Mutação (in)constitucional: o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidade

Share Embed


Descrição do Produto

Mutação (in)constitucional: o Senado Federal e o Supremo Tribunal Federal no controle de constitucionalidadel Mateus Domingues Graner1

RESUMO: O art. 52, X, da Constituição Federal prevê a competência do Senado Federal para suspender a execução de lei declarada inconstitucional, incidentalmente, pelo Supremo Tribunal Federal. No exercício do controle de constitucionalidade incidental pelo Supremo Tribunal Federal, discute-se se os processos de verticalização e de concentração de poderes em torno desta Corte justificam uma alteração no sentido do art. 52, X, CF. A tímida tentativa deste artigo é procurar responder se, à luz da teoria da mutação constitucional, esta pretendida alteração informal é constitucional ou inconstitucional?

Palavras-Chave: Mutação constitucional. Controle de Constitucionalidade. Senado. Supremo Tribunal Federal. ÍNDICE: 1. Primeiro desafio: entender a mutação constitucional e a sua aplicação: 1.1 Terminologia e características; 1.2 Fundamentos e justificativa; 1.3 Mutação Constitucional – conceito amplo; 1.4 Mutação constitucional – conceito restritivo; 1.5 Modalidades de mutação constitucional; 2. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade; 3. A tese da mutação constitucional do papel do Senado (art. 52, X, CF); 4.Análise da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal: 4.1 Houve mudança da realidade constitucional?; 4.2 Conceito amplo de mutação constitucional; 4,3 Conceito restritivo de mutação constitucional; 4.4 Mutação constitucional via interpretação; 5. Conclusão.

1

Acadêmico da Universidade Federal do Paraná (UFPR), pesquisador e bolsista do CNPq pelo

Programa de Iniciação Científica 2014 /2015.

1. Primeiro desafio: entender a mutação constitucional e a sua aplicação. 1.1 Terminologia e características. Antes de propriamente nos referirmos à mutação constitucional, é mister precisarmos qual o sentido e conteúdo do termo a ser adotado – até porque não há consenso quanto à terminologia seja na doutrina2 ou no Supremo Tribunal Federal3. Primeiro, vê-se que ao menos há um consenso geral quanto à definição de que a mutação constitucional é um processo de mudança informal, isto é, diverso dos processos formais previstos na própria Constituição4. Foi GEORGE JELLINEK5 – muito embora PAUL LABAND tenha sido o primeiro a cunhar o termo6 – quem primeiro utilizou

2

A título de exemplo: o jurista português JORGE MIRANDA utiliza o termo “vicissitude constitucional

tácita” que, ao seu ver, engloba os costumes e as interpretações evolutivas; GOMES CANOTILHO emprega o termo “transições constitucionais”; PIETRO MEROLA CHIERCHIA, “processos de fato”; MILTON CAMPOS, “processos oblíquos”; et coetera (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2003.II, p. 159; CHIERCHIA, Pietro Merola. “l’interpretazione sistemática della constituzione”. Padova, Cedam, 1978, p. 128; CAMPOS, Milton. Constituição e realidade. Revista Forense, v. 187. Rio de Janeiro: 1960, p. 19-22). 3

Mais do que não haver um conceito uníssono (o que não é um problema), vários ministros

aplicam a teoria da mutação constitucional de forma distinta em cada caso – alguns criticaram a utilização de tal instituto e, em momento seguinte, aplicaram-na na exatamente na forma outrora criticada (notadamente o Min. Eros Grau na Reclamação 4.335-5 AC e no MS 26.603 DF; e Gilmar Mendes na Reclamação 4.335-5 AC e na ADI 3.838 MC DF (CARVALHO, Renan Flumian. Qual o conceito de mutação constitucional para os ministros do STF? Disponível em: http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/138_Monografia%20Renan.pdf.

Acessado

em

31/8/2015). 4

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição:

Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais, (Tése, 1982) pub. SP, Max Limonad, 1986, p. 10. No mesmo sentido, escreve o espanhol PEDRO DE VEGA na sua obra “temas clave de la constituición española: la reforma constitucional y la problematica del poder constituyente” Madrid: Tecnos, 2007, 6ª ed., p. 179. 5

JELLINEK, George. Reforma y mutación de la Constitución. Tradução Christian Föster. Madrid:

Centro de Estudios Constitucionales, 1991. 6

Como um dos principais juristas do império alemão, Kronjurist, LABAND notou algumas

mudanças da situação Constitucional de 1871 do Império teutônico (verfassungszustand); assim, distinguiu a reforma constitucional e a mutação constitucional (LABAND. Wandlugen der deutschen Reichver-fassung. Dresden, 1895. p. 2). Contudo, as premissas da conceituação por Laband não são compatíveis com a compreensão constitucional, não só por considerar não haver limite a esta mudança informal, mas pod considerar o Kaiser, imperador como o encarregado de

esta divisão dicotômica: diferenciando propriamente mutação constitucioinal e reforma constitucional7. Assim, mutações constitucionais seriam transformações da realidade política que não se refletem no texto constitucional, em síntese: muda-se o contexto, mas não se altera o texto – afirmam também MENUT8 e LOEWNSTEIN9. Segundo, podemos destacar duas espécies: as mutações constitucionais e as mutações inconstitucionais10. Significa dizer que a mutação não pode ofender nem a letra e nem a ratio das demais disposições constitucionais, sob pena de ser inconstitucional11. Estas são as duas principais características da mutação constitucional. As demais características que são levantadas, tais como a necessidade de um período mais ou menos longo, ou aspecto psicológico, variam do marco teórico adotado – como será exposto adiante.

guardar a Constituição (LABAND apud PEDRON, Flávio Quinaud. Mutação constitucional na crise do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012, p.89). 7

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de

direitoconstitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 104 – 146. Para um estudo mais aprofundado sobre reforma constitucional, ver, dentre outros: BURDEAU, Georges. Essai d'une théorie de la revisión des lois constitutionnelles. Paris, 1930 (thése); FLORIAN, Henri Bousquet, Revisión des constitutions. Paris: Arthur Rousseau, 1981; SAMPAIO, Nelson de Souza. O poder de reforma constitucional. Salvador: Livraria Progresso Ed., 1954; FILHO, Manoel Gonçalves Ferreira. Direito Constitucional Comparado.São Paulo: Saraiva, 1983. 8

MENAUT, Antônio Carlos Pereira. Lecciones de Teoria Constitucional. 2.ª ed., Madrid:

Editoriales de Derecho Reunidas, 1987, p. 66. 9

“[en la mutación constitucional] se produce una transformación en la realidade de la

configuración del poder político, de la estrutura social o del equilibrio de intereses, sin que quede actualizada dicha transformación en el documento constitucional” (LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1986, p. 165). 10

Como exemplos de mutação constitucional inconstitucional levada a cabo pelo Poder

Executivopodemos citar: a (i) inobservância por parte de Estados e Municípios das regras constitucionais que estabelecem opagamento de precatórios, sobretudo o dever de inclusão em seus orçamentos da verba necessária para o respectivopagamento, conforme determina o artigo 100, § 1°, da Constituição; (ii) a desapropriação de terras sem o pagamentoefetivo da indenização, conforme determina o artigo 5°, XXIV, da Constituição; (iii) o remanejamento de verbasorçamentárias sem autorização legislativa, em afronta ao disposto no artigo 5°, VI, da Constituição (CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G. Constitucionalismo e democracia – soberania e poder constituinte. São Paulo: Revista Direito GV, jan-jun 2010, p. 172.) 11

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. Cit., 1986, p. 10.

