar sendo música, isto é, não se reduzir admitir qualquer elemento não musical à mera ilustração da natureza. Eisler pensa (literário, pictórico) em seu núcleo mais que "Notowicz, muito corretamente, íntimo, que é a constituição do material com expressou que o realismo socialista tem que que o compositor vai trabalhar. desenvolver-se nos diferentes estilos musicais. Manter este equilíbrio parece mais Referindo-se aos pÍotocolos estéticos ditados plausível, ainda que mesmo assim difícil, em pelos nazistas, escreve que "Na Alemanha, a música que contenha texto. "O realismo Reic hs mus ikkamme r flmperiall Câmara de socialista na música não é um método de Músical deixou atrás de si uma montanha de composição, e sim uma atitude do compositor escombros. O estilo cosmopolita que se diante do conteúdo e a relação entre este e a seguiu à Segunda Guerra Mundial é o forma." (Eisler, 1990, p. 437). ecletismo do enfraquecido." (PhnM, p. 16).

Adorno via no dodecafonismo, assim como no atonalismo livre, um estágio rumo à libertação totxl do mateÍial musical: "Em

I - LUZ (e sombra)

ROSA

Eisler vê os compositores modernos como rnunciadores de um mundo que ainda não existe, e sua obra progressista, apesa-r de serem eles mesmos representantes de uma forma burguesa de arte. Esta boa música burguesa sobreviverá a sua classe e enriquecerá o legado das massas trabalhadoras, no futuro.

avanÇadas.

"Nenhum artista tem condições de erguer-se acima da contradição que há entre afle nãoacorrentada e sociedade acorrentada: tudo o que ele consegue é contradizer essa sociedade acorrentada com a arte não-acorrentada, e mesmo aí quase não deve ter esperança."

íPhnM n lO?\

História Adorno critica a visão de História de Hegel e de Eisler tinha uma postura otimista em Marx, para quem a sucessão dos acontecimentos relação à História. Via a crise da música burguesa como um sintoma de uma crise está toda implicada em uma cadeia necessária. muito mais ampla, e que atingia a Não concorda também com o otimismo sociedade como um todo. Acreditava que marxista acerca dâ técnica e da dominação da esta crise levaria necessariamente a uma sociedade marxista.

natureza.

Em sua Dialética Negativa, escreve que a lógica Para aplicar à música o método do da seqüência das coisas é permeada pelo acaso; nenhum acontecimento está implicado de forma materialismo dialético, reconhecia a impoúânciâ de aprender-se com os a ocorrer obrigatoriamente. Nos Três Estudos equívocos do passado, pensando que, sobre Hegel defende que "a história é contingente, daí oferecer-se, a cada momento, a corrigindo-se as desigualdades na possibilidade de acontecer'diferente"' (Adorno, sociedade, o indivíduo poderia fazer valer sua natureza fraterna. Pregava "estudar-se 1995, p. 37). o nascimento e o a extinção, assim como o desgaste e a renovação do material musica O aspecto pessimista da visão de História de uos estilos socialmente condicionados da Adorno é que ele vê na própria natureza do música, com suas funções cambiantes". homem, em sua ambigüidade, os fatores que levam a cíclicos retrocessos, tendendo sempre a (Eisler, 1990, p.360). tocar a barbárie original.

O tratamento dado por Schõnberg ao material de tríades, na 2". Sinfonia de Câmara Em termos técnicos, Eisler também procurava e nos Coros para Vozes Masculinas op. 35, fazer com que suas composições construindo com este material convencional dodecafônicas contivessem notas de apoio composições avançadas, chamou sua atenção para o auxílio da audição do público nãopara a importância do tratamento do material erudito, criando corredores de tonalidade nos e para a possibilidade concreta de quais o ouvinte podia reconhecer a forma da transcender o dodecafonismo. composiÇão e facilitando a comoreensão.

46

proletariado a compreender paulatinamente as composições mais

47

II cÂnrEne (grande perspectiva)

ÓPfne -

Quasi una fantasia

Antes de nos lançarmos à música que ilustra cenas de cinema, vamos primeiramente examinar algumas passagens musicais imbricadas

em um contexto de linguagem teatral mais pronunciada e tradicional, que é a da ópera. Desde a primeira ópera, o Orfeo de Monteverdi, indo

até os monodramas Eraartung e Die gliiciliche Hand, de Arnold Schrinberg, tantas vezes citados por Adorn o na Filosofia da Nooa À[úsica, e às

últimas produções que o filósofo possa ter conhecido antes de

morret em 1969, o papel da música sofreu uma evolução notável tanto em relação à palavra quanto no que toca ao enredo do drama. 49

RONEL ALBERTI DA

I] -

ROSA

A palavra, na verdade, pode ser considerada como uma das principais razões paÍa a criação deste novo gênero. Os teóricos em torno de

Monteverdi e Da Vinci tinham o propósito de devolver ao verbo sua potência de intelecção e persuasão, de acordo com o modelo grego de valorizar o logos. O texto cantado devia ser compreendido pelo público, o que não era a Íegra no estilo polifônico da alta Renascença. Com

o passar do tempo e a evolução da forma operística, contudo, o texto

voltou a ceder terreno em sua função narrativa. Em Richard Wagner vamos encontrar a ópera como um grande painel sinfônico, em meio ao qual as vozes recebem tratamento tal qual os demais instrumentos

Viena70, com a libertação do tonalismo tradicional e com uma lingua-

gem técnica de expressionismo musical extremamente concisa e lógica, que foram, num primeiro momento, o atonalismo livre, e, em seguida, o dodecafonismo. Referindo-se à eqüanimidade dos planos vertical e horizontal - contraponto e harmonia - no Die Glnciliclte Hand,

Adorno reconhece ali a possibilidade de a arte preencher e até ultrapassar a exigência de conhecimenro proposto pelo estilo, reafirmando a necessidade de integração de todos os parâmetros da ópera: Os acordes ProtocolaÍes convertem-se, assim, em material de cons-

trução'IssoocorrcemDieGlücllicheHand,queéumtestemunhodo

da orque stra, sendo sua linha não necessariamente cantabile. Em Wagner

expressionismo ortodoxo e' ao mesmo lempo, uma obra de arte' Com a repetiçáo, com ostinato e harmonias sustentadas, com o lapidar acorde temático dos trombones da última ce na, esta obra se declara pela construção arquitetônica. Tâ1 arquitetuta nega o psicologismo

o cerne da mensagem está contida entre os planos orquestrais, sendo o

texto irrelevante para

a apreensão da atmosfera.

Este aspecto foi o que

apaixonou especialmente Nietzsche, que acreditou ver ali uma recria-

musical que, contudo, nela se consuma' Desta maneira, a música não somente recai, como o texto, em um grau de cognição inferior ao do expressionismo, mas, ao mesmo tempo, avança além desteTr'

ção autêntica de valores estóticos da Grécia clássica - ao contrário dos renascentistas, ocultando a palavra - portadora, para Nietzsche, de toda

uma carga socrática de cientiÍrcismo e unilateralidade

-

em detrimen-

to da música. Querer ilustrar musicalmente um poema, querer tornar inteligível a palavra pela música é como virar o mundo pelo ave sso, "é como se o filho qu.isesse engendrar o pai". Imaginar que a ópera prec.isa de librero, de palavra para suscitar o sentimento musical, acreditar que "as palavras são mais nobres que o contÍaponto", que "a letra governa a polifonia como o senhor ao escravo", é desconhecer anatureza da

CÂMERA (qrande PersPectiva)

Isso não significa que Adorno tenha deixado de insistir no imperatiyo estético de uma alta qualidade nos vetsos a serem musicados'

Dá como exemplo negativo

as óperas Cosi

"?;::i fase.

*:,":l'::ffi;,':;il',:'.:i,'**,''":diz ern. A Primeira Escola de Viena

Berg "on"

Mozatt e Beethoven' em stta primeira

Para Adorno, a integração não apenas de texto e som instrumen-

tal, como de harmonia e contraponto musicais, estava à espera de um momento de confluência. E este se deu a partir da Segunda Escola de zugleicrt iiÜer tJiesen hinaas."

Nietzsche, aptrd Dias, 1994, p. ?5.

50

e Euryanthe

(Weber), lamentando que, uma vez compostas sobre textos fracos, não

músicaí'e.

6e

fan tutte (Mozart')

(PhnM, p. 53-54). 51

II -

CÂMERA (grande

!erspêctiva)

haverá maneira de o diretor de cena ou de o maestro erguerem-nas da

Vamos examinaq nas próximas páginas, alguns trechos de óperas

mediocridade: "A qualidade musical nunca foi indiferente à do

em que o compositor tenha empregado sua ferramenta para despertar

texto"72,

emoções de comoção ou medo naplatéia, pontuados por comentários e

Ainda quanto ao texto: Eisler via na sua compreensibilidade um

fator que faz dela a mais democrática das grandes formas musicais. Para a construção da sociedade do futuro, ele preconizava o retorno da

supremacia da música vocal sobre a instrumental. Na tlludança da função social da música (1936), aponta as modificações a serem efetuadas

reflexões de Adorno. De forma semelhante ao que o cinema represen-

ta paÍa o público dos séculos XX

musicais do oratório (forma musical ampla, mas, às yezes, também apenas uma recompilação de obras líricas), mas deterioradas pela ne-

-

a ópera oferece algo mais que a

purificação interna, que é consumada nos espíritos dos que a assistem

em meio a sustos e horrores. Os modelos pelo qual os compositores do Renascimento tardio

Para a finalidade que teve até agorai síntese das mesmas formas

cessidade de

XXI,

a alegria e o sofrimento com os peÍsonagens do drama: é a Kátharsis,

na ópera contemporânea:

-

e

criar efeitos teatrais.

se orientavam eram tanto as famosas linhas da Poetica de Aristóteles,

que fala do efeito purificador datragédia ática, quanto a descrição do general Alcebíades, assistindo transtornado e em lágrimas às representações dos dramas durante o Festival, em Atenas: "Attagédia, por meio

da piedade e do medo, leva a cabo a purificação de tais emoções"7s.

Para a nova finalidade: crítica social, descrição de costumes e elirnina-

especiais do cinema hollywoodiano atual?) tem origem na exigência

De qualquer forma, a repÍesentação do trágico e do assustador sempre foi uma tentação para o artista, seja - como diz Günter Buhles - "em razáo de suas próprias necessidades psíquicas ou pelo intuito de atrair a atenção e causar um efeito especial sobre a platéia'" Se exami-

constante da Estitica de Hegel (e que abre a lntrodução da Filosofia da

narmos alguns exemplos ao longo da história da ópera, notaremos que

Nooa llúsica, de Adorno): "Pois na arte temos que ver, não através de

a pergunta que se nos apresenta ó aquela de como diferenciar entre a

um simples jogo agradável ou útil [...] mas através de um desdobramento da verdade.Ta"

realidade e a aparência, entre Sein e Schein Esta pergunta é a mesma

72

"Nie aar die nusilalisdrc Qaalimt indifferent gegen die des VoruturJs: Werle oie Cosi fan ruae and Euryantle laborieren aucl nusiialisc/t an iiren Biiclurn und sind durcl leine literariscle and szeniscÀe Hilfsoperation zu retten." (PhnM, 31).

grando para uma outra ârea da estética filosófica, a discussão acerca da

Eisler, 1990, p. 226-7. "Denn in dei Kanst laben air

engajamento a que pode ser atrelada) ou sua autonomia.

ção de efeitos opeústicos conoencionaisTs.

Este repúdio de Eisler aos "efeitos" (o que pensaria dos efeitos

73 Ta

slldern

es

nit

leinem

lloff

que perpassou todo o Romantismo na tentativa de definir o que é romantismo e o que é realismo: um ponto que não foi superado nem ao término do século XIX, pois seus desdobramentos acabaram mifuncionalidade da arte (sua potência de espelhar o mundo físico e o

angeneltnen oder nülzliclten Spiela;erl, III, apud Adorno.

mit einer Entfaltung der Walrheit za thun.,' (Hegel, Asúeti|

PhnM, p. 13).

7s

2

Aristóteles, apud Rey Puente, 2002, p.17.

53

I1

dicavaumasubstancialidadeparaalémdaaparênciadossentimentos muexpressados, esta pretensão mal tinha relação com sentlmentos

da Dresdner Staatsgalerie (incluindo-se uma .ll4adonna de Rafael) à fren-

exigência sicais individuais que deviam reflerir aqueles da alma' Esta os era garantida unicamente pela tocalidade da forma que comandava

te das barricadas para impedir que as tropas do governo façam uso de

caracçeres musicais e suas relações'ii

suas armas76.

Ao musicar os versos do canto

Por esta razdo, creio ser de relevância determos nossa atenção

e inspirada na Antiguidade clássica

-, a música

teve seus primeiros

momentos e propositalmente tentou incutir sensações na platéia. Não tratarei aqui dos muitos casos de música instrumental de imitação da

\atuÍeza, tais como canto dos pássaros (Le Ciant

des Oiseaux, Cleme

nt

Janecquin), visões da natureza (Le Suatro Stagione, Antonio Vivaldi) e outros, mas sim de artifícios musicais para expressar e suscitar sentimentos abstratos.

Persrectiva)

mediada_aaparênciadaspaixões.Quandotranscendiaistoereivin-

de 1848, em Dresden, sugere que se coloquem os melhores quadros

-

CÂMERA (gratrde

Amúsicadramâtica,verdadeiran.lusit.aflcta,ofereceu,deMonteverdi a Verdi, a expressão como música estilizada er ao mesmo temPo'

Esta questão acerca da eficácia social e política da arte é bem ilustrada no episódio anedótico em que Bakunin, durante a revolução

em alguns exemplos operísticos, que é onde, a partir do Renascimento

-

x

da Jerusalám Libertada, de

Torquato Tâsso, no episódio conhecido como o combattimento di Tancredi mais que e clorinda, o compositor levou a platéia que assistiu à estréia às lágrimas. Ao final Tàncredi, o cavaleiro cruzado, retira o elmo do mouro que o desafiava às portas de Jerusalém e ali descobre sua amada

Clorinda, que o tinha seguido incógnita à Terra Santa: ao término do último acorde, o público não aplaudiu nem chorou, permanecendo longo tempo em silêncio estupefato.

O Combattiruento náo é uma ópera, é uma cantata cênica' em que Mas os cantores realizam apenas alguns gestos e expressões faciais. mesmo na obra sacra de Monteverdi, como nas vespro della beata vergine (Vísperas da Beata Virgem llaria), são abundantes os exemplos em que

.

IJma Fábula em Música Idealizada como recriação do drama da Antiguidade clássica,

a

ópera italiana do settecenl, representou, para o imaginário do homem

e jogar o compositor consegue arrancar o público de sua imparcialidade

renascentista, a união de todas as artes. Claudio Monteverdi (1567-

comaSemoções.Seissoéverdadeaindahoje,podemosimaginarque efeito tiveram estas obras sobre os homens e mulheres da ltá]ia por

1643), compositor mantovano com uma visão ímpar para inovações

volta de 1600.

musicais, era detentor de uma intuição dramática como a que só Giuseppe Verdi disporia, quase 300 anos mais tarde. d"o*otiul* Mrril, ats die aaltre musica f,cta, üoí zton JvÍonta)erdi ttis lbrdi den Ausdrucl und als stilisiert-oernií/elien, den 3crtein der Passioner. wo sie dariiber linausging laftete dieser ansltruclt huÜsmnrialitàt jenseils tles sclreins ausgedriiclnr Gefiihle beansprucite, lhn laun an einzelnen nusilalist'lten Rrgungrn, die solclu der seele oiderspiegeln so/lten aerüürgte einzig die Fornrotalitàr,Áeicfie iiÜer die musiialischen

76

Cf. Ftillsack, 1995, p.

Zasammenltang geÚot." (PbnM' p' 44)'

il.

-Di, 54

55

claraltere tnd ilren

II -

cÂMÊRA (grande perspectiva)

A ópera, que nasce com o Orfeo, umafaoola in musica, em 1607, e sua combinaçáo de música instrumental e vocal, teatro, dança, poesia, cenografia, iluminação e figurino, ofereceu uma oportunidade ainda

obedecendo apenas às leis intrínsecas do contraponto, não importando

inexplorada para a experiência estética. Não sem ruzáo os teóricos da

A música que Monteverdi escreveu para a fâbula de Orfeo é sempre ilustrativa: nos interlúdios de caráter pastoral, nos corais homofônicos (para que a palavra, que então passava a assumir a primazia sobre o contraponto), na instrumentação (os trombones para a majestade de

Camerata Fiorentina propunham a recriação da tragédia grega, ou de como imaginavam que esta tinha sido algum dia. Eisler observa que

ópera, desde seu nascimento

-

com Monteverdi

-

a

até Gluck, desen-

volveu-se com temas humanistas. Esta concepção humanística apoia-

va-se em idéias como a glorificação do homemTse de sua infinita potencialidade construtiva, a nostalgia de um retorno à natureza e

a

apologia da existência real. "O humanismo da burguesia ascendente

se o momento era, por exemplo, do nascimento, da morte ou da res-

surreição de Cristo.

Plutão e do reino do Hades e a harpa para Orfeo e Apolo), e mesmo em simbolismos como o empregado no Corl di Spiriti: este é o único momento em que o coral canta não em homofonia, mas em polifonia, no estilo antigo, porque, claro, os mortos no Hades pertencem

ao passado,

mesmo em sua forma de cantar.

do Renascimento e as idéias do Iluminismo, que caracteriza a ópera de

Gluck, estavam ocultos sob a forma antiga.?e" "Degli

ffitti

nascono

gli

ffitn":

dos afetos nascem os efeitos. De

acordo com esta divisa da teoria dos afetos, a emoção contida no texto devia ser traduzida pela interpretação do cantor. Quando, ao final do

1,'

ato do Orfeo, a tl,Iessagera vem trazer a funesta notícia da morte de Eurídice, picada por uma serpente, o acompanhamento também não é indiferente: a música traz acordes dissonantes sem preparação e mudanças surpreendentes de tonalidadeso. O que hoje nos parece óbvio foi, na época, uma grande inovação, pois a Camerata FiorenÍina queria se distanciar do estilo antigo, queria superar a polifonia de Palestrina,

em que a música se comportava sempre de forma indiferente ao texto, 's "O homem é a medida de todas as coisas", a máxima do sofista Procágoras, é rctomada pelo Renascimenro - que aspira fazer renascer o espírito helênico. 7e 80

Eisler, 1990, p. 356. caso os affetti assim o exigirem, surpreender os ouvinces com cadências inesperadas: (""'.utilizando também.ma harmonia estranha, como se pretendesse sair do tom,,!): Agazzari, Agostino: "Del sonare sopra I'Basso com Íutti gii strunenti dell'aso /oro ne/ Concerto", cf. Jacobs, p. 19.

56

As Fúrias Dançam Com Christoph Willibald Gluck (1714-1787) encontra-se a orquestra já ampliada, na formação que acabaria se consagrando no primeiro classicismo vienense, o que amplia consideravelmente o poder sugestivo da massa sonora. Quanto mais avançamos em direção ao apogeu do Romantismo, no século XIX, mais freqüentes, sugestivas e impressionantes vão se tornando as representações dos sentimentos de medo e pavor através da música. Da mesma maneira como preconiza o emprego do teatro - e da ópera - enquanto "escola da moralidade", o Iluminismo reforça o anelo renascentista de uma reconciliação com a rratuÍeza (isto é, com o mundo real e sua representação sobre o palco), pois, segundo Diderot, a possibilidade da excelência artística está relacionada com o estudo da realidade, já que "a própria r,atuÍeza serviu de primeiro modelo da arte"8l

8r Dideroc, Sobre

.

a Arte,101, apud Ovsiánnikov, 1982, p.21.

