Música, uma questão de atitude: um trabalho de musicalização utilizando os festivais de música popular brasileira como fio condutor do aprendizado

September 8, 2017 | Autor: Luan Sodré | Categoria: Educação Musical, Interdisciplinaridade, Educação básica, Ensino De Música, Musica nas Escolas
Share Embed


Descrição do Produto

Música, uma questão de atitude: um trabalho de musicalização utilizando os festivais de música popular brasileira como fio condutor do aprendizado Luan Sodré de Souza Universidade Federal da Bahia [email protected] Resumo: Este trabalho trata-se de uma reflexão sobre o ensino de música na escola regular, baseado em um relato de experiência com alunos do 2º e 3º ano do ensino fundamental. Este projeto teve como foco usar os festivais de música popular brasileira e os artistas que participaram do mesmo como fio condutor do trabalho de educação musical. O projeto foi realizado durante o ano letivo de 2010 em uma escola da rede de ensino privado de Salvador, com o objetivo de levar ao educando, através da educação musical, a reflexão sobre a música e o meio em que ele vive. Palavras Chave: Educação musical, escola regular, interdisciplinaridade artística.

A música na escola Quando se começa um trabalho com música dentro do currículo escolar, uma grande dificuldade é selecionar o material. Pensar no repertório, selecionar os conteúdos, buscar a metodologia que se enquadra melhor ao contexto, todas essas são ações que estão diretamente ligadas ao início de todo trabalho com educação musical. Desenvolver essas ações nem sempre é tão fácil, pois depende da linha pedagógica que a escola segue, do projeto político pedagógico da instituição, do projeto unificado da escola, se houver, dentre outras implicações. Para começar a avançar a respeito dessa problemática o educador tem que estar muito seguro do seu papel naquela instituição, o papel da sua disciplina, e qual seria a contribuição dele para a formação daquelas crianças. O espaço da música na escola é um espaço para a criança vivenciar um processo de musicalização. E o que é musicalizar? Segundo Maura Penna: (...) musicalizar é desenvolver os instrumentos de percepção necessários para que o indivíduo possa ser sensível a música, apreendê-la, recebendo o material sonoro/musical como significativo. Pois nada é significativo no vazio, mas apenas quando relacionado e articulado ao quadro das experiências acumuladas, quando compatível com os esquemas de percepção desenvolvidos (Penna, 2010, p. 33).

Pensando dessa forma podemos destacar palavras importantes deste texto, a palavra “sensível” que nos remete a sensibilidade musical, muito ligado a percepção musical. Outra expressão importante é “experiências acumuladas”. Experiência, segundo o Aurélio é:

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

402 2 OA N O S

Experiência. [Do lat. experientia, do v. experiri, 'experimentar'] S. F. 1. Ato ou efeito de experimentar (-se); experimento, experimentação. 2. prática da vida: É homem vivido, cheio de experiência. 3. Habilidade, perícia, prática adquiridas com o exercício constante duma profissão, duma arte ou ofício: É um professor com experiência, tem 20 anos de magistério. 4. Prova, demonstração, tentativa, ensaio: experiência química. 5. Filos. Experimentação (2). 6. Filos. Conhecimento que nos é transmitido pelos sentidos. 7. Filos. Conjunto de conhecimentos individuais ou específicos que constituem aquisições vantajosas acumuladas historicamente pela humanidade (FERREIRA, 1999).

Segundo Forquin (1982, apud PENNA, 2010, p. 63) não podemos esquecer que: A apreensão da obra de arte não é nunca imediata; ela supõe uma informação, uma familiarização, uma freqüentação, únicos elementos capazes de propiciar ao indivíduo esses esquemas, esses sistemas de referencia, esse programa de percepção equipada, mais apta a criar no indivíduo o amor pela arte do que as efêmeras e ilusórias paixões à primeira vista (FORQUIN, 1982, apud PENNA, 2010, p. 63)

