Música e Política um relato de experiência ocorrida no curso de especialização Latu Sensu “Residência Agrária matrizes produtivas da vida no campo”, no campus de Planaltina da Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil.

August 10, 2017 | Autor: Augusto Charan | Categoria: Music, Music Education, Politics
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CENTRO CULTURAL DE LA COOPERACIÓN FLOREAL GORINI

II ENCUENTRO HACIA UNA PEDAGOGÍA EMANCIPATORIA EN NUESTRA AMÉRICA

DIRECTORES DE LA PUBLICACIÓN: PABLO FRISCH NATALIA STOPPANI

Publicación Anual - Nº 2

ISSN: 2347-016X

Título de la publicación: II Encuentro hacia una pedagogía emancipatoria en Nuestra América Directores de la publicación: Pablo Frisch y Natalia Stoppani

Título del artículo: “Música e Política: um relato de experiência ocorrida no curso de especialização Latu Sensu “Residência Agrária: matrizes produtivas da vida no campo”, no campus de Planaltina da Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil”

Autor/es del artículo: Augusto Charan Alves Barbosa Gonçalves, Alisson Silva da Costa y Patrícia Lima Martins Pederiva

Director del Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini: Prof. Juan Carlos Junio Subdirector: Ing. Horacio López Director Artístico: Juano Villafañe Secretario de Ediciones y Biblioteca: Jorge C. Testero Secretario de Investigaciones: Pablo Imen Secretario de Comunicaciones: Luis Pablo Giniger

 Centro Cultural de la Cooperación Floreal Gorini Av. Corrientes 1543 (C1042AAB) - Ciudad de Buenos Aires - [011]-5077-8000 www.centrocultural.coop  De los autores

Música e Política: um relato de experiência ocorrida no curso de especialização Latu Sensu “Residência Agrária: matrizes produtivas da vida no campo”, no campus de Planaltina da Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil. Resumen Neste trabalho relataremos como a atuação docente numa perspectiva musical e emancipadora pode resultar em reflexões e análises que contribuam para a construção teórico-epistemológica de uma educação da musicalidade. Esta, cremos, é inerente aos seres humanos. Assim, a possibilidade de conscientização por parte dos aprendizes que tal processo de desenvolvimento artístico e educativo é factível torna-se uma tarefa política per se. Os educandos são oriundos de diversos contextos: Território Kalunga, Santuário dos Pajés, Assentamentos/Núcleos territoriais que se localizam nos seguintes estados brasileiros: Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal e seu entorno. Primeiramente, tivemos o intuito de desconstruir por meio do diálogo, uma série de mitos que ainda hoje vigoram em nossa sociedade ocidental no geral e latino americana em particular, a saber: que alguns sujeitos são musicais e outros não, que somente uns podem fazer música e por fim, que poucos “iluminados” podem dizer que tiveram uma verdadeira experiência com a primeira arte. Noutro momento, realizamos atividades musicais em que os alunos não somente compuseram músicas por meio do corpo como também através de materiais disponíveis no próprio contexto, possibilitando, entre outras muitas coisas, o desenvolvimento da criação, percepção e memória musicais. Em determinado período, os estudantes propuseram uma atividade musical e convidaram-nos para se retirar da sala de aula. Assim, (des) hierarquicamente, inverteu-se o papel. Agora, éramos seus pupilos. Ao final do curso, eles espontaneamente nos avaliaram e se auto avaliaram. Isso prova que uma educação musical pedagogicamente horizontalizada não é somente possível. É, sobretudo, politicamente desejada.

“A musicalidade possui [...] caráter universal. Não se trata de um dom para alguns. É um dom para todos” (TUNES; PEDERIVA, 2013, p. 42). Chegamos bem cedo ao local onde iríamos atuar. Estávamos ansiosos para conhecer os educandos e a realidade histórica que os envolvia. Ao adentrarmos a sala, vimos algo no chão que nos chamou a atenção. Eram diversos instrumentos e duas figuras musicais cuidadosamente desenhadas em britas. Os educandos nos convidaram a entrar e carinhosamente nos vendaram os olhos. De repente, sentimos que nos apertavam as mãos e podíamos perceber que nossos corpos estavam dispostos em um círculo, tão

caro ao educador Paulo Freire. Todos na sala estavam de pé quando uma doce e suave canção cantada em língua espanhola juntamente com os sons das cordas do violão belamente tangidas soaram para nós como um agradável sinal de boas-vindas. Assim, em silencio, a ouvir a música, começamos a ter nosso primeiro contato com aquelas pessoas que iríamos conviver por dois dias seguidos e em dezesseis horas!