57

RONEL ALBERTI DA

II -

ROSA

O Convidado de Pedra

E na Dança das Fúrias, à entrada do Târtaro, o público da ópera enrra em contato com um exemplo original do que seja uma música de

terror. Nesta passagem puramente instrumental, a repetição de linhas ameaçadoÍamente descendentes em contÍaste com saltos ascendentes e interrompidos por notas longas criam, com notável aParato dramatúrgico, a impressão do que seja o horror. Para o ouvinte do século XVIII foi certamente mais do que apenas uma impressão!82

perspectiva)

como carpideiro e como cantot, penetra na realidade alienada. "As lágrimas brocam, a tetra me tem de novo"; a música se comporla de acordo com isso. Desta maneira, a Te rra tem outÍa vez Eurídice.81

Na ópera Odeu e Euúdice (1762) Gluck anuncia, com acordes em tonalidade menor, já na abertura, eventos trágicos e ameaçadores. Mesmo a entrada do coral, depois do prelúdio, com sonoridade muito velada, faz com que se reforce a intuição, como observa Buhles, da presença aurâtica da morte no mundo subterrâneo'

CÂMERÀ (grande

Wolfgang Amadeus Mozart (17 56-1791) também legou ao reper-

tório operístico uma passagem ímpar sob o aspecto que nos interessa aqu,i: "Don Gioaanni, a c€flar teco m'inaitastil" (Don Giovanni, me convidaste para jantar contigo!). Com estas palavras fatídicas o "convidado de pedra", a estátua do assassinado comendador, vem buscar o liberti-

no para caÍÍegá-lo ao inferno. A cena, característica do "humanismo E, um lance de mestre de Gluck como dramaturgo, os silêncios

entre os chamados de Orfeu

-

Eurídice!

-

além de reforçarem seu

desespero, seduzem o público a tomar parte em sua angústia. A respei-

to deste trecho Adorno, sempre crítico quanto à música que pretenda aliciar a cumplicidade das emoções do ouvinte, adverte que onde há pranto o homem acaba aprisionado

-

isto é, seu discernimento é em-

pré-revolucionário de Mozart"sa, não poderia ser melhor Preparada: no segundo ato Dona Elvira fazumúltimo apelo ao dissoluto Don Giovanni para que se regenere, ao que ele responde apenas com escárnio' Elvira

se retira, vendo a inutilidade de seus esforços. Neste momento a orquestra, por meio de furiosas escalas ascendentes e a repetição de breves motivos nos violinos, prenuncia o que vai acontecer' Dona Elvira,

botado.

A origem da música, como o fim, é de na:uÍeza geslual, parente próxima do pranto. É o g"tto do libertar-se. A tensão da musculatura facial cede, aquela tensão que, no ato de voltar o rosto Para o mundo que o cetcâ, ao mesmo tempo dele se isola. A música e o pranto abrem os lábios e libertam o homem aprisionado. ['..] O homem,

81

"Wie das Ende, so greift der Ursprung der ll[usii iilers Reiclt der Intentionen, das aon Sinn und Subjeitioim fiinaus. Er is/ gestiscier Art und nai zterwandt des Weinens. Es ist die Geste des Lõsens. Die Spannung der Cesicrttmuslulatur gil,t nach, jene Spannang rttehie das Antlia, indem sie es in Afrtion auf die (Inaelt ricfitet, oon dieser zugleicl absperrt. tVlusil und Winen i)ffnen die Lippen und gel.ten den angeialteten ,|.Íensclen los. [...] Ak Weinender und ak Singender gelt er in die entfremdete Wrllicfiieit ein. 'Die Tràne quillt, die Erde lat nich aietJer'." (PhnM, p' lZZ).

sa

Eisler admira Don Giovanni, um nobre, mas que se rebela mesmo contra Deus, e observa que MozaÍt teve muita corâgem em musicar a cena final: col,IENDAD1R

L

I

ii

"2 "Und üein Tanz der Furien an der Scloelle des TarÍaras erlebt der Opernüesucher ein, nrin: das friihe Beispiel eiter inslrunentale* Gruselmusil. In diesen reinen Orci.estersalz aus

aiederrtoltun, bedrollicl aborirÍslaufendet Linien irn KontrasÍ mit gezacltex AuJatirtsbrutegangen, unterbrocien darch lôngere NoteL aird mit toller Dromalurgie die Ainung oon Schreclen erzeugt, Für den Hiirer des 18. JalrhtnderÍs oar es geaiss melr als nur eirc Altnungl" (Buhles, p. 2).

58

(enviado por Deus para advertir Don Giovanni): Arrepende-tel; DON GIOVANNI: Náol; COIIIENDADOR; Ajoelha-te no pó e rezal; DON GIOVANNI: Não! (Eisler, 1990' p. 356 e 450-451).

59

II -

CÀMERA (grande

!erspectiva)

Beethoven foi o primeiro que soube criar, com o auxílio de Pequenos motivos, poderosos aumentos de tensão, construídos sobre a base de um mocivo embrionário, o impetus da idéia. Recém então o princípio do contraste, que domina toda a arte, pôde assumir o que lhe é de direito, quando cessou o efeito da idéia do motivo embrionário' [..'] Os temas de Mozart, por exemplo, trazem freqüentemente em si o princípio da oposição; encontramos nele períodos de tensionamento e períodos de resol_ução86.

ao sair da sala, emite um grito de pavor. Leporello é enviado por Don

Giovanni para saber a causa do escândalo e também solta um grito, volta a entrar e fecha a porta. Aqui a orquestra descreve, com todo seu volume - inclusive emprego dos tímpanos - a chegada do "convidado de pedra". É o comendador, assassinado por Don Giovanni no início da ópera, que retorna na forma de estátua.

De início, alguns momentos de pausa geral na orquestra. De Não é difícil, nesta cena da aparição da estátua, identificar ele-

súbito, descarrega-se uma tensão eletrizante, com intenso movimento nas cordas. Acompanhando a fala da estátua, a orquestra lança passa-

mentos do romantismo. A passagem está composta em ré menor,

gens cromáticas ascendentes tão rápidas que quase chegam a soar como

tonalidade trágica de Mozart, e que ele reservava para os momentos mais

glissandi, e quanto mais agudas mais ameaçadoras soam. Aos poucos vai

tocantês

-

a

também é a tonalidade que predomina em seu Réquiem.

a cena ganhando em tensão e dramaticidade, e com estas aumenta a

consciência do perigo mortal que ronda

-

mas não em Don Giovanni,

que segue arrogante, mas na platéia. A orquestra toca quase que apenas acordes furiosos - náohá mais necessidade de melodia. Em breve, Don Giovanni será carregado para o inferno...

Na Garganta do Lobo A próxima ópera que nos cabe examinar é o Freischiitz (O Franco Atirador), de Carl Maria von Weber (1786-t826). Primeira ópera na-

O tratamento dado por Mozart a esta passagem condiz com o

cionalista alemã, estreou em Berlim em 1821. Na história, o povo ale-

desenvolvimento que a música para orquestra apresentava em seus dias, isto é, urna ampliação da forma por meio da alternância na instrumentaçáo.Mozart foi um precursor na contraposição de caracteres

mão se viu pela primeira vez representado, tendo como pano de fundo

musicais; suas composições apresentam temas contrastantes, o que con-

popular

tribui para elevar o efeito dramático. Utilizando

as palavras de Hegel,

este procedimento "confere à sua música uma nova intimidade subje-

tiva que dificilmente se eícontra antes dele"8s.

O contraste sinfônico, depois de ter nascido na escola de Mannheim, avançava rapidarnente paÍa alcançar a maturidade na figura de Beethoven que, em 1787,quando estreou o Don Gioaanni, estava com 17 anos.

8s

Hegel, apud Eisler, 1990, p. 449.

60

o bosque, símbolo do romantismo e da força da natlÍeza, que deveria

guiar o povo alemão a curar-se de seus males e atingir

-

-

este o anseio

a unidade da nação.

Weber dá provas de entender de seu ofício: na abertura, com a cortina ainda fechada, consegue fazer presente toda uma aura de mis-

tério romântico, graças à alternância pausada entre silêncios e acordes

86 "Beetrtooen als erster

hat nit Hilfe lleiner Motioe gnoaltige S*igerungen anzalegen geaupt, die sicrt einheitlitl auf einen'Keimmoths, dem Erreger der ldee aufÜauen. Das Prinzip des Gegansatzes, das alle Kunsl beierrsclt, titt dann erst in seine Rec/tte, oenn die Wiriung der Idee des Keimnotioes aufgelõrt tat [...] Die Tiemen Mozarts z. B. tragen das Prinzip der Gegesiitzliclleit oft in siclt sell,st; es finden si.c/r festgescilossene Vordersàlze und aufgeli)ste Naclrsâtze." (PhnM, p. 6l-62).

61

RONEL ALBERTI DA

U

R

-

CÂMERA (qrande

!ersPectiva)

a

emfortissinto de toda a orquestra. Na Filosofia da Nova Música, Adorno faz uma breve análise musicológica do efeito obtido pela aPresentado tema da mocinha Agatlte na abertura do Freiscltütz, em que deção

monstra estar bastante atento à relação da técnica composicional com a capacidade de suscitar emoção no ouvinte. Este trecho é também tes-

remunha da excelência da erudição musical de Adorno; a dificuldade de compreensão para os leitores não familiarizados com a terminologia

que a noiva que vai morrer. A música contribui para reforçar a\déia de nas naü)Íeza é povoada por forças mágicas e misteriosas, que agem sombras influindo no destino dos humanos' Afinal, "o objeto

["']

de

todo romântico é a transfiguração de realidade e aparência"88'

e

sonoplastias como a que Weber só são agora possíveis com essa intensidade, já que a orquestra enconrra-se bastante ampliada. Doze badala-

técnica poderá ser compensada com a audição de uma gravação da aber-

das anunciam a hora morta. Durante toda a cena do feitiço Weber início apresenta o que havia de disponível em recursos na orquestra do

tura:

do século

xIX:

tremolo nas cordas, glissando nas madeiras, tuttis orquesem longas seqüências cromáticas, sem esquecer acen-

trais culminando No tema secundário da Abertura do Freistiiitz de Webet tomado da âi,a de Agatfie, o inEervalo que conduz ao ponto culminante sol, no terceiro comPasso, é uma terça. Na coda que enceÍra a peça inteira, este intervalo vai aumencando, primeiro para uma quinta e, por fim, paÍa uma sexta e, e m relação à nota inicial do tema, com a qual nossa memória auditivafaz a relação, es!a sexca é uma nona. Ao ulcrapassar o âmbito da oitava, ela adquire uma expressão de júbilo desmedido' [...] guando a oitava é superada, o significado musical vai com isso ao exttemo, pois o equilíbrio do sistema se rompe87.

A passagem que agora nos interessa é

a

chamada cena da Gargan-

ta do Lobo, no segundo ato. A névoa sombria que encobre a paisagem chega apoiada musicalmente por tremoli nos violinos. A expectativa do

público é atiçada ao máximo por meio de crescertdi súbitos na orquestra e insistentes interjeições do flautim. Um coral masculino, oculto - espíritos?

-

canta um trecho em ladainha, de uma nota só, sobre uma

muito tuações deslocadas do ritmo, reforçados pela percussão, e o uso final conscienre dos metais (as trompas ocasionalmente abafadas). No da cena aparece Samiel, o Caçador Negro, e o feitiço tem fim'

O Navio Fantasma Richard Wagner (1813-1883) personifica o mestre sedutor das conhecores da orquestra no apogeu do romantismo alemão' O íntimo a cimento da orquestra, devido a sua atividade como maestro, alia-se uma intuição muito aguçada para o dramático e o sobrenatural' Sua cena capacidade de provocar a emoção na platéia, em passagens com de ou puramente orquestrais, fica especialmente patente na ctitica

Friedrich Nietzsche:

1

o7

eútnlntfl.erreil SeiÍensatzthema der Freischiitzouztertürê isÍ das auf g in dritten Talt führende Interuall eine Terz. In der Coda des ganzen Stüthes aird dieses Interoall oergràfurt, erst in eine Qaint and schlieplich in eine Sext, und gegeniiber dem Ausgaflgston des Tlemas, auf den dessen VerÀãhnis zurüclliirt, ist diese Sext eine None. Inden sie üüer den Oltauraum fiinausgreiJt, gew;innt sie den Ausdrucl iiÜersclaenglichen Jul,els. [...] Wird es [das OltaointentallJ überschritten, so aird damit soglei.clr. die Bedeulung ins Exlreme, das Gleiclgeaicrtt des Slstems Aufhebende gesteigerl." (PhnM, p. 78).

"ln den der Agatfien-Arie den Hi)hepunlt

62

N1'.- der

Z@ecl f

-.1

alles Romantisclten

[...]

(Rtrmmenhóller, apud Buhles, 1999, p' Z)' 63

ist

die Vertauscltuttgaon Realitiit wd Schein"

II -

Wagner [...] sabe descobrir com extraordinária acuidade a alma humana "em sua paralisia, em seu cansâço, entorpecimento ou inimizade e caos", e usa com extÍema habilidade de todos os recuÍsos dramáticos: música, palavras e gestos, paÍa estimular os nervos [...] Além disso, concebe a música como uma "retórica teatral", como "instrumento da expressão, do reforço dos gestos, da sugestão e do psicológico pitoresco" 89,

CÂMERA (grande

perspectiva)

ca". Ao subir a cortina para o segundo ato, depois dos poderosos acordes da orquestra, a platéia encontra-se, não com algum quadro de tor-

menta em alto mar, mas com um coro de mulheres, sentâdas, fiando em suas rocas. Ora, Wagner conhecia, pois tinha regido algumas vezes

a

6tria

da mocinha

-

Agathe

-

no Freiscrtütu e a de Emmy, na 6pera O

Varupiro, de Heinrich Marschner. Daí ter tido a idéia de utilizar-se de

Wagner, que também ficou conhecido como ensaísta, tentou em

uma cena idílica

-

a balada de Senta

-

como contraponto para a maldi-

vários escritos fundamentar esteticamente o efeito da música sobre o

ção. Wagner explicou mesmo que tinha iniciado a composição da ópera

ouvinte. O Wagner compositor, entretanto, que tanta impressão cau-

por esta balada. A cena toda, que pode parecer pueril, é um episódio

sou a Nietzsche, não foi capaz de desenvolver conceitos que estives-

apenas aparentemente banal, e é justamente ela que possibilita

sem aptos a ombrear com os do filósofo; nunca conseguiu se divorciar

dramaticidade e a tragédia que seguem, como contraste. É

de preconceitos metafísicos e de uma terminologia nebulosa, como

que pÍovoca distensão, apenas pata tÍazeÍ novos sustos e instalar

"belos sentimentos" ou "linguagem do coração". Em '.á obra de aríe do

tragicidade.

faturo" (Das KunsnoerÉ der Zuhunft) lemos que "o órgão do coração é o som; sua linguagem, conscientemente artística, a música"e0, o que, com

a

u^ ,""rtso a

Tàl paralelismo encre a segurança do cotidiano e o sinistro contexto é conteúdo da arte do Romantismo. Tal antinomia encontra sua mais típica e ideal caructeizaçáona "ironia romântica"er.

a melhor das boas-vontades, não nos ajuda a nos aproximarmos de um

estatuto da estética wagneriana. O Holandês Voador, sua primeira ópera de sucesso, estreou em

Dresden em 1843. O argumento tÍata de uma maldição que pesa, não se sabe por que ruzáo, sobre o marinheiro errante que é condenado

a

navegaÍ eternamente à espera da redenção que só virá pelo amor de

uma mulher. Este será, também futuramente, o tema central dos dramas wagnerianos.

Seja qual for a maneira como se empreguem, Adorno recusa

artifícios supérfluos que possam dificultar a compreensão formal da obra - só a consciência liberta. E para se ter consciência é preciso ter algum vislumbre da verdade contida na obra de arte. Bxpedientes de ilusão têm por efeito arrastar o homem de volta ao mito, aos heróis da era da barbârie. Referindo-se ao aparato wagneriano, Adorno escreve:

Sem desconsiderar a abertura, uma verdadeira obra-prima de sugestão musical, merece ser chamada a atençáo paÍa a habilidade de

Wagner em construir a tensão dramática pelo uso da "ironia romântiet "Solche Parallelitàt des Ailtàgliclt-Biedermeierlicien und der danllen Hintergründe ist

8e

Nietzsche, O Caso Wagner, apud Dias, 1994,

eo

Cf. Hanslick, 1992, p.

p.

104.

Inhalt der Kunst der Romantil. Diese Antinomie ltat irtre idealtlpische Auspràgung in der "romantiscfien

29.

64

lrorie" (Bnhles, 1999, p.6). 65

U

O herói, profeta da nova objetividade, deve salvar, como artesão,

a

magia da antiga técnica de produção. Seu gesto singelo coÍrtÍâ o su: pérfluo serve justamence paÍa fabricar um diadema. Siegfried, seu modelo, forjou pelo menos a espada. "A música não deve enfeitar,

deve ser verdadeiraez.

-

CÂMERA (grande

per§!ectiva)

meio séculoe6.Para Eisler, se não fosse a Primeira Guerra Mundial, ele mesmo talvez não tive§se conseguido superar a influência de Wagner. Bem humorado, explica: "Tive que ouvir tanta explosão durante aquela guerra que disse para mim: agora chegale?"

Ao texto wagneriano, contudo, Adorno concede um statas de grande coerência. Referindo-se ao An€l do Nibelango, reconhece a imbricação entre a obra e a realidade social ali imanente: O fato de o texto do Anel, cuja música já passava por esotérica, tratar de temas fundamentais da aurora da decadência burguesa, é tão certo quanto a fecunda relação existente entÍe a configuração musical e a natuÍeza das idéias que a decerminam objetivamentees.

Uma justificativa para o exagero de modulações em Wagner foi

dada a Eisler, como ele conta, por seu professor Schõnberg: "Sabe, quando a gente descobre algo novo, sente necessidade de repetir, de yoltar

a

dizer...e8" Eisler alia-se aqui ao brahmsianoee Hanslick, que tanros

ataques fez às deficiências formais da música de Wagner. Aqui temos um exemplo no qual um pÍogresso musical consritui um acraso. Tirdo o que conhecemos através de nossos professores clássicos quanco à lógica musical, à formação e fluidez de uma frase musical, tudo isso nos é tomado por esse diabólico Richard Wagner, dando-nos em tÍoca uma nova harmonia, extremamen[e seduEora.l00

Já Eisler prefere observar o fenômeno Wagner de outro ângulo.

Mesmo reconhecendo a fascinação que aquela música exeÍcia sobre ele, diz que "sinceramente, a gente se sente algo atormentado pelos horrores da progressão"ea (referindo-se à progressão harmônica, que em

Esta a razã,o da cÍítica de Adorno, referindo-se

Wagner nãô oferece ponto de descanso, passando sem parar de uma tonalidade à outra). Ele observa que as modulações de Wagner que,

em si, representaram um progresso na técnica musical, acabaram provocando um atraso, já que um sem-número de compositores europeus

a música não

tem

q:ue enfeitar, isto é, não

a

Wagner, de que

tem que acumular modulação

sobre modulação, costuradas por melodias infindáveis, e que não

se

enquadrayam no esquema classissista de Brahms (e que vinha da tradi-

passou apenas a imitá-loes, o que fez com que a música alemã perdesse

ez

gt

ea es L

ll

"Der Held, Prophet der neuen Sacfilichleit, soll als Hardaerier den Zaul,er der alten Produltionsaeise erretefl. Seine scrthclte Gesle gegen das Uberflnssige taugt eben dazu, ein Diadem fierzustellen. Siegfried, seh Vorbild, iaÍte wenigstens das Sclraerl gescfimiedel 'tVusil soll nicltt scfimüúen, sondern rutair serz"' (PhnM, p. 50). dessen fllasii aaci scrton für esoterisei galt, zentrale Saclruerlralte des aufdàmmerndex biirgerlichen Verfalls befiandelt, ist eüenso gewiss aie die Jracltbare Bezielang zaiscien der ntsilalisclen Gestalt und der Nalur der ldeen, die jene oüieitio úestimmen." (PhnM, p. 31).

"DaB aber der Ringnx4

Eisler, 1990, p. 486. Claude Debussy, quando compunha sua ópera Pelleas et,4tlellisande, comentâva que tinha que se esforçar muiro para escapar ao fcitiço do velho KIingsor, referindo-se a Wagner pelo nome do feiriceiro do parsifal.

