Música, Educação Inclusiva e Musicoterapia: a busca de interfaces a partir de um caso

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BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 1 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10.

Música, Educação Inclusiva e Musicoterapia: a busca de interfaces a partir de um caso Leonardo da Silveira Borne UFC-Sobral [email protected] Resumo: O presente trabalho estuda o caso do projeto “Noite Cultural”, realizado na Escola Estadual de Ensino Fundamental Visconde de Pelotas – Porto Alegre/RS, de 2007 a 2010. Buscamos compreender como a música, em seu viés da educação musical especial, em interface com a musicoterapia pode atuar no processo de inclusão social e na comunidade escolar. Com uma metodologia de natureza qualitativa, optamos pelo estudo de caso, através da coleta de relatos, documentos e observações. As conclusões estabelecem que vários aspectos sonoros e não sonoros ocorreram no referido projeto que promoveram a inclusão de pessoas com deficiência. Palavras Chave: Educação musical especial, musicoterapia, EJA, inclusão.

Abstract: This paper studies the case of the “Cultural Night” project, done in the Visconde de Pelotas school, in Porto Alegre/RS, from 2007 until 2010. We aimed to comprehend how music in interface with music therapy can have a role in the social and scholar inclusion process. The methodology is qualitative and we chose the Case Study, with the data being collected from narratives, documents and observations. The conclusion sets that different aspects, sound or nonsound, occurred in the project, and them promoted the inclusion of handicapped people. Key Words: Special music education, music therapy, young and adults education, inclusion.

1 Introdução A inclusão de pessoas com deficiência na escola regular já é temática de debates desde a promulgação da LDBEN (Lei 9394/96), onde é assegurado ao estudante o acesso à escola regular sem qualquer tipo de impedimento ou ressalva. Entretanto, há muitos casos de fracasso na inclusão desses estudantes. Beyer (2005) nos coloca a par da diferença entre os conceitos de exclusão, integração e inclusão. Segundo ele, exclusão é aquele processo onde a pessoa com deficiência não tem acesso a nenhum serviço da sociedade. Já a integração é aquele modelo onde o estudante com deficiência apenas está inserido no contexto, no caso o escolar, porém sem nenhuma proposta de acolhimento ou adaptação tanto dele quanto de seus pares. No entanto, uma escola com processo de inclusão bem sucedido busca que esse estudante realmente esteja na classe regular, com propostas para que a adaptação seja tanto dele, quanto dos seus colegas e de toda a comunidade escolar. O presente trabalho busca compreender como a música, em seu viés da educação musical especial, em interface com a musicoterapia pode atuar nesse processo de inclusão na comunidade escolar. Também intentamos realizar um fechamento a esse projeto que já foi

BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 2 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. debatido em outras ocasiões através de relatos parciais (BORNE; BEYER, 2008; BORNE, 2010). Essa busca se dará a partir do estudo de uma experiência ocorrida no município de Porto Alegre/RS, entre os anos de 2007 e 2010, com alunos com deficiência intelectual das turmas de EJA I, II III e IV. Essa experiência recebeu o nome de “Noite Cultural” devido aos diálogos que a música estabeleceu com as outras formas de cultura ao longo de seus quatro anos de duração. Também

2 Bases Teóricas Baseamos nosso trabalho em uma perspectiva humanista, optando por referenciais na área da inclusão social e escolar, bem como do trabalho na diversidade e na heterogeneidade. A teoria humanista desenvolvida por Carl Rogers sustenta que a pessoa é mais que um organismo biológico, é sim um ser humano que pensa, sente, escolhe, decide, é um ser com capacidade de mudança. Por isso, a educação deve ver tais características e centrar seu processo nas necessidades do aluno. (BIGGE, 1977). A perspectiva humanista na escola – também chamada de centrada no aluno – surgiu com a ênfase no desenvolvimento da pessoa como um todo (assim como é na gestalt), onde sugere a construção de um currículo que atenda às necessidades do sujeito, auxiliando-o a se relacionar com o mundo real, a aprendizagem de valores, atitudes, interesse, bem como propõe também a modificação dos padrões de ensino de modo a tornar o estudante mais responsável pela própria aprendizagem (SANT’ANNA, 1976) Já Freire (1997) traz à discussão o conceito de autonomia. Para ele, a autonomia é a busca individual por conhecimento (ou qualquer outro acontecimento, mas, neste caso, o conhecimento musical), tendo consciência de si próprio e do mundo, sabendo ele que o ser humano é suficientemente livre para se educar e saber de suas necessidades, que sabe que o conhecimento é infinito, sem fim. No cerne da educação especial e inclusiva, temos a proposta de Kozulin e Falk (apud GUTHKE, 1996: 272-273) onde há um deslocamento do que eles chamam pressuposto básico, i.e., a avaliação não segue moldes já tão fundamentados e consagrados, eles são adaptados e sua interpretação varia de acordo com o sujeito avaliado. À luz destes paradigmas, procurou-se construir um espaço de música na EE Visconde de Pelotas, em Porto Alegre/RS, onde os estudantes pudessem desenvolver

BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 3 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. habilidades já existentes – musicais ou não – reforçar aspectos da sua personalidade e promover o aumento da auto-estima, e, por conseqüência, promoção da saúde.