1.2 Fundamentos e justificativa. A fim de entender a mutação constitucional cumpre considerar, brevemente, a relação do poder constituinte originário12 com o caráter dinâmico da Constituição. Conforme LOEWNSTEIN, o poder constituinte realiza um trabalho de acomodação de interesses para que se chegue a um equilíbrio aceitável para todos13; seria a correspondência máxima entre a constituição real14 e a constituição escrita. Do ponto de vista teórico, a constituição ideal seria fruto da concordância entre a estrutura social e a legal, in verbis: “seria aquel orden normativo conformador del processo político el qual todos los desarrollos futuros de la comunidade [...] pudiessen ser previstos de tal manera que no fuesse necessário um cambio de normas conformadoras”.15

Se existisse tal constituição ideal, não haveria justificativa para mutação constitucional. A primeira premissa, como o próprio LOEWNSTEIN notou, é que uma constituição ideal não existe, isto porque a constituição é um organismo vivo16 em movimento – submetido ao panta rhei heraclitiano. A segunda premissa, então, é que a constituição é um organismo vivo. Este caráter dinâmico significa que a constituição procura refletir os ímpetos e os anseios da sociedade. Aliás, precisamente ao perseguir tais objetivos, é recomendável que a Constituição tenha a maior durabilidade possível para que possa assegurar a estabilidade política e social – necessária ao pleno desenvolvimento do povo e do

12

Sob pena de parecer redundante, utilizou-se o termo originário para refutar e diferenciar a

expressão geralmente utilizada “poder constituinte difuso” (primeiramente utilizada pelo constitucionalista francês Georges Burdeau apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. Cit., 1986, p. 10-11. Também neste sentido: BULOS, Uadi Lâmmego. Da reforma à mutação constitucional. Revista de informação legislativa. Brasília a. 33, n. 129, jan. mar. 1996, p. 28). 13

LOEWNSTEIN, Karl. Op. Cit. 1986, p. 163.

14

Como é sabido, corresponde ao autor a tese das relações reais de poder, daí a grande ênfase

à força normativa do fático (LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janero: Liber Juris, 1988, 3ª ed., p. 59). Vide a brilhante discussão quanto à força normativa da Constituição entre Lassalle e Kelsen. 15

LOEWNSTEIN, Karl. Op. cit., p. 164.

16

Em sentido contrário à constituição como “organismo vivo”, José Afonso da Silva (SILVA, José

Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24a ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 38).

Estado17. Podemos sintetizar este ponto no seguinte excerto: “se uma Constituição não tem vocação para ser eterna, tem, por sem dúvida, vocação para ser durável”18. No mesmo sentido, MEIRELLES TEIXEIRA mostra como a constituição transforma-se para além das técnicas legislativas e jurídicas19. É, portanto, diante desta saudável tensão permanência-modificação20 – de um lado, para que a constituição sempre se atualize; de outro, cuidando-se para que não haja uma ruptura ou revolução jurídica21 – que a teoria constitucional22 admitiu duas formas de adequação ao câmbio da realidade, a saber: a reforma constitucional (verfassungsänderung) e a mutação constitucional (verfassungswandlung). Sucintamente, por não ser o escopo deste artigo, a reforma constitucional (verfassungsänderung) é a mudança do sentido e conteúdo da norma com alteração do texto constitucional. Deste modo, a reforma constitucional é uma mudança formal (não necessariamente pela atuação de um órgão específico) que obedece a um processo previamente traçado pelo constituinte originário – especificamente, aos limites

17

Para um estudo contundente acerca da eficácia dos direitos fundamentais, ver CLÈVE,

Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum 2012. 18

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Mutação, reforma e revisão das normas constitucionais.

Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 5, p. 5, Out / 1993. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais. 19

“seria errôneo, entretanto, e mesmo ingênuo, pensar-se que as Constituições rígidas somente

pudessem sofrer alterações através de técnicas jurídicas expressa e previamente estabelecidas, e que o impacto da evolução política e social somente pudesse atuar sobre elas através desses canais, e que a vida deveria necessariamente acomodar-se, em seu eterno fluxo de progresso, dobrando-se com docilidade ao sabor dessas fórmulas e apenas ao juízo de políticos e legisladores“ (TEIXEIRA. J. H. Meirelles. “Apostilas de Direito Constitucional”. São Paulo: Fadusp, 1961, p. 72). 20

"A modificação das Constituições é um fenômeno inelutável da vida jurídica, imposto pela

tensão com a realidade constitucional e pela necessidade de efetividade que as tem de marcar." (MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional, tomo II, Coimbra, 5.ª ed. rev., 2003, p. 150) 21

Ver RUSCHEL, Ruy Buben. Direito Constitucional em tempos de crise. Porto Alegre: Porta

Luzzato, 1997, p. 59. 22

Como dito, o primeiro foi JELLINEK, George. Op. cit., p. 7; seguido por LOEWNSTEIN, Karl.

Op. cit., p. 164. Dentre outros tantos: ROZMARYN, Stefan. “la constitution comme loi fondamentale dans les ètats de I’Europe Occidentale et dans les ètats socialistes”. Turin, Institut Universitaire d’Études Europèennes, 1966, p. 60; WHEARE, Karl C. “Modern constitutions”, London, Oxford University Press, 1973, p. 77.

constitucionais formais, materiais e circunstanciais, aos prazos, às formas (sob emenda ou revisão) etc 23. 1.3 Mutação Constitucional – conceito amplo. O primeiro marco teórico, cunhado pelos publicistas alemães PAUL LABAND e GEORGE JELLINEK (no final do séc. XIX), definia a mutação constitucional como oposto da reforma constitucional (daí um conceito dicotômico). GEORGE JELLINEK até sustentava que esta mudança deveria ser não intencionada e não voluntária, introduzindo um aspecto psicológico24. Vejamos: “Por reforma de la Constitución entiendo la modificación de los textos constitucionales producida por acciones voluntarias e intencionadas. Y por mutación de la Constitución, entiendo la modificación que deja indemne su texto sin cambiarlo formalmente que se produce por hechos que no tienen que ir acompañados por la intención, o conciencia, de tal mutación”25

Feito este esclarecimento, importa dizer que GEORGE JELLINEK admite a mutação constitucional tanto pela prática parlamentária, administrativa, jurisdicional26 como pelo que chama de necessitas27. Além disso, JELLINEK, apesar de não fornecer uma extensa explicação, é enfático ao considerar que de modo algum pode deduzir-se que, pelo desuso de uma competência, a prescrição constitucional reste obsoleta, pois a seu ver “el Derecho supremo del Estado según su essência es imprescritible”28. O grande triunfo de JELLINEK, nos mostra PABLO LUCAS VERDÚ, foi ter investigado cientificamente a essência do político e como esta força fática condiciona o direito; vale lembrar que o contexto de seu tempo era a influência da escola história germânica (historicismo gierkeniano) e do positivismo formalista29.

23

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de

direitoconstitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 104 – 146. 24

JELLINEK, George. Op. cit., p. 7.

25

Bis in idem, p. 7

26

Bis in idem, p.15-27.

27

Em apertadíssima síntese seria a necessidade de mutação da constituição pelos momentos

históricos, os momentos extraordinários e cruciais que acabam alterando profundamente o sentido do texto (JELLINEK, Georg . Op. cit., p. 29-35). 28

Bis in idem, p. 51.

29

Verdú, p. XXXIV, prólogo da obra JELLINEK, George. Op. cit.

No entanto, as teorizações capitaneadas por JELLINEK exaltam a superioridade do fato acima da força normativa da Constituição. Portanto, para além da falta de limites da mutação constitucional, JELLINEK não desenvolve o conceito no contexto da supremacia constitucional30 (vale destacar também que até então não havia um mecanismo de controle de constitucionalidade no sistema alemão). Consequentemente, não há uma divisão entre mutação constitucional e inconstitucional – admitia-se as hipóteses de mutação mediante a edição de leis contrárias à Constituição, mutação mediante práticas estatais constitucionais e inconstitucionais, mutação mediante a impossibilidade de aplicação de previsões constitucionais, mutação mediante usos e costumes contrários à Constituição. 1.4 Mutação constitucional – conceito restritivo. O alemão KONRAD HESSE chama o conceito de LABAND e JELLINEK de conceito 31

amplo , pois para estes últimos a mutação constitucional não tem um limite preciso, qual seja: o texto. Sem este limite, o direito é irresistível, pois o parâmetro passa a ser a imposição do fato (e não da norma)32. Consequentemente, tal conceito amplo acaba por mitigar em muito a força normativa da constituição. Analisando os estudos de LABAND, JELLINEK, HSU-DAU-LIN, SMEND e HELLER, KONRAD HESSE diz: “a mutação constitucional com seus limites só se consegue entender com clareza quando a modificação do conteúdo da norma é compreendida como alteração “no interior” da norma constitucional mesma, não como consequência de desenvolvimentos produzidos fora da normatividade da Constituição, cuja “mutação”

em

normatividade

estatal

tampouco

se

pode

explicar

satisfatoriamente quando se parte de uma relação de coordenação correlativa entre normalidade e normatividade”33

30

Bis in idem, p. 7.

