MÚSICA EM CENA - Uma análise da trilha sonora de \"2001: Uma Odisseia no Espaço\" de Stanley Kubrick

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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO Escola de Comunicações e Artes

Ensaio: Pensamento Crítico nas Artes Lucas Vieira, n°USP: 8069102

Julho de 2015 MÚSICA EM CENA: Uma análise da trilha sonora de 2001: Uma Odisseia no Espaço Introdução O clássico de Stanley Kubrick, lançado em 1968, deixou uma sombra em todas as produções do gênero subsequentes. Influência que deve-se por seu realismo científico, efeitos visuais pioneiros, pouco uso de diálogos e alta valorização da sonoplastia e trilha sonora. Além é claro de suas discussões e sugestões filosóficas. É baseado em “O Sentinela” de Arthur C. Clarke, um conto onde a humanidade encontra um objeto intrigante e obviamente artificial, o monólito, que só poderia ter sido construído por uma outra raça servindo como uma espécie de mensagem. Assim, quando a humanidade for capaz de encontralo, seria de digna de contato. Causou certas divergências por muitas possibilidades de interpretação, mas há temas principais inquestionáveis presentes como a evolução do Homem, avanço tecnológico e inteligência artificial.

A seleção da trilha e seus possíveis significados Por não depender de diálogos, e com um ritmo lento (o que faz jus a uma rotina espacial) o longa desenvolve-se principalmente pelas sequências de imagens e escolha de trilha sonora que assume um papel tão importante quanto as próprias cenas. Há três compositores chave no decorrer do filme são eles: György Ligeti, Johann Strauss e Richard Strauss. Se mostrou interessante uma possível interpretação da narrativa enfocando a sua trilha sonora. Pela distribuição musical no decorrer da narrativa, não cabe falar sobre eles em uma linha cronológica.

Réquiem, Lux Aeterna e Atmospheres de György Ligeti O compositor húngaro György Ligeti é o mais presente na trilha do filme e estava completamente a par dos novos afetos no século XX, como as ideias de música noturna/cósmica1, as várias correntes eletroacústicas, espectralismo, minimalismo e etc. Ligeti num primeiro momento não foi a favor do uso de suas composições na produção de Kubrick, ele até mesmo iniciou uma ação judicial, mas um acordo entre os dois foi selado durante o processo. Anos depois, o próprio compositor reconhece o quanto o filme significou pra ele e sua música e como ficou impressionado com os ótimos resultados da interação entre a música e a imagem. O que 1

Exemplo: Verklärte Nacht e Pierrot Lunaire de Arnold Schoenberg, Cartas Celestes de Almeida Prado

se comprova com uma nova interação dos dois, no que veio a ser o último longa dirigido por Kubrick, em 1999: “De Olhos bem Fechados”, com Ligeti novamente presente em sua trilha sonora. Algumas possíveis ideias reforçadas com o uso das peças de Ligeti são: A relação de modernidade e contemporaneidade na busca de Ligeti por sínteses, texturas e timbres da música eletroacústica num ambiente e instrumentação orquestral. Com o próprio tema do filme passando por evolução e frieza do homem frente a meios tecnológicos avançados, há também um tom de ironia, já que no filme somos estimulados a criar um grau de afeição por uma máquina, o computador HAL9000 que é justamente o personagem mais “humano” de todo o filme, no sentido de sentir e expressar emoções. Afeição essa intensificada pelo uso da câmera subjetiva (visão do próprio HAL) e pelos poucos diálogos da fria tripulação. Os sentimentos de desconforto, agonia e solidão que existem no espaço são amplificados. Nas três peças de Ligeti utilizadas, entre outros recursos é possível perceber ataques muito rápidos, micropolifonias vocais, ausência de pulso constante, polirritmias e ostinatos (objetos sonoros repetidos). Gerando a sensação de vazio, falta de chão e massa sonora, intensificando ainda mais a ideia. O Requiem em especial estabelece uma conexão em dois pontos distintos do filme, principalmente nas duas primeiras aparições do monólito. É notável a maneira semelhante que o Homem se comporta ao se deparar com o grande objeto: O choque, encanto, curiosidade e medo diante dele são os mesmos. Esse paralelo é ligado pela movimentação dos personagens em cena, a mise-enscène, e também pela música (figura 1).