66

e6

Eisler, 1990, p, 486. Eisler, 1990, p. 486. e8 Cf. Eisler, 1990, p. 486. e7

ee

Parece que Wagner suscitava polarização por onde quer que passasse. Além da oposição Wagner - Verdi, da ópera alemá. oersus ópera italiana, havia a não menos apaixonante polêmica Wagner - Brahms, que opunha a melodia infinita wagneriana ao tratamento neoclássico nos temas e nas orquescrações de Johannes Brahms. Hanslick era partidário da estética brahmsiana e um adversário ferrenho da música de Wagner. Eisler, apesar de toda a crítica que apresenta a Wagner, toma seu partido nesm polêmica, dizendo que

"Brahms era um mâu seguidor de Hegel" (Eisler, 1990, p.468). roo

Eisler, 1990, p.486. 67

II -

ção Haydn

:>

Mozart => Beethoven) de frases de 4 + 4 compassos, 8 +

CÂMERA (grande

perspêctiva)

Mais Ironia Romântica

8 ou assim por diante. A música tem, isso sim, é que apresentar conEm Jacques Offenbach (1819-1880) são o cromatismo e as repe-

teúdo: ser verdadeira.

tições rítmicas os recursos empregados no terceiro ato de sua ópera Tàlvez

a

terminologiâ "custos de produção", cunhada por Brecht,

defina o dilema que Wagner teve que enfrentar e por que tomou

a

decisão de compor assim. Vivendo o esgotamento do Romantismo, sa-

bia que, para ir adiante, teria que sacrificar alguns de seus pilares de sustentação. Eisler admirava este feito de Wagner, alegando que, na

Contos de Hoffmann, estreada postumamente em 1881, para sugerir a

ameaça da morte quando da canção de Antonia diante do diabólico

doutor Miracolo. Já a estrofe central da íria, Jour et lfarr, constitui-se

em um momento de distensão, caracterizando um perfeito exemplo de ironia romântica.

arte, existem alguns custos, algo deve ser sacrificado no caminho. Alguns recursos de composição e de orquestração parecem ter Quando se quer alcançar alguma coisa em música, é preciso postergar

sido levados até o esgotamento durante o Romantismo, e o mais grave

a solução de algumas questões, ou

é que, como Adorno aponta, mesmo depois de estarem desgastados,

simplesmente releválas [...] isso

deve animar os compositores socialistas a serem algo ousados, e a não nos fixarmos sempre apenas nos exemplos clássicos.r0l

continuam sendo usados em trilhas sonoras cinematográficas, pois

a

produção prefere apostar na reação automática da platéia a certos estíBrahms optou por provar que ainda era possível escrever-se gran-

mulos já habituais.

des sinfonias na tradição de Beethoven. Wagner preferiu saltar à frente, e aí Eisler e Adorno não negam seu mérito. Para superar a quadratura das frases (herança da Viena clássica) e o esquema harmônico de melo-

dia e harmonia sobre o fundamento do baixo (herança mais antiga ain-

Referindo-se ao teatro da segunda metade do século XX, o dramaturgo suíço Friedrich Dürrenmatt afirmou que "apenas a comédia ainda nos diz respeitotrt02. E cadavez mais a música feita para assustar parece exigir o ingrediente irônico.

da, do barroco, que assentou os fundamentos da música harmônica), Vale a pena citar mais algumas obras

Wagner criou uma linguagem em que não há repouso e as modulações

não cessam (e nem podem), mas que, em compensaçáo, dá às vezes uma impressão de repetição infinita sem nunca chegar a lugar nenhum

-

para empregar uma palavra de Nietzsche, uma sensação de "eterno

retorno". Wagner superou o romantismo neoclássico, mas seus "custos de produção" foram enormes.

rorEisler, 1990, p. 485.

operísticas ou não

-

que

devem seu efeito de persuasão à distensão preparada e ironia: A Dança Macabra (Camille Saint-Saéns), No Salão do Rei da lvlontani.a (Edvard

Grieg), Ruddigore (Arthur Sullivan), A Ilha dos fuÍortos (Serguei Rachmaninov), O Castelo do Barba Azul (Béla Bartók), Conto Fantuístico

(André Caplet), A Cidade rllorta (Erich Wolfgang Korngold), O

(tz t'Uns

68

-

lornnt nur nocl die Koniidie an." (Dinenmart apud Buhles, 1999, p. 69

11).

Caso

I

I II -

RONEL ÀLBERTI DÀ R(

CÂMERA (grande

pers!ectiva)

t

Makropoulos (Leos Janác ek), Uma Sinfonia do Horri (Eine Symplronie des Grauens), que é a música escrita por Hans Erdmann para o Nosferatu

(1922) de Friedrich Murnau, e a grande ópera-colagem do húngaro Gyorgi Ligeti, La Grand Macabre, pontttada de elementos estéticos da pós-modernidade

-

a obra realiza uma superposição de momentos

"macabros" da história da música, mas, Por exemplo,

a

abertura é tocada

por buzinas de automóveis!

mentos do pensamento lógico que encontrará seu caminho até foryar a dominação sobre a naruÍeza e sobre os outros homens' Toda a técnica do homem, a técnica do raciocínio e os instrumentos por ela criados estão, para Adorno e Horkheimer, a serviço deste processo de domina-

início já no mito' ção. Para os autores, o esclarecimento tem Neste mundo em que espreita alógica da dominaçáo, a arte é o lugar onde habita o indômito, o enigmático' o que não quer apreender o outro e se recolhe na sua condição de diferente' Mesmo para isso' porém, a arte precisa de técnica, de racionalidade - uma racionalidade estética. Esta técnica que é própria da arte, contudo, é uma que não vem de fora dela, tem de ser imanente, nascida de suas próprias coor-

CINEMA - PÚ CHE LA REALITÁ A cena: um grupo de rochedos sobre o mar' Um navio, movido a vela e com o reforço de remadores, vai se proximando. Os marinheiros, ao contrário do que normalmente sucederia, não conversam entre Si, não cantam, só remam olhando paÍa a frente. No mastro central há um homem amarrado: é o capitão. Aproxima-te daqui, preclaro Ulisses, glória ilustre dos Aqueus' Detém a nau, paÍa escutares nossa voz. Jamais alguém passou por

:H'"r""r"

nave, sem oúvir a voz melíflua que sai de nossas bocas. Só partiu após se haver deleitado com ela e de ficar sabendo muitas

i",li1l"roro"

conhecemos tudo quanro' por vontade dos deuses, Aqueus e Tioianos sofreram na vasta Tióia, bem como o que acontece na terÍa fecunda (Homero:Odisséia; cit. em Souza Brandão, 1997 , p. 377).

denadas. Já que a arie é o que não é igual a mais nada - muito menos ao mundo a inclusão nela de partes da realidade destruiria sua condi-

-

ção de alteridade.

Considerando os parágrafos anteriores, parece compreensível a resistência.de Adorno para com o cinema. uma forma nova de arte que incorpora ténicas alheias a si mesma, e cuja t tuÍeza é fortemente direcionada à representação do real, tem' pensa Adorno, todas as condições de se transformar em instÍumento da indústria cultural" Podemos comprovar sua resistência examinando vários textos das décadas de 30 e 40, denunciando o cinema como arte total ou totalizante; uma crítica, contudo, em grande parte dirigida à deficiência da construção Esta cinematográfica no Çmprego da mais subjetiva das artes, a música' pode, se corrigida por um controle crítico que elimine sua tendência

e

é formalista, encaminhar a convalescença do binema' Como a música pura forma, não se prendendo a nenhuma significado objetivo, pode atingir mais facilmente a emancipação, sendo menos passível de ser

Horkheimer, na Dialítica do Esclarecimento, como ponto de partida para a teorizaçáo sobre o racionalismo que emerge a partir do mito' Desde o

cooptada pela indústria culturalr03, podendo carregar neste Seu processo os outros meios de que se compõe o cinema'

primeiro momento em que o homem busca no mito explicação para o cosmo, já está em andamento uma poderosa engrenagem de encadea-

-, Frçr."*

O episódio de Ulisses e as sereias foi tomado por Adorno

70

mírsica

r".rrl"a de que, quando " erudita de concerto.

fala em música, Adorno está falando sempre da

71

II -

CÂMERÀ (gratrde

perspectiva)

Em contraste com a posição de Adorno, Eisler via no cinema um

Eisler revoltava-se por ver que a indústria cinematogÍâfica produzia

potente meio de atingir as massas, de acordo com sua concepção de

apenas "roteiros os mais bobos, totalmente desvinculados da realida-

que

de, estúpidamente enganosos e hitsc/t"107. Sua crítica atinge também

a

arte deve ser voltada para o coletivo e ter função de consci e\tizaçáo

as

política. Para Eisler, o cinema estaria muito próximo do que Bertolt

condições de produção, denunciando o fato de os astros e estrelas se-

Brecht qualificava de "teatro épico", um jogo cênico que incorporasse

rem submetidos à rígida vigilância, não podendo manifestar qualquer

científicas da época. O rearro de Brecht já

simpatia pela classe operáriar08, bem como o mecanicismo das linhas de

I

a vanguarda das descobertas

incorporava, em sua linguagem, muito de cinema, com cenas estan-

produção, que leva à relação alienada para com a obra de

ques entre si, compreensíveis isoladamente, com rápidos cortes, de

A posição de Adorno para com o cinema, na verdade, foi uma durante o exílio norte-americano, até 1948, quando foi bombardeado

forma idêntica ao cinema

-

para Brecht, isso poderia ser melhor com-

preendido pelo homem modernor0a. Isto não significa, contudo, que Eisler, da mesma forma que Adorno, não se sentisse incomodado pela banalidade do cinema produzido na Hollywood daqueles anos. Sua crítica principal era a mesma que fazia à música modernar0s, a de não

refletir "a época em que se produzem acontecimentos de extraordinária importância, plenos de sangue e sujeira, mas também da heróica luta da classe operária"l06. Em meio

a tantos acontecimentos vibrantes,

pelo cinema industrial hollywoodiano, e outra a paÍtiÍ da década de 60, quando, em textos como Notas sobre o filme, passou a valoÍ\zar positiva-

mente cineastas como Volker Schlôndorff e Michelangelo Antonioni' A postura de Adorno, de "aeiterdenhen" , continuar pensando - ele recusava o termo revisaÍ

Compreender aqui no mesmo senrido com que Adorno repudia o envolvimento com a trâma: o compreender de Brechc é o disranciamenro do ator e do público. Em seu texto Das moderne Tleater ist das episcle Tleater (O teatro moderno é o reatro épico) (1928), Brecht sublinha bem as diferenças entre o ceatro convencional e o seu "ceatro épico": sua forma não envolve o espectador na ação do palco, e sim faz com quc o espectador a contemple distanciado; não propicia-lhe sensagões, e sim força-o a lomar decisões; o espectador não é imerso na cenâ, é confrontado com ela; não sugestiona, porém argumenta, o homem não é pressuposro, e sim objeto de esrudo, o homem não é imrrtável, porém passível de mudança; a expectatva náo se concentra no desenlace, e slm como ele sucede; a ação não é linear, mas em curvas; o homem não é fixo, mas

um processo; não é o pensamento que determina o ser, e sim o ser social ldas geselkclaÍrliLlu Seinl q:ue determina o pensamento; em vez de senrimenro, razão (Brecht, 1961, r0s

106

p.

t9-?O).

Neste trecho de "Sobre nrisica moderna" (1927), Eislel acnsa a alienação da música moderna: "De 1918 a7923,época da inflação, das luras do grupo Esparraquista, da República dos Conselhos de Munique, Budrpesr, o exército vermeltro às fortas de Varúvia, as dispucas dos mírsicos eram meramente por questões técnicas. Não houve nenhum qtte senrisse ao menos um sopro daquela épo"r.', 1990, p,7Z).

1Eirl"r,

Eisler, 1990, p. 215.

suas análises, começou na década de 50, e

saio sobre Wagner), iniciado nos EUA e publicado

Aitualitb

em 1952, sofre uma

(Atualidade de Wagner), em 1965. Como

observa Hufner, "o procedimento de continuar criticamente inten-

ções antigas não representa nenhuma exceção nas obras teóricas [adornianas] dos anos 50.rro"

to7 ro8 Loe

Eisler, 1990, p. 215. Bisler, 1990, p. ?15. «Cada estírdio tem cinco ou seis especialiscas em música que são empregados fixos e

qlle cumprem horário de escritório. O número 1é especialista em

mútsica

militar;

o

nírmero 2 em canções de amor; o número 3 é um composiror melhor treinado para mÍrsica sinfônica, aberturas e intermezzos; o nÍtmero 4 se especializa em operetas vienenses e o nlimero 5 em jazz. [...] Os compositores não tazem tdéia do qtre esCão compondo seus colegas, nem do que acontece no Íesto do filme." (Eisler, 1990' p' 21 6-217

ttl «Das dem.

72

-

alcança também sua filosofia da música. Seu Versuclt über Wagnet; (Encorreção na Wagners

r0r

arter0e.

)

.

Verfahren einer iritischen Fortsetzang tiherer InÍentionen stelll im. tÀeoretist:hen

ftinfziger Jahren leine Ausnalne dar."

(Húnu,

73

1994,

p'

150)'

Wri

seit

u-

cÂMtRA (grÀndê perspectiva)

Na Dialética do Esclarecimento, poÍtanto início dos anos 40, sua

como uma forma de arte própria, e sim como o meio mais característico

preocupação ainda estava claramente dirigida à ausência de elementos

da cultura de massa da atualidade, o qual se serve das técnicas de re-

críticos nos filmes, ao seu carâÍer de encenação de uma versão burgue-

produção mecânica"

sa do mundo.

Um cinema emancipado é vislumbrado por Adorno a partir das mesmas posições que, no Komposition für den Film, iuntamente com

A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir rigorosamente o mundo da percepção cocidiana, toÍnou-se a norma da produção. Quanto ma.ior a perfeição com que suas cécnicas duplicam os objetos empÍricos, mais fácil se toÍna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme, Desde a súbita inrrodução do filme sonoro, a reprodução mecânica pôs-se ao inreiro serviço desse projeto. A vida não deve mais, tendencialmente, deixar-se distinguir do filme sonoro.r'r

r12

.

Eisler, tinha preconizado apenas para o emprego da música' Explicando: parece que só â partir de 1965 se deu conta de que os vários materiais de que se compõe o cinema são unidade aPenas depois da montagem final, e que os mesmos recursos composicionais da música-tam-

bém uma arte que se desenvolve temporalmente

-

podem ser aplica-

dos para a criaçáo da tensão sujeito-objeto dentro da realidade virtual cine matogrática:

tificação do espectador com a realidade, sem deixar Iugar para a cÍítica,

A estética do filme deverá antes recorrer a uma forma de experiência subjetiva, com a qual se assemelha apesar da sua origem tecnológica, e que perfaz aquilo que ele tem de artístico. ['..] O filme seria árte enquanto reposição objetivadora dessa espécie de experiência.rr3

enfim, promovendo uma ofuscação total do indivíduo. A encenação de uma realidade mais real que a realidade - piri che la realiíà, em oposição

O filme emancipado te ria de retirar o seu caráter a priori colecivo do contexto de acuação inconsciente e irracional, colocando-o a serviço da intenção iluminista.rra

ao

título de seu livro Quasi una fantasia (1963), que faz parte dos Escritos Musicais (Sciriften über 4l[usil //) - aprisionaria o indivíduo em uma

A produção cinematogÍáfica emancipada não deveria mais [...] confiar irrefle ridamente na tecnologia, no fundamento do métierrrs.

identificação forçada com o que a sociedade de consumo Ihe ordena

Como seria bonito se, na atual situação, fosse possível a{irmar que os de arte quanto menos eres apareces-

O cinema estaria, assim, a serviço de uma dessensibilizaçáo artís-

tica, ainda que camuflado como arte. Seu consumo acarÍeÍaÍia a iden-

que seja, e não o que ele poderia vir a ser, enquanto diferença de todo o resto. Durante a elaboração do Komposition

für

den

:*".'oilH;lTff;1

?:ras

Film, com Eisler,

Adorno estava ainda totalmente imbuído deste espírito de descrença em que o cinema pudesse se apresentar como arte emancipada, argu-

nicfu isoliert, als eine KunstJorm eigener Art, sondern nup ak das elaralteristichste Medium der gegenroúrtigen lllassen,Íttltar oerstatden anrder, due sich der Teclnilen der mecloaisciefl Rsprodttltion bedient." (Adorno; Eisler, 199ó, p. l3).

"'"Ot, Filn larn

mentando que "o cinema não pode ser entendido de forma isolada, rLr

Adorno apud Silva, 1999, P.398.

tta

"-Ad"r".Jl-kh"lmer,

lüid., p. 398. tts lbid,, p. 398. tt6 ll'id., p. 398.

1985, p,

74

75

1I

-

cÃMfRA (grande perspectiva)

Filmes que são tanto mais obras de arte quanto menos eles apareçam como obras de arte, tendo como pressuposto uma linguagem -

na tela. Se acompanharmos a linha histórica que vai de um evento a outro encontraremos um traço cultural que perpassa a cultura do Oci-

em que predomine, como postulava Brecht, a "Íazáo

denre, que é a tentativa de criar e propiciar a experiência da unidade

sobre o sentimentorrT", são filmes que cumprom também o papel que deles esperava Eisler. O caminho paÍatal, contudo, é bastante longo, e

do mundo, em outras palavras, a obra de arte total (Gesamtàunsftaerh)' Sobre esta linha temos as catedrais góticas, o Juizo Final de Michelan-

à concepção aristotélica de hátúarszi. Esta

gelo na capella sixtina, a universidade enquanto instituição e a idéia

visual e musical

-

tem seu centro na resistência

resistência esteve sempre latente na Filosofia enquanto tensão sujeito-

de Estado.

objeto; Brecht, em seus Schriften zum Theater (Escritos sobre Teatro),

O conceito de Gesamtiunstaerh está ligado à tentativa de representação do todo, tentativa esta feita às custas do individual. Não obstante ser Sua existência meramente uma ficção, a obta de arte total

colocou o subtítulo "Por urua drarnaturgia não-aristotálica". Vejamos um caso concreto: após os atentados do 11 de setembro

em Nova York, várias estréias cinematográficas em que aparecessem imagens das torres gêmeas ou seqüências de destruição foram impedi-

força-se a arrogar-se um conteúdo de verdade; já que é "total", não lhe resta outro caminho. Sua totalidade desliga-a de seus autores, compo-

Sam Raimi, no qual o herói aparecia se balançando entre os edifícios

sitores, pensadores, fazendo'a tão anônima quanto a verdade que para si reclama. E, como tal, isto é, anônimo, o Gesamtlunstaerh ascende à

do WTC. As impressões de realidade veiculadas pelo cinema fizeram

esfera do mito, vira mitologiarre.

dele vítima da proibição. Uma história que não é, de forma alguma,

Podemos reconhecer nesta reflexão o quanto há de perigo para a individualidade e para o questionamento crítico. O mito da obra de

das de entrar em ÇaÍtaz. Notabilizou-se o caso do Homem-Aranfia, de

nova: Heródoto, em sua Hisniria, conta que, em 493 a.C., a estréia da

tragédia "A destruição de ll,Iileto", de Frínico, levou a platéia a uma tal catarse coletiva de choro e gritaria que as autoridades proibiram a re-

arte total, seja a ópera wagneriana ou o cinema de Hollywood, exige que todos os indivíduos, sem exceção - ela é "total"- se submetam a

encenação da peça e multaram o autor em 1000 dracmas. Não sabemos

esta verdade. Em sua mitologia, o ritual de sacrifício é a submissão a

de que expedientes teria lançado mão Frínico para forçar o pranto e

sua realidade virtual e a sua potência calíLttica. Resistir

a

-

distanciar-se

algazarua coletiva dos atenienseslls, mas conhecemos o arsenal tecnoló-

em uma postura crítica

gico com que o cinema moderno se esmera em repróduzir a realidade

mundo que a tudo engloba, afazer parte do irreal mundo das sombras - que é o verdadeiro. Qualquer semelhançâ com Platão e o mito da

rri Brechr, 1961, p.

equivale a nem existir, a ser exilado daquele

caverna não é mera coincidência: nele, os homens acorrentadoS tomam por verdade as imagens projetadas na parede - para eles, as projeções

?0.

tt8 Amimesis era prática

-

também na mírsica das tragédias da Crécia antiga. "Rocha Pereira,

p. 542-543, considera que a mÍrsica de Timoreo "no seu nomo Os Persas 1...1 era "música concreta attant la leard' ..., pois "imirava os ruídos da batalha de Salamina," (Rocha Pereira apud Reis pereira, Z0Ol, p.4ZS). 1980,

76

rre

C[. Brock, 1983, p.

4.

77

? ,1

I

:

]I -

CÂMERÀ (grande

pêrspectiva)

a ,.

são tudo que existe no mundo. Para uma platéia de cinema também se

dâ algo parecido: durante a sessão, sentados em uma sala-caverna escura, a re alidade da tela fica sendo a sua realidade; o mundo lâ fora

-

claro

. :

í ? a

nidade de vivenciar quanto era estudante, por ocasião dos 75 anos do compositor, de 14 a 15 de fevereito de 1987 na Musikhochschule de Colonia, Alemanha.

