MÚSICA, MÚSICAS, MATÉRIA, CORPO E TEMPO

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MÚSICA, MÚSICAS, MATÉRIA, CORPO E TEMPO Ernesto de Souza Pachito 15 de abril de 2015

Ainda não me aproximei do que houve entre o pensador alemão Friedrich Nietzsche (18441900) e o compositor de mesma nacionalidade Richard Wagner (1813-1883). As ideias de Nietzsche são claras, embora envolvam erudição, e atacam diretamente toda postura filosófica distanciada do ato de viver em sua presumível riqueza. Elas atacam toda sublimação das relações diretas entre as pessoas no mundo, atacam tudo que se configure como uma atitude metafísica polida, em suma, disciplinadora do corpo. Este tema deve ser mais estudado por mim, para abordagens posteriores. Do ponto de vista estético, nada menos mundano do que a vasta obra de Wagner. Basta que se atente para a duração de suas óperas, muito longas. Apenas com severa ascese e sacrifício do corpo chegase ao fim da audição de cada uma delas. Wagner foi excelente compositor, a começar pela forma do complexo de sons de suas músicas. Uma massa mutante, instável em termos de tonalidade e sem aquilo que eu chamaria de geometria de contrapontos. Mas, o ideal nietzscheano da corporeidade alegre parece ser mais realizável, de fato, com as estruturas musicais neoclássicas posteriores, modernistas. Eu aproveitaria o tema do mesmo filósofo e chamaria esse ideal de a gaia composição. O famoso Igor Stravinsky (1882-1971) legou-me, e a quem mais quiser usá-la, cada um a seu modo, a técnica de iniciar a composição pelo contraponto, nota a nota, frase a frase. É um ato de concretismo em relação a campos harmônicos ressonantes, tomados a priori. Eu digo, pois, que há mais jogo (ludus) e alegria em qualquer peça de Stravinsky do que em certas peças atonais, pelo menos até, e inclusive, a fase neoclássica do russo. A Sagração da Primavera (1913) era uma obra fauvista, selvagem. O balé Petrushka (1911), do mesmo Igor Stravinsky, tem vivacidade, diversidade e mundanidade jovial. Na verdade o que se deve ressaltar aqui, não sendo eu professor da área de estética e história da música, é a grande revolução modernista, contemporânea de A Interpretação dos sonhos, de Freud e de seus textos desafiadores, entre eles O Mal-estar na civilização (1929). O modernismo pensou o corpo. Se ele viveu o corpo é outra coisa. O pós-modernismo certamente viveu um pouco mais estas tais corporeidade e mundanidade: veja-se a eclosão dos fetiches na literatura, hoje na TV, na internet e na publicidade em geral, as bandeiras de afirmação das identidades homo-afetivas, as academias de ginástica, etc. Mas, paradoxalmente, este corpo é também virtual, é desrealizado nas relações, sempre perigosas, estabelecidas em redes sociais, sites de encontros e no próprio desvanecimento das versões

sobre o real e na fragilidade dos discursos governamentais (de qualquer partido) sobre metas, políticas, etc. Voltando à música, o Pop, como se sabe, absorve tudo, inclusive o Papa e a música de orquestra. Uma canção da MPB pode conter substanciais passagens orquestrais, o que agradaria a gregos de Bayreuth e baianos de Zaratustra. Mas, que não se chegue ao cúmulo de dizer que não há jogo, ludismo, e jogo matérico, por sinal, no serialista Anton Webern (1883-1945), de difícil audição, ou nas sonatas para piano de Pierre Boulez (n. 1925). A consciência do jogo e a concepção de mundo como o devir incessante de fenômenos que se sucedem cada vez mais tomam conta de nossas teorias científicas (principalmente), estéticas e até de nossas teologias. Em minha tese de doutoramento sobre o poema A Máquina do mundo repensada, de Haroldo de Campos, em fase de revisão, falo sobre concepções poéticas, científicas e metafísicas possíveis numa desejável ética, a partir do fim do século XX e neste autor. Mas, jogo vital em música, como em outras artes, é uma característica das grandes obras de todos os tempos. ERNESTO DE SOUZA PACHITO É PROFESSOR E PESQUISADOR DA UFES.

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