31

HESSE, Konrad. Limites da Mutação Constitucional. Trad. Inocêncio Mártires Coelho in Temas

Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 154. 32

Ademais, Hesse critica o caráter inconsciente ou imperceptível da mutação constitucional

defendido por G. Jellinek, pois “dificilmente se pode galar de uma mutação que ninguém perceba [...] tal característica não pode ser constitutiva do conceito de mutação constitucional, a da interpretação modificada, essa modificação não passará despercebida a um intérprete atento” (HESSE, Konrad. Op. cit., p. 153). 33

Bis in idem, p. 166.

O principal efeito deste conceito está relacionado com a possibilidade de distinguir mutação constitucional e inconstitucional: “quando faltam tais parâmetros [limites para a mudança constitucional], então já não cabe distinguir entre atos constitucionais ou inconstitucionais, porque a afirmação, sempre possível, da existência de uma mutação constitucional não se pode provar nem refutar”34.

HESSE considera que o limite no interior da norma corresponde ao texto constitucional. Isto é, o texto se erige como um limite absoluto de uma mutação constitucional, de modo que assim chegamos a primeira constatação: a mutação não pode contradizer o texto35. HESSE defende este limite por dois motivos: um, pela adequação entre as funções da constituição e, dois, pela relação entre “direito” e “realidade constitucional”. Primeiro, para HESSE, a Constituição assume a função racionalizadora, estabilizadora e limitadora do poder, por isso o texto constitucional é vinculante a todos, inclusive aos governantes. Nesta função, o texto contém uma base comum de argumentação que está acima de qualquer interpretação (possui certos elementos firmes os quais não cabem discussão); obriga a explicar se uma conduta coincide ou não com a constituição; e exime de dar continuamente soluções a questões que já foram decididas, pois estão positivadas na constituição36. Segundo, pois se adotarmos os fatos consumados (a “realidade constitucional”) como

determinantes

à

mutação

constitucional,

estaríamos

renunciando

desnecessariamente aos limites da mutação constitucional e à garantia da constituição. Neste diapasão, KONRAD HESSE defende que o limite do texto é uma garantia, apesar de não ser absoluta, pois reduz a discricionariedade na mera invocação da mutação constitucional. Ora, provar no âmbito normativo, interno, a mutação constitucional requer mais do que a simples invocação da “força normativa do fático”. Concomitantemente, HESSE admite que a capacidade de adaptação pela Constituição às mudanças históricas segundo o limite textual da mutação constitucional pode ser insuficiente. Com base nisto propõe que:

34

Bis in idem, p. 151.

35

Bis in idem, p. 168-169.

36

Bis in idem, p. 162.

“as dificuldades derivadas da submissão a estes limites podem impor a reforma constitucional, contribuindo, assim, para uma solução que sirva à clareza da Constituição e intensifique a sua força normativa”37

HESSE até compreende que a solução da reforma constitucional (e não mutação constitucional) nem sempre será materialmente possível e, inclusive, entende que pode ocorrer uma transformação pela força fática fora do direito; porém, adverte o autor: “já não será mutação constitucional e sim quebra constitucional ou anulação da Constituição”38. Afinal, não se trata de uma filiação ao positivismo clássico, mas “a letra da lei constitui sempre ponto de referência obrigatória para a interpretação de qualquer norma”39. E, neste sentido, muito bem destaca INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO: “a idéia de se estabelecerem parâmetros objetivos para controlar e racionalizar a interpretação deriva imediatamente do princípio da segurança jurídica, que estaria de todo comprometida se os aplicadores do direito (…) pudessem atribuirlhes qualquer significado, à revelia dos cânones hermenêuticos”40

O jurista espanhol PEDRO VEGA também atento quanto aos limites da mutação constitucional indaga até que ponto pode o Estado Constitucional tolerar as práticas que dão lugar à mutação sem que se destrua a lógica e a racionalidade interna da constituição; responde o mestre espanhol que, a partir do conceito de Constituição como sistema de garantias do cidadão, o mais importante é jamais por em risco a supremacia da constituição. Isto é, as mutações constitucionais resultantes da tensão fáticonormativa podem muito bem ser compatíveis com a supremacia da constituição; porém quando esta tensão transforma-se num conflito social, político e jurídico deve-se ou converter a prática em norma através da reforma constitucional ou negar o valor jurídico da mutação em nome da legalidade existente. Em suma: Vega ensina que a realidade

37

Bis in idem, p. 170.

38

Bis in idem, p. 170.

39

BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: IBDC, 1999,

p. 110 40

COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio

Fabris, 2003, p. 143.

constitucional seria englobadora e superior, assimilando e justificando dentro dela as mutações constitucionais – não porém as inconstitucionais41. 1.5 Modalidades de mutação constitucional A doutrina também não converge quanto ao número de modalidades42. Adotaremos o marco terórico de ANNA CANDIDA DA CUNHA FERRAZ, autora de robusta obra sobre os “processos informais de mudança da constituição”, que influenciada por BISCARETTI DI RUFFIA divide o tema em duas modalidades (ou tipos): mutação constitucional por interpretação e pelos usos e costumes constitucionais43. Quanto à mutação constitucional por interpretação, sabe-se que a Constituição é uma obra humana incompleta44 - relembremos que não há constituição ideal, por isso esta precisa ser compreendida45. Assim, para que a Constituição seja

41

VEGA, Pedro. Op. cit., 2007, 6ª ed., p. 214-215. O mesmo autor ilustra que a tensão entre a

realidade jurídica e a realidade fática pode ser resumida a três hipóteses: (a) o triunfo do fático sobre o normativo, destruindo assim a força normativa da constituição e todo o significado; (b) o triunfo da normatividade sobre o fático (seja pela reforma constitucional ou pela simples força da norma); (c) uma acomodação entre ambas as forças, de modo que coexistam – assim, haveria um programa normativo (norma em si) e um âmbito normativo (realidade organizada e ordenada por ela), de modo que a ralidade constitucional seria fruto dessa relação mútua (bis in idem, p. 213-214). 42

Vide a excelente categorização feita por: BULOS, Uadi Lamêgo. Da reforma à mutação

constitucional. Revista de informação legislativa, v. 33, n. 129, p. 25-43, jan./mar. 1996. Disponível em :http://www2.senado.leg.br/bdsf/item/id/176380. Acessado em 31.8.2015. 43

Esta classificação, como indica a autora, é fortemente influenciada pela formulação do italiano

Biscaretti Di Ruffia, pois, para o referido autor italiano, as mutações envolvem dois tipos: (i) aquelas encabeçadas pelos órgãos estatais – por atos normativos e jurisdicionais – e (ii) aquelas decorrentes do fático – costumes de caráter jurídico, normas sociais político-sociais, ou simplesmente práticas constitucionais – apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., 1986, p. 12. 44 45

Apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., 1986, p. 22. “tal como o Direito em geral, a constituição não se compreende por si só, como algo

autoevidente,

‘mas

quer

e

precisa

ser

compreendida’”

(HILLGRUBER,

Christian.