é irreal em comparação com a realidade que o

Parsifal diz: "Eu mal caminho, mas parece-me estar tão longe",

filme lhe sugere. Platáo, portanto, como Adorno, encara o cinema com

ao que responde Gurnemanz: "Til vês, meu filho, aqui o tempo se transforma em espaço.l2r" Desta forma Wagner indica o paralelo - não

demais, real demais

-

muita desconfiança.

De maneira idêntica ao mito da caverna, a obra de arte total



a identidade!

-

entre os acontecimentos sobre o palco e a realidade,

efeito de realidade. Para tal, contudo, é necessário que o público tam-

mantendo entre eles uma proporção. Aqui, pelo menos, podemos afirmar que Wagner foi mais honesto que muitos diretores de cinema,

bém desempenhe um papel, o papel de massa, de individuação dissol-

fornecendo a chave para uma percepção crítica desta sua obra. Difícil

vida, como a população de Nurembergue que, respondendo à pergun-

fica apenas encontrar uma solução para a questão do cinema formalista

ta do ministro da Propaganda do Reich, Goebbels, "Wollt ihr den totalen

e realista, já que a música, que carrega em si uma racionalidade "boa",

Krieg!r2]" gritava repetindo sempre "Ja"l. Guerra total como obra de

segundo Adorno, pode justamente por isso ser colocada a serviço do

arte total e totahzante.

engodo:

pode manter sua pretensão de verdade na medida em que objetiva o

Wagner, apesar de sua concepção de ópera, ainda manteve intacta

que Justamente a racionalidade e a condição de domínio da música é permitem que ela seja empregada de forma "psicotécnica" a serviço justamente da regressão, que tanto mais a preza quanto mais total-

alguma fronteira entre sua obra e o mundo, por exemplo uma escala como unidade de tempo. Seus dramas musicais, apesaÍ de muito lon-

mente ela engana a respeico da realidade quocidiana'r22

gos, não igualam o tempo real de uma existência paralela sobre o palco,

Bm vário textos Adorno se refere a esta diferença entre

o que aconteceria se tivessem uma duração de24 horas, ou uma sema-

na ou um ano. Isto quase acontece, todavia, na gigantesca

Woche aus

Licltt, a Semana de Luz, de Karlheinz Stockhausen, que dura efetivamente uma semana - a cada dia é encenada uma parte (a ?'-feira de

Luz,

a 3"-feira de

Luz e assim por diante). Vários tipos de evento que

a

racionalidade instrumental da sociedade e a racionalidade estética como forma de dobrar a intransigência do mundo administrado. Na música moderna Adorno acreditava que o dodecafonismo era superior ao estilo do atonalismo livre por obra de sua racionalidade. O dodecafonismo,

aspiram à apreensão totalizante do tempo se utilizam de durações pa-

ralelas ao ciclo de rotação terrestre, como as festas raae ou a lendária Naclttcagetag, Vinte

rzo

e

Quatro Horas para

e com

Join Cage, que tive oportu-

p^rriful:Zro" rdrritt ich laum,

doclr ru:àhn' icrt niclt serton

oeit."; Gttmemanz: "Du sielst,

mein \o/rn, zum Raum aird hier die Zeit." (Wagner, apud Brock, 1983, p' 8)' tzz «Gerade die Rationaliliit und teciniscle BelerrstlÚarieit der ll'Iusit erlaubt es, sie ,psyrltotecltnisclt' in den Dienst eben der Regrusion zu stellen, die am so lieber gesehen aird, je

griindlicl,er sie üÚer den realen Atkag burligt'" (Adorno; Eisler, 1996)'

'Vocês querem a guerra total?', 78

-^

79

RONEL ALBERTI DA

ROSA

com sua rigidez formal, estaria em condições de purgar os momentos de irracionalismo presentes no processo da produção artística. Ele é ,,a concÍetizaçáo racional de uma obrigação histórica"r23. A "racionalidade da técnica dodecafônica [...] assinala um grau de desenvolvimento his-

tórico, no qual a consciência toma o material naturar em seu poder, extirpando sua pulsão regressiva, ordenando-a e iluminando-a totalmente.l24"

"É uma racionalidade

m

boa"lzs.

A interdição desta manipulação da arte a serviço do engodo não será conquistada apenas por meio do novo material. será necessária uma reformulação das práticas de dramaturgia para que este novo material musical se coloque, por exemplo, em oposição à superfície dos acontecimentosr26. Movimento üersas Íepouso e repouso aersus movimento, tensão na tela e interrupção da música, ou interrupção da ação (mas crescente dramaticidade) e tensão pera música: a este tratamento chamam Adorno e Eisler contraponto dramatúrgico, e que rem por objetivo, como desejava Brecht, que "os sentimentos não se conservem [no espectador], mas sejam levados até o reconhecimento.rzT,, Da mesma forma que no teatro épico de Brecht, o contraponto dramatúrgico

do cinema de Adorno e Eisler quer impedir que o espectador seja incluído como parte passiva e sofredora, fundido ao amálgama do Gesamtiunstroteú sem dele poder se libertar. "Este tipo de magia deve, naturalmente, ser combatido. Tüdo o que represente tentativa de hipnotismo, que provoque êxtases injustificados, tudo o que embriague deve ser abandonado.l28" rz3

rza l2s

Adorno, apud Hufner, 1994, Adorno, apud Hufner, 1994,

p.

Adorno, apud Hufner, 1994,

p.

63.

p. 63. 63.

80

AÇAo! (+

reação)

Preconceitos e maus hábitos: assim chama-se o capítulo que abre

Filru. Fica muiro clara a preocupação dos aurores em fundamentar suas observações a partir da constatação de idóias falsas que se estabe leceram acerca da rclaçã.o de música e imagem. Algumas carregam consigo resquícios de uma estética do romantismo tardio e de um culto ao belo tão arcaico que quase pensamos na Kalohagatia socrática, em que o belo corresponde necessariamente ao bom. Estes preconceitos têm uma influência direta sobre a função dramatúrgica da música no filme, os dois fatores têm interdependência, eles se condicionam, e Adorno e Eisler dão, também, alguns exemplos de como resolver problemas práticos da trama. Sua recomendação, em resumo, é a de quebrar a sincronicidade da música com a imagem, buscando o contraponto com elementos que não estejam em evidência na tela, ora acompanhando ora negando a imagem, ora deixando o silêncio - que é música -valorizar o filme. o Koruposition

fiir

den

81

I ,,

:

III -

rt

AÇ40 (+ rêação)

i

o *TEMA Do rUBARÁo.

{. §

ções, mas não se desenooloe, como em Beethovent30. Neste, com seu

tratamento dinâmico e o desenvolvimento do material, teríamos uma Fez grande bilheteria em 1975 um filme em que um tubarão assassino atacava incautos banhistas na costa dos Estados

rl

unidos

ontologia que enfatiza a História, enquanto Wagnel optando por um

(Jaruts,

tratamento alegórico, elege a rratuÍezai "Por baixo da fina camada de

1975, Steven Spielberg, trilha: John Williams). A produção, milionária

movimento contínuo, Wagner fragmentou a composição em Leitmotiae

e excepcional para a época, tinha uma trilha sonora que, muitos recor-

alegóricos.13"' Aqui Adorno acredita encontrar o motivo da opção de

dam, se esforçava para não deixar o "tubarão" atacar sem que fosse

Wagner pelo mito, ao mesmo tempo em que rejeita a história: "a busca

anunciada sua aproximação com uma figura rítmica repetitiva das cordas, e que lembrava um pouco certos trechos daSagração da Primaoe-

do 'universalmente humano' enquanto essência requer o desmantela-

ra, de Stravinski. Este "tema do tubarão", facilmente identificável

de uma nat:uÍeza humana invariável"l32.

logo em sua primeira intervenção, caracterizava o gigantesco lamnídeo

em ação, e nos leva diretamente à questão do emprego dos Leitmotiae no cinema.

mento do que ele supunha ser relativo e contingente em favor da idéia

A técnica do Leitruotio, náo inventada - como muitos ainda crêem - mas muito bem empregada por Wagner e por ele levada à expressão máxima e ao esgotamento, requer alguns pressupostos para

Adorno e Eisler contam a anedota de um compositor de trilhas

que possa ser colocada em cena.

sonoras em Hollywood que declarou, falando a um jornal, que, no

fundo, não haveria diferença entre ele e Richard Wagner: os dois rrabalhariam com a técnica do Leitruotio, o princípio condutorr2e. A men-

talidade de que basta caracterizar os personagens da ação com breves pinceladas sonoras

-

para orientar o espectador menos perspicaz?

-

e repetir o "gesto" a cada reaparição em cena ainda não foi suficiente-

mente estudada. Vejamos: Adorno valoriza o dinamismo do devir (Werden) em

Vamos examiná-los: por parte dos elementos técnicos e fácticos,

Wagner estava lidando com uma estrutura sonora de algumas horas de duração. A encenação de algumas de suas óperas chega a durar quase cinco horas

-

e não devemos aqui descontar os intervalos. Durante este

tempo continuam agindo, na memória recente do espectador, as impressões dos atos transcorridos e a expectatiyapaÍa o que virá. A prir30

Arnold Schônberg cunhou a expressão ztariação

em desenaoloi.menlo paÍa explicar os processos utilizados a partir do classicismo para tratamento do material musical. Este

detrimento do caráter estático do ser (sein). Fundamenta esta diferença em análises de composições de Beethoven e de como ele rcaliza o desenvolvimento temático em suas obras. Já Wagner dá ênfase a um

veu mais tarde: "Infe/izmente, nuilos com.pasitores atuois, em. oez de conectaren idéias por meio de oariações em desenaoloimento, assirt apreseilldfido conseqiiâncias derioadas da

çaráter alegórico de suas melodias, cujo tratamenro passa por modifica-

idíia básica

pode ser feito por adição ou subtração de notas (material), bem como por modificações no ritmo, nos intervalos, na melodia e na harmonia. Schônberg, que em suas primeiras composições ainda imicava o estilo wagneriano (Pelleas et ll,Iellisande), escre-

e permanecendo nas fronteiras do pet sam.eilto lunano e saas necessidades lógi.cas, produzem. composições qile se llrnam tnaiores e mais extensas somente por meio de inúmeras repetiçõu sem aariação de poucas frases." (Schônberg, 1975, p. 130). r3r

'ze

Adorno; Eisler, 1996, p. 20.

rrz

82

Adorno apud Paddison, 1993, p. 246. Adorno apud Paddison,1993, p.246.

83

üI -

I

I

AÇ40 (+rêação)

meira dimensão é, portanto, o tempo. Se estivéssemos tratando aqui de arquitetura ou artes plásticas, isto não faria nenhuma diferença,

corresponde à monumentalidade da estrutura"t34. Disso sabem os mú-

mas nosso livro aborda um fenômeno que se dá na temporalidade

tema, melhorr3s. A "melodia infinita" de Wagner, que avança variando

-

o

Íilme - e suas proporções condicionam também os elementos que a ele aderem. A trilha sonora de um filme, em conseqüência, não terá como se desdobrar por muito mais que duas horas, que é a duração padronizada dos filmes produzidos em Hollywood.

sicos há vários séculos: para fazer uma boa variação, quanto menor o

a si mesma, sem interrupção, sempre passando de uma tonalidade

outra, fica deslocada em um meio como o cinema, que trabalha com o

princípio da descontinuidade. O cinema, que por sua própria natuÍeza necessita da técnica da montagem, não é contínuo, e não meramente

Visto de uma forma imediatista, empregar motivos condutores para "batizar" figuras, sentimentos e símbolos pode ser um ganho rápido para o compositor de trilhas, que trabalha inserido em um con-

por ser de duração mais reduzida que a ópera

texto onde todos os componentes visam

terrupção (existe apenas um corte

à

compreensão: "Sempre cons-

a

-

seu paradigma estético

é o do fracionamento das seqüências. Com exceção de Festim Diab,ílico (Rope), de Alfred Hitchcock, rodado com uma única câmera, sem in-

-

camuflado

-

na metade do filme),

tituíram o meio mais grosseiro para a explicitação, o 'fio de Ariadne'

é difícil lembrar qualquer outra tentativa táo bem-sucedidar'16 de con-

para os não educados musicalmente'r33. Se examinarmos de forma mais

tinuidade. O cinema, porém, em princípio, não exige necessariamente

atenta, contudo, veremos que os Leitruotiae para as gigantescas óperas

continuidade, e sim interrupções. Devido ao tempo limitado de cada

de Wagner são montados a partir de frases musicais muito breves, algu-

cena, o compositor nem pode desenvolver o Leitmotiv como seria ne-

mas constituídas de apenas duas ou três notas e a maioria não chegando

cessário.

a

quatro compassos. Por que isso? Ora, lembrando os "custos de produ-

çáo" a que referimos no capítulo Í - Luz (e sombra), Wagner sabia que estava substituindo o apuro formal por uma "melodização" da ópera.

Seu novo estilo, portanto, que se basearia em uma melodia muito extensa passando por constantes cromatismos, teria que apresentar esta

O resultado disso é que, como os motivos nem podem ser desenvolvidos e variados, os diretores empregam, como

se

fossen Leitruotir:e

wagnerianos, melodias muito mais longas, que não são submetidas

a

nenhum tratamento e que são simplesmente jogadas ao espectador cada vez que os personagens, a ambiência psicológica ou os símbolos

melodia de forma sempre variada, a cada vez diferente, ainda que não fosse um desenvolvirnento formal no sentido clássico, ou cairia em

aparecem na tela. Um procedimento que seria perfeitamente dispen-

uma mesmice assombrosa.

sável, já que acabam servindo só para reforçar o que está em cena. "Os

Por isso os temas de Wagner são curtos: para receber um significado composicional eles são submetidos

variações em seus parâmetros

rra

de altura, duração, intensidade e timbre. "A atomização do material

rr5

* Ad",r", El.l*Jr

96,

p.

20

84

a

Adorno; Eisler, 1996, p. 21.

Ver as Variações Goldberg, BWV 988 de J. S, Bach e as Variações sobre *tn tema de Dialtelli, op. 120, de Ludwig v. Beerhoven. 13í'Bem-sucedida não pela excelência da técnica, mas pela fundamentação estética, qrre realiza o paralelo entre a película sem cortes e a corda, (Rope, o nome do filme no inglês original) também não cortada, com a qual é cometido o assassinato"

85

RONEL ALBERTI DÀ

III -

ROSA

resultados do Leitmotirt reduziram-se aos de um criado musical que apresenta seu amo com imponente gestual, enquanto qualquer um

Há algo ainda mais importante a ser dito sobre o emprego desta técnica, como apontam Adorno e Eisler. Wagner tinha em menle um simbolismo que pudesse manifestar o transcendental em seus dramas

musicais. Em função deste simbolismo é que começou a compor Leitruotiae. Wagner queria que a ação que se passava sobre o palco tia

plasticidade

da cena fosse, por assim dizer, elevada a um plano transcendente.

"Quando na ópera O Anel do Nibelungo soa o morivo do Wafialla nas tubas, nã.o é para anunciar o palácio de Wotan: Wagner pretendia expressar com isso a esfera do sublime, do destino, do princípio primeiro.r38"

mo pretendido por Wagner dificilmente teria lugar no mundo do cinema, em que a imagem exata da realidade é o paradigma estético a ser atingidor3e.

pode reconhecer o verdadeiro senhor sem qualquer dificuldade.r3T,'

vesse sua correspondência em uma esfera metafísica, que

AÇÂ0 (+ reaçáo)

A conseqüência deste tratamento sonoro das cenas é que se tende a erigir ícones acústicos para os distintos momentos do enredo. Um ícone, como sabemos, não é dinâmico, ele não se modifica, ele não interage, ele representa pura e simplesmente um objeto de adoração. É exatamente como o crucifixo frente ao que o devoto se ajoelha e se m a mínima expectativa de receber uma contrapartida. Sua inserção na seqüência das imagens equivale à instauração de um objeto de culto. Este culto pode ser prestado a uma trilha composta especialmente, mas também existe a possibilidade de ser trazida uma deidade exótica, estranhada do seu contexto, para servir ao deus A maior - a imagem. E o caso de passagens emprestadas do repertório

Íeza, Da verdade

erudito de concerto

A partir da concepção estética gerou-se a récnica.

-

não são Leitmotive, sáo "vinhetas"

.

qr" acontece a uma composição autônoma quando, [...] em funde sua carga expressiva, é posta no cinema a serviço [da imagem] ção Éo

Ambos, imagem e Leitmotia, não habitam o mesmo plano. Eles

tem condições de ser a projeção, em um nível metafísico, da essência simbólica do que se passa em cena - sem esquecer que o que aparece

e pêrde sua independência, transformando-se em música funcional. Hâvârias edições de CD que oferece m o Concerto para piano e orrluestra em dó maior, KV 467, deMozxr, como â trilha sonora do filme Elvira Maldigam, porque o direcor sueco Bo Widerberg, em 1967, utilizou várias vezes o tema principal do movimenco lenco [o Adagio] à maneira de Leitmoti.a para sua melodramática história de amor"

na tela tem componentes sensitivos (enxerga-se e ouve-se o que suce-

(Rabenalt, 1).'

não coincidem, não são um o reforço necessário do outro.

A

música

de) e psicológico (as intenções ocultas de cada personagem ou os desígnios do destino, da Moira, das Parcas, das Filhas do Reno). O simbolis-

tr7

" -ç ê rr8

redaziert sic/t auf die eines

musilalischen

er l,Iiene oorstellÍ, oàltrend den pronin 996, p. ZZ).

der

der

in den Tuúen erli;nt, so soll es nicrtl Woíans resideace danit die Spiàre des Erlabenen, des Weltaillens, des

; Eisler, 1996, p. 86

Z|-ZZ).

rre

Teóricos como Krakauer, inicialmente rejeitado por Adorno (apenas a partir de 1965 admitin dialogar ou comentar sei Theorie des Filns, acreditam que a natttreza do cinema propicia-lhe meios incomparáveis para reproduzir a rcalidade física, e, mais do que isso, revelar aspectos dela que passam normalmente desapercebidos a oossos sentidos: "A medida em que o filme reprodttz e aprofunda nossa percepção da realidade física, ele revela rtm mundo que antes não estava visível, um mttndo que se filrta ao olhar, como a carta roubada de Poe, que não pode ser achada por estar ao alcance dos olhos de todos. [...] Por mais estranho quc pâreçâ: rtlas, Íostos, estações de trem etc., ainda que tenham estado sempre diante de nós, estiveram até a.gora invisíveis." ("lndem der l-iln die pfusisclte Realitat oiedergibt und dursciforsr:ilt, legt er eine Weltfrei, die niemals zuoor zu selen aa6 eine Wett die sich den Blick so enlzielr.Í oie Poes geslollener Brief, der nir:it gefantlru uerden lann, oeil er in jedennanns Raiclraeite liegt. [...] So merlaürdig es llingt: Strafunt, Gesicfiter, BalnttõJe usw;., die doclt r.tor anseren Aagen liegen, sind bisrter aeitgelend unsicltbar geblielten." (Krakater, apud Crob, 1984, p. 73)'

87

III -

Neste caso não há nada a fazer, pois "a música de cinema,

Aç40 (+ reação)

contrário da ópera, nem está por sua própria vontade ali", como obser-

"... ceÍta manhã, levantou-se ele com a aurora, foi para diante do Sol e assim lhe falou: - Que seria a tua felicidade, ó grande asrro, se não

em l9l4 Emilie Altenloh, em sua Zur Soziologie des Kinos (So-

tivesses aqueles a quem iluminas!Iar" Só que a música de Strauss, filho

ciologia do Cinema)rao. Este processo de mitologização Beethoven => Wagner => Hollywood pode ser visualizado no quadro a seguir, que

espiritual de Wagner, é muito mais que aquilo; ela apresenta outros

mostra a relação entre os diversos estágios do tratamento do material

Zaratustra. No filme, não. Várias vezes ecoam os acordes dos metais,

na música:

mas sem modificação alguma, icônicos, hieroglíficos, mesmo depois de

vava jâ

ao

momentos, sofre modificações

- verdadeiras

metamorfoses de

o filme mostrar o homem no espaço, o salto da História, as contradiem Leitmotiv desenvolvimento:otema:wagneriano:ascéluIas sofre modificações por temáticas são modifiaumento (adiçÍo de notas) _ - i cadas basicmente peh ouredução(subrraçãode -/ . mudmçadealtura notas). Hí alteraçÍo no (modulação) e de ritmo, nos intervalos da I timbre : melodie e na harmonia. (instrumentxção) Variação

, : ' ,_ -' :

Leitmotiv

ções de querer retornar ao útero da mãe Terra, voltar a Íaca. Fazendo

emprego icônico do materiirl sonoro,

soar aquele pequeno trecho da música

estÍtico,quenãose

mais longa

modifica com cclas.

as

-

-

que é uma composição muito

como uma espécie de "fanfarra", um gestual de música

incidental, comprova-se que este momento não foi sublimado pela lógica formal do cinema como obra de arte, indicando o aspecto mitoló-

Podemos mesmo dizer que a música para cinema começou com o emprego de clássicos, alienados de sua função.