[fig. 1]

O Danúbio Azul de J. Strauss Uma das melodias mais famosas do ocidente, na forma de uma grande valsa, aparece logo após um salto de milhões de anos em apenas um corte (a famosa cena onde há um raccord gráfico com o movimento de um osso lançado ao ar por um primata que assume a forma da nave Discovery, figura 2), já de cara nos mostra um grande passo do homem, apresentando um acúmulo de milhões de anos em termos de sensibilidade numa composição clássica, pontuando a transição primata-erudito. Ilustrando a nossa evolução como espécie do ponto de vista artístico. Sendo um tema bastante conhecido, não evoca sentimentos específicos no espectador, como uma trilha especialmente composta faria. Se ouvíssemos algo tenso ou grandioso, seríamos induzidos a também ver na tela esses adjetivos. Após sermos apresentados ao trabalho de dezenas de pessoas que integram a equipe de profissionais no espaço, é possível estabelecer uma relação, um paralelo entre o Danúbio Azul de Strauss e o time de astronautas. Afinal, ambos devem ser munidos de sincronia, trabalho em equipe e paciência, quase como um ballet espacial.

[fig. 2]

Also Sprach Zarathustra de Richard Strauss O poema sinfônico Also Sprach Zarathustra, é talvez a música mais recorrente e rapidamente associável à 2001. Baseado na obra: “Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen”, (Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém) do filósofo alemão Nietzsche, um dos pontos do livro, é trazer a noção de que nós, seres humanos, somos um degrau evolutivo entre os primatas e o que Nietzsche chamou de Übermensch, literalmente "além-do-homem”. É um tema e orquestração que, aliado a significação das imagens, evoca em certo sentido a criação do mundo, seja pelo o próprio material musical: uma imponente e majestosa abertura, que gradualmente cresce e intensifica-se, seja pelo seu significado inerente na obra de Nietszche. Aqui, uma outra vez, a música serve como linha de conexão entre pontos distintos da história. Also Sprach Zarathustra aparece três vezes durante o filme, sempre em momentos em que a evolução do homem é subentendida. A primeira vez se dá no início de tudo, o alinhamento da Terra com a Lua. Em seguida no descobrimento da arma pelos primatas. E na cena final do último ato do filme, após o derradeiro contato de Dave com o monólito, sendo devolvido à terra na forma de um inofensivo bebê. Que tem em sua feição uma fisionomia de entendimento e paz. Esse recém-nascido é a clara representação da ideia do “além do homem”, do Übermensch de Nietszche. O próximo passo da linha evolutiva do Homem que deixa um olhar otimista e esperançoso sobre a Terra e também sobre o espectador. Assim encerrando, deixando muitas ideias, questões e proposições em nossa mente (figura 3).

(fig. 3)

Referências Bibliográficas CARPEAUX, Otto Maria. O Livro de Ouro da História da Música. Ediouro, 2001 CANDÉ, Roland de. História Universal da Música, Vol. 2, Editora Martins Fontes, 2001 ROSS, Alex. The rest is noise: Listening to the twentieth century. New York: Picador, 2008 Curta: Stanley Kubrick | 2001 A Space Odyssey (1968) | Making of a Myth. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=F7HGwVqI_FM Acessado dia 12 de julho 2015 VANDELANOITTE, Pascal. Stanley Kubrick and György Ligeti. Disponível em: https://pascalvdl.wordpress.com/2013/02/18/stanleykubrickandgyorgyligeti/ Acessado dia 12 de julho 2015

Anexo: Trilha completa Johann Strauss - The Blue Danube Richard Strauss - Also Sprach Zarathustra Aram Khachaturian - Gayane Ballet Suite (Adagio) Györgi Ligeti - Requiem for Soprano, Mezzo Soprano, Two Mixed Choirs & Orchestra Györgi Ligeti - Lux Aeterna Györgi Ligeti – Atmospheres

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