Verfassungsinterpretation apud SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. Cit., 2012. p. 203).

compreendida, deve ser interpretada46. Significa dizer que texto e norma não são idênticos, visto que esta última é sempre resultado já de um ato de interpretação47. Importa destacar que não há na literatura ou jurisprudência uma teoria dos métodos interpretativos48. Por isso, embora insuficiente, o método clássico, subsuntivo49, continua a desempenhar papel relevante na busca de sentido das normas. A fim de analisar a mutação constitucional do art. 52, X, CF no capítulo 4 serão utilizados os métodos clássicos em conjunto com a nova interpretação constitucional, entendendo que as cláusulas constitucionais tem um conteúdo aberto, principiológico e extremamente dependente da realidade subjacente – jamais um sentido unívoco50. Também, importa dizer que, ao interpretar a constituição, deve-se atentar (i) à superioridade da constituição no âmbito da hierarquia normativa, (ii) ao elemento

46

FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., 1986, p. 23.

47

SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Op. cit., 2012, p.

205. Também, GUASTINI, Riccardo. Das fontes às normas. Tradução Edson Bini. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 34. 48

ZABGREBELSKY, Gustavo. La Corte Constitucional y la interpretación de la Constitución, in

Division de poderes y interpretación: hacia una teoria de la praxis constitucional, Madrid: Tecnos, 1987, p. 171. Uma grande dificuldade, ante a ausência de uma teoria interpretativa como apontado (não que deva existir uma), é a de que os intérpretes acabem escolhendo os seus métodos ao sabor de seus critérios subjetivos – tão somente. De uma perspectiva mais otimista, Gilmar Mendes citando Arthur Kaufmann indica que “apesar de todas essas incertezas, autores existem, hoje em maioria, que enaltecem as virtudes dessa riqueza instrumental com o argumento de que, em face da extrema complexidade do trabalho hermenêutico, todo pluralismo é saudável; não se constitui obstáculo, antes colabora, para o conhecimento da verdade; e, racionalmente aproeitado, em vez de embaraçar os operadores jurídicos, acaba ampliando o seu horizonte de compreensão e facilitando-lhes a tarefa de aplicar do direito” (Arthur Kaufmann apud MENDES, Gilmar. Curso de Direito Constitucional, 4ª ed., rev. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 121. 49

Como indica Luis Roberto Barroso “nessa perspectiva a interpretação jurídica consiste em um

processo silogístio de subsunção dos fatos à norma: a lei é a premissa maior, os fatos a premissa menor e a sentença é a conclusão. (in A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 3ª ed., nota de rodapé 7, p. 331) 50

BARROSO, Luís Roberto. A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos

fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 3ª ed, p.331 – 332.

político51 dos preceitos constitucionais e, de forma mitigada, (iii) à tipologia das normas constitucionais52. Estas são as considerações inciais ao interpretar a constituição. Já a modalidade de mutação constitucional pelo costume constitucional pode ser entendido como “uma decisão tácita de coletividade, de modo que dispensa a forma escrita para comunicação e prova, visto que é manifestação da própria consciência do grupo”53 ou também “norma jurídica sobre determinada relação de fato e resultante de prática diuturna e uniforme, que lhe dá força de lei”54. Há dois requisitos: (i) uma prática repetida durante um período de tempo suficientemente longo e (ii) o sentimento de que esta prática é obrigatória55. O primeiro, objetivo; o segundo, subjetivo. Muitos autores consideram a prática repetida como característica da mutação constitucional, o mais correto é dizer que esta característica é inerente à modalidade da mutação constitucional por usos e costumes. O costume constitucional portanto pode gerar uma mutação constitucional na medida em que preenche uma lacuna, como fonte supletiva ou, da mesma forma, como cânone interpretativo56.

51

O elemento político, segundo CAMELO CARBONE, introduzido e cristalizado na norma

constitucional, faz com que sempre a norma se adapte às novas exigências, às novas situações, porque é elemento dinâmico cujo sentido atual será sempre perseguido pelo exegeta (Carbone apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., 1986, p. 28). 52

Outra peculiaridade que não pode ser ignorada na interpretação constitucional tange aos

diferentes tipos de normas constitucionais, pois: “algumas categorias de normas permitem maior elasticidade de interpretação, influindo, portanto, no procedimento interpretativo e no seu papel de adequação da norma a novas realidades ou na atribuição de diferentes significados ou conteúdos à norma constitucional” (Carbone apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., p. 29). 53

Manoel Gonçalves Ferreira Filho apud PEDRA, Adriano Sant’ Ana. A constituição viva: poder

constituinte permanente e cláusulas pétreas na Democracia Participativa. Rio de Janeiro: 2012, ed. Lumen Juris, p. 108. 54

Carlos Maximiliano apud PEDRA, Adriano Sant’ Ana. Op. cit., p. 108.

55

Francis Hamon; Michel Troper. Georges Burdeau apud PEDRA, Adriano Sant’ Ana. Op. cit., p.

108. 56

PEDRA, Adriano Sant’ Ana. Op. cit., p. 110-111. Para um aprofundamento maior quanto ao

costumes contra constituitionem, ver: FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 137-138; e MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. Coimbra: 1996, p. 125-127, volume II.

2. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade57. À luz do art. 97, CF e do RISTF, arts. 176 e 177, o Supremo Tribunal Federal poderá, por maioria absoluta, declarar a inconstitucionalidade incidentalmente58 (o que não se confunde com modelo difuso de controle de constitucionalidade59). A partir daí, o presidente do STF poderá comunicar o Senado Federal desta declaração para que esta Casa Legislativa suspenda a execução (no todo ou em parte) da lei declarada inconstitucional através da espécie normativa de resoluçao. O art. 386, do regimento interno do Senado Federal, estabelece que a comunicação do STF (instruída com o texto da lei cuja execução se pretenda suspender, com o acórdão e registros taquiográficos do julgamento) será lida em plenário e encaminhada à Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.

57

Utilizaremos a definição mais abrangente de controle de constitucionalidade entendida como

“juízo relacional que procura estabelecer uma comparação valorativamente relevante entre dois elementos, tendo como parâmetro a Constituição e como objeto a lei (sentido amplíssimo), os fatos do process legislativo (regulamento procedimental) ou a omissão da fonte de produção do direito” (Tavares apud DIMOULIS, Dimitri. Curso de processo constitucional: controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011, p.67). Esta definição se mostra importante, pois separa as consequências deste controle (se trata-se de anulação ou afastamento ou eliminação etc) e o juízo relacional propriamente 58

As hipóteses são as de competência originária (mandado de segurança contra ato do

Presidente da República (art. 102, I, d), recurso ordinário contra a denegação de um habeas corpus pelo Superior Tribunal de Justiça (art. 102, II, a)) ou na apreciação de um recurso extraordinário (art. 102, III, b). 59

O modelo difuso é caracterizado pelo controle por todos os órgãos judiciais do ordenamento;

em oposição ao modelo concentrado, no qual uma Corte Constitucional realiza este controle. Portanto, este critério assenta-se no número de fiscais. Há, igualmente, demais critérios de classificação do controle de constitucionalidade, tais como: momento da propositura (preventivo ou repressivo ou combinado); tipo de fiscalização (abstrato ou concreto ou combinado); posição na sequência processual (principal, via de ação, ou incidental, via de exceção); legitimados para promover o controle etc (ver DIMOULIS, Dimitri. Op. Cit., 2011, p. 67-90).