É notável que a maior parte das definições citadas fazem uma ligação da experiência com a prática, palavras como familiarização, frequentação, sistemas de referência, experimentar e habilidades dá um tom de conhecimento prático ao nosso diálogo. Nesse caso podemos pensar a música na escola a partir da seguinte expressão: sensibilidade musical adquirida através de experiências acumuladas com a prática. Como acumular essas experiências? A aula de música na escola é um lugar para a criança fazer música, tocar instrumentos, cantar, refletir, criar, experimentar, enfim, vivenciar. Todas essas são experiências significativas que serão acumuladas e utilizadas no desenvolvimento da sua sensibilidade musical. Esse fazer musical pode e deve ser organizado de forma que o educando possa conhecer os conceitos musicais, mas de forma integrada a sua prática. Isso não quer dizer que o ensino de música irá preocupar-se apenas com uma execução desligada do contexto que aquela música pertence. Fernandes (2004), faz uma citação de uma metodologia chamada proposta triangular onde o fazer artístico articula-se com a contextualização histórica e a apreciação da obra de arte. Os PCN`s baseiam- se nessa ideia, a proposta triangular estar muito presente nas artes plásticas, porém é aplicável em qualquer área das artes. “A “proposta triangular” está centrada em três diretrizes, através das quais o conhecimento em arte é adquirido com inter-relacionamento entre fazer, apreciar e contextualizar historicamente a arte” (FERNANDES, 2004, p.77). A abordagem TECLA, que está baseada em técnica, execução, composição, literatura e apreciação traz um processo de musicalização preocupado tanto com o fazer musical

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

403 2 OA N O S

(técnica, execução, composição), quanto com a contextualização do fazer (literatura, apreciação). As duas abordagens não são de forma alguma opostas, eu diria que o modelo TECLA seria uma forma minuciosa de ver a Proposta triangular.

(...) o objetivo específico da educação musical consiste em colocar o homem em contato com seu ambiente musical e sonoro, descobrir e ampliar os meios de expressão musical, em suma, “musicalizá-lo” de uma forma mais ampla (...). (Gainza, 1977, apud PENNA, 2010, p.48)

Não podemos esquecer que a aula é de música. A Lei 11.769/2008 fala da obrigatoriedade do ensino de música nas escolas, é importante refletir as práticas de educação musical que tem sido levadas para esse espaço. A partir dessa reflexão apresento um relato de experiência com alunos do 2º e 3º anos do ensino fundamental, um trabalho de música que utilizou o teatro e a dança como ferramenta interdisciplinar para o trabalho de musicalização.

Projeto Unificado e Subprojeto de música Os festivais de música representaram em uma época da nossa história um modo de falar, gritar e protestar contra o sistema em que vivíamos. Dentre esses festivais destaco o III Festival de Música Brasileira, em 1967, onde tivemos canções como “Domingo no parque” de Gilberto Gil e “Alegria, alegria” de Caetano Veloso, canções importantíssimas na história da música popular brasileira, suas letras são carregadas de protesto e denúncias contra o sistema da época. A música era e é um meio bastante eficaz de transmitir pensamentos e protestos camuflados em metáforas que se delineavam em lindas melodias. Muitos artistas tiveram a atitude de dizer o que pensava através de suas músicas e ir até os palcos de festivais tocá-las, correndo risco de serem presos e até mortos. No ano de 2010, impulsionado pelo FEMEG (Festival de Música da Escola Girassol), evento que mobilizou toda a escola. Foi realizado um trabalho de iniciação musical utilizando os festivais de música popular brasileira como fio condutor do aprendizado, trabalhando no repertório canções de artistas que participaram desses festivais a exemplo de: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Chico Buarque, Elis Regina, Vinícius de Moraes e ainda artistas que não participaram concorrendo, mas, que estavam envolvidos no processo a exemplo de Wilson Simonal. O projeto unificado da Escola Girassol no ano de 2010 foi “A bola da vez é a atitude”, essa foi uma oportunidade importante de mostrar que podemos expressar atitude através das artes, e nesse caso, mais precisamente através da música.

