MUTAÇÕES DO CONCEITO MODERNO DE HISTÓRIA? UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA CATEGORIA \" HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA \" A PARTIR DE QUATRO NOTAS DE RODAPÉ (1878-1951)

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MUTAÇÕES DO CONCEITO MODERNO DE HISTÓRIA? UM ESTUDO SOBRE A CONSTITUIÇÃO DA CATEGORIA “HISTORIOGRAFIA BRASILEIRA” A PARTIR DE QUATRO NOTAS DE RODAPÉ (1878-1951) Pedro Afonso Cristovão dos Santos Mateus Henrique de Faria Pereira1 Se a Historiografia é a arte de escrever a História ou estudo sobre as obras históricas, se é o conjunto das obras de História, uma história da historiografia brasileira deve ser o estudo dos livros que já se escreveram sobre a História do Brasil. Trata-se, portanto, de exame de obras elaboradas, não de documentos. (...) o problema preliminar que a elaboração do roteiro de uma historiografia apresenta é o de delimitar o campo (Francisco Iglésias, 1972).

Esboça-se aqui, segundo defendo, um projeto para a historiografia como campo de investigação, que articula política, cultura histórica e uma história das formas de lembrar-se (Manoel Luiz Salgado Guimarães, 2007).

Este estudo é uma reflexão sobre quatro notas de rodapé. José Honório Rodrigues, em História da História do Brasil (1979), nas notas de um a quatro do “Prefácio”, elencou quatro textos inaugurais da história da história brasileira, por serem, em sua visão, as primeiras análises críticas da produção historiográfica brasileira: “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, Visconde de Porto Seguro” (1878), de João Capistrano de Abreu, Os historiadores do Brasil no século XIX (1927), de Alcides Bezerra, “Os Estudos Históricos no Brasil” (1951), de Astrogildo Rodrigues de Mello, e “O Pensamento Histórico no Brasil nos Últimos Cinqüenta Anos” (1951), de Sérgio Buarque de Holanda.2 Pretendemos partir da sugestão de Rodrigues e estudar esses quatro textos, por considerarmos não apenas sua validade bibliográfica (enquanto textos “pioneiros”, na expressão do autor), mas sua relevância em função do momento em que estão inseridos: o intervalo de pouco mais de setenta anos que presencia tanto o 1

Agradecemos aos membros do Núcleo de Estudos de História da Historiografia e Modernidade (NEHM) da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) pela interlocução e convivência. De algum modo, este texto pretende contribuir para os nossos debates. Apoio: FAPEMIG, FAPESP e CNPq. Todas as traduções de obras originais em francês e inglês são de nossa responsabilidade. Agradecemos a leitura e as sugestões de Rebeca Gontijo, Fábio Faversani, Valdei Lopes de Araujo e Sérgio Ricardo da Mata. 2 RODRIGUES, José Honório. História da História do Brasil. Primeira parte: Historiografia Colonial. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 2. ed., 1979, p. XV-XVI (primeira edição é também de 1979).

surgimento dos cursos de história nas universidades, como a produção de uma história considerada “moderna”, no Brasil, que teve em Capistrano de Abreu um de seus expoentes. Estes quatro textos não serão vistos enquanto fundadores de uma “história da historiografia brasileira”, ou como os primeiros a definirem essa categoria, pois a natureza específica de cada um e sua limitada repercussão não o autoriza. Seu valor está, acreditamos, nos indícios que fornecem a respeito de um pensar a história da historiografia brasileira neste momento, do final do século XIX, primeira metade do século XX. Como esses autores, os dois últimos já historiadores “profissionais”, no contexto das universidades, definiram o que fazia ou não parte da historiografia brasileira? Como nomearam esse “campo”? Utilizaram a categoria “historiografia”? Como pensaram a história enquanto ciência? Estabeleceram “precursores”, autores que poderiam servir de exemplo às gerações futuras? Procuraram fundar uma memória da escrita da história no Brasil (ou demonstraram a já existência dessa memória)? Definiram uma agenda para a historiografia contemporânea a eles? Os quatro textos que tomamos aqui como objeto não serão, portanto, vistos como canônicos, textos que estiveram à mesa de todos os historiadores da historiografia brasileira nas décadas seguintes. São, entretanto, indiciários de questões talvez imperceptíveis a seus autores, mas que dizem respeito a uma tarefa fundamental naquele período, ainda que por vezes implícita: definir o que constitui a escrita da história no Brasil, e como compreendê-la, justificá-la e legitimá-la, historizando-a. Vale dizer, inicialmente, que José Honório Rodrigues valeu-se de um critério em que a historiografia, entendida como história da escrita da história e não apenas como escrita da história, aparecesse “autonomamente”, para justificar a seleção destes textos.3 Isto porque o que Rodrigues entende por “historiografia brasileira” já havia sido contemplada nas Histórias da Literatura Brasileira, desde o século XIX, como é o caso, por exemplo, das obras de Sílvio Romero (1888) e José Veríssimo (1916), onde a

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Bem como de um critério que considerasse apenas textos produzidos por autores brasileiros sobre a história da história brasileira, deixando de lado artigos como os de M. Émile Coornaert, “Aperçu de la production historique recente ao Brésil”, e Henri Hauser, “Notes et réflexions sur le travail historique au Brésil”, presentes na análise dos balanços da historiografia brasileira anteriores a 1969 realizada em FRANZINI, Fábio, e GONTIJO, Rebeca. “Memória e história da historiografia no Brasil: a invenção de uma moderna tradição, anos 1940-1960”. In: SOIHET, Rachel; ALMEIDA, Maria Regina Celestino de; AZEVEDO, Cecília; GONTIJO, Rebeca (orgs.). Mitos, projetos e práticas políticas: memória e historiografia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009, p. 141-160.

“história” aparecia dentro das divisões da literatura.4 Com efeito, José Honório procurou afastar das histórias da literatura o estudo da historiografia, pois naquelas, segundo ele, imperaria um critério formal e estilístico, em contraposição a uma abordagem centrada nas especificidades da disciplina histórica. Para o autor, “o estudo da historiografia representa, assim, a libertação da disciplina da história literária”. Rodrigues ainda afirma que a história da história nunca havia tido um tratamento independente no mundo de língua portuguesa, pois “era na história da literatura, único ramo de historiografia intelectual exercido no Brasil e em Portugal, que se buscava, e se encontrava a análise e crítica da evolução do pensamento e da forma do escrito histórico”.5 O surgimento de abordagens independentes da historiografia em escritos do fim do século XIX, conforme identifica José Honório, liga-se, assim, à afirmação da história como disciplina. Nesse sentido, é sugestivo o apontamento de Valdei Lopes de Araujo, quando afirma que a história da historiografia “está entre as invenções mais recentes do discurso histórico”. Para o autor, “a história da historiografia [enquanto disciplina, pois como cognição já existia] parece nascer junto com a consolidação da história como um discurso autônomo no final do século XIX”.6 Para Horst Walter Blanke, a partir do final do século XVIII, início do XIX, a história da historiografia passa a ser “caracterizada como uma competência teórica. Historik e história da historiografia passam a constituir dois diferentes aspectos ou pólos de uma reflexão metateórica”. 7 Pretendemos mostrar 4

Sílvio Romero inclui “História”, e “Historiadores”, dentro da categoria “Prosa”, enquanto Veríssimo inclui análises de historiadores dentro das divisões da literatura em geral (Pereira da Silva e Varnhagen, por exemplo, aparecem no capítulo X, “Os Próceres do Romantismo”). Utilizamos as seguintes edições dessas obras: ROMERO, Sílvio. História da Literatura Brasileira. Rio de Janeiro: Livraria José Olympio Editora, 1960. 6ª edição, organizada e prefaciada por Nelson Romero. 1ª edição: 1888; VERÍSSIMO, José. História da Literatura Brasileira de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). Introdução de Heron de Alencar. 4ª edição. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1963. Primeira edição: 1916. Também podem ser considerados como estudos pioneiros de história da história não considerados por José Honório Rodrigues o texto “A academia Brazílica dos Esquecidos. Estudo histórico e literário”, de Joaquim Caetano Fernandes Pinheiro, publicado na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, tomo XXXI, p. 5-32, de 1868, e tomo XXXII, p. 53-70, de 1869 e a apreciação contida em O que se deve ler para conhecer o Brasil, de Nelson Werneck Sodré (primeira edição: Rio de Janeiro: Companhia Editora Leitura, 1945), em que há a seção “Estudos históricos”. 5 RODRIGUES, op. cit., p. XV. 6 ARAUJO, Valdei Lopes de. Sobre o lugar da história da historiografia como disciplina autônoma. Locus (Juiz de Fora), v. 12, n. 1, p. 79-94, 2006, p. 79. Para Araujo, uma história da historiografia entendida como cognição coincide com a modernização do discurso histórico. A isso, o autor denomina de emergência de uma “consciência historiográfica”, que não coincide com a disciplinarização, embora seja uma das condições para ela. Ver, também, ARAUJO, Valdei Lopes de. Cairu e a emergência de uma consciência historiográfica no Brasil (1808-1830). In: DAS NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira et alli. Estudos de Historiografia Brasileira. Rio de Janeiro: FGV, 2011. Um importante panorama sobre a história da historiografia pode ser visto em SILVA, Rogério Forastieri da. História da Historiografia: capítulos para uma história das histórias da historiografia. Bauru, SP: EDUSC, 2001. 7 BLANKE, Horst Walter. “Para uma nova história da historiografia”. IN: MALERBA, Jurandir. A história escrita: teoria e história da historiografia. São Paulo: Contexto, 2006, p. 28. Conforme nos

como, na passagem do século XIX para o XX, no Brasil, alguns autores brasileiros começaram a conceituar a historiografia não mais como um capítulo da história da literatura (embora pudessem vê-la como uma parte da produção científica geral, tal qual se encontra em Alcides Bezerra). Em nosso caso particular, trata-se de examinar em conjunto tentativas de se pensar uma história da escrita da história no/do Brasil. O presente texto concorre para essa investigação analisando iniciativas, nestes textos citados nas quatro notas de José Honório Rodrigues, de delimitar um “corpus documental” que constituiria essa “história da historiografia brasileira” - bem como a forma pela qual cada autor optou por denominar essa unidade. Procuraremos, assim, o (s) campo (s) que cada autor abriu com sua conceituação, assim como os campos que tenham sido, na mesma operação, fechados. Nesse sentido, veremos que “historiografia brasileira”, nesses termos, só aparecerá em Sérgio Buarque de Holanda e, principalmente, Astrogildo Rodrigues de Mello, ambos já professores universitários de história. Veremos que a palavra e/ou categoria de historiografia não é sequer utilizada por Capistrano de Abreu e Alcides Bezerra. A definição da categoria (do nosso ponto de vista, intimamente ligada ao conceito de história) que deveria indicar a unidade das obras produzidas em história do Brasil ao longo do tempo, como também procuraremos demonstrar, envolve a delimitação de fronteiras e interfaces, tendo a análise sociológica como objeto de confronto (positiva ou negativamente), mais do que a história da literatura, como supunha José Honório Rodrigues. Pretendemos, assim, compreender dimensões do processo localizado em fins do século XIX e na primeira metade do século XX que possibilitou pouco a pouco concentrar em uma nova “categoria” – Historiografia Brasileira – a identidade do fazer histórico, bem como a reflexão sobre este saber. Esta categoria condensaria as tentativas de abordagem da história da história a partir da metade do século XX. A título de exemplo, Francisco Iglésias, na epígrafe deste texto, procura definir “historiografia brasileira”, no Encontro Internacional de Estudos Brasileiros. I Seminário de Estudos Brasileiros, realizado no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da Universidade de São chamou a atenção Rebeca Gontijo, Horst Walter Blanke localiza no Iluminismo o início da história da historiografia. O próprio Blanke, entretanto, aponta que “A história da historiografia é uma atividade nova” (p. 27). Fernando Nicolazzi, em debate realizado em dezembro de 2010 na Universidade Federal de Ouro Preto, procurou mostrar que pelo menos desde o humanismo há uma reflexão sobre a produção histórica e sustenta que a afirmação de um campo autônomo para a história da historiografia responde mais a lógicas políticas, institucionais e pedagógicas do que a distinções e especificidades epistemológicas e metodológicas. Agradecemos à F. Nicolazzi a consulta ao manuscrito deste debate.

Paulo, em 1971, que teve seus Anais publicados em 1972.8 Veremos que nossos autores, consciente ou inconscientemente, depararam-se com questões semelhantes. I Quase ao final do “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen”, publicado em duas partes no Jornal do Commercio, Capistrano de Abreu9 procura dar a dimensão da importância da obra historiográfica do Visconde de Porto Seguro, posicionando-o em relação a outros autores, e construindo, sumariamente, uma história da historiografia brasileira: (...) a obra de Varnhagen se impõe ao nosso respeito e exige a nossa gratidão, e mostra um grande progresso na maneira de conceber a historia pátria. Já não é a concepção de Gandavo e Gabriel Soares, em que o Brasil é considerado simples apêndice de Portugal, (...). Não é a concepção dos cronistas eclesiásticos, que vêem simplesmente uma província, (...). Não é a de Rocha Pitta, atormentado pelo prurido de fazer estilo, imitar Tito Lívio e achar no solo americano cenas que relembrem as que passaram na Europa. Não é a de Southey, atormentado ao contrário pela impaciência de fugir às sociedades do Velho Mundo, visitar países pouco conhecidos, saciar a sede de aspectos originais e perspectivas pitorescas, (...) Não. Varnhagen atende somente ao Brasil, e no correr de sua obra procurou sempre e 8