3 Os caminhos para uma análise das “Noites Culturais” Para realizar um estudo mais apurado dessa intervenção, necessitamos delimitar alguns parâmetros. Este estudo apresenta características que nos direcionam ao seu caráter. Esta é uma investigação que busca a identificação e a compreensão de possíveis relações entre a musicoterapia e a educação musical inclusiva, bem como a influência da música e da musicoterapia na aprendizagem de pessoas com deficiência, através da análise de uma experiência relatada. Este estudo mostra um caráter de preocupação com as diversas e diferentes perspectivas e realidades. Sobre isso, o campo da pesquisa qualitativa busca a compreensão e a interpretação de fatos. Bogdan e Biklen suportam essa concepção quando dizem que “Nem todos os estudos que consideraríamos qualitativos patenteiam estas características com igual eloqüência [...]. A questão não é tanto a de se determinada investigação é ou não totalmente qualitativa; trata-se sim de uma questão de grau” (1994: 47). Assim sendo, o termo qualitativo implica “uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio os significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e [...] o autor interpreta [os dados] e traduz em um texto [...] os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa” (CHIZZOTTI, 2003: 05). Optar-se-á pelo estudo de caso. O estudo de caso é, por natureza, empírico, isto é, baseado nas experiências, descritivo e interpretativo. Como a investigação se dá no âmbito de diferentes fenômenos e sujeitos, o caso estudado será um caso múltiplo, onde a relação estabelecida durante Noites Culturais é o caso. Justifica-se a escolha do estudo de caso, pois a pesquisa será realizada enquanto fenômeno contemporâneo, dentro do seu próprio contexto, onde os limites entre fenômeno e contexto não estão claramente definidos. Yin traz ainda que seja necessário considerar tudo o que é feito na pesquisa em uma perspectiva abrangente, onde se pré-estabelece uma rotina de procedimentos. “A técnica básica [...] é considerar todas as estratégias de uma maneira inclusiva e pluralística – como parte de seu repertório a partir do qual [pode-se] estabelecer [o] procedimento de acordo com determinada situação” (YIN, 2005: 36). Enquanto ferramentas utilizadas para coleta de dados do estudo, utilizamos relatos de pais e estudantes coletados pelo musicoterapeuta e pelos professores de classe (que foram transcritos), os produtos musicais resultantes, como CD gravado, filmagens e textos dos

BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 4 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. espetáculos, além de diversos registros feitos durante as aulas e ensaios. Esses registros compreendem: os pareceres descritivos individuais, feitos pelos professores de classe; os pareceres descritivos coletivos, realizados pelo musicoterapeuta; e, finalmente, as observações que estagiários e professores de classe escreveram. Com

todos

esses

documentos

em

mãos,

buscamos

os

aspectos

de

desenvolvimento individual e do grupo, nas questões cognitivas, artísticas, emocionais e sociais. Após essa busca, verificamos, em uma segunda leitura do material, onde a educação musical especial e a musicoterapia se intercambiavam e onde elas divergiam, seguindo especificidades de cada esfera (educação e saúde/social). Dito de outra forma, as interfaces entre a música, no âmbito da educação musical especial, e a musicoterapia. Os dados foram agrupados de modo a imprimir um sentido comum, entretanto julgamos importante, também, destacar as peculiaridades. Ao término, realizamos duas ponderações: o desenvolvimento dos estudantes nas esferas cognitivas, artísticas, emocionais e social; e as interfaces que surgem entre educação musical especial e a musicoterapia. 4 Os relatos e os pareceres: construindo a história da “Noite Cultural” O projeto, que iniciou em 2007, consistiu em encontros semanais de música, com duração de uma hora, atendendo aproximadamente 30 alunos com deficiência intelectual ou múltipla de quatro turmas de EJA, entre a faixa etária de 16 e 30 anos. Os estudantes possuíam diagnósticos e patologias diversos – como síndrome de Down, síndrome de Asperger, paralisia cerebral, síndrome do X-Frágil, entre tantas outras. Ao longo de cada ano era preparado um espetáculo artístico-musical, com planejamento e execução realizado por todos, estudantes, equipe docente e equipe auxiliar. É interessante salientar que esses espetáculos era fruto de um processo terapêutico-pedagógico, onde o foco não era o produto musical em si, mas sim todo esse processo. No primeiro ano, 2007, inspirados pela Bienal de Arte de Porto Alegre, o foco dado foi a produção artística dos alunos na música e nas artes plásticas. Para tanto, em artes plásticas foram realizadas releituras de obras expostas e, em música, foi feita uma gravação de CD com versões próprias de músicas populares, lançado na “I Noite Cultural”. Para a gravação do CD, primeiramente foi realizada uma triagem de gosto musical dos alunos, da onde foram retirados cinco gêneros musicais que agradassem a todos ou boa parte (a saber, Pop Music, Funk, Rock, Infantil e Reggae). Após, foram definidas por eles sete canções dentro desses gêneros. Nota-se aqui que algumas músicas escolhidas não fazem parte do universo musical direto deles ou difundidos pela mídia (como é o caso da canção Whisky a