Em 1915

o

Birtfi of a

gico de

se

u emprego. O Zaratustra de Strauss foi

de

gradado a um jingle

espacial.

Nation (Nascimento de uma Nação) de D. W. Grifith, era ilustrado com a cena da Garganta do Lobo do Freiscltiitz, de Weber, e com a

Uma solução exitosa foi a trilha criada por Jerry Goldsmith para o épico de ficção científica Alien (1979), de Ridley Scott. Neste filme

Caaalgada das Valquírias, de Wagner. Décadas de arre cinematográfica,

a música se confunde com os ruídos incidentais da nave espacial e, o

Porém, não conseguiram fazer com que diretores, alguns os mais há-

que certamente contribuiu para o resultado final muito bem distribuí-

beis, se dessem conta da incoerência que cometiam. Todos seguramente nos lembramos de um outro exemplo clássico de emprego do repertório erudito: são os compassos iniciais do poema sinfônico Ásszzz

do entre

faloa Zaratustra, de Richard Strauss, no filme 2001 - Uma Odisséia no Espaço (1968). Em um primeiro momenro a música adapta-se muiro

duzisse a frieza e a estranheza do alien

cia nunca consegue relaxar na comodidade de um centro tonal. Em

bem às imagens do nascer do Sol e do alvorecer da humanidade. Sim-

contraste com o mais racional dos elementos da música

bolicamente, também, ZaÍatustÍa tem um encontro com o Sol:

Goldsmith trabalha com grupos de clasters, ou aglomerados de notas

'rt' "Sie isl

in

Ccgensan za dort nicht um ihrer selôst zoillen

88

-

da" (Cf. Rabenalt, 2001, p.

1).

as cenas, o

diretor Scott cortou e remontou algumas passagens

da trilha, reforçando a coerência já estreita de som e imagemtaz. A pri-

meira providência de Goldsmith foi conceber uma sonoridade que tra-

4l

Nierzsche, 2000, p. 33.

+2

Cf. Haga, 2001, p.7. 89

-

durante

a projeção, a assistên-

-

a melodia

-,

RONEL ALBERTI DÀ

III -

ROSA

AÇ40 (+ reaÇão)

L

I

I

Na seqüência seguinte, quando

muito próximas entre si. Bernard Herrmannra3, que, como Adorno e Eisler, foi pioneiro no emprego de música atonal no cinema, explicava que estes pequenos blocos de sons, os "clusters", ofereciam um alto

flautas e com efeito de eco. Mais uma intervenção quando o computa-

grau de flexibilidade na descrição do irracionalraa.

dor interrompe o sono dos tripulantes: agora, o Leitmotia é tocado pri-

A ambiência sonora da cena de abertura, qlle mostra o vácuo espacial lentamente atravessado pelo cargueiro Nostromo, é marcada

por distantes "uivos" em glissando descendente - este material foi elaborado eletronicamente pelo compositor, que o sobrepôs aos sons

a

câmera investiga os corredores

da espaçonave, o motivo do destino é ouvido novamente, tambóm nas

meiro em pianissimo, com uma alternância das duas notas que é lenta no início, mas que vai ganhando rapidamente velocidade. No seu pon-

to culminante a alternância das duas notas do tema é tão rápida que elas se fundem em uma só. Neste momento a cena mostra a tripulação.

Durante toda esta longa seqüência da abertura a música de Goldsmith

da orquestra tradicional. Esta marca sonora forma um amálgama inseparável com as imagens; não se pode distinguir até que ponto ela

contribuiu para unir as imagens, costurando por meio de um Leitruotia

deve ser identificada com a trilha ou se são sons externos, produzidos

intrometer na apresentação da nave e sua tripulação, não se interrom-

pela casa de máquinas do Nostromoras. Quando a nave passa finalme n-

pe, ela vai se desenrolando em seus vários subtemas, enquanto o

te pela tela, ouvimos o primeiro tema, um motivo que, pelo tratamen-

Leitmotia do destino se transforma de acordo com a

o espaço exterior e o interior da nave. A música, sinfônica mas sem se

ce na.

ro que virá a receber, podemos considerar um verdadeiro Leitmotitt: uma seqüência de dois acordes menores' Da mesma forma como Wagner

não deu nome aos seus LeiÍmotiae, que o receberam mais tarde por obra do público e dos musicólogos, podemos aqui seguir a sugestão de

Thor Haga, que liga esta célula ao trágico destino da navera6 ebatizá-lo

Apesar do espectador não saber nada do enredo, [...] encontra-se um prazeÍ masoquista, aurático nesta acmosfera, dionisíaca e claustrofóbica, onde os entornos parecem parte conhecidos (corredores de fabricação humana), mas onde o cheiro de "alguma coisa alienígena" (música dissonante, equipamento avançado) faz seu aviso ao aparato sensorial.laT

de tema do destino (isso soa bastante operístico). O Leitmotiu do destino do Nostromo tem mais um retorno digno

de nota: é quando três dos cosmonautas se aproximam da espaçonave

*t H"r-unn

cscÍevett, entre olltÍâs, as trilhas para Cirladão Kane, O Homem que sabia Demais, Fal.ren/teit 451 e Taxi Driaen tat 'Bernard Hernnann, aho lile Adorno and Eisler - pioneered Ílte rce oJ atonal musit in fihn, tlaimed tiat small music fragmexts, socalled "clusters", offered a ltigher degree oJ flexiàiliry in ile depiction of tle irra/ional." (Haga, 2001, p. 2) rr5 A fronteira entre a sonoplasria e a mútsica é uma área de ambigtiidade que, bem explorada pelo diretor, pode contribuir mlito para a unidade conceitttal da obra. David Lynch (Wild ar Hearr, Twin Peaks) Êala tlue "ó maravilhosa a fronteira entre música e efeiro sonoro" (Cf. Ahnert, 1999, p. 3). r{6 Cf. Haga, 2001, p. 3: "...Íao descending minor c/tords are leard [...J as tJ to signal tle spaceship's ineüitable nisfortune".

90

alienígena acidentada sobre o planeta. Num primeiro momento retornam todas as imagens sonoras apresentadas na cena inicial do fil-

t{? 'tDespiÍe trte Jact

tlal lie spectator lrouts noÍhing oJ tle action, [...] one Jinds a masocrtisfic, ahnosferic p/eas*re in tlis doanbeat, dionysian and claastrop/toltic landscape ut/tere lhe sarroundings seen lalf roq fuoan (humanll, constracted corridors), ÜuÍ alere t/te srnell of "sotnethig alien" (rnusical dissonance, adoonced equipment) seanÍs its aay inÍo tle sensory apparatas." (Haga, 2001, p. 3-4).

9t

RONEL ALBERTI DÀ

III -

ROSA

"uivo" eletrônico: a ligação do destino da nave terráquea com o da destruída cosmonave alienígena é feita por meio da música. me, inclusive o

AS

AÇÀo (+ reação)

TIME GOES BY

Quando a cena se completa, vem acompanhada por um acorde estático e gÍavet nas cordas da orquestra. Ao vermos os homens diante das por-

A questão do belo e do gosto na arte determinou, desde o princípio, a produção das trilhas sonoras para cinema. Definir que o .,acom-

tas da nave o motivo das duas notas começa a soar sobre o acorde da

panhamento"

oÍquestra.

a que a música geralmente é submetida

Um outro tema empregado com na trilha de Alien e que podemos definir como Leitruotio é o q:ue faz sua primeira intervenção quan-

- jâ o termo

é a expressão do condicionamento ilustrativo

- deva ser feito por melodias

belas, eufônicas, sonoras, é a expressão de uma exigência que Adorno e

Eisler identificam com o gosto de uma platéia banalizada. Difícil fica é

do os tripulantes do Nostromo descem ao planeta para investigar (va-

delimitar o que seja sonoro, melodioso, já que esra noção, ligada

mos chamá-lo de motivo da expectativa) a origem do sinal de SOS: é

gosto, sofre modificações com o passar do tempo e dos estilos.Fazer a

um tema de nove notas de desenho ascendente tocado pelo trompete

ligação da "melodia bonira" com a imagem da tela é ainda mais difícil.

sobre um acorde pedal das cordas graves. Para Thor Haga, "esta músi-

ao

car que as expectativas mudaram: quando a tripulação deixa o Planeta,

Certamente, as obras de arte são definidas pela cécnica como uma finalidade em si. O seu terrninus ad queu, porém, tem o seu lugar unicamente nelas próprias, não no exterioÍ. Eis porque a récnica da sua finalidade imanente permanece também ,,sem fim,, (Zaecl), enquanto que ela, porém, tem constantemente como modelo uma técnica extra-estética. A formulação paradoxal de Kant exprime uma

quando o astronauta Kane é cremado e ejetado ao espaço, e no fim do filme, quando os últimos dois membros da tripulação (exceto Ripley)

pela sua tecnicização, que as atâ incondic.ionalmente às formas fun-

ca evoca uma sensação de mistério e expectativa sobre o que será en-

contrado lá, mas o uso do trompete solo também tem uma conotação de solidão no espaço"la8. Ele retorna várias vezes, para reforçar ou indi-

são mortos pelo alienígena, ele ainda

fragmentada

-

relação ancinômica sem que o autor da ancinomia a tenha explicitado:

cionais, as obras de arÊe enlram em contrad.ição com finalidade.rae"

é apresentado em uma forma

a sua

ausência de

só as três primeiras notas em sforzando sobre uma

ambiência sonora de muito movimento na orquestra. Graças a sua concepção da trilha, em que as sonoridades da or-

questra misturam-se às da cena, e ao tratamento de transformar os motivos de acordo com o desenrolar do drama, Goldsmith pôde escrever uma partitura sinfônica longa e que auxilia muito a narraçáo visual, interligando e sublinhando os momentos do drama.

Este é um ponro que só admite uma argumentação técnica, jâ que, em si, nada impede que um trecho "melodioso" de música seja absolutamente adequado a uma determinada cena de filme. O que seria imprescindível, contudo, é a abolição do vínculo necessário

filme

ê

melodia bela. O verdadeiro problema está em que, em muitos casos, como aponta Bisler, a decisão aceÍca da utilizaçiao desta ou daquela melodia não é tomada pelo compositor da trilha, mas pelo

118

"Tlte nusic brings a sensation of misnry and expectotion for olat tfiE'll /ird doan tfiere, üut tlte ase of solo trumpet also confioles loneliness in spau..." (Haga, 2001, p. 5).

92

l{e

Adorno, Teoria Esrética, 1985, p. ?44-245.

93

III -

gosto do diretor do estúdio. Em uma hierarquia marcada pela divisão

2.

do trabalho, o produto final anônimo é um verdadeiro Frankenstein, cada parte montada com uma concepção diversa. Eisler, que já vinha

AçÃ0 (+ reação)

os conceitos de melodia, melodismo

e eufonia são uma degeneração

do que os clássicos da 1" Escola de viena Haydn, Mozarte Beethoven

conceberam enquanto tema. Este é o material a ser trabalhado em uma composição mais longa, na qual seus elementos serão decom-

desenvolvendo uma atividade profissional como compositor de trilhas para Hollywood, descreve de forma algo cruel a escolha da canção-

postos e rearranjados em função do desenvolvimento. Já a melodia expressa "uma seqüência que tenha uma rima sonora, seja cantável

tema para um filme:

e expressiva por si 5f"lst. O direcor do estúdio, homem absolutamente antimusical, só aceitarâ uma cançãó que ele possa cantarolar imediatamente. 9ualquer outra

3. Aquela trilha só colocada depois da feitura das imagens e totalmente

difícil. [...] mas é precisamente de sentimento musical que gaÍante que as canções sejam aceiráveis, quer dizer, números que possam ser cantados incoisa é rgchaçada por ser demasiado

subordinada aos eventos superficiais daaçã,o,reforça

essa carência

-

-

música a um retrocesso; "o fetichismo melódico que, sobretudo no romantismo tardio, sufocou todos os outros elementos da música,

a

questão, veremos que também náo hâ nenhum imperativo para que

uma cena romântica tenha que ser ilustrada por violinos em uníssono.

dimensão única

da concepção de muitos diretores. Da mesma forma, o conceito de melodia na yoz superior obriga os outros parâmetros da

clusive antes de serem conhecidosls0.

Claro que, se examinarmos com um pouco mais de atenção

visual

a

terminou por estreitar o próprio conceito de melodia,,rs2.

4.

"o enredo

por gostos pessoais, vamos nos ater por ora apenas à exigência de melo-

ótico do filme tem sempre caráter de prosa, de irregularidade e de assimetria. Ele se dá enquanto vida fotografada: neste

dia e eufonia. Adorno e Eisler apresentam os seguintes argumentos

sentido, todo filme de aventura finge ser um documentário. Em

Para impedir, no entanto, que este tipo de escolha seja determinado

contra

a exigência

conseqüência disso dá-se, uma cisão entre o que as imagens mostram

de melodias cantáveis:

e uma melodia simetricament.e organizada. Nenhuma frase de oito

1. Melodia eufônica não passa de uma categoria histórica tornada con-

vencional. A História faz com que a sociedade nunca permaneça

compassos é verdadeiramenre sincrônica com o beijo fotografado.,sr»

a

mesma, e o que representava uma melodia para um polifonista do século

XVI já não cumpriria

nuouo, no século

os requisitos para

XVII. Assim,

um compositor do stil

não há como oferecer garantia para o

cumprimento deste pressuposto, já que ele varia com o tempo.

tst t'Der BegrifJ der fuIetodie [. singüar und ansdraclsaoll Isz

tl'Ielo ll,lasii

rso

zun

"Der

s, der

der

iat imner

Eisler,

naclt eine Tonfotge, die [...J oohlgereint, dorno; Eisler, lssO, p. 21.1. der spàÍeren Romantil alle andere Elemente Begriff der tllelodie selüer aerengÍ.', (Adorno;

19

Eisler, 1990, p. 17.

94

95

flI

I

r,i

5. O conceito de melodia, tal como é coricebido no mundo da produção cinematográfica, depende de condições - relativas ao equilíbrio

Exemplos positivos de apresentação diegéticarss de uma canção como parte lntegrante da ação são,4s tirue goes b!,.^ casablanca (1942),

que só podem ser preenchidas por um material histórico muito determinado: a tonalidade do período ro-

de Michael Cuftiz, e Cie sera, s€ra, cantada por Doris Day em O rtomem

contraponto/harmonia

il i i

Por isso presenciamos, mesmo em um filme que se utiliza de

I

i I

li 1r

rl lr

l'

-

que sabia demais

(1956), de Hitchcock.

mântico.

rl

li

_ AÇÃo (+ reação)

uma cenografia e concepção realista, como

o Romeu e Julieta, de Franco

Zeffirelli, a canção-tema no mais escrachado estilo romântico meloso. Não importa Shakespeare, não importa o cuidado e o investimento com o figurino, o cenário e até com o texto original: a música tem que ser romântica, tem que ser cantabile e tem que "grudar" na memória do espe ctador. E não se trata apenas da canção-tema: a música incidental, nas cenas de rua e de festa, onde aparecem instrumentos de época

-

6

também não é música italiana do cinquecento: a encenaçáo do instrumental só serve para evocat o espírito da ldade Média, assim surpresa!

-

como o Romantismo o fixou na memória coletiva. A música tem um

um caráter popular, mas despido de toda a agudeza, que vem substituída por um melodismo estilisticamente estranho à caccia e aos ricercara populares da época do drama. carâter de dança, sim,

OI.IVTR OU NÁO OfIVTR Na Filosofia da Noaa ll{úsica um dos pontos de ênfase da crítica de Adorno ao neoclassi ismo, com seu apego ao sistema tonal, era que os parâmetros harmonia (vertical) e contraponto (horizontal) da música necessltavam transcender a oposição que enfrentavam há séculoslsí,.

Todos os pontos de constituição de uma obra de arte precisam, diz Adorno, estar em um equilíbrio de funções, sem condicionamenro recíproco. O que dizer, então, do preconceito muito difundido de que a boa música de cinema não deve ser ouvida, nem notada pelo espectador?

!

Não que esta mistura seja feita apenas para barateamento dos custos; Peter Rabenalt assinala em seu texto da WEB Ãstrteilà der Filmntusih (Estética da Música de Cinema) que o gasto com música no

filme de aventura Robin Hood - Rei dos Ladrõu (mais uma vez a Idade Média romantizada) chegou a 2 milhões de dólares: "a expectativa no

efeito inconsciente da trilha sonora sobre o público deve continuar sendo

e

novamente possível, graças à dissolução da ronalidade, pois os distinros sons qlle compõe um acorde "dissonante" assumem, cada um, um caráter de vetor, apontando para todas as direções possíveis, e assim concrerizando a polifonia integra,l: "Je

norme"l54.

dissonierender ein 151

"...so miissen doclt die Eraartangen an unbeaasste Wirlungen der Fi/nmasii auf das Publilun auch ilte enorn fioclt sein." (Rabenalr, 2001, p. l). '96

Aliord, je nelr aoneinandar

e einzelne Ton üerei/s in der airisame Tiine er in sicl

untersc.àiedene und

in ilrer Unterscliedenlteit

"pofipfioner" isÍ er, um so nertr des Zusatnmeni/args den

an." (PhnM, p. 1l l).

97

ninnt

[...J jeder

Claraiter der .Stinme"

III -

l

Entre todas as possibilidades de mau aproveitamento do potencial da música no cinema, esta seria a mais subalterna. O preconceito, que talvez remonte às primeiras assemblages de som no cinema mudo,

teve novo impulso graças a resultados de pesquisas feitas nas décadas de 70 e 80 sobre a fisiologia da audiçãors7. Ficou provado que mensagens sonoras registradas no cérebro podem, às vezes, ser elaboradas e conduzidas adiante mesmo sem ingressar no âmbito da consciência. As pesquisas apontaram diversas ligações bilaterais do nervo

auditivo

com o cerebelo, com o mesencéfalo e com a formação reticular, no cérebro. Estas ligações podem Provocar' indepeodentes da elaboração consciente dos estímulos auditivos pelo córtex cerebral, reflexos inconscientes e reações espontâneas em outÍas regiões do cérebro, bem como realizar a incegraçáo dos estímulos sonoros com informações recebidas pelos outros sen[idos.rs8

ocorre porque muitos filmes são feitos em etapas estanques, sendo a música agregada a posteriori. Já no roteiro, apontam Adorno e Eisler, deveria começar o planejamenro do emprego de música; uma concepção única deve ligar os disrintos estímulos cinematográficos. As exigências dramáticas da história é que têm que determinar onde há som ou silêncio. O compositor Miklós Rósza, autor de músicas para mais de 200 filmes, vê paralelos entre o cinema e a Gesarutiunstraerk, a obra de arte total wagneriana; só que no cinema a música tem um âmbito de expressão bem mais reduzido. Eu não sei quem trouxe a idéia de que a melhor música de cinema é aquela que não se ouve; eu, em todo caso, rejeito completamente essa teoria boba. Música é para ser ouvida, ainda que aconteça de lorma subconsciente, pois ela fazparte do enredo e da agão, e todos os componentes juncos resultam na obra de arte.160

Será que Hegel já tinha uma intuição a este respeito, quando escreveu em sua Estética que "o mundo dos sons atravessa velozmente o ouvido rumo ao interior da mente, fazendo com que a alma vibre por simpatia

a

estas sensações"lse?