Iglésias ainda salienta que “Na verdade, historiografia é uma obra de História, um escrito de natureza histórica. Impõe-se a palavra historiografia, uma vez que a palavra História é muito ambígua, por ser tanto referência ao acontecimento como sua reconstituição em livro.” Iglésias debate, aqui, com Alice Piffer Canabrava, responsável por abrir os trabalhos da seção de História do Encontro com um Roteiro sucinto do desenvolvimento da historiografia brasileira, em que optou por incluir textos como a Carta de Caminha, além de crônicas relações, entre outros, que formam, segundo Iglésias, “o imenso material de que se serve o historiador, mas não é historiografia”. Porém, Iglésias acaba por concordar com a opção de Canabrava, já que “Em sentido severo, pois, o largo período de trezentos anos daria poucos títulos” (Anais do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de Estudos Brasileiros. São Paulo: IEB, 1972, p. 22-25). Para resolver esta “ambigüidade” Aróstegui, deixando de lado a história das disciplinas e dos conceitos, propõe que a disciplina histórica seja renomeada de “ciência historiográfica” que se relacionaria sem se confundir com a história da historiografia, teoria da história e teoria da historiografia. Ver, ARÓSTEGUI, Julio. A pesquisa histórica: teoria e método. Bauru: Edusc, 2006. Ver, também, dentre outros, NOVAIS, Fernando A. “Problemática da Historiografia Brasileira”. In: ARRUDA, José Jobson, e FONSECA, Luís Adão da (org.). Brasil – Portugal: História, agenda para o milênio. Bauru: EDUSC; São Paulo: FAPESP; Portugal: ICCTI, 2001, p. 571-582, e ARAUJO, Valdei Lopes de, e NICOLAZZI, Fernando. “A história da historiografia e a atualidade do historicismo: perspectivas sobre a formação de um campo”. ARAÚJO, Valdei Lopes de. [et al.] Organização. A dinâmica do historicismo: revisitando a historiografia moderna. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2008, p. 7-14; DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação. Bauru: Edusc, 2002; REIS, José Carlos. O Desafio Historiográfico. Rio de Janeiro: FGV, 2010. 9 A bibliografia e as fontes biográficas para João Capistrano de Abreu (1853-1927) são extensas. Apenas para localizá-lo no momento em que teve o “Necrológio” publicado: Capistrano chegara ao Rio de Janeiro há três anos, vindo do Ceará, seu estado natal. Foi brevemente empregado da Livraria Garnier, e escrevia artigos para a imprensa, com destaque para outro necrológio, o de José de Alencar, escrito e publicado em 1877. Foi ainda professor em colégio particular (o Colégio Aquino, onde lecionava português e francês). No ano seguinte ao de publicação do “Necrológio de Varnhagen”, Capistrano passaria em concurso para a Seção de Manuscritos da Biblioteca Nacional.

muitas vezes conseguiu colocar-se sob o verdadeiro ponto de vista nacional. 10

Nesse sucinto apanhado, Capistrano vai dos autores de histórias do Brasil do século XVI (Gandavo e Gabriel Soares - que escreveu, na realidade, roteiro e memorial) até Robert Southey, no início do século XIX. O que entende, por conseguinte, por “estudos históricos”, termo que ele utiliza no “Necrológio”,11 tem a ver com a escrita de uma variedade de obras de viés “historiográfico”, isto é, contendo relatos históricos, tendo o Brasil como objeto; esse último, uma realidade espacial dada desde o Descobrimento. Varnhagen seria o primeiro a escrever uma história do Brasil que tivesse como razão de ser ela mesma, isto é, sem dever sua existência a Portugal, ou à ordem religiosa do autor, ou a motivos como os de Rocha Pita e Southey. Mais do que isso, porém, Varnhagen ergueu uma obra incontornável para o estudioso da história do Brasil; suas qualidades mereceriam figurar como atributos para esse estudioso, bem como seus defeitos devem permanecer como alertas. Entre suas qualidades, segundo Capistrano, Varnhagen podia se gabar “de que um só fato não existia que não tivesse pessoalmente examinado, ao passo que os fatos materiais por ele descobertos, ou retificados, igualavam, se não excediam, aos que todos os seus predecessores tinham aduzido”.12 Capistrano caracteriza Varnhagen como um trabalhador possante, explorador incansável, trazendo à luz documentos importantes extraídos dos arquivos europeus, sendo fundamental seu trabalho de exposição factual. Entretanto, “Varnhagen não primava pelo espírito compreensivo e simpático, que, imbuindo o historiador dos sentimentos e situações que atravessa – o torna contemporâneo e confidente dos homens e acontecimentos. A falta de espírito plástico e simpático – eis o maior defeito do Visconde de Porto-Seguro”.13 Mais do que um 10

Publicado originalmente no Jornal do Commercio, de 16 e 20 de Dezembro de 1878, e reproduzido em Apenso à Historia Geral ao Brasil, de Varnhagen, tomo 1.°, ps. 502/508, 4.- ed., 1927; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet, 1931; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975. Utilizamos a edição de 1931. A citação é das páginas 138139. Todas as citações em português tiveram a grafia atualizada. Em “Odisséias do Conceito Moderno de História”, analisamos, com outros objetivos, os textos “Necrológio de Varnhagen” e “O Pensamento Histórico no Brasil nos Últimos Cinqüenta Anos” (1951), nessa direção, por uma questão de economia de espaço e do argumento, seremos mais breve na análise destes dois textos. Ver, PEREIRA, Mateus H. F.; SANTOS, Pedro A. C. dos. “Odisséias do conceito moderno de história: Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen, de Capistrano de Abreu, e o Pensamento histórico no Brasil nos últimos cinquenta anos, de Sérgio Buarque de Holanda, revisitados”. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, v. 50, 2010, p. 2778. 11 “Sinais de renascimento nos estudos históricos já se podem perceber” (“Necrológio”, op. cit., p. 140). 12 ABREU, “Necrológio de Francisco Adolfo de Varnhagen”, op. cit., p. 130. 13 Idem, ibidem, p. 138.

grande pesquisador de arquivos, foi Varnhagen um precursor de novos temas. Porque ele, segundo Capistrano, “não se limitou a dar o rol dos reis, governadores, capitãesmóres e generais; a lista das batalhas, a crônica das questiúnculas e intrigas que referviam no período colonial”.14 Portanto, Varnhagen superou uma forma de escrita da história que toca a superfície dos eventos e fixa-se nos grandes indivíduos, para atingir aspectos mais abrangentes da vida social, indo além da crônica. Vemos que, pelos temas destacados por Capistrano, Varnhagen foi por ele definido como precursor para a própria história que o autor cearense viria a escrever. O estudo do território e da população, marcas da produção capistraneana, destacadas inclusive no texto de Sérgio Buarque de Holanda, que iremos abordar, é aqui remetido ao Visconde de Porto Seguro.15 Contudo, Porto Seguro não possuía a “objetividade necessária”, e, mais do que isso, faltavam-lhe o atributo da compreensão e o domínio da sociologia contemporânea (ou seja, a sociologia oitocentista, de Comte e Spencer). A primeira lhe permitiria um relato mais “simpático” do processo histórico; não mais favorável, mas sim menos anacrônico. Por sua vez, a sociologia do século XIX, o “século de Comte e Herbert Spencer”, 16 permitiria a Varnhagen o efetivo salto para além da superfície da história: o salto para seu segredo íntimo. “Inspirado pela teoria da evolução, [que o historiador que a possuir] mostre a unidade que ata os três séculos que vivemos. Guiado pela lei do consensus, mostre-nos o rationale de nossa civilização, aponte-nos a interdependência orgânica dos fenômenos, e esclareça uns pelos outros”;17 pede Capistrano ao fim do “Necrológio”, ao indicar como deve proceder o historiador que assumir o lugar de Varnhagen na tarefa de escrever uma história geral do Brasil. Capistrano lamentava que Varnhagen desconhecesse o corpo de “doutrinas criadoras”, as quais, nos últimos anos, denominavam-se “sociologia”. “Sem esse facho luminoso, ele não podia ver o modo por que se elabora a vida social. Sem ele as relações que ligam os momentos sucessivos da vida de um povo não podiam desenharse em seu espírito de modo a esclarecer as diferentes feições e fatores

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Idem, ibidem, p. 136-137. Para a questão do território em Capistrano, e mesmo sua relação, nesse ponto, com Varnhagen, cf. PEREIRA, Daniel Mesquita. Descobrimentos de Capistrano. A história do Brasil a “grandes traços e largas malhas”. Tese (Doutorado em História Social da Cultura). Rio de Janeiro, Departamento de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 2002. 16 Idem, ibidem, p. 140. Interessante é que Capistrano denomina o autor dessa nova história de “nobre pensador”, ao final do “Necrológio” (p. 140-141). 17 Idem, ibidem, p. 140. 15

reciprocamente”.18 Para Capistrano, seria necessária, assim, uma teoria, no caso a sociológica, para interpretar o passado em sua singularidade, manifestada por meio dos fatos, ou, talvez, revelar a sua “evolução” orgânica e necessária. Conforme veremos, a “sociologia”, direta ou indiretamente, também é invocada pelos demais autores que analisamos como um instrumento e como uma disciplina capaz de dar à história um caráter mais reflexivo. Procura-se dar continuidade ao processo de superação da história enquanto gênero literário,19 abraçando uma pretensão científica de conhecimento do passado. Capistrano, que nesse momento de sua trajetória intelectual ainda refletia largamente nos termos do positivismo comteano e do spencerianismo, chega mesmo a falar nas ações e fatos da história “como conseqüências e demonstração de duas ou três leis basilares”. 20 Capistrano propõe uma agenda para os autores de estudos históricos de seu tempo, que mescla elementos da crítica literária (nacionalismo e empatia, por exemplo), com a defesa do uso da sociologia de seu tempo – que implica uma noção de cientificidade marcada pela elaboração de leis e/ou generalizações de amplo alcance. Do ponto de vista de nosso problema central, interessa notar que sua avaliação de Varnhagen o posicionou em relação aos autores de obras com algum viés historiográfico desde o século XVI, além de colocar a dívida que os historiadores contemporâneos teriam com o Visconde de Porto Seguro. Capistrano, na realidade, projeta inclusive o lugar de Varnhagen no futuro.21 Seu “Necrológio”, assim, nos mostra Varnhagen em relação ao passado, o presente e o futuro dos “estudos históricos” no Brasil. Essa última categoria abarca, portanto, uma unidade que vem desde Gandavo e Gabriel Soares, e permite a quem analisa seu corpus enxergar as demandas particulares de cada autor, em cada momento, observando simultaneamente as tarefas e responsabilidades do momento presente a esse observador.

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Idem, ibidem, p. 139. Embora, como nos chamou a atenção Valdei Lopes de Araujo, o juízo de Varnhagen por Capistrano ainda deva muito aos preceitos literários, em particular do romantismo, em questões como o “ponto de vista nacional” e a falta de empatia (vista negativamente) de Varnhagen. 20 Idem, p. 140. 21 Como o responsável pela reunião dos elementos que servirão à elevação do edifício de uma história do Brasil científica, informada pela sociologia. 19

II O texto de Alcides Bezerra22 que agora analisamos é uma conferência, proferida no Centro de Cultura Brasileira,23 no dia 5 de agosto de 1926. Seu trabalho ali seria tratar dos “historiadores do Brasil” no século XIX em quinze minutos. Bezerra optou por excluir os historiadores vivos (de modo que Capistrano de Abreu não estará contemplado, entre outros), mas incluir os historiadores estrangeiros que tivessem escrito sobre o Brasil. Isto pois considera a ciência brasileira, bem como a história, “subordinadas à ciência e à história da Europa. Nós brasileiros não podemos fazer ciência brasileira, mas colaborar na constituição da ciência da civilização a que pertencemos”.24 De partida, temos a história vinculada à ciência (européia), não à literatura. Percebendo a história como, de forma correlata à ciência em geral, um campo construído coletivamente por uma civilização, e não restrita a um critério nacional, Alcides Bezerra procede à divisão de seu texto entre as “contribuições” das diversas nacionalidades à escrita da história do Brasil. Ao repassar as “contribuições”, Bezerra fará quase uma bibliografia comentada, exaltando os autores que, em seu juízo, contribuíram valorosamente para a escrita da história do Brasil, separando-os dos cronistas, dos historiadores que apenas se valiam dos trabalhos de outros e dos que 22

João Alcides Bezerra Cavalcanti (1891-1938), natural de João Pessoa, na Paraíba, bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Recife em 1911. Foi Procurador da República, Promotor Público adjunto da Capital, Promotor Público de Catolé do Rocha, Inspetor Geral do Ensino, Secretário da Imprensa Oficial, Deputado Estadual na legislatura 1920-1923, e Diretor do Arquivo Nacional de 1922 até 1938, quando faleceu. Presidiu a Academia Carioca de Letras e a Sociedade dos Amigos de Alberto Torres; era membro dos Institutos Históricos de São Paulo, Pará, Paraíba e Ceará; da Sociedade Brasileira de Geografia, da Sociedade Brasileira de Filosofia e da Sociedade Capistrano de Abreu. Entre suas obras publicadas, estão: Ensaios de Crítica e Filosofia, Paraíba, 1919; A Confederação do Equador, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1925; Ensaio Biográfico de Marcílio Dias, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1928; A Evolução Científica do Direito, Rio de Janeiro, Ed. Biblos, 1933; A Filosofia na Fase Colonial, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1935; Sílvio Romero, o Pensador e o Sociólogo, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1935; Achegas da História da Filosofia, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1936; Biografia Histórica do I Reinado a Maioridade, Rio de Janeiro, 1936; O Visconde Cairu - vida e obra, Rio de Janeiro, Arquivo Nacional, 1937. Informações em http://www.ihgp.net/memorial2.htm, acesso em 07/02/2010. 23 Agremiação fundada no Rio de Janeiro pelo escritor Adelino Magalhães, orientada por um programa nacionalista. Sobre Magalhães, Cf. BICHUETTE, Stela de Castro. “Sebastianópolis, ou o Rio de Janeiro em vários tons”. História em Reflexão. Revista Eletrônica de História, vol. 2, n. 4, UFGD, Dourados, julho/dezembro 2008. Acesso em 27 de setembro de 2010. 24 BEZERRA, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, 1927. Separata do Relatório anual da Diretoria do Arquivo Nacional referente a 1926, apresentado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores, p. 3. Como consta na nota biográfica acima, Bezerra era o diretor do Arquivo Nacional quando dessa publicação. Manoel Bomfim, por exemplo, escrevendo também nos anos 1920, também pensa a História do Brasil como parte da história da civilização; cf. GONTIJO, Rebeca. “Manoel Bomfim, ‘pensador da história’ na Primeira República”. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 23, no. 45, pp. 129-154, 2003.