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

404 2 OA N O S

Caracterização da turma Esse trabalho foi feito na escola Girassol, uma escola particular de Salvador-BA que procura seguir a linha construtivista. O projeto foi formado por alunos dos 2º e 3º ano do ensino fundamental, com faixa etária entre 7 e 8 anos de idade. O trabalho foi desenvolvido dentro da disciplina “música e movimento”. No turno matutino foram 3 turmas do 2º ano e 3 turmas do 3º ano, um total de 6 turmas, no vespertino, 1 turma do 2º ano e 1 turma do 3º ano, totalizando 2 turmas. Os alunos dos dois turnos fizeram o mesmo trabalho, porém, separados. Esses alunos já tiveram um contato com a disciplina música nas séries anteriores. As aulas aconteceram uma vez por semana com duração de 50 minutos, as turmas tinham uma média de 25 alunos.

Metodologia Estrutura das aulas As aulas foram divididas basicamente em quatro momentos: começavam com uma roda rápida, um momento para conversar com os alunos, para eles trazerem as novidades para roda, além de um momento para introduzir a aula, dizer o que eles iriam fazer naquele dia. O segundo momento da aula era alguma atividade de integração, para o grupo ficar mais a vontade para os trabalhos posteriores. O terceiro momento da aula era o conteúdo musical do dia, que poderia estar ou não fundido com o quarto momento que seria o do repertório. No conteúdo musical, trabalhamos com Pulsação e Ritmo, onde fizemos muitas atividades de locomoção, de tocar junto com o Cd e atividades de dividir o tempo usando as partes do corpo. Em seguida trabalhamos as Propriedades do Som (altura, intensidade, duração e timbre), no inicio da primeira unidade usei cartelas de duração e intensidade, fizemos atividades com o corpo trabalhando as alturas e ouvimos instrumentos diferentes. Usei esse primeiro momento para conceituar cada conteúdo. Na segunda e terceira unidade já não fazíamos essas atividades, trabalhávamos os conteúdos através da execução das músicas. Os alunos executaram arranjos musicais utilizando metalofone, baldes, pandeiros, caxixis, pau de chuva e triângulos. Os arranjos

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

405 2 OA N O S

foram criados com eles durante as aulas, bem como as coreografias de algumas músicas.

O projeto Nesse projeto em que trabalhei como organizador e professor, utilizei a montagem de um musical como recurso para educação musical. Utilizamos a dança e o teatro como ferramenta complementar do trabalho de música, sendo que os alunos foram avaliados musicalmente.

A construção de um musical revela-se como um interessante recurso no ensino da Arte, na medida em que traz diversas possibilidades de expressão, englobando ao mesmo tempo o canto, a dança e a interpretação musical. A música trabalha o físico (audição, coordenação motora), o intelecto (memória, criatividade, prontidão, concentração) e os sentimentos. A dança lida com a consciência do corpo e do espaço ao redor, e o teatro estimula a auto-confiança e diminui a timidez (RAMOS, 2010, p.1).

A ideia era que os alunos montassem um festival de música, com as músicas trabalhadas na sala. Cada turma representou um artista estudado. Nessa apresentação além da parte musical, os alunos fizeram papéis de apresentadores, antes de cada apresentação eles falavam um pouco do artista. Em algumas músicas tinham coreografias criadas por eles onde eu fiz apenas o papel de organizar as ideias dos alunos. O musical é uma forma muito eficaz de trabalhar aspectos tanto musicais como extra musicais. Os aspectos sociais por onde os alunos apresentam uma sensível melhora da convivência em grupo, da confiança mútua e da solidariedade; os aspectos psicológicos por onde, na grande maioria das pessoas, ocorre a superação dos bloqueios e da timidez, o desenvolvimento da autoconfiança e a construção da auto-estima; os aspectos cognitivos, onde são desenvolvidos, além de conhecimentos gerais, as habilidades de memorização, imaginação e de criação; os aspectos do desenvolvimento musical, onde se percebe um evidente crescimento da sensibilidade rítmica, melódica e harmônica, através da execução vocal, instrumental e da vivência corporal; e por fim os aspectos do desenvolvimento artístico, revelando que os alunos desenvolvem a expressividade de um modo geral com o exercício de corpo, de execução vocal, de interpretação teatral e enfim da experiência artística e estética (DIAS; SANTA ROSA, 2007, p. 6).