AÇÀo (+ rêação)

Adorno e Eisler vêem a união de música e ritual já em um passado muito distante. O antepassado comum seria o teatro de sombras:

sombra e fantasmas sempre andaram juntos16r. Naqueles jogos arcaicos a música cumpria uma função mâgica, que era a de esconjurar os espí-

Talvez o problema esteja em que não se pode medir uma "quan-

ritos maléficos da intuição

-

ou da percepção inconsciente

-

dos pre-

tidade" de música da mesma forma como medimos o volume de som.

sentes. As sombras do ritual e o medo latente que produziam nos ini-

A música traz sempre muita informação consigo, seja ela cantada ou instrumental. A música poderia, sim, em tese, desviar a atenção da cena, ou pelo menos distrair a concentração no enredo. Mas isso só

ciados tinham, assim, na música, seu componente antitético, seu antí-

rs7

Cf. Rabenalr,

t5à

"Sie veronisen aaf oielfakige Bilaterakterbindungen des Hiirneros zum Kleiniirn, zam fulimliirn and ztr Formatio reticuloris im Stammlirn, die unabhàngig oon der bewussten llerarbeitang der Hiirreize in der GroJllirnrinde ltereits anlew;lssle Reflcxe and spofllane Reattionen in anderer Hirnteilen soaie die Integratiott der Sclallreize mit InÍonnationet anderer Sinne aasliisen liíxnen". (Rabenalt, ?0O1, p.2).

tse

doto. Vemos que a causa da união de música e imagem foi a de serem uma não o reforço da outra, e sim sua oposiçãolí,z.

2.

«...die

sclnell uoriiberrraascierde lYeL der Tôw unmiltelltar durch das Ortr in das innere des Gemiits einzielt und die Seele zu sympathisdun Empfindungen stimnt"? (Hegel, Ãstietil, 2001, p. 265, apud Rabenalt).

tst

'Icl oeif ilcltt,

oer die Ansicht au/gebracfu hat, die beste Filnnrsil sei die, die mar nicit liirt; icl jederfalls lelre diese ti)ridtte Tieorie vôllig al,. fuÍasil mass gehdrt oerden, selltst aenn es unterÜewussl gescrtieh, denn sie gelõrt zur Handlung tnd deren Darslellung, und alle Bestandteile zasarnnel ergeben das Kustaerl." (Rósza apud Rabenalt, 2001, p.2). t6t "Scfiatlen atd Gespenst laüen oon je zasammengeiiirt." (Adorno; Eisler, 1996, p. 109). 162 Para André Breton, "o único verdadeiro mistério moderno é encenado nos cinemas". Segundo ele, a visita a esre lugar de misrérios faz parce do ritual do homem contemporânco (Cf. Ahnert, 1999,

98

p.

1).

99

RONEL ÀLBERTI DÀ

UI - AçÃo

ROSA

No Korupositionfiir den Film lemos o depoimento de Jack London, segundo o qual, nos primórdios do cinema, a música cumpriria a fune ção de abafar o ruído do projetor, que era muito forter63' Adorno Eisler discordam: a música não teria sido adicion ada para abafar o tuido do projetor, e sim para neutralizaro seu zumbido, que pertence à esfe-

ra do fantástico, do fantasmagórico. O medo inconsciente evocado pelo jogo de luzes e sombras, reforçado pela sonoridade sempre igual e

murmurante do aparelho de projeção, passou a ter na mÚsica seu contraveneno, A criança que, ao caminhar no escuro' cantarola uma melodia para afastar o medo, realiza o mesmo ritual primevo, que o cinema também adotou, para espantar seus fantasmas. Uma prova de que esta função é imprescindível é que, durante a eÍa do cinema mudo, nunca se cogitou em adotar o mesmo procedimento que nos teatros de marionete, nos quais o manipulador ou outras pessoas simplesmente dizem as falas dos bonecos. Seria uma solução bastante razoâvel, em vez de projetar-se quadros com as falas dos personagens mudos, mas não: melhor uma música qualquer, ainda que não tivesse muita relação

(+ reaçáo)

A cognição de um filme, não importando se mudo ou falado, é muito semelhante ao da leitura de um livro, quando transformamos as letras em imagens. "Lemos" as imagens na tela como as letras em uma pâgina de livro. Neste contexro, um filme falado, demonstram Adorno

e Eisler, não é muito diferente de um filme mudo. Por isso também o

filme sonoro, em especial o cinema moderno, apesar de todas as possibilidades de efeitos visuais e espaciais à disposição (as caixas de som distribuídas à frente, lados e atrás da platéia, para fazer as vozes dos atores e os ruídos virem de todos os cantos da sala de projeção), continua precisando de música. Música para ser ouvida, sim, para sor perce-

bida, música que ajude o espectador a se orientar neste moderno ritual

de esconjuro, para suporcar seus medos até o fim da cerimônia.

o QUE OS O-LHO§ vÊnu E O CORAÇAO NÂO SENTE

com a história, que nenhuma. Por isso afirmam Adorno e Eisler que "mesmo o filme falado é mudo"164l A função primitiva da música neste jogo de luz e sombra modificou-se menos que as pessoas imaginam. O cinema, enquanto linguagem visual, precisa justamente pôr isso da música, porque seus personagens têm a mesma marca das sombras dos rituais pré-históri-

No recente filme Deus é brasileiro (2.003), de Cacâ Diegues, encontramos um excelente exemplo de emprego de música. É quando Deus, no sertão de Alagoas, em meio a uma festa de casamento, tira para dançar a personagem feminina, Madalena. 'Ibda a cena é bastante agitada, com os presentes à festa dançando e tocando um cocol6s muito

animado. Todavia, no instante em que Deus e Madalena começam

a

cos: são bidimensionais. Quando falam, não são pessoas que falam, e sim imagens que falam. Continuam pertencendo ao âmbito do onírico,

dançar, a música que vem para primeiro plano é uma valsa lenta, de

do mágico e irreal. Assustam algo muito antigo que vive dentro de nós.

carâter intimista. Os acordes de 4'. (na terminologia da disciplina de

Sem música, porcanto, não é cinema.

harmonia, acordes

t6t

"lt - ile musit: -

alici

t6a

l 10). *Auch

suspensos) parecem

efetivamente fazet com que

os

que dançam se elevem da ação em curso na festa, suspensos. A trilha

a result of an1 artistic urge, bul, from tlte dire need of sometiing ooald droon trte aoise nade lty tle projedor." (Cf. Adorno; Eisler, 1996, p. 109ltegar nol as

der SpreclJiln ist stumm." (Adorno; Eisler, 1996, p.

100

1ll).

lí's

Ritmo nordesrino. 101

RONEL ALBERTI DA

ROSÀ

III

passa a cÍabalhaÍ em duas dimensões: o som de fundo continua a ser o

condições de cobrir o insondável significado contido na cena, mais que

agitado coco alagoano, indicando que este é o espírito em que os outros personagens estão vivendo, que esta é a música que se está dan-

isso: se o conseguisse, seria apenas uma dupricação completamente inútir.

É preciso, como diz umberto Eco, que a Iinguagem se divorcie de si.

çando; mas só Deus e Madalena sabem (eles e toda a platéia) o sentimento que colocam naquele dançar. A música aqui age quase como o

um lado,

efeito brechtiano de distanciamento, sublinhando o mundo afetivo

:l"rr,de outr ailx tá-lo.róó

dos personagens, oculto a todos os outros, o carinho de Deus para com sua criatura, um momento da trilha em que não há preocupação em

reforçar o evidente câmera

-

-

o aspecto exterior e superficial já mostrado pela

da animação da festa.

_ AçÀo (+ reação)

a

linguagem da metafísica já no fim, obstinada no

a para tornar presentes objeros, de _ díremos _ de donner um stn.ç plas pur

que desperle o ser' anles de ocul-

o

O problema da ilustração da imagem pelo som, bem como

a

justificativa para o emprego de música, é um dos preconceitos cinematográficos apontados por Adorno e Eisler que se mostra mais resistente ao tempo. No centro está a questão adorniana do não-idêntico, da impossibilidade de o meio da linguagem cobrir todas as frações de realidade que compõem um fenômeno. A origem dessa discussão pode ser enconrrada no pensamento clássico dos gregos, atravessa a Idade Mé_ dia como o problema dos universais e chega a Kant e à questão do conhecimento. Para a arte suas implicações são enormes, mas para uma aproximação que faça justiça à evolução técnica das úrtimas décadas

desejo da música de ilustrar uma cena é herança da verha ambição da metafísica de poder chegar à realidade sem que lhe falte nenhuma parcela. Corporifica a prepotência do Iluminismo, que se aÍrogava a capacidade de chegar à certeza última, de ,.tocar o uniyersal"167' Para Adorno, a música se diferencia da linguagem

verbal por seu "aspecto teológico,', QUe é o de revelar_se e, ao mesmo tempo, ocultar-se. "É uma forma de conhecimento que permanece velada para si mesmo e para o objeto de conhecimento,,r68. Justamente esta dissociação de música e fala seria, pensa A.dorno, o fator que faz com que ambas se aproximem,

é

necessário abandonar certas concepções do idealismo que até hoje vivem no imaginário comum. A descrição de uma ârvore, por mais apu_ rada que seja - cor, altura, número de folhas, rugosidades do _

tronco nunca chegará à verdadeira árvore, àquilo que faz com que ela seja árvore, e não elefante. Mesmo que eu fotografe cada centímetro quadrado de um elefante, o animal continuará guardando só para ele sua "elefantice", que zomba de toda tentativa de apreendêJo. Isso não é diferente, em nosso caso, da música para cinema. É uma ilusão acreditar que podemos descrever uma cena com música

.Na trilha composra por James Horner para TiÍanic podemos ver o que acontece quando a trilha ,,duplica,, o que é projetado. O diretor apresenta sua concepção visuar do naufrágio do transatlântico com uma

estética que beira o barroco

-

as imagens



,,gritam,,

por si só: tudo está sobrecarregado de maneira bombástica, os diálogos e gritos dos náufragos, a sonoplastia dos ruídos e as panorâmicas imagens do navio 166

de

'67

forma a não deixar lacuna. Uma parcela desta música não estará em

168

Eco, 1998, p. 34. Eco, 1998, p. 35. "Aaf djey ueise gelingt es llusil, erzr»as 'in der Aassage üestitnmt, und doclt zagleiclt ,aerborgen' zu sein." (Adorno, apud Barck, l9gg, p. Z).

102 103

RONEL ÀLBERTI DÀ

ROSÁ

tÍI - AÇ40 (+ !eação)

afundando. A música sinfônica composta por Horner sobrecarrega ainda mais a cena, "ela torna-se uma caricatura de si mesma e acaba sendo

dispensável."r6eAdorno e Eisler lembram que, na parte cênica da ópe-

Ía antiga, sempre era deixado um espaço para que fosse preenchido

Todos somos testemunhas de que a ilustração banal de imagens

de cinema é uma púttica que segue florescente. A intenção é a meru duplicação do que a cena jâ está mostrando, o que, considerando-se o

pela imaginação do espectador, "um certo espaço para o vago e para o

grau de subjetividade da música enquanto linguagem, sofre, além do problema originário de concepção estética deste procedimenro, todo

indefinido"l70. Wagner tinha bem consciência de até onde podia-se ir:

tipo de preconceito e mediação equivocada. Por mais que se faça um

na Caaalgada das Valquírias, por exemplo, a orquestra executa a parti-

esforço de imaginação, a música, por sua natlteza, nunca poderá expri-

tura com as cortinas fechadas. Robert Schumann, já encantado com a intuição de Wagner em não coreografar aquela cena, comentou o de-

mir um objeto alheio a si própria, isto é, música só fala de música.

sastre que seria ver as cantoras fingindo voar, cavalgando em meio

Falando de forma simplificada: toda música, mesmo aquela constituída de forma totalmente "objetiva" e não expressiva, pertence, de acordo com sua substância, primeiramente ao espaço interno da subjecividade, enquanto que mesmo a mais viva pintura sofre sob o peso

a

nuvens de papelãor7r. Na época em que Adorno e Eisler pesquisavam para

a Fundação

Rockefeller (final da década de 1930), o cineasta russo serguei Eisenstein

de um objetivo não resolvido. A música para cinema tem que tentaÍ tornar fecunda esta relação, e não negá-la, em sombria indiferença.r7a

foi por eles apontado como o único de seus contemporâneos a pensar sem preconceitos a relação de música e cinema. Sua conclusão é de

Os diretores, contudo, insistem: Crianças brincando? Dê-lhe

que uma equivalência absoluta de som e cor, ainda que existisse, não poderia desempenhar um papel decisivo na criação artística17z. pela

música de flauta doce. Namorados se beijam? Lâ vai: violinos com

duplicação dessa espócie a imagem não ganharia em nada, ao contrário,

mos ríspidos! E pode haver também ilustração mediada por equívocos,

pode haver até esvaziamento de sua força simbólica. Eisenstein não admite igualmente a possibilidade de haver equivalentes para os ,,purely

como o exemplo dado por Eisenstein de utilizar

representatiznal elertents

in

rnusiC'

vibrato. Tensão psicológica? Harmonias dissonantes e acordes em rit-

a

Barcarole dos Contos

de Hoffmann (Jacques Offenbach) para imagens de água. Eisenstein, para reduzir a obviedade de sonorizar com esta música um beijo de

173.

amantes em Veneza, sugere voltar a câmera para as ondulações da âgtta nos canais. Adorno e Eisler apontam o duplo equívoco: aidêia de rela-

cionar a Barcarole com Veneza é mediada pela literatura, ela "vive do t6e "YacÀtige

sinÍoniscie futusii sclliep liclt siclr selüst

(Ahnert, p. 1). 170t.

L7L

lariiiert

und

danit

überfliissig

oird."

hep in irtren szenist/ten Vorgrlngen stets eiüefi geaisser Sltielrawn des Vagen und 1996, p. 3l).

" (Adorno; Eisler, D'Amato, 1971, p. l,

Cf. I72 C[. Adorno; Eisler, 1996, p. 9g. r73 Eisenstein, apud Adorno; Eisler, 1996, p. 99.

104

Úa

"Crob gesfrorúen, geltôrt atle lllusiL, aucl die gaaz 'objeltia ' gefilgn und nicil expressioe, iltrer Substanz nacl primãr in den Innenraun. der Subjeltí.oitàt, w;àirend nocrt die Üeseelteste fulolerei sclwer an der Lasí eines unaafgeli)st Objeitioen zu Írdgen iat. Die Fihnmusil nup oersuclen, dies lbrliiltnis fracltüar zu macien, nicit es in triiber Dffirenzlosigheit zu oerleugnen." (Adorno; Eisler, 1996, p. 105).

105

RONEL ALBERTI DA

III -

ROSA

suposto conhecimento público de que esta peça popular tenha a ver com água e com gôndolas"lis. A demonstraçáo de que uma peça colhi-

da de fora do processo fílmico de criação raramente possa desempenhar a contento o contraponto com a cena em questão é o fato de que a me sma B arca ro l e f oi utllizada

p

or Walt D

is

ney na

S i l ly Sy mp lt

o

rt

i e " B i rds

of afeathef', em que um pavão contempla as próprias penas refletidas

em um espelho d'água. Mesmo a proposta de Eisenstein de precisar o movimento de

AÇ40 (+ reação)

A música, portanto, não está aí para reforçar imagens de por si já evidentes. Música que tenta ilustrar uma cena, deixando-se reduzir a correspondências identitârias é música meramente afirmativa, ela faz

com que a imagem se torne excessiva, transborde de si mesma. Em vez de confirmação, o cinema precisa é de interpretação, de várias in-

trilha sonora não ser feita para dar respostas, e sim para ajudar a interrogar, confirma sua condição de momento (o devir na história), sua recusa em perenizar-se (como natureza). Se uma música conseguisse, aliada a uma cena de filme, digamos terpretaçõesr78. O fato de uma

uma determinada peça musical, Iocalizando sua linha ou forma como

de uma girafa, reforçar aquela imagem e recolher todo o ser que há na girafa, toda a sua infinita condição de existência, esta girafa não existi-

fundamento paÍa a composição plástica que lhe correspondelT6, é rejei-

ria mais no mundo.

tada por Adorno e Eisler como demasiado formalista, isto é, não passa:

ria de uma solução deduzida a partir de elementos sensíveis, faltando

Um ponto é pacífico, observam Adorno e Eisler: alguma relação tem de haver entre imagem e música. Se não a que sugeriu Eisenstein,

interligação em um nível mais fundamental, psicológico. Condicionar

qual então? Os autores do Kompositionfiirden Film acreditam que, ape-

a relação som-imagem a leis como a que Eisenstein propôs resultaria

sar da mediação que possa haver entre os dois e apesar de seu carátet e justamente por causa dele

-

música e imagem têm que

basta pensar-se na

antitético

-

redundância que seria, em uma coreografia de balé, fazer corresponder

convergir.

A exigência básica da concepção musical do filme é que

pari passu a cada nota da orquestra um passo dos bailarinos.

natureza específica da seqüência determine a natuÍeza específica da música - ou, de forma inversa, em geral um caso mais hipotético, que

também na ilustração rítmica das cenas fílmicas

-

Obrigar imagem e música, em oome da importância maior de uma unidade, a executaÍ incessantemente o mesmo ritmo de forma simultânea, tornaria não apenas insuportáveis as possíveis correlações entÍe os dois meios, estreitando-as pedantemente, como ainda leva-

i

ria à total monotonia.rTT

ns "Sie leÜt aon dem allgeneinen oorailsgeselzefl 'lVissen' dass das populàre Sliicl mit and Gondeln zu tun iat" (Adorno; Eisler, 1996, p. 100). '76 Cf. Adorn; t17 ttBild

Eisler, 1996, p.

a

uma música específica determine uma imagem específicar7e.

t" A"dré Brri,,

apenas uma das partes do Íilme a reproduçáo da realidade física, a identidade de realidade e cinema: "Realidade aqui [...] não deve ser descartando ""r-dera

Wasser

tis «lllusii and Bitd müssen, sei es noc/t so aermitÍelt und antitletiscl, einschnappen. Die

101.

und Júusil dazu anzuhalten, im Namen liilerer Einheit unabldssig diesen Riytltmus sinultan oorzufiiiren, aiirde niclt nur die mi)glichen Bezieiangen zaiscien Üeiden lledien anertràgliclt und pedantisci üerengeil, sondem obendrein au.:/t zu zti)lliger fulonotonie Jiiiren." (Adorno; Eisler, 1996, p. 102)

106

?:::fí::lí:i " Eisler, 1996, p. 103).

107

(Adorno;

III -

A exigência de Adorno e Eisler, de alguma relação entre os dois meios, pode parecer redundante. Mas

-

não nos enganemos

-

o sinto-

ma detectado pelos filósofos só fez se agravar nas décadas subseqüen-

AÇÀ0 (+ reação)

O estudioso dinamarquês Thor Haga, sem se dar conta deste processo, tenta justificar a dissociação música-imagem nas seguintes bases:

tes. A produção cinematográftca, com seus custos atualmente elevados Se acontece de a trilha sonora sobreviver (de uma forma ou outra) em CD, fora da narrativa [cinematográÍicaf in natura, pode-se talvez deduzir retroativamente que ela também agiu de forma extra narÍativa no filme, ou, pelo menos, que havia nela algum elemento extra narrativo que fez com que transcendesse o meio, no qual a história original necessariamente se esfuma.lsz

até algo inimaginável para a época da Film l[usic Research da Fundação

Rockefeller, passou a buscar qualquer oportunidade de cobrir lacunas financeiras. Começou a ser prática comum a mera adição de uma trilha sonora

-

mas não qualquer uma: esta trilha, aponta Hufner em seu

Komposition

fiir

den

ção para Cinema

-

Film

-

eine Vorscrtau auf die Vergangenrteh (Composi-

Ora, se a trilha agiu de forma extra-naÍÍativa durante o filme ó

um trailer do que já passou), deve poder ser degus-

tada pelo consumidor mesmo sem filme. O resultado é que fica redu-

zidaa um mínimo a relação de imagem e som. O público, entretanto, está já tão acostumado à acoplagem de música pasteurizada às imagens

da tela "que acaba acredicando perceber realmente uma relação entre es 6l6i5"rsttl Ou seja: tudo serve para ilustrar qualquer coisa. Há pouco

tempo foi possível f\agrar uma reutilização de material sonoro em dois

filmes muito diferentes: o compositor Michael Kamen empregou, na faixa de abertura do CD'8r do filme X-tl,Íen (Deatl Camp, Campo da

Morte), com a cena do campo de concentração onde Magneto pela primeira vez percebe seus poderes especiais, uma cópia quase literal de trechos da trilha da Tie Na;er Ending Story (A História sem Fim). Fica muito evidente que

a relação percebida pela

ca e as imagens, neste caso

-

platéia entre a músi-

mas também em muitos outros

-

porque em sua origem jâ náo havia uma ligação necessária daquelas específicas imagens e sons. Voltando ao exemplo anterior, não é possível crer que uma trilha que ilustre momentos de fantasia em um filme para crianças possa ter a mesma adequação em um quadro que representa um campo de concentração. Criar a música adequada é a verda-

deira "idéia" do compositor; a falta de relação é seu pecado capitalrs-l. Talvez se possa encontrar uma resposta na confluência das duas

linguagens, como acontece com o tl[usiàtleater (teatro musical) do argentino Mauricio Kagel. Na Filosofia da Noaa Música Adorno atesta jít

à música de Debussy e Stravinski uma "pseudomorfose baseada na pintura"r84. Este caminho foi também experimentâdo, entre outros, 182

"Jf it oas so tiat film nusic saroioed (in some fomt or otfier) ot CD, ex narratio one could perhaps dedace retroactiaefi tlat it also aorled extra-narrati.o€l! in tle

in nattra, or al

filn,

não

least

passa de auto-sugestão.

tlal

t/tere aas sonel/ting

exlra-naraliae altoat il tlat made it laadle tle media transaction,

in aliclr tie original story necessarifi anaporates." (Haga, 2001, p. ll).



tBo

"Allerdings, hat man sicl aaf diese Weise mit dem Filn Kombinierte M*sii so geoi)hnt, dap lnan tatsàchlicl eine Beziehang zoarttzaneinen sr.lein/." (Hufner, 2003, p. Z).

r8r

No CD da rrilha, mas não no filme!