produziram obras marcadas por inexatidões e falta de profundidade teórica. Definindo os critérios para uma historiografia de valor, Bezerra afirma atributos de uma disciplina, mais que de um gênero literário dentro da prosa, como pensavam Sílvio Romero e José Veríssimo. Esses critérios, entretanto, em Alcides Bezerra, são de difícil determinação. Em vários momentos, o autor utiliza juízos de terceiros para descrever os historiadores que analisa, em procedimento que pode denotar o reforço de uma tradição, de uma memória já constituída a respeito dos autores analisados. O primeiro historiador a ser destacado por Bezerra, o inglês Robert Southey, por exemplo, é descrito nas palavras de Manuel de Araújo Porto Alegre, do IHGB, e de historiadores da literatura, no caso, Edmundo Gosse (Littérature anglaise) e Brandes (Die Hauptströmungen des Litteratur des 19. Iahrhunderts). Mas Southey recebe de Bezerra um juízo que talvez ajude, se não a compreender plenamente, ao menos a nomear o que o autor procura: “Quem primeiro se ocupou da história do Brasil com espírito científico foi o ilustre poeta inglês Robert Southey”. 25 É interessante observar que Capistrano faz a defesa de um “espírito plástico e simpático”, alimentado pelo facho luminoso da sociologia; ao passo que Bezerra defende logo no início de sua reflexão o “espírito científico”. No que consistiria esse espírito científico, não se esclarece na parte referente ao próprio Southey. Na seção “Contribuição inglesa”, é possível entrever em que ele não consiste. A falta de valor de um autor como James Henderson (A history of the Brazil, Londres, 1821), o expressa: “é mero compilador de Ayres de Casal”.26 Bezerra mostra, ao longo do texto, intolerância semelhante com outros autores cujo trabalho não passaria da compilação de terceiros; trabalho que, desse modo, não traria nenhuma contribuição à ciência e à pesquisa documental, não trazendo nada de novo no campo

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Idem, p. 4, grifo nosso. Idem, p. 5. A questão da compilação de outros autores, e mesmo do plágio, tem no caso brasileiro uma polêmica importante, envolvendo o Compêndio da História do Brasil (1843) de José Ignácio de Abreu e Lima, e o parecer negativo que lhe foi dado, para o IHGB, por Francisco Adolfo de Varnhagen. Um dos principais motivos de Varnhagen para não recomendar a obra de Abreu e Lima foi este ter usado uma história do Brasil do francês Beauchamp, que seria plagiário de Robert Southey. O parecer de Varnhagen está em “Primeiro juízo submetido ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro pelo seu sócio Francisco Adolfo de Varnhagen, acerca do ‘Compêndio da História do Brasil’ pelo Sr. José Ignacio de Abreu e Lima”. Revista Trimensal do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Tomo 6, 1844. Sobre o Compêndio, cf. MATTOS, Selma Rinaldi de. Para formar os brasileiros: o Compêndio da história do Brasil de Abreu e Lima e a expansão para dentro do Império do Brasil. Tese de doutoramento, São Paulo, FFLCH/USP, 2007. Bruno Franco Medeiros discute a questão do plágio no século XIX, a partir do caso de Beauchamp; MEDEIROS, Bruno Franco. “Alphonse de Beauchamp e a história do Brasil: escrita da história, querelas historiográficas e leituras do passado no oitocentos”. Almanack Braziliense. São Paulo, n. 11, p. 131-138, maio 2010. 26

dos fatos, nem acrescentando em termos de um esquema interpretativo que ordenasse e desse sentido à massa factual da história do Brasil. A respeito do segundo historiador britânico a ter deixado, no século XIX, uma contribuição importante, em sua visão, para a história brasileira, Bezerra tem mais a dizer. Segundo o autor, o trabalho de John Armitage era “bem informado”, por testemunho e fontes. Armitage foi objetivo e sincero, mas também um retratista de talento, elaborando elegantes e precisos perfis. Une-se a objetividade da ciência à arte, nesse caso. É notável o pouco espaço concedido à “Contribuição francesa” no texto de Bezerra, estendendo-se brevemente em autores como Ferdinand Denis e Saint-Hilaire. A contribuição portuguesa também não o detém muito, com destaque para os elogios a Oliveira Martins.27 Na seção seguinte, entretanto, é que parece estar a mais alta contribuição européia à historiografia do Brasil no século XIX, a contribuição alemã. A atenção dada à produção desse país, superando, em importância, as demais, já deve ser indicativa de uma mudança no panorama da cultura brasileira, mudança essa iniciada pela própria geração de 1870, com Tobias Barreto, e que afetou Capistrano de Abreu especialmente. Capistrano, nos anos seguintes ao “Necrológio” que analisamos, afastou-se de autores como Spencer e Comte, que cita naquele texto, para se aproximar da produção alemã, em especial da escola histórica de economia política, de expoentes como Karl Bücher e Gustav Schmoller. 28 Além disso, a primazia dada à historiografia alemã talvez ateste a tendência de associá-la ao início de uma historiografia verdadeiramente científica, pautada por procedimentos metodológicos rigorosos.29 Alcides Bezerra aponta, como contribuições de alto valor, as de Karl von Martius e de Heinrich Handelmann. São autores que não são, entretanto, comumente associados à escola rankeana. Martius é citado por Como se deve escrever a história do Brasil (1843), memória vencedora de

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Idem, p. 8. Sobre Capistrano e o historismo alemão, cf. WEHLING, Arno. Capistrano de Abreu: a fase cientificista. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, n. 311, p. 43-91, 1976, e os textos introdutórios de José Honório Rodrigues à correspondência do autor; ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu. Edição organizada e prefaciada por José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 2 ed., 1977, v. I. 29 Isto é, a visão que acabou se tornando consensual, e da qual parte Anthony Grafton (para desconstruíla), em sua história das notas de rodapé: “Todo garoto na escola sabe – ao menos todo aluno de ensino médio na Alemanha um dia soube – o que é história científica e quem a inventou. História científica baseia-se em fontes primárias, ao invés de fontes secundárias: Leopold von Ranke (...) foi seu primeiro praticante de destaque” (GRAFTON, Anthony. The footnote: a curious history. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998, p. 34). 28

concurso do IHGB. Nela, “revelando grande conhecimento do nosso passado, lançou a divisão das regiões naturais geográficas, que acondicionaram os horizontes históricos brasileiros”.30 E, segundo Bezerra, “Coube a Handelmann realizar o plano de Martius”, do que resultou a “melhor história do Brasil que se conhece”. 31 Handelmann parece ter sido relativamente pouco conhecido dos autores brasileiros de fins do século XIX, começos do XX (mesmo de Capistrano, embora lesse muito em alemão).32 Bezerra, sem citar a procedência, transcreve juízo de Oliveira Lima, quando afirma que valeria mais traduzir Handelmann que reeditar Varnhagen, pois “com uma tradução da obra de Handelmann, corrigida, num ou noutro pormenor, e comentada com discrição e competência, começará o Brasil a ter o que todos dizem faltar-lhe, sem que ninguém se cometa ao empreendimento de traçar a sua verdadeira história”. 33 Findada a análise da “Contribuição alemã”, entramos em “Os historiadores brasileiros”. Aqui, continuará Bezerra a apontar a falta de espírito científico nos compiladores, começando sua análise pelo que denomina “cronistas”, autores como José da Silva Lisboa (Visconde de Cairu), Baltazar Lisboa, José Feliciano Fernandes Pinheiro (Visconde de S. Leopoldo), Inácio Accioli de Cerqueira e Silva, entre outros. A principal crítica aos cronistas (embora alguns, como Cairu, fossem de grande inteligência, segundo Bezerra) é à falta de “arquitetura” em suas obras, à má disposição dos materiais pesquisados (a única exceção seria a História da Província de S. Pedro, na realidade, Anais da Província de S. Pedro, do Visconde de S. Leopoldo). Os “cronistas” brasileiros, se não foram meros compiladores de outros historiadores, copiaram muito das fontes, transcrevendo documentos profusamente em suas obras, no que prestaram até bom serviço (ao facilitar o acesso a fontes e estabelecer alguns fatos),

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Bezerra, op. cit., p. 8-9. Idem, p. 9. 32 A primeira tradução para o português da Geschichte von Brasilien, cuja primeira edição em alemão data de 1860, é de 1918, por Raphael Mayrink (do Ministério das Relações Exteriores), começando a sair em janeiro desse ano na Revista Americana. A publicação não teve seqüência, porém. O juízo de Oliveira Lima, de que Alcides Bezerra não informa a procedência, vem de artigo que o historiador pernambucano publicou na Revista Americana, n. 9, de 1917, que funcionaria como introdução à publicação da obra, na revista. Desde 1914, entretanto, o IHGB tinha planos de traduzir e publicar a obra, o que vem a ocorrer em 1931, no tomo 108 (volume 162) da Revista do Instituto, posterior ao artigo de Alcides Bezerra, portanto. A tradução coube a Lúcia Furquim Lahmeyer, a revisão a Bertoldo Klinger e a anotação a Basílio de Magalhães (informações na “Introdução” de Odilon Nogueira de Mattos à edição da Itatiaia/Edusp: HANDELMANN, Heinrich. História do Brasil. 4ª ed. Belo Horizonte: Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1982, p. 13). 33 Bezerra, op. cit., p. 9. 31

mas não fizeram história. Por isso, “deixemos em paz os cronistas, que morreram talvez na ilusão de que tinham feito história. Venhamos aos historiadores”.34 Segundo Arno Wehling, desde meados do século XVIII, no mundo lusobrasileiro, existia uma diferenciação entre o cronista e o historiador; o primeiro “como redator de ‘memórias’ que deveriam servir ao trabalho mais nobre da elaboração de ‘histórias’”.35 O autor mostra como Varnhagen, seu objeto particular de estudo, procurou conscientemente afastar-se da crônica. Conforme apontam João Paulo Garrido Pimenta e Valdei Lopes de Araujo, “Já na primeira edição do Dicionário de Moraes e Silva (1789) (...) o historiador começa a ser claramente diferenciado do cronista”.36 Esta distinção pode ter se tornado parte dos fundamentos da autonomização da história, e do conteúdo das primeiras “formulações” próximas ao que viria a significar historiografia, nas quais os cronistas não estão excluídos, mas não são considerados historiadores propriamente ditos, realizando essa espécie de trabalho prévio. Pouco a pouco este trabalho passa a ser elaborado pelo próprio historiador, na medida em que a pesquisa documental e a crítica das fontes passam a ser fundamentais para a definição do que é um trabalho histórico. Vale dizer que, na primeira edição do dicionário de Moraes Silva, não há um verbete “Historiographia”, embora haja “Historiographo”, significando “Chronista, Chronographo”.37 “Historiographia” somente aparecerá na oitava edição, de 1891. Lêse: “Historiographia (...) A arte de escrever a historia”.38 Capistrano de Abreu utiliza o termo, pouco antes, em edição da História do Brasil de frei Vicente do Salvador, saída em separata dos Anais da Biblioteca Nacional (1888-1889). Capistrano afirma, na introdução, que a data de 20 de dezembro de 1627, quando frei Vicente assina sua História, é “tão importante em nossa historiographia”39 - embora seja caso talvez único, 34

Idem, p. 10. WEHLING, Arno. Estado, história, memória: Varnhagen e a construção da identidade nacional. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999, p. 141. 36 Verbete “História”. In: JÚNIOR, João Feres (org.). Léxico da história dos conceitos políticos do Brasil. Belo Horizonte: Ed UFMG, 2009, p. 119-120. 37 SILVA, Antonio de Moraes. Diccionario da lingua portugueza composto pelo padre D. Rafael Bluteau, reformado, e accrescentado por Antonio de Moraes Silva natural do Rio de Janeiro (volume 1 A – K). Lisboa: Na Officina de Simão Thaddeo Ferreira, 1789, p. 682. Já no dicionário de Rafael Bluteau (1713), o qual tomará por base Moraes Silva, não havia “historiographia”, mas havia “historiógrapho”: “Cronista ou Cronógrapho. Aquelle, que escreve as historias de huma província, de hum Reino, &tc. (...)” (BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez, e latino, áulico, anatomico, architectonico, bellico, botanico... autorizado com exemplos dos melhores escritores portuguezes e latinos e offerecido a El-Rei de Portugal D. João V. Hildesheim: Georg Olms Verlag, 2002 New York (edição fac-similar), p. 41). 38 Rio, Lisboa: Editora – Empreza Litteraria Fluminense de A. A. da Silva Lobo, 8ª. edição, 1891, p. 133. 39 SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Rio de Janeiro: Tip. Leuzinger & Filhos, 1889, p. IV. 35

em seus escritos. Pouco antes, em edição da mesma obra de 1887, Capistrano havia escrito que o mesmo dia era “um dos maiores de nossa litteratura colonial”.40 No dicionário de Morais Silva, “historiographia” parece ter permanecido como “A arte de escrever historia” até o século XX; na décima edição, de 1945, aparece como “Arte, trabalho do historiógrafo”, introduzindo a variedade de ser também um ofício, além de uma arte.41 Destarte, o estabelecimento de “historiografia” como sinônimo de “estudos históricos”, de “produção de obras de história”, como surgirá no texto de Astrogildo Rodrigues de Mello, de 1951, vindo a se tornar dominante, com esse sentido, nas décadas seguintes, é fenômeno, em língua portuguesa, essencialmente do período compreendido entre os textos que aqui analisamos. O “Necrológio de Varnhagen”, de Capistrano, é publicado em 1878, ano da sétima edição do dicionário de Morais Silva, a última sem o termo “historiographia”.42 Se “historiógrapho” era termo que constava desde a primeira edição do dicionário, a partir da sexta edição, pelo menos,43 isto é, desde meados do século XIX, a obra passa a conter, dentro desse verbete, uma explicação da diferença entre “historiógrapho” e “historiador”, termos que são dados como sinônimos. A explicação visa principalmente apontar que o “historiógrapho” (“Chronista, Chronógrapho”) é, em geral, um autor de obras encomendadas, que por vezes acabam por ser apologéticas. Além disso, seu trabalho é diferente do trabalho do “historiador” (“Escriptor de historia”): ajunta fatos, documentos e matérias, mas não os dá ordem, não os examina, não os julga, como faz o “historiador”, que é, via de regra, mais imparcial. 44 O “historiógrapho” é, portanto, mais próximo do “chronista” que do “historiador”.