Foto da mística1. Levamos em conta a rica relação que surge através da comunicação entre nós educadores e todos/as os/as estudantes pelos quais temos e tivemos o prazer de estar juntos. É que partilhamos da convicção de Paulo Freire quando amorosamente fala que “nossas relações com os educandos são um dos caminhos de que dispomos para exercer nossa intervenção na realidade a curto e a longo prazo. Neste sentido e não só neste, mas em outros também, nossas relações com os educandos, exigindo nosso respeito e eles e a elas, demandam igualmente o nosso conhecimento das condições concretas de seu contexto, contexto que os condiciona. Procurar conhecer a realidade em que 1

Tal decoração, fruto do preparo cuidadoso dos educandos, se chama mística. Esta prática, que é bastante realizada pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e que tornou-se um de seus elementos constitutivos, é uma espécie de representação simbólica construída por seus militantes em momentos que de uma forma ou de outra lhes dizem respeito.

vivem nossos alunos é um dever entre outros que a prática educativa impõe” (FREIRE, 2012, p. 152). Foi nessa direção que ainda geometricamente distribuídos em círculo, mas agora sentados, começamos a conversar com cada educando que ocupava as cadeiras da classe no sentido de saber de onde vinham, a trajetória resumida de vida que tiveram, o que esperavam da disciplina e, sobretudo, se possuíam alguma experiência com a música — questão que consideramos de suma importância. Pois, ao que tudo indica, a primeira arte é realizada por nossa espécie há milhões de anos, então, se não a experienciamos corriqueiramente é porque algo está errado, ou em nossas concepções, ou pela forma como a música vem sendo institucionalizada/escolarizada ou mesmo retirada de nossas práticas cotidianas ou em nossa atual cultura que não deixa nunca de ser educadora ou (des) educadora 2 a depender de inúmeras condições. Como já se esperava, os relatos foram diversos. A grande maioria afirmou não ter tido qualquer vivência musical. Em determinado momento, achamos por bem sairmos da sala e iniciarmos algumas atividades musicais cuidadosamente selecionadas por nós em nosso plano de curso. Mas, de maneira nenhuma pautado na fixidez, no engessamento, a contar que sempre relevamos e tentamos compartilhar ao máximo que podemos com os educandos, experiências que também lhes sejam pertinentes. Após cada atividade mesclávamos pequenas discussões no intuito de entender como o processo daquelas atividades musicais se davam na percepção de cada um e uma. Como bem demonstrou Pederiva (2009) por meio de sua tese de doutorado, a musicalidade é inerente a cada ser humano existente sobre a terra. É justamente por isso que nosso intuito principal como grupo 3, sob a liderança da professora doutora Patrícia Lima Martins Pederiva, é ajudar a 2

Façamos de nossas palavras as de Forquin (1993) quando ele diz que “incontestavelmente, existe, entre educação e cultura, uma relação íntima, orgânica” (p. 10). 3 Educação da Musicalidade em Perspectiva Histórico Cultural (EMPHIC). Os membros de nosso grupo têm atuado na formação de professores em Educação Musical no Distrito Federal e cidades satélites de Brasília bem como em algumas cidades do Estado de Goiás. Recentemente, o grupo foi convidado para atuar nessa perspectiva na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

despertar, a educar e sobretudo, a desenvolver a musicalidade que já está presente em nossos educandos — até porque de forma ampla, o fazer musical está histórico e culturalmente muito entrelaçado com a nossa evolução como espécie, conforme Pederiva (2009). As pesquisas na área de Educação Musical, ao não levarem a inerência da musicalidade humana, tem tratado de questões secundárias como, por exemplo, o estudo de diversas metodologias e métodos, o ensino e aprendizagem musical de determinada música em dado contexto, os aspectos cognitivos em relação a percepção musical e as habilidades de performance instrumental, isto é, aspectos que num sentido estrito, muitas vezes não lhe diz respeito como ciência epistemologicamente sólida. Não que tais pesquisas são inúteis, muito pelo contrário! Porém, concordamos que é de fundamental importância para nossa área, o surgimento de investigações que se detenham em estudar mais profundamente a educação e o desenvolvimento da musicalidade humanamente herdada — para que possamos criar uma fundamentação teórico-epistemológica concreta rumo a generalização de suas leis basilares. Na realidade, enquanto grupo, o que fazemos é simples. Levamos em conta, dentre outras coisas, a emoção. Não somente a racionalidade, tão cara aos institutos científicos, academias e escolas. É por isso que vimos nossos estudantes se emocionarem quando trouxeram e falaram de suas lembranças em teores emocionais e comocionais (!) de diversos matizes e escalas. Por exemplo, quando inserimos em nossas discussões o papel das artes, inclusive o da música nas escolas, vimos o rancor que alguns educandos tinham ao narrarem através de suas terríveis experiências de “castração da alma” que o sistema escolar tem realizado há séculos e que vem operando como uma fábrica de exclusão de indivíduos. Em determinado momento de nosso encontro, uma professora da sala ao lado tentou interromper nossa atividade musical. Muito embora, os educandos, todos muito bem politicamente conscientizados, não deixaram com que tal proposta ocorresse e por fim, desse fim a nossa aula. A professora alegava que estávamos fazendo barulho. Tal argumento foi prontamente