108

"Das Pràzisc Hirrzilerfixden von fuluil ist der eigentlicle 'EinÍaf des FilmÍompoilsten; Bezieiungslosigieit die Kardinakünde" (Adorno; Eisler, 1996, p' 103-104)'

rsl Neste caso específico, o comentário de Adorno é trma crítica ao fato de Debtrssy e Stravinski tomarem fontcs extra musicais para organizar a forma composicional Adorno preconiza na F.ilosofia da Noua lllúsica tm fundamento exclrtsivamence mrtsical para a criação de mírsica, Isto não invalida, porém, a idéia de uma protomorfose visual enqttanto pente de ligação entre as duas linguagens, em especial quando se tratà de música para cinema. O brasileiro Heiror Villa-Lobos compôs ttma dc suas

109

III -

AÇ40 (+ reaçáo)

por Stockhausen, na sua Semana de Luz, e por Helmut Oehring, que

cer. Só que, ao mesmo tempo que reforça a tensão, a música a esvazia

inclui elementos gestuais da linguagem de surdos-mudos em

completamente. Não podemos levar a mal o espectador; ele já sabe, por experiência, que este tipo de música prenuncia algum evento trá-

suas obras.

A visualidade, completamente excluída da música durante sua história, parece querer recuperar este seu elemento constituinte, e a músifértil de aplicação. Assim como a imagem pode ser apresentada de forma a ser "ouvida", a música também não precisa existir exclusivamente para o ouvido, podendo acoca paÍa cinema poderia

se

r um campo

lher configurações visuais-espaciais como material ou participando da elaboração formal. Umavez que a relação visual-auditiva se apresentar

mediada reciprocamente, e sem aspirar à identidade, renunciando

a

ilustrar tudo que já esteja visível, pode-se dar uma efetiva contribuição ao cinema enquanto arte

-

o que não há é, "sob hipótese alguma,

lugar para melodias de flauta que reduzam o canto de um pássaro

ao

arpegio de um acorde de nona."r's

gico. De tanto serem empregados, os lugares-comuns das trilhas já não atingem seu propósito de impressionar o espectador - antes disso, seu

efeito é hilário. Adorno e Eisler dão um exemplo: O que um dia os léxicos wagnerianos chamaram de "motivo agitado", com um desenho surdo pulsante e murmurante nas cordas, acabou sendo empregado à vontade e irreflecidamence , âté que o reconhecimento de seu efeito o transformou em escárnio para as crianças.18í'

A stocfr milsic, ou música em estoque (nas prateleiras) era a prática comum em Hollywood, mas não se pense que este tipo de mentali-

dade está já superada. Ainda há produções em que é mais cômodo apanhar na prateleira um disco recomendado por algum manual (como

veremos adiante), ainda que sua relação com o filme fique apenas na

TRILHAS NO ATACADO E NO VAREIO A cena: uma pacata casa de campo, em uma bela manhã de sol. A

objetiva vai fechando na porta da frente, enquanto a trilha emite sinistras e já conhecidas sonoridades: acordes dissonantes no registro grave das cordas.

No ato, já estamos avisados que algo de terrível yai aconte-

sinfonias sugestionado pelas curvas do slyline da cidade do Rio de Janeiro. Michel Foucault assinala (Foucault, Michel fuliertd FoucaaltlPierre Boulez - A música colrteril?orônea e o público, em Ditos e escritos) que compositores como Dcbussy ou Srravinski apresentavâm corrclações nocáveis com a pinttrra, e recorda "a interrogação que [...] atravessou todo o século XX: a interrogação sobre a'forma', aquela de Cózanne ou dos crtbistas, a de Schônberg, e rambém a dos formalisras russos ou a da Escola de Praga". trs «Für Flõtenme/odiea, die den Ruf eius Vogels ins Sty'remabereic/t ranrler Noneallorde zaingen, ist utter leinen [/mstrjnden Raan,'(Adorno; Eislcr, 1996, p. 3l).

110

simples mediação literária ou do imaginário popular. Em um

filrre

de

terror, por exemplo, sxpedientes como o de apresentar harmonias dissonantes não impressionam mais ninguóm. No máximo podem ter serventia em algum quadro irônico de

de se

nho animado

tentando evitar que sua única vela se apague, em uma

-

o Pato

Donald

casa mal-assom-

brada. A impressão primeira de uma técnica composicional possui uma natuÍeza muito delicada, e que se desgasta rapidamente a partir de seu

primeiro emprego. Este é o Ursinn adorniano, o sentido primeiro que nunca poderá ser recuperado. Por exemplo, na época de Beerhoven,

a

máxima tensão harmônica disponível era representada pelo acorde de

Leitfadenliteratur zu and raasclende Streiclurfigu4 wird betiebig der Wirlung naclt sie zarn Kinderspott." (Adorno;

111

Motia' ltiep' die dampf zaciende eingesekl, und das \Viedere*ennen

Iiisler, 1996, p,

35)

RONEL ÂLBERTI DA

]II -

ROSÀ

AÇ40 (+ reaçáo)

sétima diminuta. Com o tempo, sua eficácia foi-se desgastando, sendo

dades. Um dos capítulos trata justamente da ambientação sonora de

que se tornou inofensivo e, num compositor como o romântico tardio

diversas possibilidades cinematográficas. O autor

mente contemporâneo de Adorno e Eisler

Max Reger, mal tinha condições de cumprir a função de acorde modulantersT. A tentativa da música é sempre no sentido de recuperar

i

-

-

que foi provavel-

faz um apanhado de um

sem-número de "clássicos", segundo ele adequados para transmitir

a

tl

aquele sentido primeiro, mas não por meio de sua reprodução - manter o emprego repetido de um gesto musical, seja um tipo de cadência,

impressão correta ao espectador. , I

Vamos a algumas delaslse:

um modelo de melodia ou uma combinação tímbrica, é a melhor maneira de matá-lo. Recuperar o Ursinn só é possível, pensa Adorno, pelo

í

emprego do material musical tecnicamente mais avançado; é a isso que

t I

ele dá o nome de progresso na música.

1. fuIau-agoiro (sic), arueaça

I

i

llla

i

(a lista toda tem mais de 30 exemplos)

I

mais a situação, pois, dependendo da cena, a memória é estimulada

a

recordar do já desgastado emprego de tais expedientes.

tipos de música para cefias

I

I

-

0 íipo de música etérea tem sido utilizado

nharaárias situaçõu

€m

muitusrthes diftrentes entre

ruúsica evlca ainda o Espaço, tal como

I I

sltip to tlte Moon"

-

Vejamos: noite de luar o primeiro movimento da Sonata ao Luar instrumentado de forma espatafúrdia, sendo que o que Beechoven escreveu para o piano, só sugerindo a melodia, é acompanhado imAbe rtura de Guilierme Tell; casâmento: a Marcha

r8i

a pesquisa para

3. Sórdido

-

de

demonstrado no filrue "Rochet

filnt€s slbre aiagens espaciais. E rarnbêm

cornposições adequadas

noturnos e ordinários. este

útil

como a aista de um aaião ou do alto

erc.

[...]

para

c€nas de

miséria, ruas sujas, clubes

Os blues são especialmente úteis

para expriruir

clima emocional [...J Deoe nltar-se, flo entantl, que erubora os blues

sejam geralmente adequados para acompanhar situações sórdidas, tam-

consta do acervo da biblioteca de uma de nossas universi-

Alberri da Rosa,2003, p.

[...J Este ttpo

(idem uma grande lista de exemplos musicais)

. Era uma edição portuguesa do original norte-americano de R

tdà "Also: tllondscheinnacht

para acorn?a-

Rusticana (Pietro Mascagni), Intermezzo da Saite Adesiana (Bizet),

este volume, um livrinho com o título de "Como escolier música para

-

foi

si.

etc.

de uma mzntania: Adagio para cordas (Samuel Barber), Caaalleria

a

Nup cial de Lctiengrin

Foi com cândida surpresa que encontrei, durante

Rawlings

e noutros

para sugerir uma grande altitude, tal

ou a de Mendelsohn.rss

filmes"

perigo ininente,

ll[àre L'Oie (Alaurice Raael), Sinforuia No. 1.(Johannes Brahms),

2. Etéreo; sublirue

t I I

portuna e pastosamente pelas cordas. Em caso de tempestade:

de

alneaça, tensão: Capriclr.o Italiano (Tctaihoashi), Finlândia (Jan Sibelius),

t

A associação de lugares-comuns musicais com imagens piora ainda

-

I

bém podem sugerir um clima emocional absolutamente diferente. (!) t...1 No documenÍdrio sobre o Farnborouglt Air Shozot t...1 Íoi utilizado

75.

para aclm\anúar instantâneos dos movimentos graciosos dos aviões

-

der ercle Satz der ll,londsclteinsonate, ganz sinnroidrig inslrumentiert, inrlem' die bei Beetltooen im. Klaaier nur eben angedeatete tlÍelodie aon dex Srreir'rtern aafdringliclt und fett unterstrity'un ainl. Bei Geaitter rlie Tbllouaertiire, üei Hocizeiten - der Brautnarsclt aus Lole ngrin oder der Hocltzeitsmarsc/t uon fulendelsoltn " (Adorno; Eisler,

1996, p. 33).

em vôo. (!) r8e

112

Todos os exemplos e citações retirados de Rawlings, p" 56-83'

113

III -

-

que um dia possuiu algum significado de tétrico ou sinistro, hoje está

para bailes, cenas

completamente esvaziado. Da mesma forma o glissando nos trombo-

Outra contradição semelhante aparece sob a rubrica Cintilante aiao

-

efervescente: este

tipo de música

í

aconselfitíael

carnaaalescas € oatras cenas de alegria espetacalar.

AÇ40 (+ reação)

Útil também para

ce-

nes ou o fagote paÍa o cômico vulgar.

nas agitadas de tráfico ou cenas com movimentos velozes. (!) No geral, artifícios que já em sua época de apogeu eram concebidos

Bm outras palavras, o autor está maduro paÍa o reconhecimento de que músicas alheias ao processo de feitura do filme não servem, já

que podem tanto ilustrar um tipo de sentimento quanto outro qualquer, mas não consegue dar o salto para este reconhecimento, tão forte é sua convicção de que nada pode superar as grandes obras do repertó-

rio erudito na elaboração de trilhas sonoras para cinema. Sua criatividade consiste em ir até a prateleira e escolher

-

pelo título

-

uma obra que

mais como escímulo do que como resultado orgânico da construção, desgastaram-se e esgotaram-se com rapidez, mesmo na música erudita. Aqui, como em muitas instâncias, a indúsrria cinemacográfica se apresenta como carrasco de uma condenação há muito promulgada na música de concerto.leo

Adorno e Eisler apresentam sua proposta contra a excessiva padronização das trilhas de cinema hollywoodianas, que é o emprego de música contemporânea. Na ópoca (1940), parecia que a reserva inesgo-

tenha alguma relação com o enredo. Além destas, o livro apresenta

tável e ainda inexplorada de novos materiais musicais poderia dar vida

listas de músicas para momentos psicológicos tais como trágico, pun-

nova ao cinema. É o que trataremos no próximo capítulo.

gente, religioso, solidão, pastoral. Enfim, é muito fácil agora, em 2003,

fazer pouco de um manual prático de mais de meio século, e seria melhor talvez nos atermos aos problemas de hoje... se não fosse a dura realidade de que este tipo de mentalidade de supermercado não está absolutamente superada. Há poucas semanas a fase de elaboração deste livro

-

-

portanto ainda durante

recebi por e-ntail um edital de con-

curso para preenchimento de vaga de professor em uma universidade de nosso país. A cadeira em questão chamava-se "Música e tecnologia" e, na bibliografia, de pouco mais de dez volumes, estava o "Como lher música para filmes", de

E

esco-

Rawlings!

Da mesma forma como a mírsica recebe este tratamento

de

armazenamento em prateleira para pronta aplicação em qualquer sicuação semelhante, a instrumentação e as interpretações passam por processo semelhance. Efeitos como o tremolo na ponte dos violinos, 114

r\t"lnsgesamt laàen gerade Kunstmittel, die sclon zu iÀrer Bliiazeit elter als Reizfficte geplant aaren, a/s dap sie aus der Konsrrultion ieroorgingen, aucl innerrta/Ú der autonornen tllasii sicl aup erordentliclt rascl aügesclr.tdfen und uerüraucltt. Hier aie in pielen Stiiclen eraeist die Filmindustrie sicl ak Vollstreclungsinstanz eines in der Kanstrnusii làngst gefiilltet Urteils." (Adorno; Eisler, 1996, p. 36).

115

IV SOM (d,iab o lus

n

in rrru.sic n)

I

A solução proposta por Eisler e Adorno, de empregar-se mústca contemporânearer para as trilhas sonoras cinematográficas, expressa de

i

uma idéia que é central em suas concepções estéticas, a de não

se

deixar apreender pelo "mundo administrado". Esta expressão é própria da filosofia adorniana e denuncia a abrangente burocratização que

i

atinge todos os ramos da atividade humana. A arte pode negar-se

I

I I

burocratização se conseguir afirmar sua autonomia frente

à

a esta

racionalidade

l

I

,

iili

;l

rerA expressão m(rsica contemporânea refere-se aqui à produção iniciada com o atonalismo livre de Schónberg e, em seguida, sua tócnica serial. Todavia, mesmo Stravinski, cricicado por Adorno na sua FilosoJia da nooa músira, e também Bela Bartok, escão contemplados na concepção de nova mítsica para cinema de Adorno e Eisler, por suas obras terem igualmente superado o cromatismo pós-romântico do início do século

xx. I i I

i

117

RONEL ALBERTI DA

ROSA

IV

instrumentallez. Para Adorno, uma interdição da manipulação da obra artística só poderá ter sucesso se esta "incorporar o material no estágio mais progressivo de sua dialética histórica,,1e-r.

É necessário, contudo, nos reportarmos ao momento histórico da pesquisa de Adorno e Eisler, se quisermos entender a urgência de que se revesre sua proposta. A própria Fundação Rockefeller tinha

certamente interesse no resultado do estudo, e isso era decorrente do estilo repetitivo que dominava as telas de cinema. Na época as opções

-

não se cogitava outra coisa

-

oscilavam entre o repertório erudito de

concerto (cujo emprego era também submetido a uma mentalidade de suPermercado, como vimos antes) e a composição de trilhas sonoras

que deviam sobressair por seu caráter melódico e amorfo (com o primado absoluto da melodia, pouco importando o contexto dramático). Sem considerarmos agoru a questão da interação com as imagens,

a

própria amplitude do repertório e do estilo era fortemenre limitado pela mentalidade de entretenimento.

-

S0M (didàolus

in nusi.o)

mente. A urgência consiste não em apresentar o máximo de dissonâncias, mas em empregar a música para uma nova função, a de desligar o es-

pectador da ilusão de realidade e fazer com que o filme se torne um momento de reflexão; para isso a música terá de realizar tanto um contraponto com aspectos subconscientes da trama como contribuir para o que Brecht denominou de Verfremdung (distanciamento), que é o colocar e m relevo elementos que ajudem a platé,ia a diferenciar entre o que está acontecendo no filme e a possível ação objetiva de tomada de posição em relação à história.

Eisler escreveu om 1940 o Estudo sobre a utilização da música no cinema, em que também ressalta que a relação de contraponto com a imagem pode ser muito mais efetiva que "ilustrar a imagem, imitar seu ritmo ou matizar as emoções dos personagens com uma espócie de psicologia vulgar" ls4. Em se tratando de música autônoma, portanto, mais importante é o tratamento a que é submetido o material do que sua própria constitu ição

(B

es

clt affen

À

ei t).

Tüdo resulta direcamente das exigências concretas da composição, e não do esquema. flma peça cheia de dissonâncias pode perfe itamente seÍ tÍadicional em sua condução, e uma outra, que emprega material comparativamente mais simples, pode ser totalmente avançada e nova por meio do emprego consErutivo dos meios. Mesmo uma seqüência de tríades pode soar estranha, se retirada dos costumeiros conEextos de associação e se tiver sido deduzida unicamente a partir

A música atonal, na visão de Adorno, conseguiu escapar de ser teduzida à mercadoria em salas de concerto, graças ao material que emprega. Sua aplicação à arte cinematográfica ofereceria condições, então, de renovar este meio já tão deteriorado por clichês e preconceitos. O uso aleatório de música devia, então, ser substituído por novos meios, para que sua função fosse cumprida melhor e mais objetiva-

da coerência específica da composição.res tea

"A rttisica fode conentar a in.agem corto ,tox €slecladlr. [...] À medida en que se aai erNlterittenlarxdl Ttode nmprooar-se faci/mente qu.e uma noaa forma de aconpanlamento no qual a músiru comenÍa sap€ra em eficác.ia o recurso da ilusração conaencional. [...] Por conseguinte, deüe inoesligar-se: aJ a re/açrio paralekt entre a inagen e o sorn, e bJ o eofiraste (Eisler, 1990, p.288-289). sici unmittell,ar aus den tonlreten Anforderungen des Geltildes, niclr/ aus jem Sclerta. Ein Stiicl ttoll aon Dissonanzen lann dartlaus lonaentionell in seinem Duitus entre a prirneira e o segundo."

tes 'tAlles ergiÜl

Le3

icltls anderes als

ie und ie rlas ,llaterial auf der fortgesdrriÍtensÍep SruÍe n Dialeltil ergreifen.,, (Adorno; Krenek, 1974, p.174). 118

sein und eines, dos aerrtà/tuismàp ig einfat/reres fuIaterial oeraendet, durciaus aüanL.iert und neu duru:/t den illangfolge Áann fremd llingen, z»enn sie a o.ntnen und einzig aus rler Stirnrnigleit des isler, 1996, p. .S7-SA1.

119

IV

O fato de uma seqüência de tríades, uma configuração que consubstancia a essência do sistema harmônico

-

S0M (diaüolus

in musíco)

Esta cadeia de significações desgastadas foi se construindo ao

encadeado segundo

longo de gerações de compositores de óperas, e, ao se encontrar com o

relações hierárquicas internasle6- poder soar de maneira a desempe-

cinema, um meio de comunicação com forte tendência à recriação de

nhar uma função emancipada das relações tonais foi descoberto por

atmosferas virtuais, não encontrou barreiras a sua tendência de

Adorno ao estudar algumas composições de Arnold Schcinberg, o pro-

Gesanthunstaerh, de obra de arte total, em incluir até mesmo o público

fessor de composição de EislerleT. Na Segunda Sinfonia de Câmara e no

em sua esfera de abrangência. Qualquer um pode lembrar de várias dessas obviedades de sugestão musical, mas aqui estão algumas delas

último

dos Coros

para

Vozes

llasculinas

-

op. 35, Schônbe rg faz soar tríades

perfeitas como material de construção. Por isso escreve Adorno que Schônberg "violenta a série" ao obrigar o material (tonal) a servir para

apontadas por Adorno e Eisler: 1. Compasso quaternário com acento no tempo forte

compor uma obra atonalles. Esta observação abriu os olhos de Adorno e Eisler paÍa a ênfase

-

caráíer militar

2. A progressão harmônica do 1o ao 3n grau em um movimento lento

-

atmosfera de música religiosa

a ser dada ao tratamento do material, o que, transposto para a esfera do

cinema, aponta paÍa a importância e para a possibilidade de quebrar-se

3. Compasso

de viver"

a cadeia viciada de significações na relação som/imagem. Se um mate-

rial desgastado como

as tríades maiores e menores podem ganhar novo

3/+

marcado

-

valsa e "uma totalmente injustificada alegria

lee.