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SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1887, p. I. Lisboa: Editorial Confluência, 10ª ed., 1949, vol. V, p. 760. Há uma edição entre a de 1891, a primeira em que aparece historiografia, e esta, a 10ª. - edição que não localizamos. 42 Rebeca Gontijo nos sugeriu, em comentário, a relação da disseminação do termo historiografia com o aumento, nos anos 1930 e 40, da publicação em livro de estudos históricos, em coleções como a Brasiliana e a Documentos Brasileiros. Esta talvez seja uma interessante via para pesquisa, pela qual não pudemos enveredar aqui. 43 Falta-nos a consulta da quinta edição, de 1844, mas consultamos a quarta, de 1831, onde não aparece o trecho a que nos referimos a seguir. 44 “Ambos estes litteratos escrevem a historia, mas de differente modo, e com diversas circumstancias. O 1º. [“historiógrapho”] é um litterato pensionado do Estado, ou de um principe para escrever a sua historia, e corresponde quase sempre ao que se chamava [verbo no passado, não se usaria mais cronista] chronista. O 2º. [“historiador”] é um litterato que compõe uma historia sem ser pensionado, e quasi sempre não contemporànea. O historiógrapho é um simples analysta, que refere acontecimentos, reune materias: o historiador escolhe-os, põe os em ordem, examina os factos, julga os homens e as cousas: costuma este ser menos adulador e mais imparcial que o historiógrapho” (Diccionario da Lingua Portugueza, composto por Antonio de Moraes Silva, natural do Rio de Janeiro. Sexta edição melhorada, e muito accrescentada pelo desembargador Agostinho de Mendonça Falcão, socio da Academia Real das Sciencias de Lisboa. Tomo II F-Z. Lisboa: Typographia de Antonio José da Rocha, 1858 , p. 144). 41

Alcides Bezerra, diferenciando entre cronistas e historiadores, ao analisar a História Geral de Varnhagen, este um historiador propriamente dito, destaca o uso da “mais rica documentação”. Em Porto Seguro, a filosofia romântica (expressão do próprio Bezerra)45 aparece escoimada de muitos de seus vícios: “a familiaridade com as fontes documentais dão certo cunho de objetividade à exposição que fez dos acontecimentos”. Embora afirme “Posto que não seja um estilista, Varnhagen escreve bem”, Bezerra concorda com Sílvio Romero na “falta de talento de narrar e pintar os caracteres, arte em que foi mestre João Francisco Lisboa”.46 Lisboa, por sua vez, revelou, como historiador, “a par de grande erudição, belezas de forma lapidar (...) Entre os outros historiadores do seu tempo, distinguiu-se João Lisboa pelo estilo elegante e sóbrio”.47 Joaquim Caetano da Silva, por sua vez, foi um “modelo de erudito e pesquisador científico”,48 em especial nos trabalhos voltados à resolução de questões territoriais do Império brasileiro. Joaquim Norberto de Souza Silva fez “história conscienciosamente, consultando as fontes documentais”.49 Joaquim Felício dos Santos, autor das Memórias do Distrito Diamantino, foi “um monografista erudito, que escreveu com elegância”. 50 O Barão do Rio Branco, nas questões de limites com a Guiana Francesa, apresentou um “modelo de erudição histórico-geográfica e de cerrada argumentação jurídica, vazadas na mais concisa e elegante forma”.51 Alcides Bezerra não traça uma linha de ruptura marcada entre a geração de Varnhagen, Lisboa, Caetano, Felício, Norberto, e a de Rio Branco, Romero, Nabuco, Euclides. Bezerra define um critério para o que é ser um historiador, válido para todo o conjunto de autores que analisa, e que consistiria, essencialmente, em: consultar as fontes, extensa e pacientemente; ser objetivo (não deixar que preconceitos, e mesmo teorias ou filosofias, sobreponham-se aos fatos – o que não significa que as últimas não possam fazer parte do repertório do historiador, como aparecerá em Euclides e Romero, e já havia observado em Southey, a respeito da filosofia romântica); precisar dados, datas e fatos. O corte na análise de Bezerra da produção histórica oitocentista é,

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Vale recordar que José Veríssimo considerou Varnhagen um dos “Próceres do Romantismo”. Bezerra, op. cit., p. 11. Os juízos de Alcides Bezerra, em muitos momentos, como aqui, são bastante convergentes com os que encontramos em Sílvio Romero e José Veríssimo, o que pode relativizar a questão da separação da análise da historiografia das histórias da literatura, ao menos num primeiro momento. 47 Idem, p. 11-12. 48 Idem, p. 12. 49 Idem, p. 13. 50 Idem, p. 14. 51 Idem, ibidem. 46

efetivamente, na primeira metade do XIX, entre cronistas e historiadores. O estilo, na escrita, também é importante, embora não pareça haver um único possível; mas aqui a arte se une, com efeito, à objetividade na constituição de um historiador, na forma de apresentar os resultados da pesquisa. A preocupação estilística mostra que a separação entre história e literatura não é tão severa.52 Em Bezerra, como em Capistrano anteriormente, os historiadores são vistos sob critérios comuns aos da crítica literária oitocentista; de maneira que suas análises da historiografia poderiam estar descoladas de uma história da literatura, mas não completamente dos critérios de que se valiam aquelas histórias.53 Quando Bezerra trata de Euclides da Cunha, a atenção recai, novamente, sobre a convergência de estilo, cuidado factual e filosofia a dar forma à exposição. Os Sertões revela um “estilo vibrante e novo, que marca para o estudo da transformação da língua portuguesa em língua brasileira”. 54 Na análise de Felisbelo Freire, revemos os traços importantes de um historiador, na visão de Alcides Bezerra. Como comentário geral sobre Freire, o autor assevera que “As suas obras históricas têm os defeitos comuns das obras dos autodidatas, mas é inegável que revelam acurado esforço e exame das fontes arquivais”. Determinar o que quer dizer com “autodidata” é difícil, dada a inexistência de cursos que formassem historiadores no Brasil, naquele momento (ou seja, todos eram autodidatas). Mas interessa salientar como o autor já vê a história como um saber específico. Alcides Bezerra compartilha, acreditamos, a definição da especificidade do ofício do historiador em voga no período em que escreve (que se mantém, ou mesmo é consagrada, posteriormente, durante o Estado Novo), que atribui ao trabalho com as

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Cremos que a questão do estilo em Alcides Bezerra, nessa conferência, como no “Necrológio de Varnhagen”, não escapa da “aporia” referente a esse tema, e presente, já, no século XIX, no IHGB, conforme aponta Temístocles Cezar. Comentando a crítica de que Varnhagen não era um bom escritor, o autor assinala: “Essa crítica, acredito, decorre antes de uma importante aporia da cultura histórica do século XIX e início do século XX, cuja origem talvez remonte ao princípio aristotélico da superioridade da poesia em relação à história, do que propriamente de uma orientação teórica de como ela devia ser escrita. Assim, do mesmo modo que o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB), freqüentado por literatos em profusão, é um palco onde se manifestam as indefinições entre a moderna narrativa, científica, neutra e objetiva, e a narrativa literária, sujeita sempre às injunções da subjetividade do autor, também nas obras de Oliveira Lima e Tristão de Araripe, ou mesmo de Capistrano de Abreu, ou ainda de José Veríssimo, que por tentem sair dele ainda respiram no mesmo regime de historicidade de Varnhagen, a questão não está definida e o bom e velho estilo ainda é um atributo importante” (CEZAR, Temístocles. “Varnhagen em movimento: breve antologia de uma existência”. Topoi, Rio de Janeiro, v. 8, n. 15, jul.dez. 2007, pp. 159-207, p. 162-163). 53 Para os critérios dessa crítica literária, cf. LIMA, Luiz Costa. “A crítica literária na cultura brasileira no século XIX”. In: _____. Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981, pp.. 30-55. 54 Idem, p. 17.

fontes parte significativa da essencialidade do fazer do historiador.55 Assim, num conjunto de procedimentos, de métodos, encontra-se o trabalho do historiador, para além de sua definição como autor de obras históricas (abrangendo-se aí inclusive edições de documentos históricos e compêndios escolares, entre outras), ou como professor de história.56 Em Sílvio Romero, chamado de historiador, novamente aparecem pesquisa documental e método aliados: “Historiador, consultou as fontes e fez pesquisas pessoais, lembrou nomes esquecidos, aplicou à história o método etnográfico e sociológico, computando, a exemplo de Taine, as influências do meio, da raça e das correntes espirituais estrangeiras”. 57 Evolucionismo spenceriano, depois Edmundo Demolins e Henrique de Tourville são as teorias que Alcides Bezerra identifica em Romero, em sociologia. Tais aportes teóricos parecem diferentes, para o autor, de uma filosofia da história que pudesse prejudicar a objetividade do trabalho do historiador. Teorias ou métodos que se aplicam à história tirariam, assim, seu valor, da capacidade de ordenar e explicar os fatos, sem alterar-lhes. No século que analisa, Alcides Bezerra considera que podemos ver que a “ciência histórica” passou da infância à maturidade, e isto se comprova por seu uso eficiente nas questões diplomáticas, que ao mesmo tempo justificam sua prática.58 Nesta 55

Como coloca Angela de Castro Gomes: “O que distinguiria fundamentalmente o trabalho historiográfico daquele realizado por outros intelectuais seria essa relação de pesquisa, da crítica e da interpretação de fontes, que exigia a identificação, a classificação e o uso dos documentos” (História e historiadores. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1999, p. 99). Também Manoel Luiz Salgado Guimarães, discutindo o caso francês, aponta a concepção da história como saber específico, servindo para diferenciar historiadores propriamente ditos de amadores ou diletantes (“Entre amadorismo e profissionalismo: as tensões da prática histórica no século XIX”. Topoi, Rio de Janeiro, dezembro 2002, pp. 184-200). 56 GOMES, História e historiadores, op. cit., cap. 3, “Os historiadores e seu métier”, e GONTIJO, “Manoel Bomfim, ‘pensador da história’ na Primeira República”, op. cit., p. 134. Angela de Castro Gomes sugere ainda que “No Brasil (...) as décadas iniciais do século XX parecem ter sido cruciais para o desenvolvimento” das fronteiras disciplinares (p. 75). Nesse sentido, a conferência de Alcides Bezerra pode ser lida como uma tentativa de definir o que é a história, enquanto disciplina específica, ao mesmo tempo em que levanta já uma tradição dessa prática no Brasil, visto que, ao ter seu escopo restringido ao século XIX, Bezerra acaba por cobrir, basicamente, a historiografia do Brasil, país independente. Uma referência teórica para a formação das disciplinas é BOUTIER, Jean; PASSERON, Jean-Claude, REVEL, Jacques (éd.). Qu'est-ce qu'une discipline? Paris: EHESS, 2006. 57 Idem, p. 18. 58 Sua conclusão: “E quanto aos benefícios das ciências históricas, - elas dentro de um século, saíram, no Brasil, das faixas da infância à plena maturidade, - basta dizer que as vitórias diplomáticas do Brasil, as quais tanto concorreram para a fixação dos limites do país, evitando guerras, e criando o sistema generalizado da arbitragem, foram, em grande parte, vitórias da erudição, dos conhecimentos profundos da geografia e da história da América do Sul”, idem, ibidem. Alcides Bezerra professa, nessa passagem, em nossa interpretação, a história pragmática (na expressão de Arno Wehling, op. cit., p. 127) do século XIX a história que serve de base à resolução de questões políticas e sociais. A perda de efetividade da noção de história mestra da vida (que se mantém, de várias formas, no XIX, entretanto) é acompanhada de um uso constante dos governos da história na resolução de problemas como as questões de limites, que, por envolverem interpretação de tratados diplomáticos e documentos antigos, teve não pouca

direção, o autor professa uma autonomia relativa desta nova ciência, pois para ele a história é uma “ciência que é a base da diplomacia e da política”.59 Bezerra também propõe uma hierarquia entre os autores brasileiros que analisou, dividindo-os em dois grupos: “Varnhagen, Rio Branco, Joaquim Nabuco, Euclydes da Cunha e Sylvio Romero ocupam o primeiro plano. No segundo destacam-se João Lisboa, Pereira da Silva, Joaquim Caetano da Silva, Norberto Silva, Felisbelo Freire e Joaquim Felício dos Santos”.60 Se retomarmos os critérios revelados por Alcides Bezerra ao longo do texto para caracterizar o que, no início, a propósito de Southey, chamara de “espírito científico”, lembraremos de pesquisa documental, método (ou teoria) para expor e dar sentido aos fatos, e estilo. Vendo os dois grupos acima, podemos talvez estranhar que João Francisco Lisboa, Joaquim Caetano da Silva e Joaquim Felício dos Santos estejam excluídos do primeiro time. Cremos que pesa também para Alcides Bezerra a dimensão do objeto do historiador; exclui, assim, do primeiro plano, autores de estudos monográficos, ou muito específicos (como Joaquim Caetano), valendo como critério, por conseguinte, a dedicação a amplos períodos ou temas, ou a estudos de grande compreensão (como seria Os Sertões). Alcides Bezerra foi o primeiro entre os autores que tomamos aqui que se deparou com um novo problema, no que tange a precisar que textos fazem parte de uma “historiografia brasileira”. Se Capistrano de Abreu teve de lidar (conscientemente ou não) com a inclusão de crônicas, tratados, relações etc., da época colonial, optando por sua aceitação no corpus da “historiografia brasileira”, Bezerra teve de decidir se obras “sociológicas” (embora não use esse termo), como Os Sertões, de Euclides da Cunha, cabem ou não naquele corpus. Optou por sua inclusão, em posição que também adotariam Astrogildo Rodrigues de Mello e Sérgio Buarque de Holanda (confrontados com a tarefa de classificar Gilberto Freyre, por exemplo, além do próprio Euclides). Ao que parece, cabe considerar, nessa opção, a crescente interface entre o tipo de descrição e análise que encontramos nessas obras, e o tipo que passa a fazer parte da formação de um determinado cânone historiográfico, em função do desenvolvimento dos “estudos

importância no desenvolvimento da crítica e erudição históricas oitocentistas, como se observa nos juízos a respeito de autores que se envolveram nesses trabalhos, por exemplo, Joaquim Caetano da Silva. 59 Bezerra, op. cit., p. 18. 60 Idem, ibidem.

históricos”, mas também em razão da necessidade do estabelecimento de fronteiras disciplinares.61 III Alcides Bezerra, ao considerar a história uma ciência, toma caminho oposto ao de Pedro Lessa, que respondeu negativamente à questão título de seu É a historia uma sciencia? (1900), originalmente uma introdução à História da Civilização na Inglaterra, de Buckle.62 Para Lessa, a história poderia apenas fornecer os materiais para a sociologia, esta sim uma ciência.63 A sociologia, que para Alcides Bezerra trouxe contribuições importantes à história, em Lessa ocupa a posição central (o autor o reafirmará em seu discurso de recepção no IHGB, em 190764). Para Bezerra, a questão que define o estatuto científico não é a formulação de leis para a história (como era para Capistrano, em 1878), ou de generalizações de amplo alcance. A produção de conhecimento seguro, capaz inclusive de prevalecer em decisões políticas e diplomáticas, parece garantir a Bezerra o que entende por cientificidade; daí ser Joaquim Caetano da Silva um “modelo de erudito e pesquisador scientifico”.65 Segundo Angela de Castro Gomes, a Primeira República é o momento em que o debate sobre o caráter científico da história cresce, ao mesmo tempo em que ela é considerada um dos índices de “‘civilização e progresso’” de uma nação “‘moderna’”.66 Ser “historiador,