Importa dizer que tal papel do Senado no controle de constitucionalidade também foi previsto nas constituições pretéritas de 1934 (art. 91, IV)60, de 1946 (art. 64)61, de 1967 (art. 45, IV)62, e de 1969 (art. 42, VII). Da análise histótica, constatou-se que a competência do Senado Federal jamais foi de ato mecânico ou de função puramente cartorária63 – apesar de haver autores que assim sustentassem64. 60

A constituição de 1934 estabeleceu: (i) quorum de maioridade absoluta (e não maioria simples)

e (ii) competência ao Senado Federal de coordenar os poderes federais e velar também pela Constituição, daí inaugurou-se a competência do Senado para suspender a execução em todo ou em parte, de qualquer lei ou ato, deliberação ou regulamento declarados inconstitucionais pelo Poder Judiciário. OSWALD ARANHA BANDEIRA DE MELLO diz enfaticamente que, embora escrito Poder Judiciário, a interpretação sistemática da constituição pelo art. 96 permitia entender por decisão do Supremo Tribunal Federal, pois de modo contrário, admitiria-se que o Senado poderia julgar antes mesmo do Judiciário considerar definitiva as suas decisões. Jamais o Senado poderia suspender lei ou regulamento sem a manifestação do Supremo Tribunal Federal (MELLO, Oswald Aranha Bandeira de. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: Bushatsky, 2ª ed., 1980, p. 168-169) 61

A Constituição de 1946 trouxe importantes inovações no controle de constitucionalidade,

principalmente: (i) a ampliação da competência do STF para julgar recursos extraordinários e (ii) controle de constitucionalidade em tese, ou abstrato (após a promulgação da constituição de 1946, pela EC nº 16 de 1965). Quanto ao papel do Senado, a Constituição de 1946 aprimorou o texto para enunciar “decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal” (como visto, este era uma imprecisão do texto de ’34, mas sempre entendeu-se que seria decisão definitiva). Outra pequena novidade foi o órgão que comunica o Senado Federal acerca da inconstitucionalidade da norma. Antes a notícia era dada pelo Procurador Geral da República, agora é o próprio Supremo Tribunal Federal. 62

A Constituição de 1967, considerando a Emenda Constitucional nº 16/65, não apresentou

maiores diferenças quanto à Constituição de 1946. 63

Comentando a Constituição de 1946, OSWALD ARANHA BANDEIRA DE MELLO diz: “Reconhecida

nestes termos a competência do Senado Federal, não se lhe atribui mecânica, puramente cartorária. Não se lhe considera mero autômato, cumpridor de decisão judicial. Aprecia a conveniência ou oportunidade da suspensão do texto, inquinado, pelo Supremo Tribunal Federal, do vício de inconstitucionalidade. Cada um age no respectivo campo de atribuição, atuando como poder independente e sem prejuízo do bom entendimento que devia existir entre eles. Conflito haveria se um pudesse ser juiz das atribuições peculiares do outro” (MELLO, Oswald Aranha Bandeira de. Op. Cit., 1980, p. 169). 64

Citamos Alfredo Buzaid e Lúcio Bittencourt. Lucio Bittencourt defendia a tese da

obrigatoriedade da decisão definitiva do STF para os demais tribunais e poderes – queria dizer que a própria decisão do STF tinha eficácia erga omnes. Logo, a atividade do Senado seria

De fato, nunca se considerou o Senado como mero autômato, cumpridor de decisão judicial. Com robustez, a doutrina ainda entende que o Senado aprecia a conveniência ou oportunidade65 da suspensão do texto inquinado pelo Supremo Tribunal Federal do vício de inconstitucionalidade. Neste tom, Clèmerson Merlin Clève ensina que: “A competência do Senado consiste em atividade discricionária de natureza política. Cuida a resolução suspensiva de ato político que empresa eficácia erga omnes à decisão do Supremo Tribunal Federal proferida em caso concreto. Ao Senado cabe examinar da conveniência e oportunidade de considerar, em tese, suspensos os seus efeitos, de retirar dispositivo legal ou regulamentar do ordenamento jurídico”. 66

Consequentemente, se a resolução é ato discricionário, o Senado Federal não tem prazo para exercer a sua competência suspensiva – até porque a Constituição não estabeleceu assim.

vinculada, pois haveria uma imposição do STF para que suspenda a norma declarada inconstitucional (Lúcio Bittencourt apud MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. Cit., 1980, p. 208); e Alfredo Buzaid, no mesmo sentido de Lucio Bittencourt, com a resslava que o Senado só não deveria publicar Resolução quando fossem violados os requisitos formais – quorum, por exemplo (Alfredo Buzaid apud MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. cit., 1980, p. 208). Porém tal entendimento divergente não vigorou (MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. cit., 1980, p. 183). 65

“tudo está a indicar que o Senado é o juiz exclusivo do momento em que convém exercer a

competência, a ele e só a ele atribuída, de suspender lei ou decreto declarado inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal. No exerrcício dessa competência cabe-lhe proceder com equilíbrio e isenção, sobretudo com prudência, como convém à tarefa delicada e relevante, assim para os indivíduos, como para a ordem jurídica” (BROSSARD, Paulo. O senado e as leis inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa nº 50, p. 55). A somar, a discricionariedade pode ser sustentável pelo fato do texto constitucional utilizar as expressões suspensão “parcial” ou “total”, em analogia ao art. 66, parágrafo 1º, CF, em que o veto do Presidente da República pode ser também parcial ou total. Daí o porquê dizer que a dimensão do veto é discricionária. Há também quem ressalte o aspecto de política legislativa (SIQUEIRA Jr., Paulo Hamilton. Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 151. 66

CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro.

2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 121

Por último, é mister dizer que a atuação do Senado Federal será cabível quando o ato normativo67 for declarado inconstitucional incidentalmente. Significa dizer, o Senado não suspenserá a eficácia quando o Supremo Tribunal Federal se valer de técnicas de interpretação ou de controle de constitucionalidade que não afetem a vigência68 ou por ações abstratas de controle de constitucionalidade. 3. A tese da mutação constitucional do papel do Senado (art. 52, X, CF) Com fulcro na ampliação do modelo de controle de constitucionalidade abstrato (ou em tese) e na teoria da nulidade constitucional, GILMAR MENDES justifica a mutação constitucional do instituto da suspensão do Senado Federal: “parece quase intuitivo que, ao ampliar, de forma significativa, o círculo de entes e órgãos legitimados a provocar o Supremo Tribunal Federal, no processos de controle abstrato de normas, acabou o constituinte por restringir, de maneira radical, a amplitude do controle difuso de constitucionalidade”69

Neste sentido também, MENDES destaca a repercussão da declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal sobre os demais Tribunais – tanto no controle abstrato ou nos casos concretos. Em outras palavras, afirma o autor que “o

67

Entende-se que não somente leis em sentido estrito, mas normas estaduais e municipais

(BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência – 2 ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 98). Também, em parecer do Min. Moreira Alves “Sou dos que entendem que a comunicação do Senado só se faz em se tratando de declaração de inconstitucionalidade incidente e, não, quando decorrente de ação direta, caso em que, se relativa a intervenção federal, a suspensão do ato é da competência do Presidente da República, e, se referente a declaração de inconstitucionalidade em tese, não há que se falar em suspensão, pois, passando em julgado o acórdão desta Corte, tem ele eficácia erga omnes e não há que se suspender lei ou ato normativo nulo com relação a todos” (Cf. Parecer do Min. Moreira Alves no Processo Administrativo 4.477-72, DJ de 16/5/1977, p. 3.123-3.124) 68

BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição

sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência – 2 ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012, p. 119, nota de rodapé 112. 69

MENDES, Gilmar. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: de um caso

clássico de mutação constitucional. Revista de informação legislativa n. 162. Brasília: 2004, p. 158.

legislador entendeu possível estender de forma geral os efeitos da decisão adotada pelo Tribunal”70. Explica: pela declaração de inconstitucionalidade pelo Plenário do STF “podem os órgãos parciais dos outros tribunais acolhê-la para fundar a decisão de casos concretos ulteriores, prescindirão de submeter a questão de constitucionalidade ao seu próprio plenário”71 e, neste sentido, os Tribunais poderiam negar ou dar seguimento a recursos extraordinário a depender do confronto com a jurisprudência do STF (art. 557, p. 1º-A, acrescentado pela Lei n 9.756 de 1988). Portanto, pelo art. 97, CF e pelo art. 101, do RISTF, MENDES afirma que equipara-se “praticamente, os efeitos das decisões proferidas nos processos de controle abstrato e concreto.”72 Neste tom, Gilmar Mendes cita um exemplo quando os efeitos da declaração de inconstitucionalidade serão erga omnes no caso concreto: quando tratar-se de ação coletiva73. O raciocínio é “quem pode mais, pode menos”. Terceiro, o instituto da suspensão de lei pelo Senado Federal, segundo Gilmar Mendes, teria óbice pela teoria da nulidade constitucional74. Isto é, se a lei declarada inconstitucional é nula (operando efeitos ex tunc, pois a nulidade mais grave é a violação à constituição75), seria inconsistente a resolução do Senado operar efeitos ex nunc, já que asim o Senado acabaria por validar a lei inconstitucional da sua promulgação até a publicação da resolução. Por isso, GILMAR MENDES cita LÚCIO BITTENCOURT, para quem: “dizer que o Senado suspende a execução da lei inconstitucional é, positivamente, impropriedade técnica, uma vez que o ato, sendo ‘inexistente’ ou ‘ineficaz’, não pode ter suspensa a sua execução”.