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BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 6 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. Já a “III Noite Cultural”, em 2009, provocou grande movimento na escola, pois ultrapassamos as barreiras físicas da instituição, a apresentação se deu em um espaço cultural da cidade de Porto Alegre: o auditório Luís Cosme, na Casa de Cultura Mário Quintana. Este espaço é tradicionalmente utilizado para recitais de música popular, erudita e concertos, porém, neste momento tornou-se um espaço, um território, daquele grupo de estudantes. A escolha da temática, que também colaborou com a ultrapassagem das barreiras da escola, foi essencial para o norteamento das atividades durante o ano. Em 2009 ocorreu o centenário de nascimento do poeta gaúcho Mário Quintana (referido por alguns como o poeta da simplicidade) e, por consequência, houve movimentos da sociedade e da escola gaúcha para marcar esta data; os estudantes vivenciaram algumas iniciativas e estimularam-se com a ideia de preparar um espetáculo sobre ele. Estava decidido o foco: música e literatura. Ao longo do ano, os estudantes utilizaram a literatura deste escritor em suas aulas e, na música, aproveitamos para estudar os aspectos culturais e biográficos dele. Desta forma, após o conhecimento que o poeta era natural da cidade do Alegrete, buscamos uma canção que remetesse a esta cidade, e eles, os estudantes, “descobriram” o Canto Alegretense, tradicional música gaúcha. Também após tomarem conhecimento de que Mário Quintana veio morar em Porto Alegre e nunca saiu porque adorava a cidade, fomos atrás de uma música com esta temática, e rapidamente alguns alunos lembraram de Porto Alegre é Demais, pois ela é frequentemente veiculada na mídia. Os estudantes também leram que o poeta se correspondia com e era apreciador dos poemas de Catulo da Paixão Cearense, que compôs a música Luar do Sertão. Estavam aí as canções, por assim dizer, biográficas do escritor. Entretanto, para maior variedade, foi sugerido que cantássemos alguma canção que a letra fosse alguma poesia de Mário Quintana. Após uma triagem, a canção escolhida foi Canção do Dia de Sempre, musicada pelo compositor Fernando Mattos. Estávamos com nosso espetáculo montado, necessitando apenas de muito ensaio, afinal estávamos saindo “da nossa casa” e indo para o “público em geral”. O fato de sair da escola e ir para um local diferente, tendo que se adaptar às regras de convívio local e ao espaço físico, que era diferente daquele que estávamos acostumados, além de levar palco, figurino, instrumental para a apresentação, mostrou-se um momento de crescimento individual e do grupo. Testemunhavamos estudante com dificuldade de locomoção sendo auxiliado a vencer as barreiras arquitetônicas por outro estudante; merendeira da escola preparando o coquetel junto com a equipe gestora (e com a equipe do local que estávamos); figurino sendo organizado e arrumado pelas estudantes, professoras e estagiárias, que eram, nas palavras de um discente, “mais cuidadosas”.

BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 7 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. Todos esses fenômenos, que não eram usuais para muitos deles, estavam ali, acontecendo ao mesmo tempo, transformando-se ora em caos, ora em calmaria. E lá estavam eles, lidando com tudo que aparecia e fazendo o espetáculo acontecer, tudo ao som do piano que muitos não conheciam, e que era tocado por um estudante com síndrome do X-Frágil. Já em 2010 o desafio foi trazer a variedade para dentro do projeto. Desta forma, ao nos propormos em unir música e gastronomia, abordamos as diferentes culturas do Brasil. Em sala de aula com os professores regulares, os estudantes estudaram as diferentes regiões do Brasil e suas culturas típicas, enquanto que nos encontros de música focamos nosso objeto de estudo na cultura musical de cada lugar, onde buscamos traçar quais os principais gêneros escutados nessas regiões. Adicionalmente foi feito um trabalho pelas professoras de classe que enfatizaram a culinária local. Dessa forma, procedemos da mesma maneira com os alunos em relação à criação do espetáculo, que foi apresentado em julho de 2010. Esse espetáculo contou com três canções (“Bola de Sabão”, “No dia que saí de casa” e “Haragana”), dois pratos típicos e uma bebida tradicional, todos eles preparados pelos estudantes. O