rebatido pelos estudantes que disseram estarmos fazendo algo tão sério quanto qualquer outra disciplina naquele campus universitário. É que a música, o teatro e a dança foram há muitos anos excluídos dos currículos acadêmicos e escolares no Brasil. Por isso, pode-se compreender porque tais situações ainda ocorram. Contudo, não pensávamos que ainda no primeiro dia de aula fôssemos surpreendidos! Após uma dada atividade musical, os alunos nos convidaram a se retirar de sala, pois que eles iriam elaborar uma atividade musical deles. Para nós educadores, foi um momento de extrema comoção. Pois, vimos que a emancipação de nossos educandos, e nós demos a total liberdade para que isso de fato tivesse ocorrido, tinha se realizado naquele momento tão feliz de nossas carreiras. Como seria desejável que os estudantes de todos os ambientes educativos tivessem o direito de se igualarem e manterem uma relação de reciprocidade com seus educadores! Na educação, sobretudo a escolar, já não cabe mais a violência de qualquer espécie ou o autoritarismo inócuo e sempre prejudicial, caduco de razão, sentido e significado em nossa era. Por isso, acreditamos, assim como Vigotski (2010), que o papel do professor é ser um organizador do espaço social. Façamos das palavras daquele autor as nossas quando ele esclarece o seguinte: “O próprio aluno se educa. Uma aula que o professor dá em forma acabada pode ensinar muito mas educa apenas a habilidade e a vontade de aproveitar tudo o que vêm dos outros sem fazer nem verificar nada [...] sobre o professor recai um novo papel importante. Cabe-lhe tornar-se o organizador do meio social, que é o único fator educativo. Onde ele desempenha o papel de simples bomba que inunda os alunos com conhecimento pode ser substituído com êxito por um manual, um dicionário, um mapa, uma excursão”. (VIGOTSKI, 2010, p. 448). Uma experiência tão rica como a que tivemos não poderia ficar apenas em nossas memórias. Então, foi dessa certeza que nasceu a idéia de sistematizar e escrever o presente trabalho para o relato de nosso encontro que, para nós, foi maravilhoso em todos os aspectos. Ao final da nossa última aula, uma educanda, bastante sensibilizada e emocionada, leu em voz alta

para toda turma uma poesia que ela tinha escrito no andamento da disciplina e das atividades musicais que realizamos. Todos comovidos e atenciosos, ouvíamos aquelas lindas palavras proferidas por Aldenora — que nos autorizou formalmente a registrar aqui — uma verdadeira confissão. Meu silêncio “Ouço no silêncio o grito de meus anseios mais íntimos. Quero ser água e explorar o mais profundo dos rios, quero ser vento e soprar o infinito, quero ser terra e fazer abrochar a vida. Ouço os sons da vida fluir estreitamente aos meus ouvidos. O pulsar insistente desse coração teimoso em resistir, o cair de uma lágrima que rola no presente, o sorriso sincero de um ombro amigo e de uma explosão desesperada em busca da luz que irradia o dia. Fico em silêncio e nele não estou, pois simplesmente ele não existe. Não estou só e nem me deixam ficar. Assim, começo a trilhar meu próprio som e minha música começa a entoar para o futuro”. Aldenora Pimentel, 28 de abril de 2014 - Música e Política, Campus de Planaltina da Universidade de Brasília, Distrito Federal, Brasil.

Referências TUNES, Elizabeth; PEDERIVA, Patrícia Lima Martins. Da Atividade Musical e sua Expressão Psicológica. 1ª Edição. Curitiba: Prismas, 2013. PEDERIVA, Patrícia. A atividade musical e a consciência da particularidade. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de Brasília, Brasília, 2009. FORQUIN, Jean-Claude. Escola e cultura: as bases sociais e epistemológicas do conhecimento escolar. Tradução de Guacira Lopes Louro. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 1993. FREIRE, Paulo. Professora sim; tia, não: cartas a quem ousa ensinar. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012. VIGOTSKY, Lev Semenovich. Psicologia pedagógica. Tradução do russo e introdução de Paulo Bezerra. 3ª edição. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2010.

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