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Pensamos aqui, principalmente, nos Capítulos de história colonial, de Capistrano de Abreu, de 1907, que inclui descrições e análises da sociedade colonial que devem muito à aproximação da história com as demais ciências sociais, produzindo um texto historiográfico que incorpora, ao relato cronológico/diacrônico dos eventos, interpretações sincrônicas de seu sentido, e caracterizações sociológicas. 62 LESSA, Pedro. É uma historia uma sciencia? São Paulo: Typ. da Casa Eclectica, 1900. 63 Vale dizer que a aceitação da cientificidade da sociologia, no momento em que escrevem Lessa e Bezerra, também não parece ter sido imediata e/ou inconteste. Fernando de Azevedo, um dos primeiros professores de Sociologia da Universidade de São Paulo, em panorama que fez da disciplina no Brasil e América Latina, afirma que no “largo período que se estende pela 2ª. metade do século XIX, ainda se discutia a legitimidade da sociologia como ciência autônoma” (AZEVEDO, Fernando de. “A sociologia na América Latina e, particularmente, no Brasil”. Revista de História, vol. 1, ano 1, no. 3, julho-setembro 1950, reimpressão de 1974, p. 343-344). Azevedo relata que na conferência inaugural do curso de sociologia da Universidade de Buenos Aires, em 1905, o professor ministrante do mesmo, Ernesto Quesada, “refutou a tese do reitor Miguel Cané que negava a essa disciplina caráter científico” (p. 343). Antecipando um pouco a seqüência de nosso texto, não podemos deixar de observar que esse artigo de Fernando de Azevedo guarda semelhança, enquanto uma história de sua disciplina, com o artigo de Astrogildo Rodrigues de Mello que analisaremos posteriormente, e que saiu na mesma Revista de História, no ano seguinte. 64 LESSA, Pedro. Discursos e Conferencias. Rio de Janeiro: Typ. do Jornal do Commercio, de Rodrigues & C., 1916, p. 35-39. 65 BEZERRA, op. cit., p. 12. 66 GOMES, Angela de Castro. A República, a história e o IHGB. Belo Horizonte: Argvmentvm, Fino Traço Editora, 2009, p. 25. E “defendo-se seu valor específico para a ‘formação da nacionalidade

naquela conjuntura, implicava não apenas ter conhecimento das disciplinas consideradas ‘tradicionais’ nesse diálogo, como a literatura e as chamadas ciências auxiliares da história – a numismática, a heráldica e outras -, como igualmente, realizar investimentos nas novas disciplinas do campo das ciências sociais, em particular com uma sociologia de corte positivista”. 67 Em suma, “a definição do que era uma ‘moderna’ história exigia um diálogo com o que se entendia por ciência e em especial por ciência social”.68 Lessa, por outro lado, utiliza “historiographia”, no sentido de escrita da história, em alguns de seus escritos. Em É a historia uma sciencia?, por exemplo, afirma que “Mommsem é um mestre da historiografia [atualizamos a grafia]. (...) com a perfeita discrição e com a segurança do homem de ciência Fustel de Coulanges [seu grande modelo de historiador], mais do que nenhum outro, poderia ensinar a escrever a história”.69 Em conferência sobre Varnhagen, pronunciada no IHGB em 17 de janeiro de 1916, Lessa defendeu ter sido o Visconde de Porto Seguro “o operoso iniciador da historiografia brasileira”, por ter tomado “o árduo empreendimento de ser o primeiro a escrever a história do seu país”.70 Embora aqui não estejamos considerando a disseminação do termo historiografia em outros idiomas,71 é valioso, para entender o próprio contexto brasileiro, nas brasileira’, os historiadores estariam traçando seu ‘lugar’ nesse campo intelectual que busca sua maior autonomização” (p. 14). 67 Idem, p. 10. 68 Idem, p. 9. Vale apontar que Angela de Castro Gomes, além de Lessa, recupera também a resposta de Oliveira Vianna a essas questões, para quem a história era uma ciência, embora com suas especificidades. Quanto à relação com as ciências sociais, Vianna assinalaria a condição destas como “‘ciências auxiliares’” da história; “‘as mais essenciais’”, contudo, naquele momento (apud GOMES, op. cit., p. 76). Vale dizer que o IHGB, praticamente desde sua fundação, também possuía projetos de escrever uma história dita “científica”. Comentando discursos de Januário da Cunha Barbosa (1839) e Raimundo José da Cunha Matos (1863), Temístocles Cezar aponta que “é preciso inscrevê-los em uma rede mais ampla e complexa que engloba a busca da cientificidade (ainda que o vocábulo não esteja presente em Barbosa) como forma de se atingir a história e, ao mesmo tempo, fazer uso político do saber histórico” (“Lições sobre a escrita da história: as primeiras escolhas do IHGB. A historiografia brasileira entre os antigos e os modernos”. In: GONÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca; GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2011, p. 93-124. A citação é da página 118). Sobre a concepção de história em três textos que podem ser considerados “de fundação” do IHGB (Januário da Cunha Barbosa, Raimundo José da Cunha Matos e Rodrigo de Souza da Silva Pontes), cf. ainda GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. “A disputa pelo passado na cultura histórica oitocentista no Brasil”. In: CARVALHO, José Murilo de. Nação e cidadania no império: novos horizontes. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007. A noção de cientificidade da história no século XIX também é discutida em CEZAR, Temístocles. “Narrativa, cor local e ciência. Notas para um debate sobre o conhecimento histórico no século XIX”. In: História UNISINOS, vol. 8, no. 10, jul/dez 2004. 69 LESSA, É a historia uma sciencia?, op. cit., p. 107, grifo nosso. 70 LESSA, Discursos e Conferencias, op. cit., p. 186-187, grifo nosso. Entre outros exemplos do uso de “historiografia” nessa conferência, há o juízo de Lessa sobre Ernst Bernheim: “um mestre da historiografia contemporânea” (p. 189). 71 Apenas a título de sugestão, utilizando a ferramenta Google Ngram Viewer, que tabula a ocorrência de palavras a partir de um banco de dados composto por livros (aproximadamente 5,2 milhões) digitalizados

primeiras décadas do século XX (no momento em que Alcides Bezerra elabora seu Os historiadores do Brasil no século XIX), observar uma resenha publicada na Revista do IHGB, tomo 97, vol. 151, 1925, atribuída a Max Fleiuss, da obra Historia de la Historiografía Argentina (1925), de Rómulo D. Carbia.72 Nela, Max Fleiuss (secretário perpétuo do Instituto) parece utilizar “historiographia” também como escrita da história. O autor argentino, pela descrição que dá Fleiuss, delimitou a historiografia de seu país à produção local, e pós-independência.73 Procurou identificar as concepções históricas dominantes, ou, como afirmou Fleiuss, tratou “de esboçar um ensaio sobre a classificação ideológica das escolas básicas da Historiografia” argentina;74 na resenha, Fleiuss escreve “Historiografia” na maioria das vezes com maiúscula.75 Os autores de que tratou Carbia são denominados, na resenha, “historiógrafos”, seguindo, talvez, o próprio Carbia, de acordo com citação de Fleiuss. 76 Segundo depreendemos da resenha, uma história da “historiografia” é uma história dos “historiógrafos”, dos escritores de obras de história, e das concepções que lhes embasaram. Um ponto relevante para as questões que viemos analisando é a exposição de Fleiuss da crítica que faz Carbia aos historiadores argentinos influenciados pela sociologia. Sua censura recai essencialmente sobre a edificação de interpretações do passado argentino sem base documental, ou com um aproveitamento pouco crítico dos documentos, terminando por serem abstrações livres, quase caprichosas, porém pelo Google, a palavra “historiography”, no período entre 1700 e 2000, tem ocorrência próxima de zero até por volta de 1850, com pico por volta de 1890, mas com seu número de ocorrências assumindo forma efetivamente ascendente apenas por volta dos anos 1950, após um primeiro crescimento nos anos 1930 (http://ngrams.googlelabs.com/, acesso em 04/03/2011). “Historiographie”, do francês, apresenta curva semelhante. A curva de “historiografía”, do espanhol, possui algumas variações significativas: picos (não muito elevados) entre 1720 e 1750, e entre 1820 e 1830, para iniciar crescimento maior de ocorrência nos livros por volta da década de 1890, vindo a efetivamente disparar em ocorrências também por volta de 1940. Em todos os casos, as curvas de ocorrência tornar-se-ão fortemente ascendentes a partir de 1980. A exceção é se utilizarmos a palavra alemã Geschichtsschreibung. Ela apresenta uma curva de crescimento contínua desde 1830, porém com crescimento acentuado desde 1930. Em relação à língua alemã, Sérgio da Matta nos esclarece que Historiographiegeschichte se relaciona à disciplina “história da historiografia”, ao passo que Geschichtsschreibung é o objeto. Nesta direção, apesar da “impossibilidade” da comparação não deixa de ser interessante observar que Historiographiegeschichte apresenta uma curva bem próxima a palavra “historiografia” nas outras línguas pesquisadas. Deixamos em aberto uma questão: até que ponto a “popularização” do vocábulo historiografia, sobretudo, após os anos 1980 poderia ser interpretada como uma resposta semântica ao giro lingüístico? (A ferramenta do Google não disponibiliza, no momento, buscas em português e em italiano.) 72 Segundo Fleiuss, Carbia era, então, titular da cátedra de Introdução aos estudos históricos argentinos e americanos da Universidade Nacional de La Plata, Seção da Faculdade de Humanidades e Ciências da educação. Sua obra corresponderia ao tomo II da Biblioteca Humanidades, coleção editada por aquela faculdade. 73 Idem, p. 325. 74 Idem, ibidem. 75 Talvez seguindo Carbia, que o faz em citação transcrita por Fleiuss na p. 322. Fleiuss usa sem maiúscula, porém, duas vezes, na mesma p. 322. 76 Exemplos nas p. 325 e 326; transcrição de Carbia, p. 326.

persuasivas e atraentes a quem lê. Fleiuss transcreve as seguintes palavras de Carbia, resumindo seu argumento: Já era tempo de reagir contra tal processo de Historiografia superficial e efêmera, que, escudando-se em aquilo que a muitos aprouve chamar – interpretação sociológica, se permitiu toda a casta de leviandades à mercê de aplausos, tal – nem mais nem menos – como certas mulherinhas do palco, que se obstinam em compensar com a provocante escassez das vestes a falta visível de beleza e de arte. Este livro, acentua [Carbia], concretiza essa forma de reagir pelo caminho de uma meticulosa revisão de valores. 77

Segundo Fleiuss, a concepção de história de Carbia, derivada principalmente de Benedetto Croce,78 compreende que história é “a revivescência intelectual do passado no espírito do historiador”, ou, “ressurreição”, conforme Michelet;79 o que pressupõe, na visão do autor argentino, rigor no uso dos documentos, para esse trabalho de reconstituição histórica. Dentre os autores que analisamos, veremos que Sérgio Buarque de Holanda (1951) mostrará preocupação algo semelhante com “interpretações sociológicas” (na expressão de Carbia) que deturpariam os fatos históricos, mormente para afirmar alguma agenda política. Sua crítica virá escorada na experiência das décadas que antecedem a escrita de seu artigo, notadamente na experiência do Estado Novo, e as tentativas de justificação histórico-sociológicas do regime autoritário (Sérgio Buarque separa, contudo, estas interpretações históricas de outras, também com viés sociológico, mas que trouxeram contribuições positivas ao conhecimento da história e sociedade brasileiras). Para Max Fleiuss, a sociologia não seria vista in toto como uma influência negativa. Nessa mesma edição da Revista do IHGB, há uma resenha bastante positiva de Fleiuss da obra Pequenos estudos de psicologia social, de Oliveira Vianna. Voltando à questão da história da historiografia, a resenha da obra argentina fornece elementos para se pensar o surgimento de histórias da historiografia latinoamericana, nas primeiras décadas do século XX. Para Max Fleiuss, a obra de Carbia “marca uma gênese. De fato, antes do fecundo esforço de D. Carbia não existia, bem pode dizer-se, a historia da historiografia platina, como ainda, em nossos, dias, infelizmente, acontece com a brasiliense”. 80 Segundo Fleiuss, sobre a historiografia hispano-americana só havia, até então, a obra Beiträge zur Charakteristik der älteren 77

Apud FLEIUSS, Revista do IHGB, op. cit., p. 322. Fleiuss cita, de Croce, como bases para Carbia, a Logica come scienza del concetto puro, 3ª. edição, e Teoria e storia della storiografia, 1917 (p. 323). 79 Idem, ibidem. 80 Idem, p. 322. 78

Geschichtsschreiber über Spanish-Amerika (Leipzig, 1911), de Friederick Weber, mas que seria “uma simples resenha incompleta dos mais antigos historiógrafos da America Espanhola”, não sendo “fruto de um investigador bem informado”.81 Ao final da resenha, Fleiuss volta os olhos para o caso brasileiro: Chegando-se à última página da Historia de La Historiographia [sic, no título do parecer está “Historiografía”] Argentina, formula-se ao espírito do leitor brasileiro a seguinte interrogativa: porque em nosso meio não se favorece uma tentativa idêntica, sob o patrocínio oficial, quando nem nos falta a boa vontade, nem os materiais necessários, nem os nomes dentre os mais provectos: Ramiz Galvão, Oliveira Lima, Afonso Celso, Capistrano de Abreu, Manuel Cícero, Afonso d’Escragnolle Taunay, Basílio de Magalhães, Rodolfo Garcia, João Ribeiro, Clóvis Bevilácqua, Oliveira Vianna, cuja profunda erudição e estudos sobre a matéria os indigitam como os mais recomendáveis para levar a bom termo essa benemérita e patriótica realização, a exemplo salutar de d. Rómulo Carbia, e com as melhores seguranças de êxito. São estes os nossos mais ardentes votos e sincero parecer sobre tão ilustre produção que, anelamos, virá repercutir, como deve, sobre o nosso meio intelectual e social, com a fixação definitiva dos elementos fragmentários e esparsos da nossa critica historiográfica, há longos anos à espera de um sistematizador vigoroso, como D. Carbia, que valha para a Historiografia da nossa pátria o mesmo que Varnhagen foi para a sua historia científica.82