70

Bis in idem, p 161.

71

Bis in idem, p. 157

72

Bis in idem, p. 157

73

Bis in idem, p. 162-163.

74

Bis in idem, p. 160.

75

Escreve BLACK “em um país governado por uma Constituição escrita, que é de superior

autoridade sobre o poder de fazer leis e obriga toda a legislação ordinária, uma lei inconstitucional é nula e de nenhum efeito; de fato não é lei” (BLACK, H. C. Handbook of American Constitutional law, p. 5 apud MELO, Oswaldo Aranha Bandeira de. Op. cit.,1980, p. 83).

Como dito, para os referidos autores, a teoria da nulidade impediria a “suspensão da execução” pelo Senado. Por conseguinte, entendem os autores que o Senado teria a função de tornar pública a decisão do Supremo Tribunal Federal. In verbis: “Se o Senado não agir, nem por isso ficará afetada a eficácia da decisão, a qual continuará a produzir todos os seus efeitos regulares, que de fato, independem de qualquer poderes”76

A conclusão que chega GILMAR MENDES é a de que a resolução do Senado teria a simples função de dar publicidade, ou seja, a de dar conhecimento a todos acerca da decisão declarada inconstitucional pelo STF. Deste modo, a eficácia erga omnes não adviria mais do Senado Federal, mas agora pelo Supremo Tribunal Federal. Segundo essa ótica: “O Senado não terá a faculdade de publicar ou não a decisão, uma vez que se não cuida de uma decisão substantiva mas de simples dever de publicação [...] A não-publicação não terá o condão de impedir que a decisão do Supremo assuma a sua real eficácia”77

À luz da teorização do professor GILMAR MENDES, o instituto da suspensão do Senado Federal estaria assentado numa concepção de separação dos poderes que hoje não se vê mais78. 4. Análise da mutação constitucional do art. 52, X, da Constituição Federal. 4.1 Houve mudança da realidade constitucional? O primeiro requisito e talvez o mais importante para a análise da mutação constitucional do art. 52, X, é verificar se houve a referida mudança da realidade (ou contexto). Através de pesquisa empírica, BEATRIZ DALESSIO constatou que o Senado Federal

exerce

sua

competência

na

grande

maioria

das

declarações

de

inconstitucionalidade da Suprema Corte que lhe são comunicadas. Para além do Senado Federal se pronunciar em 98,8% dos casos (o que já afasta a inércia), a referida

76

BITENCOURT, C. A. Lúcio. O controle de jurisdicional de constitucionalidade das leis. Brasília:

Ministério da Justiça, 1997. p. 145-146 apud MENDES, Gilmar. Op. cit., p. 161. 77

MENDES, Gilmar. Op. cit., p. 166

78

Bis in idem, p. 157.

Casa Legislativa gera a Resolução suspensiva em aproximadamente 70% dos ofícios que chegam a seu conhecimento79. Também, da análise da jurisprudencial, não há nenhum pronunciamento definitivo do STF quanto ao tema da mutação constitucional do art. 52, X, CF – como visto, a tese foi discutida pelos Ministros na Reclamação 4335, porém o feito foi julgado sem resolução do mérito, diante da edição de uma súmula vinculante. Numa primeira constatação, não há suporte fático que sustente a mudança na realidade que justifique a alteração do sentido e alcance do art. 52, X, CF. Deste modo, já refutamos a possibilidade de mutação constitucional por usos e costumes, visto que não se verificou uma prática repetida durante um período de tempo suficientemente longo ou o sentimento de que esta prática é obrigatória80. Agora, a despeito dos dados empíricos e da falta de decisão do STF quanto ao tema, de fato presenciamos dois fenômenos: a vertizalização do controle de constitucionalidade e da concentração de poderes na nossa Suprema Corte81. A problemática se erige na seguinte indagação: este fenômeno de objetivização do controle de constitucionalidade é apto a justificar a mudança de sentido do texto constitucional do art. 52, X, CF? Tentemos responder a pergunta à luz dos conceitos de mutação constitucional (amplo e restrito) e, em seguida, mediante a modalidade por interpretação – já que a modalidade “usos e costume” foi descartada pelos motivos expostos acima.

79

DALESSIO, Beatriz Alencar. Senado Federal e STF: um estudo sobre a suspensão de lei

declarada inconstitucional. São Paulo: Sociedade Brasileira de Direito Público, 2012. Disponível em:

http://www.sbdp.org.br/arquivos/monografia/205_Beatriz%20A.%20Dalessio%20-

%20Monografia%20(2)%20(1).pdf. Acesso em: 06 agosto de 2015. 80

Francis Hamon; Michel Troper e Georges Burdeau apud PEDRA, Adriano Sant’ Ana. Op. cit.,

p. 108. 81Clèmerson

Clève, citando Gustavo Zabrelsky, mostra que como o Direito contemporâneo é

muito mais aberto, em decorrência de sua natureza principiológica, o “fechamento” ocorre pela função do Tribunal em dizer a “última palavra”. Isto porque o “fechamento” não pode (ou deve) mais ser feito exclusivamente pela estrutura normativa ou por categorias jurídicas. Daí, a concentração de poderes num tribunal e a sua verticalização. Prova disto é a atribuição de efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal nas ações chamadas abstratas e a possibilidade do mesmo Tribunal editar súmula vinculante (trazida pela Emenda Constitucional nº 45 de 2004) (CLÈVE, Clèmerson Merlim. Temas de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p. 363-364)

4.2 Conceito amplo de mutação constitucional Retomando algumas premissas quanto ao conceito amplo de mutação constitucional, vimos que: (i) não há uma preocupação com a constitucionalidade e inconstitucionalidade da mutação; (ii) esta mudança do art. 52, X, CF, poderia ser provocada pelo Judiciário (a exemplo da Reclamação 4335)82, contudo, jamais poderia dar-se pelo alegado desuso da competência do Senado Federal, pois o direito constitucional é imprescritível e a competência prevista não pode ser afastada; e (iii) esta mutação deverá ser involuntária e não intencional. Pois bem, como para Jellinek, a mutação constitucional corresponde à uma modificação involuntária e não intencional; torna-se extremamente difícil investigar a tese da mutação constitucional do art. 52, X, CF segundo este critério psicológico. Considerando o “processo de objetivização” como involuntário (já que decorre de uma série de Emendas, opções do poder constituinte e medidas legislativas) e, supostamente, não intencional, a priori parece sustentável a tese da mutação constitucional do art. 52, X, CF; já que não há uma preocupação com o texto da norma ou com sua inconstitucionalidade. Neste sentido, segundo este conceito amplo, a mutação poderia retirar a competência discricionária do Senado Federal apenas por este processo involuntário e não intencional. Não obstante, Jellinek previlegia a superioridade do fato acima da norma, por isso também seria muito questionável a tese da mutação constitucional do Senado segundo este conceito; já que neste caso a realidade (alta porcentagem de resoluções do Senado Federal) não justificaria a mutação. E, ainda que houvesse desuso ou o instituto do Senado tivesse índole “meramente histórica”, o direito constitucional é imprescritível e a competência prevista não pode ser afastada. Conclui-se que não é inequívoco a tese da mutação constitucional do art. 52, X, CF, à luz do conceito amplo. Seja pelo dificuldade de analisar o aspecto psicológico de Jellinek, seja pela realidade (análise empírica das resoluções) que milita contra a respectiva tese da mutação constitucional.

4.3 Conceito restritivo de mutação constitucional Uma segunda leitura é a estribada no conceito restritivo de mutação constitucional. Aqui, diferentemente do primeiro conceito que possibilitaria a mutação constitucional, é evidente que a mutação do art. 52, X, CF seria inconstitucional.