Esse trabalho teve basicamente três etapas: na primeira: foram selecionados alguns artistas que foram importantes para a história dos festivais de música no país. E que trouxessem contribuições importantes para o nosso tema ATITUDE. Nesse momento

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

406 2 OA N O S

ouvimos gravações originais, conhecemos os artistas, o contexto e a história de cada um deles, além de trabalhar alguns temas transversais como as drogas, o meio ambiente e a sociedade. Os alunos fizeram pesquisas sobre os artistas, na sala discutíamos as informações encontradas. Essas pesquisas depois serviram de material de consulta para os alunos criarem o texto dos apresentadores. A segunda etapa foi a de criação dos arranjos e coreografias, todas as turmas aprenderam todas as músicas, bem como todas as coreografias. Nesse momento colocávamos em pratica os conteúdos trabalhados na primeira unidade, pulsação e ritmo e propriedades do som. Na terceira etapa as músicas foram dividas entre as turmas, a partir desse momento, os trabalhos foram específicos em cada grupo. Começamos a preparar o roteiro da apresentação, usamos as pesquisas que foram feitas no início do projeto como material de consulta para criar cada texto, isso foi feito por todos os alunos em grupos, eu fiz o papel de amarrar os textos e separar em falas. Os apresentadores foram os que tinham interesse em exercer esse papel.

Considerações finais Os alunos mostraram-se muito estimulados ao final dos trabalhos, foram feitas apresentações no teatro da escola para os pais. Nas apresentações era notável um misto de nervosismo com responsabilidade, o apoio de um colega a outro, as últimas passadas de texto, a tensão inicial, o cuidado no palco, e a alegria do final. Alguns pais relataram que seus filhos ficavam em casa pesquisando sobre artistas que foram contemporâneos deles, esses pais aproveitaram para mostrar Cd`s, ouvir com os filhos e contar histórias da adolescência. Muitos alunos levaram Cd`s que tinham em casa ou que a avó emprestou, foi muito bom ver que o trabalho de música tinha saído da sala de aula e expandido até as suas casas. A aula de música foi além dos instrumentos da sala ou da fala do professor, nesse momento a aula conseguiu atingir o mundo daquelas crianças e ampliá-lo, sendo esse o principal objetivo do curso.

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

407 2 OA N O S

Referências RAMOS, João Mauricio Santana; Coro performático de adolescentes do Colégio Salesiano do Salvador: a construção de um musical como recurso para a educação musical. In: IX ENCONTRO REGIONAL DA ABEM NORDESTE. 2010, Natal. Rio Grande do Norte. Anais... Natal: ABEM, 2010. PENNA, Maura. Música(s) e seu ensino. Porto Alegre. Editora Sulina. 2ª edição revista e ampliada. 2010 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda, Novo Aurélio Século XXI : o dicionário da língua portuguesa; 3º ed. Totalmente revista e ampliada. - Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999. FERNANDES, José Nunes. Normatização, estrutura e organização do ensino da música nas escolas de educação básica do Brasil: LDBEN/96, PCN e currículos oficiais em questão. Revista da ABEM, Porto Alegre, V. 10, 75-87, mar. 2004. DIAS, Leila Miralva Martins; SANTA ROSA, Amélia Martins Dias. Companhia Artística Viver Bahia: identificando os elementos educacionais na prática de musicais. In: ANPPOM: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música. Congresso da ANPPOM, XVII, 2007, São Paulo.

abem

X Encontro Regional Nordeste da ABEM I Encontro Regional Nordeste dos Professores de Música dos IF's I Fórum Pernambucano de Educação Musical Recife - 02 a 04 de junho de 2011

Associação Brasileira de Educação Musical

408 2 OA N O S

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.