A história da historiografia brasileira estaria à espera de seu Varnhagen, do autor de sua história geral. Fleiuss fazia votos por uma iniciativa oficial, por uma história sob as bênçãos do IHGB, e enumerou quem poderia escrevê-la. Alcides Bezerra não está em sua lista, mas aventurou-se a tarefa que quase equivale, em teoria, ao plano do autor argentino (guardadas as diferenças de dimensão entre os escritos), pois a historiografia do Brasil no século XIX é, essencialmente, a historiografia do país independente, o mesmo escopo que definiu Carbia, segundo Fleiuss. Talvez tão importante quanto o texto que Bezerra produziu seja a demanda por ele, o interesse por uma conferência com esse tema, em 1926. IV O problema de definir historiografia brasileira, para Sérgio Buarque de Holanda,83 de certo modo é mais simples que para os demais autores que analisamos

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Idem, p. 323; haveria estudo alemão complementar a essa obra, traduzido para o espanhol, de George Friederici. 82 Idem, p. 332-333. 83 A exemplo de Capistrano, há considerável bibliografia sobre Sérgio Buarque de Holanda. No momento em que “O Pensamento Histórico” é publicado, Sérgio ocupava o cargo de diretor do Museu Paulista

neste texto. Em razão do propósito do artigo, componente de um panorama da cultura brasileira na primeira metade do século XX que procurava fazer o jornal Correio da Manhã, Sérgio Buarque já tem excluída de antemão a época colonial e o século XIX, e já prossegue a partir de um momento em que os estudos históricos possuem uma certa feição. Caber-lhe-ia, então, definir se entram ou não os autores estrangeiros no escopo de sua “historiografia brasileira”. Sérgio Buarque dedica-lhes espaço, embora timidamente: faz menção ao argentino Ramón Cárcano, autor de obra sobre a Guerra do Paraguai (incluído, portanto, por obra referente a fato também da história brasileira), como é o caso de Pelham Horton Box (também autor de obra sobre a questão cisplatina); Jaime Cortesão, pela edição da carta de Caminha, e John Stetson Jr., por edição da História de Gandavo. Além disso, há menção (importante), no final, aos professores estrangeiros que vieram lecionar nas primeiras Faculdades de Filosofia, como Fernand Braudel. As citações são, porém, bastante pontuais, à exceção da menção final aos professores estrangeiros; no geral, podemos afirmar que o artigo de Sérgio Buarque de Holanda analisa a produção de autores brasileiros sobre o Brasil. Essa produção aparece como que dotada de autonomia, com linhas de força e tendências próprias84. Podemos

equivaler

“pensamento

histórico”

a

“estudos

históricos”

e

“historiografia”? O conjunto do artigo define como objeto, de fato, a ampla categoria dos estudos históricos: toda a produção nas diferentes áreas da história, ou que se

(desde 1946), em que sucedera Taunay, e de professor da Escola de Sociologia e Política de São Paulo (desde 1948), lecionando História Social e História Econômica do Brasil, cátedra que fora de Roberto Simonsen. Acabara, ou estava por terminar, o trabalho de seleção e estabelecimento de textos que resultou na Antologia dos Poetas Brasileiros da Fase Colonial (publicada em 1952). Fora também diretor da Divisão de Publicações do Instituto Nacional do Livro, de 1939 a 1945, quando conviveu com outros importantes intelectuais funcionários do Instituto, como Mário de Andrade e José Honório Rodrigues. Já havia publicado, entre outras obras, Monções (1945). Pouco depois de publicado o artigo que analisamos, Sérgio Buarque embarcou para a Itália, onde lecionou na cátedra de História do Brasil da Universidade de Roma (1953-1955). Dois anos após retornar (1957), assumiria a cátedra de História da Civilização Brasileira na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, publicando sua tese, Visão do Paraíso, em 1958. 84 As noções de “autonomia” e “campo”, que utilizamos mais de uma vez aqui, remetem, evidentemente, à obra de Pierre Bourdieu, em particular, enquanto referências nossas nesse artigo, Razões práticas. Sobre a Teoria da Ação. São Paulo: Papirus, 1996 e Os Usos sociais da ciência. Por uma sociologia clínica do campo científico. São Paulo: Editora Unesp, 2004. Vale assinalar, enquanto apontamento para uma história da historiografia, o que afirma Roger Chartier, a respeito do conceito de “campo”: “os campos culturais — por exemplo, o campo literário ou o campo filosófico — caracterizam-se pela incorporação, em cada momento histórico destes campos, de sua própria história, a partir dos diversos tipos de relação que os criadores, os produtores estéticos ou intelectuais, num dado momento do tempo, têm com o passado do campo, disciplina ou prática. (...) E é um recurso fundamental esta relação com o passado negado ou incorporado para definir a imposição de uma legitimidade cultural” (CHARTIER, Roger. Pierre Bourdieu e a história. Roger Chartier debate com José Sérgio Leite Lopes. Topoi, Rio de Janeiro, v.4, 2002, p.141-142).

valem da história, ou que repercutem sobre esta. Os parágrafos iniciais expõem o que seria buscar um “pensamento histórico”: a teoria que informa a prática do historiador, que não se confunde com a erudição, a pesquisa factual, nem com a imaginação livre, a elaboração de interpretações em nível elevado de abstração. Tomando o primeiro historiador analisado por Sérgio Buarque, por ser o ponto de confluência dos estudos históricos no Brasil na primeira metade do século XX, Capistrano de Abreu, vemos que o “pensamento histórico” deve ser buscado nas referências teóricas do autor: (…) ele [Capistrano] sabia, no entanto, que esses documentos só falam verdadeiramente aos que ousam formular-lhes perguntas precisas e bem pensadas. Sabia, em outras palavras, palavras de um grande mestre moderno – Marc Bloch -, que toda pesquisa histórica supõe, desde os passos iniciais, que o inquérito tenha uma direção definida. No princípio está o espírito. Nunca, em ciência alguma, a observação simplesmente passiva conduziu a resultados fecundos. Qual o espírito, porém, qual o pensamento informador dessa obra, que deveria marcar o ponto de partida para um novo rumo nos estudos históricos entre nós? Sabemos que em sua mocidade o autor não fora infenso ao positivismo comtiano e que mais tarde aderira com mais firmeza e fervor às doutrinas de Spencer. Mas dos princípios positivistas e evolucionistas só guardaria obstinadamente o senso da medida, da precisão, do rigor nos raciocínios, que retém a imaginação dentro de limites plausíveis, além de uma sensibilidade aguçada à importância de ação dos fatores cósmicos – da terra, do meio e do clima – sobre as instituições humanas.85

Desse modo, encontraríamos o “pensamento histórico”, ou mesmo um “espírito teórico”, nas referências teóricas, cotejadas, porém, com a obra do autor, com sua prática, de maneira que não se cai sobre uma análise baseada nas “influências”. O mesmo procedimento observa-se no artigo quando da apreciação de autores como Oliveira Vianna e Gilberto Freyre. Se trabalhos de história, monográficos ou gerais, ou edições críticas de documentos, facilmente se encaixam no objeto do artigo (pois compõe o que se define por “história” desde as gerações anteriores), como a obra dos autores que citamos acima, Vianna e Freyre, se enquadra aqui? Parece haver uma variedade de interfaces com a produção historiográfica stricto sensu (como dirá Sérgio Buarque no artigo) que 85

Publicado originalmente no Correio da Manhã do Rio de Janeiro, em 15 de julho de 1951. Reproduzimos aqui o texto contido em EUGÊNIO, João Kennedy; MONTEIRO, Pedro Meira. Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2008, p. 601-615. A citação acima é da página 602. Ver, também, PEREIRA e SANTOS, op. cit. Vale assinalar que as palavras de Marc Bloch que relembra Sérgio Buarque, das quais já teria um conhecimento intuitivo Capistrano de Abreu, são do capítulo “A observação histórica”, de Apologia da História. BLOCH, Marc. Apologia da História, ou, O Ofício do Historiador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2001, p. 79.

justifica tal inclusão. Os estudos sociológicos86 fazem parte do pensamento histórico porque “abriram sendas para um tipo de pesquisa que nossos historiadores mal tinham praticado”. Oliveira Vianna, em particular, “dedicou-se [também, em sua produção] a ensaios de história social e psicológica inspirados por fatos e personalidades do Império”. Gilberto Freyre trabalhou “com base em amplo material histórico”; utilizouse de um “conhecimento extenso do passado rural”, que conjugado aos aportes teóricos que incorporou (como os métodos de Franz Boas), “abriu-lhe perspectivas ideais para abordar nossa formação histórica”. 87 Em geral, tais interpretações da história brasileira, ou da sociedade brasileira a partir de sua história, poderiam contribuir “para dar novo rumo aos estudos históricos”, mesmo que fossem “às vezes interessada [s] e mesmo deformadora [s] dos fatos”. Estudos de “‘formação’” que derivaram à tendência do “‘passado utilizável’”, para justificar posições políticas, como os de inspiração integralista, porém, “mal interessam, em sua generalidade, à pesquisa historiográfica”.88 Historiografia, aqui, aparece associada à pesquisa, e em contraposição a práticas que dobram os fatos históricos para caber em teorias políticas. 89

86

Sérgio Buarque refere-se a Populações meridionais do Brasil, de Oliveira Vianna, como “estudo sociológico” (p. 610). Antes definira esse conjunto de estudos como “ensaios de investigação e interpretação social [grifo nosso] que passaram aos poucos a empolgar numerosos espíritos. Trabalhos parciais de Couto de Magalhães, Batista Caetano, Macedo Soares, Rebouças, Sílvio Romero, José Veríssimo, Teodoro Sampaio, Orville Derby, Euclides da Cunha, Nina Rodrigues, Manuel Bonfim [sic], Alberto Torres, entre outros, abriram sendas para um tipo de pesquisa que nossos historiadores mal tinham praticado” (p. 609). 87 Idem, p. 610. 88 Idem, p. 611. 89 É importante notar a preeminência dada por Sérgio Buarque a Capistrano, e esse apontamento ao que seria uma historiografia stricto sensu, em relação ao modelo de texto que pratica Sérgio Buarque aqui. Segundo Angela de Castro Gomes, este texto de 1951 seria um “balanço”, em que “ele (Sérgio) fala de um outro lugar e em outra posição: a de quem é alguém que pode dizer algo verdadeiro sobre a história de sua disciplina, de um outro lugar de reconhecimento. Professor universitário de história em São Paulo, excrítico literário aplaudido, ao resenhar os cinqüentas anos de história e de historiadores que cobrem toda a primeira metade do século, ele está como que zerando o campo intelectual dessa disciplina. (...). A prática de balanços estava mais para um ritual de consagração dele mesmo por ele mesmo, como os intelectuais, artífices destacados de suas próprias imagens, costumam fazer muito bem e, de preferência, sem fazer muito alarde. A segunda metade do século XX teria um novo pai fundador na genealogia da tradição da história no e do Brasil: Sérgio Buarque de Holanda” (GOMES, Angela de Castro. A República, a história e o IHGB, op. cit., p. 161). Rebeca Gontijo, analisando também “O Pensamento Histórico”, afirma que “O artigo de Sérgio Buarque pode ser lido como uma versão consagrada da história da história no Brasil, com foco na primeira metade do século XX. Faz parte de um conjunto de interpretações elaboradas de modo mais sistemático a partir dos anos trinta, que, de modo geral, estabeleceram os marcos dessa história, identificando seus principais autores e contribuições” (GONTIJO, Rebeca. O velho vaqueano: Capistrano de Abreu, da historiografia ao historiador. Niterói: Universidade Federal Fluminense, 2006 (Tese de Doutorado), p. 270). A referência de Gontijo para classificar o texto de Sérgio Buarque como “balanço” é Horst Walter Blanke, op. cit., que define “balanço geral” como “visões panorâmicas do estado das pesquisas com intenção de graduar historiadores ou classificá-los em campos específicos, de

É em relação aos “estudos interpretativos” de Afonso Arinos de Melo Franco, Conceito de civilização brasileira (1936), Fernando de Azevedo, A cultura brasileira (1943), e Nelson Werneck Sodré, Formação da sociedade brasileira (1944), que Sérgio Buarque traça a linha da “literatura historiográfica (...) stricto sensu”. Mas também fornece elementos para a análise da interação entre essas diferentes produções: Por menos que esses trabalhos devam inscrever-se na literatura historiográfica, tomada a palavra stricto sensu, é forçoso admitir-se que participam de uma tendência que se reflete vivamente em outras obras da mesma época, onde a interpretação pessoal, endereçada a um alvo determinado, cede passo ao puro esforço de elucidação. Na obra já numerosa do sr. Pedro Calmon, onde se incluem trabalhos sobre a expansão baiana e a Casa da Torre, figura, ao lado da grande História do Brasil, também uma História social do Brasil, que em seu terceiro volume já abrange a fase republicana. Esse interesse pelo social – e no caso também pelo econômico – encontrase ainda nos estudos históricos do sr. Afonso Arinos de Melo Franco, principalmente os que abordam nossa civilização material, a evolução da economia brasileira e a História do Banco do Brasil, interrompida com o primeiro volume. 90

A produção de obras voltadas para questões antes descuradas, como o social e o econômico, seria tributária daqueles estudos interpretativos. Desse modo, estes últimos incluem-se no “pensamento histórico”, porque estão a inspirar e embasar estudos históricos, mesmo que não façam parte, stricto sensu, deles. Contribuem para uma ampliação do objeto dos historiadores, um movimento, que, na realidade, ocorria dentro da própria historiografia, desde as últimas décadas do século XIX, dentro do qual se insere, no Brasil, Capistrano de Abreu.91 A única vez que o termo historiografia aparece (além de “literatura historiográfica”, que vimos acima) é no sentido de pesquisa histórica universitária. Segundo o autor, “em São Paulo a sra. A. P. Canabrava, apoiando-se em recursos da historiografia moderna, tem abordado várias questões relacionadas ao comércio colonial, especialmente ao comércio de contrabando com o Prata, e à lavoura açucareira

tal forma que só em um sentido estrito podem ser considerados [os balanços] história da historiografia” (p. 30). 90 Idem, p. 612-613. 91 Georg G. Iggers chama a atenção para este movimento, apontando a escola histórica de economia política da Alemanha como um de seus expoentes, da qual Capistrano foi leitor, indo buscar ali conceitos que aplicaria à história brasileira (IGGERS, Georg G. Historiography in the twentieth century: from scientific objectivity to the postmodern challenge. Middletown, Con: Wesleyan University Press, 2005, p. 5). Mais do que uma ampliação de objeto, entretanto, a “sociologia” contribuiu também para modificações de método, estimulando os historiadores, por exemplo, a afastarem-se dos documentos oficiais, ou a lê-los com o olhar voltado para outros aspectos da história.