Adorno e Eisler pensam que

a tensão

entre o sujeito'e o mundo

significado com um tratamento composicional que não explore os ró-

deve continuar prevalecendo, mesmo confrontado com a obra de arte,

tulos costumeiros, o mesmo pode suceder com o cinema, em que uma linguagem musical mais avançada pode valorizar elementos da trama

e a imersão em sensações como as anteriormente citadas poderia ser impedida pelo emprego do que chamam de "o novo material mu-

que passam desapercebidos, escondidos por trilhas sonoras homo-

sical,'

200.

geneizadas.

Os novos métodos de composição musical, como a técnica dodecafônica, foram idealizados, a princípio, com o propósito de realizar concertos, e até agora têm sido utilizados apenas nesta esfera, mas

precisamente no âmbito de concerto enfrentaram-se com grande re6

No siscema tonal, todas as no[as existem como referência à Fundamental, otr Tônica. Em relação a ela são consrruídos momentos de tensão e distensão de ttma obra, da mesma forma como a perspecriva condiciona as figuras em uma paisagem figurativa. A maior atração ó exercida pela Tônica sobre a 2' noca da escala (a Supertônica), que tende sempre a cair, por ela atraída, e sobre a 7", a Sensível, que igualmenre rende a unir-se à Tônica.

197

Ver Adorno; Eister, 1996,

19A

"Scrtônüerg oergaoaltigt rlie Reihe."

p.

,',t "Ot"

*rrlUrrr tlr*lt

[sugeriertJ den Walzer und eine durch nicltts gereútfertige

(Adorno; Eisler, 1996, p. 59-60).

117-118.

(PhnNI, p. 106).

120

zno

«Das

neue musiialisclte

Material." (Adorno; Eisler, 1996, p. 55)' 121

LeÜensJreude."

7 RONÊL ÀLBERTI DA

tV

ROSÀ

serve para enriquecer o cinema sonoro. No filme T/te Four/tundred l'Iillions bons'2í)1

(dioàolut in musica)

tinha de ser efetivado de forma gradual. o fato de o cinema começar a acolher música modeÍna, facilitando, graças às imagens, o contato do público com esse tipo de linguagem e, quem sabe, num futuro próximo viabilizando sua compreensão em um contexto ex narrati7, isto é, fora das salas de cinema, era também a expectativa de Eisler, que em suas composições já demonstrara disposição para levar gradualmente o público à compreensão do que seja música nova. Justamente a fâbtica

A diferenciação antes especificada, da possibilidade do mero emprego do material e da possibilidade do tratamento dado a este material, ganha importância quando observamos agora, mais de 60 anos depois da publicação do Kompositionfiir den Film, o que ocorre com as utilizam de música contemporânea. Em primeiro lugar é preciso reconhecer que, sim, emprega-se agora muito mais música nova no cinema. Este emprego, todavia, sucede quase

trilhas cinematográficas que

SoM

processo tinha sido especialmente saudado por Eisler, que, além de ver nos modernos meios de comunicação de massa grandes possibilidades para a socialização da arte, também acreditava que este processo

incompreensão. Deve investigar-se até que ponto esse novo material

já demonstrei, em parte, que é possível obter resultados muito

-

se

de sonhos de Hollywood parecia preparar o caminho paÍa a emancipacom a moderna músição da vanguarda, o encontro do grande público

que exclusivamente como ilustração de imagens relacionadas ao âmbito do terror, da angústia, do inominável' É fotçoso constatar que o

ca de concertozo2.

novo material musical não teve senão uma vitória de Pirro: penetrou na cidade dos sonhos, em'Hollywood, mas só para servir de clichê

via, deu-se pela sua segregação, enquanto sonoridade negativa, de um mundo musical eufônico e oficial. Tiilhas bem concebidas foram aos poucos desaparecendo em meio a quantidades de cacofonias banais,

O processo de introduzir-se música moderna no cinema, toda-

dissonante.

escritas para copiar, em estilo pseudo-modernista, apenas os aspectos mais superficiais da música contemporânea. segundo Matthias Keller,

vamos recordar este processo: as adocicadas e melodiosas trilhas de Hollywood começaram

a

rrer arranhada sua integridade graças a comparece mesmo ser cuja existência não aPlicação funcional ulro "intacEo" mun-

positores como Franz Waxman, Miklós Rózsa e Alex North. Quando Bernard Herrmann musicou

a famosa cena

,

do assassinato na ducha do

hotel, no Psicose, de Alfred Hitchcock, o melífluo edifício

da

do musical hollywoodiano dos violinos melodiosos''01

melodiosidade hollywoodiana já apresentava sérias rachaduras. Este

20r

(Eisler, 1990, p. 286) Eisler escreveu a partitnra para Tle Fourrtundred tlÍiles (1938) do direror holandês Joris Ivens, com quem já havia trabalhado em 1932, qtrando viajou a Moscou para faza.;. a trilha do documentário Komsomol. Joris Ivens é tlm dos exPoentes do cinema e documentário político na Holanda e na Europa. Sett docrtmentário Regen (Cfiuoa) também foi escolhido para exemplificar, no último capítulo do Konposition fiir den Fihn, a interação entre as imagens de um dia de chuva em Amsrerdam e a trilha de Eisler. A composiçáo é sruu ol)us 70, e está dedicada aos 70 anos dc nascimento de sett professor de composição, Arnold Schõnberg, em que Eisler utilizotr a mesma instrtrmentâçã o do Pierot Lunaire de Schônberg (flauta, clarincte, violino, viola, violoncelo c piano).

123

122

&

W

David Raksin, que começou a trabalhar em Hollywood como orquestrador da trilha de Chaplin paru Tempos Atlodernos, também foi aluno de Schônberg e empregou em vários de seus trabalhos sonoridades da Segunda Bscola de Viena. Refletindo sobre a razáo de o público

-

SoM (diqüolus

in nusicd)

da Primaoera) em uma lista de 80, nenhuma prescrição de obra moderna. Veremos ali a Sinfonia Fantuística de Berlioz, Quadros de uma Exposição de Mussorgski,. a Dança Alacabra de Saint-Saêns e uma grande

sentir-se desinteressado pela música contemporânea em salas de con-

quantidade de composições que, afora seus títulos sugesrivos, dificilmente cumpririarri uma função de contraponto com cenas para as quais

certo, mas aceitando-a normalmente no cinema, Raksin pensa que

definitivamente não foram

a

diferença está no fato de música e imagem justificarem-se mutuamen-

te na tela, o que não se dá em um concertozoa.

criadasz0s.

Seja como for, a partir da metade do século

XX

as sonoridades

"más" dos compositores contemporâneos tornaram-se "boas" para se-

De tanto serem empregadas em cenas de filmes de suspense ou

rem estigmatizadas como estereótipos de filmes de horror. Sem esque-

horror, as sonoridades da música conte mporânea acabaram prisioneiras da maquinaria hollywoodiana. Quando é projetada uma imagem, já os

cer o paradigma do contato com seres extraterrestres: vide o clássico 2001 - Uma Odisséia no Espaço, com as composições de Ligeti e

ouvidos pedem a música que a vai confirmar

o que, como já exposto,

Penderecki. O desejo de Adorno e Eisler, de libertação dos clichês,

acaba anulando completamente a intenção original, já que esta confir-

acabou vítima da insaciável voracidade que o cinema tem em criar

mação não deixa nenhum e spaço para a reflexão e, conseqüentemen-

sempre novos clichês. O suposto modernismo que consiste em empre-

te, paÍa o espanto da platéia. Se a Filosofia, como disse Platão, começa

gar música moderna no cinema só confirma um preconceito altamente

com o espanto, a música aplicada desse jeito às imagens interdita toda

conservador, que é o de funcionalizat as composições contemporâneas

reflexão, pois só faz confirmar o que já se espera. O estigma medieval do diabolus in musica, que se referia à proibição da dissonân cia de 4,

e amarrá-las sempre aos mesmos tipos de cena. Assim "popularizaram-se" o Canon para Orquestra e Fita ,üIagnítica de Krzysztof Penderecki

-

aumentada, aplica-se agora à música contemporânea, que é banida para os filmes de terror: diabolus in Éinemate.

e a Niglrt of trte Ebctric Insects de George Crumb: inseridos na trilha de

Como verdadeira música diabólicaz06. A respeito de O Bebê de Rosemary (Roman Polanski), comenta Hans-Christian Schmidt: O Exorcista.

O fato é que a música contemporfl.nea no cinema é um fenômeno que só teve início depois da publicação do estudo de Adorno e Eisler, a partir da metade da década de 40. Se tomarmos um manual como o anteriormente citado "Clmo escolher l[úsica para Filmes,,, deF. Rawlings, sob as rubricas raal-agoiro-ameaÇa, ou misterioso-sinistro náo encontraremos, afora duas obras de Stravinski (Petruschha e A Sagração

zoa

Cf. Keller, 2003, p.

Z.

í24

205

Aqui a lisra completa da rubrica nisnrioso+inislro: El Amor Brujo: Dança Rirual do Fogo (De Falla); Cobweb Castle; Dança Macabra (Saint-Saéns); Dismal Swamp; Limping Man Theme; Ma Mêre L'Oie: Le Jardin Féerique (Ravel), Mists; Uma Noite no Monte Calvo (Mussorgski); Dança d'O Pássaro de Fogo (Stravinski); Suite Peer Gynt N'1: No Antro do Rei da Montanha (Grieg); Petruschka; 3'Quadro (Stravinski); Quadros de uma Exposição: A Cabana de Pés de Galinha e Catacumbas (Mussorgski); Os Planetas: LIrano e Sarurno (Holst); Sagração da Primavera: Dança do Eleiro, Evocação dos Antepassados (Stravinski); Shrouded Trees (Picrures in a Fog); O Sonho de Borghild: Sigurd Jorsalfer (Grieg); Sinfonia Fantástica: Marcha para o Cadafalso (Berlioz); Towards Midnight (Rawlings, p. 79-80). 206 "Als veritable Teufelsmusik" (Keller, 2003, p. Z).

125

Música nova = música demoníaca. Esta é, mais tumavez, nossa equação. Neste filme ela chama especialmente a acenção, porque o caráter social dos outros números musicais está determinado de forma semelhante: a peça para piano "Pour Elise" , a cançáo de ninar, a caixinha de música. Aqui, o diabo está soko e o público de cabelo em pé. Não se pode leváJo a mal [ao público], se ele aprendeu bem sua ilustrada lição, e nem no cinema a esquece, já que nas salas de concerto e no rádio Lúcifer Stockhausen e Belzebu Ligeti ameaçam agarrá-lo com mãos de c/uster?ZÍt1

THE END

Como Adorno e Eisler já haviam observado, a indústria do en-

Onde nenhum homem jamais esteve...

tretenimento só abre suas portas para deixar entrar o que lhe for de garantida utilidade. O fato de que compositores como Hindemith e Schônberg

para citar só dois que dividiram com Adorno e Eisler o

-

exílio nos Estados Unidos - nunca terem tido abertura para trabalhar no cinema só comprova que nesta ârea, na verdade, nunca houve lugar para experiências estilísticas208. Se o tivessem feito, suas músicas esta-

riam certamente arquivadas em alguma prateleira sob a rubrica "sinistro

-

títrico"

.

"Tânto trabalho ensaiando para tocar bem juntas as notas de uma passagem de um trio de Beethoven' e os compositores agora querem que toquemos propositadamente desencontradas as escalas de suaS

composições". Meu professor de música de câmara se queixava das instruções em obras aleatórias, recomendando que cada intérprete tomasse um pulso individual, sem se importar com o tempo dos outros

instrumentistas. A inserção do elemento do acaso na música, e que zil 'tNeile ,\Íusii besonders

teve em John Cage um inovador e, ao mesmo tempo, um pensador diesem

l'ilm

auf, aeil die Sozialclaraitere anderer tllasi*nunmern in àÀnliclter

Weise

-

feuJekmusil, rteift ansere Gleiehung einmal mehr;

festgesdtrieben Hier treiüt der wer aiil es ilt oergiss/, ao im cluster/rànden 2oB

Cf. Keller,

sie

ftitlt in

die spierdosennusiÍ. die Hoare nach oben. onen auclt do* fiic/tt und im Hdrfanl Lazifer Stocllrausen oder Beelzebult Ligeti nit iltm greifei?,,(cf. ieller, 2003, p. 3).

20

126

dedicado, rebela-se contra a tradição de homogeneidade da música - e de toda a arte do ocidente. A homogeneidade parece ser o fator

-

determinante para impedir que a arte se separe radicalmente do mundo. Até o Romantismo, as obras que depunham sobre uma cisão psico-

lógica do Eu e do mundo ainda dependiam de um sistema rígido de 127

RONEL ALBERTI DA

ROSÂ

THE END

normas acadêmicas, que permitiam o heterogêneo apenas mediado pelas regras vigentes. o Expressionismo aprofundou esta cisão, dando início

à Iiberação da forma. Na música o dodecafonismo, esperava Adorno, seria apenas um estágio rumo a uma riberdade ainda maior,

rumo

à

cura da Naturbefangenleit (dependência da natureza).

tante para a queda na reprodução do real. Música acoplada à imagem, uma traduzindo simultaneamente a outra, parece fazer parte do ovo

original do cinema, na formação de um corpo homogêneo e auto_refe_ rente para dentro do quar a realidade é sugada peras lentes

da câmera.

A possibilidade que se abre, então, é a de ,,salvar a realidade física,,, como aponta Kracauer20e. Para isso "eles [os filmes] parecem tanto mais

cinematográficos quanto menos direto se referirem a quarquer vida, ideologia ou assunto espiritual.2r0,, a música, como pesquisada por

simples inclusão modificaria

otrde nenhum homem jamais esteve ..

as forças inrernas que regem a estética do

cinema de massa. A música contemporânea foi segregada em um guero

específico, o do cinema de horror, transformando-se em clichê e sacramentando agora em definitivo sua separação do público. A força do pensamento identitário era maior do que suspeitavam os autores.

O cinema, contudo, na relação com o mundo, carÍegao peso de sua natureza pictórica, o material fílmico oferece uma tentação cons-

A relação com

-

Adorno e Eisler no

Um rompimento mais radical, com a inclusão de elementos aleatórios que pudessem quebrar totalmente a sincronia do filme, é descartado por Adorno, que não acredita que o uso do acaso possa contribuir para a preservação do heterogêneo na arte. Na Teoria Estática lemos que' ao fim e ao cabo, o aleatório se revela uma função formadora. Esta forma, contudo, não garante a libertação, apenas transfere ao con-

tingente a responsabilidade pela organização. E, como vimos, para Adorno a questão da forma, que é central, não se resolve: ,,Nenhuma obra de arte merece o seu nome se não afastar de si, de acordo com a sua própria lei, o elemento contingente.zll" Podemos, entretanto, estranhar como Adorno, cuja concepção de História náo açeita o necessitarismo hegeliano, rejeita justamente na arte a inclusão do acaso. A

início da década de 40, não sofreu nas últimas décadas modificação senão superficial. A grande massa das produções segue copiando

o

explicação pode estar na crença de Adorno de que só a forma, isto é, o

mesmo modelo música = imagem, ou também é várido música + imagem = mundo. A inclusão de música contemporânea, elemento

tratamento a que se submeterá o material mais avançado poderá levar a afte a esquivar-se à apreensão pela indústria cultural. Como a forma,

cujo potencial se depositava grande esperança, não resurtou em Iibertação senão para os diretores que já tinham, por si, uma concepção fílmica diferenciada. podemos afirmar que Adorno e Eisler sucumbiram a uma certa ingenuidade e ao seu próprio entusiasmo diante do

segundo o próprio Adorno, "só é forma de algo, e este algo não pode

em

transformar-se em simples tautologia da formazt2", fica assim sem eficâcia a inclusão de partes aleatórias que mantenham sua heterogenei-

dade sem interação com a grande forma, e das quais não se possa dedu-

que acreditavam ser as possibilidades da nova música, ao crer que sua

zir uma fórmula paÍa a constituição do todo.

t'Cf.-G."b,

ztt t'K€in KutstaerÍ verdient seiner Nanen, oeLúes das seinem eigenen Gese/z gegeniiàer Zafàttige oon siclr aegfiielte," (Adorno, 1985, p. 329). ?t2 "Denn Forut ist den eigenen Begriff racl nur Form üofi eraas, und dies Enons, darf nicltt zur blop en Tautologie der Form uterrlen." (Adorno, 1985, p.3?9).

1184,

210 « ô.

nte scltet

Ideologien

p.

g.

r

za seir, je z,»eniger sie sicl di_relt auJ inaettdiges Lelen, ricltten." (Krakauer, apud Grob, tOa+, p. a).

128

129

THE END

A recuperação de uma estética cinematográfica originária

-

a do

cinema mudo, em que a música assumia o papel narrativo e de ligação

-

0nde nenhun homem jamaÍs esteve...

música fazia parte tanto da impressão recebida pela platéia, ao final do produto, como no início, na interpretação dos atoÍes

-

uma via de duas

tem provavelmente ratz em uma atitude de compensa-

mãos. Sua intenção, de aplicar ao tempo cinematográfico as estÍuturas

ção. As técnicas de videoclipes caracterizam a maioria destas tentatiyas,

temporais musicais, fazendo com que o filme apresentasse uma forma

todas com forte presença da música. Um exemplo já clássico é Koiaaniskatsi (1983), em que nenhuma palavra é pronunciada, tam-

musical, é um projeto que tem parentesco com o "conttaponto

bém não há "personagens", o planeta Terra é o único personagem, e

aprofundamento.

da totalidade

-

a

trilha minimalista de Philip Glass acompanha as evoluções da câmera.

dramatúrgico" de Adorno e Eisler, e que também está à espera de um

Podemos pensar na tonsão entre a música para cinema e deste

O contraponto dramatúrgico preconizado por Adorno e Eisler

na sociedade dominada pela indústria cultural como paralela à do Eu e

continua sendo a melhor solução para o problema da música no cine-

o mundo: de alguma forma, sua inclusão em uma estética que concilie

ma, desde que radicalizado em seu emprego. O sentimento de ambi-

estes contrários sem vistas à apreensão contribuiria para encontrar um

güidade do pós-Modernismo tem esrimulado criadores a uma relação

caminho a fim de superar esta crise. Desta maneira, a música para cinema daria uma importante contribuição, digna de uma dialética

menos hierárquica entre imagem e som, o que pode vir a permitir que

aflorem o paradoxo e o polissêmico, e que também o cinema acolha os muitos significados abertos da obra de arte. Para Ahnert, a ambivalência

negativa, à arte do cinema, provocando e assumindo seus simultâneos

dos anos 90 presta-se para filmagens de quadros que sugerem um re-

viável quando pensamos que Adorno nunca pensou em apaziguar den-

nascer de certos aspectos do dadaísmo, sêndo que o significado da música

tro da obra de arte os conflitos que permanecem abertos no seu lado

tem ganhado cada vez mais importância, fugindo à paralisia da música

exterior, isto é, na sociedade.

formal e comercialzl3.

ocultamento e aparição no mundo virtual da tela. Isto é especialmente

Obras como as de Stockhausen,

A consciência que Murnau tinha da música como veículo para

Luigi Nono, Mauricio Kagel e a

unir os dois meios estava presente desde

audiovisualidade das composições de Helmut Oehring poderiam contribuir para renovar a relação da música com o cinema. Esta já incorpo-

da trilha que seria mais tarde executada pela orquestrazra. Assim,

rou alguns elementos visuais, restaria agoÍa ao cinema admitir trilhas que façam mais que meramente confirmar suas imagens. Isto consisti-

as filmagens de suas obras, quando fazia os atores interpretarem ouvindo uma versão simplificada a

ria em uma reflexão sobre a rratuÍeza mais específiça da música, sem sugestão, sem efeitos, sem mitologia. 2tr «D'e Bedeutung rler Musil geainnÍ

[...J

me/rr

uul

meltr

an Gew;it'ltt, ül,erlistet die Statil

formellafter Konmerzmasil.,' (Ahnert, 1999, p. 3). zra As fotografias tiradas durante as filmagens de sonnenaufgang (1927), por exempro, mostram um conjunto formado por acordeão, saxofone e violino.

130

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