envolvimento

dos

estudantes

durante

o

espetáculo

demonstrou

o

desenvolvimento em todos os âmbitos, pois havia diversos alunos que participavam desde o início do projeto: a organização foi mais bem realizada, pois cada um sabia o que e como fazer; a apresentação teve melhor qualidade musical e cênica; os mais “experientes” auxiliando os novatos no posicionamento, postura, figurino; entre outras tantas conquistas. Os pais e responsáveis dos que estavam ali pela primeira vez sempre cunhavam o mesmo discurso de não saber o que seu filho era realmente capaz de realizar. 5 A “Noite Cultural” e seus resultados Acima realizamos um relato e, brevemente, analisamos já alguns dados apresentados. Buscamos compreender como a música, em seu viés da educação musical especial, em interface com a musicoterapia pode atuar nesse processo de inclusão na comunidade escolar. Nesse contexto, pudemos analisar e delimitar o desenvolvimento que os estudantes apresentaram durante esses quatro anos de projeto. Mesmo estando em ambiente escolar, não foi o foco do projeto trabalhar a educação musical per se, mas sim utilizar a música como ferramenta de desenvolvimento integral do sujeito, da identidade individual e coletiva, bem como propiciar o processo de inclusão na escola regular. Na grande maioria dos casos, não são significativos os resultados no tocante à aquisição de conhecimento ou desenvolvimento de habilidades musicais específicas – ainda

BORNE, Leonardo . Música, educação inclusiva e musicoterapia: em busca de interfaces a partir de um caso. In: XXII Congresso da ANPPOM, 8 2012, João Pessoa. Anais... João Pessoa: UFPB, 2012. v. Único. p. 01-10. que muitos apresentassem grande crescimento, como a afinação do grupo, a noção rítmica musical e aspectos do canto em conjunto. Entretanto alguns aspectos extra-sonoros foram relatados por professores e familiares como muito melhores ou desenvolvidos, como o aumento da auto-estima, a organização temporal, a organização e higiene pessoal, o cuidado com o outro, entre tantos outros. De modo geral, muitas das ações realizadas durantes esses quatro anos foram encaradas como novas fronteiras abertas por cada um dos estudantes, pois, por exemplo, quase a totalidade deles teve seu primeiro contato com o “palco” durante o nosso projeto. Essas fronteiras abertas também estão presentes em relatos feitos sobre a apreensão e o medo de estar cantando e atuando em frente a um público, o que nos leva a pensar que nenhuma dessas sensações é diferente do que as pessoas sem deficiência passam. Outro fator importante é a interação social do grupo. Tivemos situações onde houve brigas e discussões entre os estudantes por conta da predileção desta ou daquela música, deste ou daquele figurino. Enquanto uns queriam cantar músicas infantis ou que estavam na novela, outros não concordavam com a ideia. Novamente, nada de diferente em relação às pessoas “normais”. A música, as artes e, por que não dizer, o palco e as aulas funcionaram como ensaios para a vida. Nesses ditos ensaios, os estudantes enfrentaram dificuldades reais, como conflitos com colegas, sucessos, fracassos, alegrias e tristezas. Desafiaram suas próprias limitações, ora conscientes delas, ora nem tanto, e se impuseram frente a elas. A música propiciou esse encontro consigo e com os outros, numa experimentação onde os alunos levavam os ocorridos para seu cotidiano e, em situações semelhantes, já haviam ensaiado naquelas propiciadas nos momentos com a música. Com isso, a música era educação musical e musicoterapia, onde as fronteiras não puderam ser bem delineadas e as interfaces que ocorreram eram diversas, além do espaço disponibilizado no presente escrito ser pequeno para descrever tais fronteiras. Atividades pedagógicas com cunho artístico rapidamente se transformavam em aprendizagem da vida em sociedade, próprio da prática musicoterápica. As interfaces entre arte, escola, cotidiano e vida eram contínuas e intrínsecas; uma representava a outra. Fazer música era viver.

Referências BEYER, Hugo O. Inclusão e avaliação na escola de alunos com necessidades educacionais especiais. Porto Alegre: Mediação, 2005.

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