no norte do Brasil e nas Antilhas.”92 Por outro lado, a presença do complemento “moderna” denota que “historiografia” não se resume à produção contemporânea, tendo existido antes, sob uma forma que seria “antiga”, ou “não-moderna”. Subentende-se que, se o escopo temporal da análise fosse mais amplo, Sérgio Buarque identificaria “historiografia” em momentos anteriores; está implícita uma periodização, em diferentes momentos, da existência da historiografia, e, consequentemente, uma história da historiografia.93 De qualquer modo, conforme veremos no próximo item, Astrogildo Rodrigues de Mello é o único dos nossos quatro autores centrais que utiliza largamente “historiografia brasileira”. V O artigo de Astrogildo Rodrigues de Mello 94 propõe um panorama crítico abrangente sobre “Os Estudos Históricos no Brasil”. Exclui autores estrangeiros, mas inclui, na

92

“O Pensamento Histórico”, op. cit., p. 614, grifo nosso. Sobre Sérgio Buarque cabe também apontar sua relação com a história da literatura. Se “O Pensamento Histórico” foi incluído por José Honório Rodrigues entre os primeiros textos a tratarem de historiografia autonomamente, fora das histórias da literatura, importa notar que Sérgio Buarque procurou, em suas obras de crítica literária e história da literatura, trazer este último campo para o domínio da história, buscando “historicizar” a produção literária. Cf. NICODEMO, Thiago Lima. Urdidura do vivido: Visão do Paraíso e a obra de Sérgio Buarque de Holanda nos anos 1950. São Paulo: Edusp, 2008. 94 Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais (1936) pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Astrogildo Rodrigues de Mello licenciou-se em Geografia e História pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP no mesmo ano, 1936 (Limongi mostra como não era incomum, nos primeiros anos da FFCL, a migração de estudantes de outros cursos para lá; LIMONGI, Fernando. “Mentores e Clientelas da Universidade de São Paulo”. In: MICELI, Sergio (org.). História das Ciências Sociais no Brasil. Volume I. São Paulo: Editora Sumaré, 2001, pp. 135-221. Cf. também a entrevista de Eduardo d’Oliveira França, em Estudos Avançados, 8 (22), 1994, p. 151-160). Astrogildo fez parte da primeira turma de licenciados do curso de Geografia e História (fundado em 1934), sendo da geração de Eurípedes Simões de Paula. Ao lado de Eurípedes, Alice P. Canabrava, Odilon Nogueira de Mattos e Eduardo d’Oliveira França, entre outros, esteve entre os alunos de Fernand Braudel, no período de 1935-37 em que o professor francês lecionou em São Paulo. Astrogildo doutorou-se em 1942, em Ciências (História), pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, com a tese: A política colonial de Espanha através das “encomiendas”. Antes, na mesma faculdade, já havia sido comissionado para reger o curso de História da Civilização Ibérica da cadeira de História da Civilização, de 1939 a 1941 (Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953, p. 34). De 1941 a 1946, ocupou interinamente a Cadeira de História da Civilização Americana (Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. II. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953, p. 447). Em 1946, tornou-se catedrático da cadeira, passando em concurso de títulos e provas, apresentando a tese: Os “serviços pessoais” nas fainas agrícolas em Nova Espanha. Da comissão examinadora do concurso, fez parte Sérgio Buarque de Holanda. Astrogildo concorreu com Odilon Araujo Grellet e Alice P. Canabrava, tendo sido todos aprovados: Astrogildo para a cátedra, os demais para livre-docência (Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I, p. 386). Astrogildo foi também diretor da Faculdade de Filosofia, de 1947 a 1950. Aposentou-se em 1967. Cf. nota biográfica ao final do artigo de Astrogildo, “Os primórdios da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo”, Revista de História, n. 52, 104, out/dez 1975, p. 722. Cf. também ROIZ, Diogo da Silva. “A Institucionalização do Ensino Universitário de Geografia e História na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo entre 1934 e 1956”. Agora, Santa Cruz do Sul, v. 13, n. 1, p. 65-104, jan/jun de 2007. 93

definição de Brasil, a época colonial. O artigo divide-se em duas partes: um apanhado “a largos traços” da historiografia da Colônia até o seu tempo, e uma análise das “tendências da história no momento presente”.95 “Estudos históricos”,96 “história” e “historiografia” aparecem como termos intercambiáveis. O autor pretende pensar a escrita da história do (e no) Brasil dentro do processo histórico do desenvolvimento da cultura brasileira: Assim o sentido dessa história cresce em amplitude à medida que nos aproximamos dos dias atuais, em que o campo da investigação histórica se vai alargando gradativamente, através de ciências subsidiárias, indispensáveis à melhor compreensão do “facies” histórico. O problema historiográfico brasileiro oferece, na verdade, aspectos bem característicos, cuja interpretação encontra suas raízes em momentos bem definidos da civilização brasileira.97

Por isso, argumenta o autor, a pobreza da “historiografia brasileira” no período da Colônia, quando o campo cultural era “acanhado”,98 resultado de ser o Brasil sufocado por sua Metrópole, vivendo sem universidades, imprensa etc. Daí que “De frei Vicente do Salvador (século XVI [sic, frei Vicente escreveu nas primeiras décadas do século XVII; sua História do Brasil é de 1627]) a Varnhagen (século XIX) a contribuição histórica é escassa”. 99 Na mesma linha, os debates políticos no Segundo Reinado, e, especialmente, na transição para a República, trariam a proeminência dos estudos de história política (embora não sua exclusividade), pois mais próxima das preocupações dos autores de então.100 Efetivamente, embora Mello parta de amplas balizas, considera que podemos falar de fato em historiografia brasileira apenas após a Independência, em particular no Segundo Reinado, pois só então começaríamos a ter uma cultura brasileira, como resultado das lentas mudanças iniciadas com a vinda da Corte em 1808. Desprovido de uma tradição cultural, a cultura brasileira ainda sofreria, no Império, de “passividade” em relação à cultura européia e, posteriormente, à norte-americana, recebendo de ambas

95

MELLO, Astrogildo Rodrigues de. “Os Estudos Históricos no Brasil”. Revista de História, n. 6, 1951, p. 385. 96 Também Sérgio Buarque de Holanda utiliza “estudos históricos” em seu artigo, bem como, alguns anos antes, Nelson Werneck Sodré, em O que se deve ler para conhecer o Brasil (Rio de Janeiro: Companhia Editora Leitura, 1945, primeira edição), para se referir à (história da) historiografia brasileira. 97 “Os Estudos Históricos no Brasil”, op. cit., p. 381, grifo nosso. 98 Idem, ibidem. 99 Idem, p. 382. 100 Idem, p. 384-385.

suas diretrizes. 101 Nessas condições surge, no decorrer do século XIX, um “movimento renovador da história”, que tem em Varnhagen seu principal expoente, “apontado por muitos, e com justiça, como o pai da historiografia brasileira [grifo nosso]”. Firma-se, nessa ocasião, o culto pela documentação, a exemplo do magistral autor da História Geral do Brasil, que se apóia em documentário inédito (...). Num sentido amplo pode-se afirmar que os meados do século XIX marcam a fase embrionária da historiografia brasileira, em que as tentativas bibliográficas se esboçam ao par da evolução dos métodos de pesquisa histórica, que já se inspiram no estudo das fontes, bem como numa incipiente crítica, falha, por vezes, mas inspiradora de futuras observações.102

A crítica documental (o “estudo das fontes”) aparece para Mello, portanto, como um incipiente critério próprio da historiografia, a diferenciá-la como produção intelectual. O final do Segundo Império presencia um novo momento importante da historiografia, com outro historiador a ser-lhe fundamental. Em um momento em que crescem, e melhoram em qualidade, os estudos de história política, novos campos também são buscados: Já não bastam as fontes para a interpretação dos fatos históricos: acentua-se já o interesse pelo meio físico, e pelos fatores sociais para a explicação dos fenômenos históricos nacionais. Avulta nessa época a figura ímpar da história moderna brasileira, o grande Capistrano de Abreu. Sua larga cultura histórica permitiu-lhe concentrar sua atenção em problemas antes descurados pelos antecessores. O magistral autor de “Caminhos antigos e povoamento do Brasil” ampliou os estudos sobre o bandeirismo, focalizou o problema da expansão geográfica, estudou a importância das grandes vias de comunicação em relação ao fenômeno da formação territorial do país, esboçando um novo método que teria, como teve, excelentes e devotados continuadores.103

Se Varnhagen capitaneou a fase “embrionária” da historiografia brasileira, Capistrano já aparece à frente da “história [como sinônimo de historiografia] moderna brasileira”. A importância do meio e o estudo da sociedade se destacam nessa renovação, a partir do problema colocado por Capistrano para o entendimento da história do Brasil, qual seja, a ocupação do território. Para o autor, Capistrano foi importante ainda por ter esboçado um novo método; embora método, aqui, pareça dizer respeito mais a problemática que a conjunto de procedimentos. Vale dizer que Astrogildo Rodrigues de Mello complementa sua análise, ao longo de todo o artigo, 101

Idem, ibidem. Idem, ibidem (grifo nosso). 103 Idem, p. 383. 102

com notas de rodapé repletas de indicações bibliográficas das obras que menciona. Astrogildo é o único, entre os quatro autores centrais de nossa análise, a escrever em periódico acadêmico, o que talvez explique a abundância, extensão e rigor de suas notas, quase um testemunho do quanto este aparato passou a fazer parte da identidade dos trabalhos historiográficos.104 Além disso, Astrogildo é o autor que utiliza mais amplamente a categoria de historiografia brasileira, como já pontuamos. Astrogildo assinala a importância da sociologia para os estudos históricos. Mello destaca que o livro Os Sertões, de Euclides da Cunha, “traçou uma nova rota para os estudos sociológicos, fixando em cores vivas a personalidade do sertanejo, [e que] intensificam-se hoje as produções sociológicas que encontram em Gilberto Freyre a sua mais alta expressão”.105 A “produção sociológica” conta ainda com os trabalhos de J. F. de Almeida Prado, Afrânio Peixoto, Belisário Pena, Alberto Torres, José Veríssimo, Monteiro Lobato, Roquete Pinto, Sílvio Romero e Oliveira Vianna.106 Segundo Mello, naquele momento, após, principalmente, Casa-Grande e Senzala, projetava-se “uma corrente de historiadores patrícios, cuja orientação está voltada para o problema social, principalmente em fácies regional”; como se, a partir dos estudos de feição sociológica, que tem em Os Sertões um marco inicial, os historiadores brasileiros tenham passado a ocupar-se do social (deixando de lado, pode-se conjecturar, a atenção quase exclusiva aos aspectos político-administrativos – antes Mello identificara em Capistrano uma mudança de foco nos estudos históricos em direção aos aspectos geográficos). Mello não diferencia explicitamente, como fez Sérgio Buarque de Holanda, estes estudos sociológicos do que seria a historiografia stricto sensu. A sociologia talvez seja uma das “ciências subsidiárias, indispensáveis à melhor compreensão do ‘facies’ histórico”, através das quais “o campo da investigação histórica se vai alargando gradativamente” nos “dias atuais”, segundo diz Mello na citação acima transcrita. Se for assim, postulase, aqui, a centralidade da história dentro das ciências sociais. Mello indica uma mudança fundamental na cultura brasileira, em relação a seus momentos anteriores: o fim da “passividade” diante das teorias estrangeiras, e o início de uma produção cultural original. Também é parte de um novo cenário o aumento do número de instituições que permitem o fomento da cultura, em particular dos estudos 104

Remetemos, sobre a nota de rodapé, a GRAFTON, op. cit. Idem, p. 389, grifos nossos. 106 Oliveira Vianna também é entendido em outros momentos do texto como historiador e/ou como um autor de estudo histórico-sociológico. Idem, p. 389. Cf. a lista de autores que Sérgio Buarque elenca como autores de estudos sociológicos, na nota 85 acima. 105

históricos.107 Entre estas, destacam-se as universidades, que já trazem consigo um novo espírito: “A predominância dum espírito ‘universitário’ de cultura histórica vem norteando um progressivo incremento das pesquisas históricas calcadas em preciosos subsídios dos arquivos, que vêm aumentando extraordinariamente o acervo documental de épocas notáveis de nossa história”. 108 A “historiografia brasileira”, como categoria, porém, aplica-se desde a época da colônia, como aparece nos parágrafos iniciais do artigo, que reproduzimos acima, muito embora Mello defenda que só venha a existir de fato “historiografia brasileira” quando pudermos falar em uma cultura brasileira, isto é, no século XIX. A produção recente (ao artigo, de 1951) parece vir coroar a afirmação de uma cultura nacional original, não mais receptora passiva de influxos estrangeiros. Astrogildo não menciona, entretanto, como fez Sérgio Buarque de Holanda, a importância dos professores estrangeiros que vieram para as Faculdades de Filosofia brasileiras, com os quais teve contato como estudante e como professor na Universidade de São Paulo. A defesa da existência de uma cultura brasileira original talvez o tenha levado a excluir os professores e obras estrangeiras.