82

ou ainda pelo necessitas – apesar de não parecer viável no contexto brasileiro, já que não há

uma necessidade de mutação diante de um momento histórico ou extraordinário.

Isto porque aqui o texto exerce uma função vinculativa ao estabelecer um moldura de possibilidades de interpretação83. O texto, mesmo não contendo a normatividade integral, define o chamado programa da norma84, de modo que exerce uma limitação negativa da atividade interpretativa. Em outras palavras, a interpretação não pode extrapolar as possibilidades significativas

do

texto.

Daí,

a

importância

do

texto

como

parâmetro

da

constitucionalidade da mutação. No caso da competência do Senado (art. 52, X, CF), não seria possível interpretar o signo “suspensão” de lei declarada inconstitucional como se fosse a de “publicar”. Primeiramente, pois são palavras distintas com significados, por óbvio, opostos; segundo, pois a mutação em tela transformaria a competência discricionária do Senado em ato vinculado ao Supremo Tribunal Federal. Portanto, a mutação do art. 52, X, contradiria o próprio texto, o qual é o limite constitucional. Significa dizer, somente por processo formal de reforma85, a competência do Senado poderia ser transformada ou retirada. Caso contrário, a supremacia da constituição veria-se mitigada frente à interpretação (inconstitucional). Assim, a tese da mutação constitucional do art. 52, X, CF é demasiadamente forçosa, pois esbarra na premissa básica do controle de constitucionalidade, qual seja: o texto como norte e referência para o exercício do controle de constitucionalidade de uma norma: “the most basic presupposition of meaningful constitutional review is that there is a written constitutional that has such authority for its readers as to provide a standpoint from which judgments on the quality of ‘ordinary’ legislation can safely be made. The judge must be able to pretend that the central text for constitutional

83

UEMA, Jean Keiji. Considerações sobre Interpretação Constitucional: a postura normativo-

estruturante. In Transformações no Direito Constitucional. Cuiabá: Fundação Escola, 2003, v. 2, p. 248. Com efeito, como ensina o ilustre UMBERTO ECO, nem todas as interpretações são igualmente válidas, pois algumas se monstram indubitavalmente erradas ou clamorosamente inaceitáveis e assim devem ser consideradas (apud COLEHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003, p. 144). 84

Expressão cunhada por FRIEDRICH MILLER e acompanhada por GOMES CANOTILHO, KONRAD

HESSE, PAULO BONAVIDES, EROS ROBERTO GRAU dentre outros (UEMA, Jean Keiji. Op. cit., p. 247). 85

DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual constitucional. São Paulo: Atlas,

2009, p. 187.

practice can be read in such a manner as to be able to conclude objectively that other texts do not square with its provisions”86

Quando a constituição fala em competência (privativa) do Senado para suspender a eficácia de lei declarada inconstitucional por via incidental, não podemos interpretar como se fosse competência para publicar decisão do STF. Afinal, o Senado Federal não é mero órgão chancelador das decisões da Corte Suprema87. A mutação não poderia transformar a discricionariedade do Senado em um mero diário de publicação do Supremo Tribunal Federal.

4.4 Mutação constitucional via interpretação. De suma importância é compreendermos que a interpretação, como modalidade de mutação constitucional, depende da estrutura da norma: as normas da parte organizacional apresentam âmbitos mais objetivos e um grau menos abstratos do que as normas de direitos fundamentais88. Evidentemente que o art. 52, X, CF ao atribuir competências configura-se como uma norma organizacional cuja interrpretação deve ser feito de modo mais restitivo. Em termos de rigor metodológico, não há nenhum método de interpretação que pode ser utilizado de forma absoluta, antes eles devem ser aplicados de forma combinada: a partir do texto da norma (interpretação gramatical), de sua conexão (interpretação sistemática), de sua finalidade (interpretação teleológica) e de seu processo de criação (interpretação histótica)89. Evidentemente, a problemática nasce quando estes distintos métodos caminham em sentidos opostos. Assim, adicionalmente, servimo-nos de diretrizes traçadas pelo professor Lui Roberto Barroso: o método gramatical nunca deve ser descartado; os

86

CLITEUR, P. B.; COBBEN, P.; CONKLIN, W.; VAN ROERMUND, B.; SCHRECKENBERGER,

W.; WITTEVEEN, W. J. Constitutional review verfassungsgerichtsbarkeit constitutionele toetsing, theoretical and corporative perspectives. Boston: Kluwer Lax and taxation publishers deventer, 1993, p. 81. 87

TEMER, Michel. Controle da constitucionalidade de atos normativos. São Paulo: Malheiros,

13ª Ed, p. 48. 88

Esta suposta “especial clareza” não está relacionada à melhor formulação gramatical, mas à

diferença estrutural das normas jurídicas (MULLER, Friedrich. Metodologia de direito constitucional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., trad. Peter Naumann, 2010, p. 73). 89

BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva,

2004, p. 125.

métodos objetivos (sistemático e teleológico) devem ser privilegiado; e, de menor importância, devemos aplicar o método histórico90.

Método gramatical. Com base nas considerações já expostas sobre o texto constitucional, no caso da competência do Senado (art. 52, X, CF) não seria possível interpretar o signo “suspensão” de lei declarada inconstitucional como se fosse a de “publicar”. Isto porque significaria admitir que a própria declaração de inconstitucionalidade incidentalmente e em abstrato possuiriam a mesma eficácia (o que não é); ademais, seria sentenciar a competência do Senado Federal à sua extinção, na medida que (ad tantum argumentandum) se a declaração incidental de inconstitucionalidade já tivesse eficácia erga omnes per si, não haveria necessidade do Senado Federal exercer sua competência de suspender, conforme o art. 52, X, CF.

Método sistemático. Tendo como referência todo o sistema constitucional, em outras palavras, o sistema difuso e concentrado de controle de constitucionalidade, não parece razoável sustentar a tese da mutação constitucional do art. 52, X, CF. As mudanças – operadas pelo poder constituinte (aumento do rol de legitimados para propor ações abstratas de controle de constitucionalidade), ou por Emendas Constitucionais (EC nº 45 de 2004) – aparentemente privilegiando o modelo objetivo de controle de constitucionalidade não significam a extinção do controle difuso do controle de constitucionalidade, sequer a extinção da competência do Senado Federal (art. 52, X, CF). Ora, a ampliação da sistemática do controle de constitucionalidade abstrato não significa que o controle de constitucionalidade difuso deve ser reduzido. Importa dizer: os processos de verticalização do controle de constitucionalidade e a concentração de poderes num tribunal que dá a “última palavra” sobre a Constituição91 não conduzem à mutação constitucional do art. 52, X, CF – nos moldes das possibilidades interpretativas em que o texto estabelece. Isto se diz pelo simples fato: o Constituinte da Constituição de 1988 preservou o instituto do Senado Federal no controle difuso de constitucionalidade; por óbvio, a opção foi por manter o sistema misto de controle de constitucionalidade.

90

Bis in idem, p. 126.

91

CLÈVE, Clèmerson Merlim. Temas de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2014, p.

363-364.

Interpretação teleológica Quanto à finalidade do referido dispositivo constitucional, isto é, o empréstimo de eficácia erga omnes à declaração incidental da inconstitucionalidade, de certo vemos que foram criados outros mecanismos que cumprem função similar ao art. 52, X, CF: súmulas vinculantes e o fato da decisão, no controle abstrato, também já possuir eficácia erga omnes. Contudo, a finalidade da atuação do Senado não é desnaturada por tais mudanças, significa dizer que o Senado todavia desempenha parcela importante na divisão dos poderes ao analisar a conveniência e a oportunidade da suspensão da lei delcarada inconstitucional – inclusive, às vezes, para esperar que o debate seja amadurecido ou que a lei não seja suspensa num julgamento muito controverso no STF.

Interpretação histórica. Além disso, porém com relevância muito menor, é o aspecto histórico da interpretação constiticonal: “Quando a nova Constituição mantém, em alguns dos seus artigos, a mesma linguagem da antiga, pressume-se que pretendeu não mudar a lei nesse particular e a outra continua em vigor, isto é, aplica-se à atual a interpretação aceita pela anterior”92

Como visto, ao longo da história constitucional brasileira, o papel do Senado Federal sofreu grandes questionamentos quanto à natureza de sua competência (se discricionária ou vinculada) e quanto aos efeitos de sua decisão. Porém, desde 1934 o referido instituto mantém-se. Assim, a despeito do caráter dinâmico da constituição, este aspecto histórico deve ser levado em consideração. Inclusive, podemos afirmar que o referido instituto da suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Senado Federal já sofreu uma primeira mudança em seu sentido. Esta mudança se deu quando passouse a admitir a eficácia erga omnes da declaração de inconstitucionalidade em controle abstrato.

5. Conclusão Uma questão importante é analisar o papel complementar do Senado no controle de constitucionalidade incidental pelo Supremo Tribunal, visto que, pelo processo de objetivização do controle de constitucionalidade brasileiro, tal competência parece ser mitigada pelos demais dispositivos constitucionais e pela, ainda tímida, teoria dos motivos vinculantes no direito brasileiro. 92

Carlos Maximiliano apud FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Op. cit., 1986, p. 39.

Porém, a despeito deste cenário, outra questão diametralmente oposta é discutir como estas aludidas mudanças no controle de constitucionalidade pode (ou não) operar mudanças nos demais dispositivos constitucionais – notadamente no art. 52, X, CF. Partindo dos pressuspostos de uma Constituição rígida, não é qualquer mudança que poderá processar-se sob a veste da informalidade; indo além, a preocupação é de que tais mudanças informais não sejam inconstitucionais. Precisamente, quanto ao art. 52, X, CF, a tese da mutação constitucional esbarra na literalidade do art. 52, X. Ora, se uma mutação que se repute constitucional (a priori) pretende ir contra o próprio texto constitucional, ferindo o núcleo rígido do texto, que é suficientemente claro, esta mutação só pode ser inconstitucional. Significa dizer, o art. 52, X, CF, atribui uma competência expressa ao Senado Federal para “suspender” a eficácia da lei declarada insconstitucional; uma interpretação que substitua o vocábulo “suspender” por “publicar” é evidentemente inconstitucional, já que esvazia toda a discricionaridade do Senado Federal para transformá-lo num diário oficial de publicações. Portanto, esta suposta mudança informal deve operar-se pela reforma constitucional – segundo o rito constitucionalmente previsto. Afinal, parece inconcebível utilizar-se de uma interpretação para (na verdade) retirar uma competência constitucional expressamente prevista pelo constituinte.

6. REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. São Paulo: IBDC, 1999. BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 2004. __________ A nova interpretação constitucional: ponderação, direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, 3ª ed. __________ O controle de constitucionalidade no direito brasileiro: exposição sistemática da doutrina e análise crítica da jurisprudência – 2 ed. ver. e atual. – São Paulo: Saraiva, 2012 BENDA, Ernst; MAIHOFER, Werner; VOGEL, Hans-Jochen; Hess, Konrad; HAYDE, Wolfgang. Manual de Derecho Constitucional. Madrid: Marcial Pons, 1996. BROSSARD, Paulo. O senado e as leis inconstitucionais. Revista de Informação Legislativa nº 50. BULOS, Uadi Lamêgo. Da reforma à mutação constitucional. Revista de informação legislativa, v. 33, n. 129, p. 25-43, jan./mar. 1996. CAMPOS, Milton. Constituição e realidade. Revista Forense, v. 187. Rio de Janeiro: 1960.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 1999.

CARVALHO, Renan Flumian. Qual o conceito de mutação constitucional para os ministros do STF? São Paulo: Sociedade Brasileira de Direito Público, 2009. CHIERCHIA, Pietro Merola. “l’interpretazione sistemática della constituzione”. Padova, Cedam, 1978.

CHUEIRI, Vera Karam de; GODOY, Miguel G. Constitucionalismo e democracia – soberania e poder constituinte. São Paulo: Revista Direito GV, jan-jun 2010. CLÈVE, Clèmerson Merlin. Para uma dogmática constitucional emancipatória. Belo Horizonte: Fórum 2012. __________ Temas de Direito Constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2014 COELHO, Inocêncio Mártires. Interpretação Constitucional. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2003 CLITEUR,

P.

B.;

COBBEN,

SCHRECKENBERGER, verfassungsgerichtsbarkeit

W.;

P.;

CONKLIN,

WITTEVEEN,

constitutionele

W.;

W.

toetsing,

VAN J.

ROERMUND,

Constitutional

theoretical

and

B.;

review

corporative

perspectives. Boston: Kluwer Lax and taxation publishers deventer, 1993.

DALESSIO, Beatriz Alencar. Senado Federal e STF: um estudo sobre a suspensão de lei declarada inconstitucional. São Paulo: Sociedade Brasileira de Direito Público, 2012. DANTAS, Paulo Roberto de Figueiredo. Direito Processual constitucional. São Paulo: Atlas, 2009. DIMOULIS, Dimiti. Curso e processo constitucional: controle de constitucionalidade e remédios constitucionais. São Paulo: Atlas, 2011 FERRAZ, Anna Cândida da Cunha. Processos Informais de Mudança da Constituição: Mutações Constitucionais e Mutações Inconstitucionais, (Tése, 1982) pub. SP, Max Limonad, 1986. __________ Mutação, reforma e revisão das normas constitucionais. Revista de Direito Constitucional e Internacional, vol. 5, p. 5, Out / 1993. São Paulo: ed. Revista dos Tribunais FRANÇA, R. Limongi. Hermenêutica jurídica. São Paulo: Saraiva, 1999 HESSE, Konrad. Limites da Mutação Constitucional. Trad. Inocêncio Mártires Coelho in Temas Fundamentais do Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2009. JELLINEK, George. Reforma y mutación de la Constitución. Tradução Christian Föster. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1991.

LASSALLE, Ferdinand. A essência da constituição. Rio de Janero: Liber Juris, 3º ed, 1988. LOEWNSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución. Trad. Alfredo Gallego Anabitarte. Barcelona: Ariel, 1986. MELLO, Oswaldo Aranha Bandeira de. A teoria das constituições rígidas. São Paulo: Bushatsky, 2ª ed., 1980. MENAUT, Antônio Carlos Pereira. Lecciones de Teoria Constitucional, 2.ª ed., Madrid, Editoriales de Derecho Reunidas, 1987. MENDES, Gilmar. O papel do Senado Federal no controle de constitucionalidade: de um caso clássico de mutação constitucional. Revista de informação legislativa n. 162. Brasília: 2004. MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 5. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2003, volume II. PEDRA, Adriano Sant’ Ana. A constituição viva: poder constituinte permanente e cláusulas pétreas na Democracia Participativa. Rio de Janeiro: 2012, ed. Lumen Juris. PEDRON, Flávio Quinaud. Mutação constitucional na crise do positivismo jurídico. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012. MULLER, Friedrich. Metodologia de direito constitucional. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais, 4ª ed., trad. Peter Naumann, 2010. ROZMARYN, Stefan. “la constitution comme loi fondamentale dans les ètats de I’Europe Occidentale et dans les ètats socialistes”. Turin, Institut Universitaire d’Études Europèennes, 1966. SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de direito constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24a ed. São Paulo: Malheiros, 2005. SIQUEIRA Jr., Paulo Hamilton. Direito processual constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011 TEIXEIRA. J. H. Meirelles. “Apostilas de Direito Constitucional”. São Paulo: Fadusp, 1961. UEMA, Jean Keiji. Considerações sobre Interpretação Constitucional: a postura normativo-estruturante. In Transformações no Direito Constitucional. Cuiabá: Fundação Escola, 2003, v. 2, VEGA, Pedro. Temas clave de la constituición española: la reforma constitucional y la problematica del poder constituyente. Madrid: Tecnos, 2007. WHEARE, Karl C. “Modern constitutions”, London, Oxford University Press, 1973.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.