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Vimos, portanto, que o autor que utiliza a categoria historiografia brasileira de forma mais central em seu artigo é Astrogildo Rodrigues de Mello. Capistrano emprega “estudos históricos”, que também aparece em Sérgio Buarque, e é o título do próprio artigo de Astrogildo. Alcides Bezerra, por sua vez, usa a expressão “ciência histórica”; embora seja o autor cuja análise esteja talvez mais próxima das histórias da literatura, nos juízos que expõe sobre os autores, insiste mais de uma vez no tratamento da história como ciência.109 Vemos, por um lado, que todos os textos de algum modo praticam, no limite, o que hoje chamamos de resenha e/ou análise do “estado da arte”. Por outro lado, os quatro autores aqui analisados não se limitam a produzir um rol de autores e obras. Avaliam e hierarquizam a produção que discutem. Disso 107

“Aos tradicionais centros de cultura que foram no passado o Museu Nacional, a Biblioteca Nacional, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, o Museu Paulista, o Arquivo Nacional, o Museu Goeldi incorporam-se hoje as Faculdades de Filosofia, Ciências e Letras do país, o Museu de Arte, o Departamento Municipal de Cultura de São Paulo, a Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade de São Paulo, centros de primeira grandeza na projeção dos estudos históricos” (idem, p. 386). 108 Idem, p. 386. 109 Sérgio Buarque encara a história como uma ciência, equivalente às demais, na citação que transcrevemos acima: “No princípio está o espírito. Nunca, em ciência alguma, a observação simplesmente passiva conduziu a resultados fecundos” (“O Pensamento Histórico”, op. cit., p. 602).

sobressai, em cada um dos casos, como que um ideal do que seria “historiografia brasileira” propriamente dita, uma reunião de atributos indispensáveis, e defeitos a serem evitados. “Historiografia brasileira” ganha esse sentido, desse modo, por meio da interpretação de textos produzidos sobre esse objeto chamado Brasil. Seguindo a sugestão de José Honório Rodrigues, é possível captar demandas distintas, mas relacionadas, a respeito da escrita da história do Brasil nos quatro textos que Rodrigues identificou como pioneiros. De modo que os quatro estão inseridos em um contexto de transformações por que passou a historiografia brasileira e a própria categoria de historiografia, do momento do final do Império (anos 1870), até o início da “rotinização” da produção universitária (anos 1950).110 São textos que procuram atuar sobre o futuro da historiografia: procuram indicar um programa de pesquisa e normas do que deveria ser feito a seguir. O período entre 1878 e 1951, em que se espalham os artigos que analisamos, situa-se entre duas institucionalizações da escrita da história, entre a história pensada e produzida pelo IHGB e pela Universidade, para tomarmos aquelas que parecem ser as instituições mais marcantes de cada momento.111 A questão da institucionalização da história como disciplina no ensino superior é contemporânea à difusão da expressão “historiografia” para indicar sua produção – expressão que fica, assim, disponível também para a historicização dessa produção. Certamente, os quatro textos em questão podem ser considerados hoje estudos sobre a historiografia brasileira. São escritos que procuram, a seus modos, contextualizar e avaliar a produção historiográfica, sendo ao mesmo tempo discursos auto-legitimadores dos “estudos históricos”, da disciplina universitária e, sobretudo, dos próprios autores. Textos que propõem ações, inclusive, de demarcação territorial interna e externa da disciplina de História. Definindo, assim, o que é o desejável e o indesejável na escrita da história brasileira do presente e do futuro. A originalidade que lhes atribui José Honório Rodrigues está, como já pontuamos, em tratar a “historiografia brasileira” com autonomia - em geral, relativa. O fato de perceberem o saber histórico como autônomo, portador de singularidades, faz com que interpretem e leiam a produção sobre o passado nacional com os olhos da disciplina histórica, pensando em termos de 110

Usamos a expressão “rotinização” no sentido em que é usada por Antonio Candido, em “A Revolução de 1930 e a Cultura”, que ali a remete, originalmente, a Max Weber (CANDIDO, Antonio. A Educação pela Noite. Rio de Janeiro: Ouro Sobre Azul, 2006, p. 220). “Rotinização” é a aceitação, como “normais”, de práticas outrora restritas a pequenos grupos e vistas até com desconfiança pela sociedade. Aqui, pensamos na “rotinização” da produção universitária como a disseminação de novas formas de conhecimento, como dissertações, teses, além de práticas tais quais as defesas de teses. 111 Embora, em ambos os momentos, a produção historiográfica não tenha sido nunca exclusividade dessas duas instituições. Ver, dentre outros, PEREIRA e SANTOS, op. cit..

método, teoria e produção de um conhecimento sobre o passado pautado por critérios de objetividade, de modo que não se poderia deturpá-lo, por preconceitos filosóficos ou políticos. A definição do “conteúdo” da categoria varia conforme os autores e as especificidades do contexto de produção de cada texto. Para Capistrano de Abreu (1878), os “estudos históricos” remontam aos primeiros autores de obras com algum conteúdo historiográfico, desde a Colônia, incluindo autores estrangeiros. Para Alcides Bezerra (1926, publicado em 1927), a periodização está dada a priori: apenas o século XIX. Para Bezerra, porém, é impossível falar de história do Brasil, ou ciência brasileira, autonomamente, descolada da existência da história, e/ou da ciência, da civilização da qual o Brasil faz parte, a civilização européia. Por isso, inclui os autores estrangeiros que tenham escrito histórias do Brasil. Sérgio Buarque de Holanda (1951), à maneira de Alcides Bezerra restringido previamente pelas demandas do texto, limita-se à primeira metade do século XX, excluindo, na prática, os autores estrangeiros (embora Sérgio dê grande destaque, no final do texto, aos professores estrangeiros que vieram lecionar nas universidades brasileiras112), já enxergando certa autonomia no campo dos estudos históricos no Brasil – autonomia que, cabe dizer, não surge apenas com as universidades. Astrogildo Rodrigues de Mello (1951) considera, como Capistrano, historiografia brasileira como todas as obras com algum viés historiográfico, mas que tenham sido escritas no Brasil, considerando a Colônia já como Brasil (também como faz Capistrano).113

112

Sérgio Buarque foi inclusive assistente do prof. Henri Hauser na então Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro, em 1936, um dos professores estrangeiros que cita ao final do artigo. Sobre o papel de Henri Hauser ver FERREIRA, Marieta de Moraes. A trajetória de Henri Hauser. In: NEVES, Lucia Maria Bastos Pereis das et alli, op. cit, p. 237-260. 113 Pensamos acima em como os quatro autores definiram historiografia brasileira buscando responder aos problemas que a definição desse conceito engendra, segundo Fernando A. Novais: “de fato, nem sempre os estudos de História de nossa história têm levado em conta certos pressupostos indispensáveis à demarcação do corpus. Assim, quando consideramos “historiografia brasileira” no seu conjunto, dois critérios são possíveis para elencar as obras: se tomamos como ângulo o sujeito dos discursos (isto é, os historiadores brasileiros, autores das obras), listamos todas as obras de historiadores brasileiros, mesmo que se refiram à Idade Média européia, ou ao Egito dos faraós; se, por outro lado, o referencial é o objeto de estudo (isto é, o Brasil), as obras de historiadores brasileiros sobre outros assuntos ficam necessariamente fora, entrando, em compensação, no elenco os estudos de estrangeiros sobre o nosso país. A densa produção dos historiadores “brasilianistas”, por exemplo, integra o elenco no segundo caso, mas fica ausente no primeiro. Quando falamos “historiografia brasileira” stricto sensu queremos dizer o corpus das obras de historiadores brasileiros sobre o Brasil (...). Isto porque estamos dando por resolvido um outro problema preliminar, que entretanto é extremamente dificultoso: saber se os cronistas dos tempos coloniais entram, ou não, no corpus de nossa historiografia. O Brasil como tal não existia então, e nesse sentido seus cronistas antigos são a expressão dessa formação”. NOVAIS, Fernando A. Aproximações: estudos de história e historiografia. São Paulo: Cosac & Naify, 2005, p. 314-315.

Koselleck destaca que a história dos conceitos “deve registrar as diferentes designações para os fatos (idênticos?), de forma que lhe seja possível explicar o processo de cunhagem dessas designações em conceitos”.114 O intercâmbio recorrente entre os termos “estudos históricos”, “historiografia” e “história” (e até “teoria”), para designar, grosso modo, escrita da história, permanece talvez ainda hoje. Podemos sugerir que, no desenrolar dos estudos sobre história da historiografia, houve um abandono progressivo da expressão “estudos históricos”, em favor de “história” ou “historiografia”.115 Para além do que talvez seja uma exigência irreal de coerência, atentamos para as “imprecisões”, que não obstante formam a história de um campo em processo de autonomização e crescente institucionalização, onde a identificação de uma história própria, de antecedentes, precursores e afins, confere legitimidade àquele processo. Nessa linha, esperamos ter demonstrado que as “análises e teorias” “sociológicas” foram importantes, para os quatro autores a que nos dedicamos, na definição do fazer história. Capistrano de Abreu reivindicou a apropriação da sociologia pelos historiadores. Alcides Bezerra louvou os estudos de Euclides da Cunha e Sílvio Romero, incluindo-os na rubrica “historiadores”. Sérgio Buarque de Holanda e Astrogildo Rodrigues de Mello avaliaram, de forma geral, positivamente a repercussão dos estudos sociológicos de Gilberto Freyre e Oliveira Vianna, entre outros, dentro de uma linhagem que remontaram a Euclides, sobre os “estudos históricos”. Temos, por nossas próprias limitações, poucos elementos empíricos para considerar a questão das relações entre história e sociologia, no final do século XIX, começo do século XX, cabendo-nos aqui apenas pontuar algumas posições, como a de Pedro Lessa, em favor da centralidade da sociologia em relação à história (aquela sendo uma ciência de fato), defendida por ele inclusive dentro do IHGB. No contexto de Sérgio Buarque de Holanda e Astrogildo Rodrigues de Mello (ao qual, de forma alguma, pode ser reduzida a questão), a sociologia passaria a ocupar, em seu processo de legitimação (e em meio a 114

KOSELLECK, Reinhardt. “História dos conceitos e história social”. Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Contraponto; PUC–Rio, 2006, p. 111. 115 O que não elimina a alternância entre as expressões tal qual, por exemplo, no trabalho de José Roberto do Amaral Lapa. O livro intitula-se Historiografia Brasileira Contemporânea, tem como subtítulo “A História em Questão”, e, na introdução da primeira edição, o autor afirma: “Procuramos traduzir nossas preocupações sobre o atual estágio – íamos dizer crise – pelo qual passam os estudos históricos no Brasil, e, portanto, a sua Historiografia”. LAPA, José Roberto do Amaral. Historiografia Brasileira Contemporânea (A História em Questão). Petrópolis, RJ: Vozes, 1981 (2 ed.; a primeira é de 1976), p. 7, grifo nosso. Carlos Fico e Ronaldo Polito retomariam, nos anos 1990, em suas bases, o critério de Amaral Lapa, embora com algumas críticas: FICO, Carlos, POLITO, Ronaldo. A História no Brasil (1980-1989). Elementos para uma avaliação historiográfica. Volume I. Ouro Preto: UFOP, 1992, críticas p. 19-20.

suas próprias disputas endógenas), espaços talvez tradicionalmente destinados aos historiadores, a partir dos anos 1930, com a instituição das cadeiras de sociologia nas universidades. Luiz Carlos Jackson mostra o aumento do número de artigos de sociólogos na Revista do Arquivo Municipal e na Revista do Museu Paulista; na primeira a partir dos anos 1940, na segunda a partir da década seguinte.116 Confrontar esse problema adequadamente envolve contemplar essas disputas institucionais, aspecto que deixamos de lado aqui. 117 Nosso foco fica, assim, principalmente no vislumbre essencialmente teórico que os quatro autores, separados quase que por gerações (de Capistrano a Alcides, e deste a Sérgio e Astrogildo), tiveram da relação entre a história e as emergentes ciências sociais de seu tempo. Podemos assinalar que a sociologia passa a ser o objeto de diálogo da historiografia, a partir das últimas décadas do século XIX (1870 talvez possa ser dado como marco); nenhum dos autores com que nos ocupamos preocupa-se muito em justificar porque suas análises já se encontram fora do âmbito das histórias da literatura.118 Este diálogo, aliado a uma postura reflexiva frente à escrita e ao próprio conceito de história, são os dois principais elementos que destacamos como 116

Segundo Jackson, a Revista do Arquivo Municipal passa a ter “presença marcante” de Herbert Baldus, orientador de Florestan Fernandes na Escola Livre de Sociologia e Política (onde Sérgio Buarque também foi professor), em uma longa série de artigos publicados a partir de 1944. “Em 1946, no conhecido número especial sobre Mário de Andrade, Florestan Fernandes publicaria pela primeira vez no periódico, ao lado de Roger Bastide, Antonio Candido, Paulo Duarte e Sérgio Milliet. O número marca, entre outras coisas, o começo da colaboração freqüente do autor, viabilizada possivelmente pela intervenção de Baldus” (JACKSON, Luiz Carlos. “A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965)”. Tempo Social, v. 16, no. 1 (junho de 2004), p. 265). Herbert Baldus passou ainda a editar, a partir de 1947, a nova série da Revista do Museu Paulista (onde Sérgio Buarque era diretor). Nela, sairiam publicadas inclusive teses de doutoramento completas da área de sociologia, como as de Gilda de Mello e Souza e Florestan Fernandes. (Vale dizer que o artigo de Luiz Carlos Jackson não trata das relações entre história e sociologia, tendo como foco as disputas por hegemonia entre os diferentes projetos acadêmicos internos apenas à sociologia.) A própria Revista de História, em que saiu o artigo de Astrogildo Rodrigues de Mello, abrigava textos de outras ciências humanas, como vimos pelo artigo de sociologia de Fernando de Azevedo, ao qual outros exemplos poderiam se somar. 117 Nesse sentido, Sérgio Buarque, ao afirmar a existência de uma historiografia stricto sensu, estaria defendendo as fronteiras específicas da história, frente às demais ciências humanas? 118 A remissão às ciências sociais como elementos de uma “nova” história, estabelecendo assim a diferença em relação a uma historiografia “tradicional” (as aspas são nossas, e denotam propositadamente uma classificação rudimentar), que seria identificada à historiografia dos institutos históricos, talvez mereça ressalvas. Considerando os textos de história da historiografia também enquanto tentativas de estabelecer um cânone da historiografia brasileira, devemos observar que essa historiografia “tradicional” não está obrigatoriamente excluída do cânone, e este não se ergue, necessariamente, em oposição a ela. Ao menos parece ser o caso de São Paulo, em função, principalmente, da figura de Afonso d’Escragnolle Taunay (1876-1958). Taunay foi professor de Sérgio Buarque de Holanda e seu antecessor no Museu Paulista. Sua contribuição à historiografia é muito valorizada em “O Pensamento Histórico”, e em “Os Estudos Históricos”, de Astrogildo Rodrigues de Mello (com menos intensidade), como também será por Eurípedes Simões de Paula, em “Algumas Considerações sôbre a Contribuição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para a Historiografia Brasileira”. In: Revista de História da USP, número 18 (88), outubro/dezembro, 1971, p. 431. Taunay é um dos “mestres nacionais”, segundo Eurípedes, fundamentais nos começos do curso de Geografia e História da Universidade de São Paulo.

fundamentais para criarem as condições de possibilidades para a emergência da categoria “historiografia brasileira”. Nossa pesquisa nos leva a intuir (talvez, para futuras investigações) que o desenvolvimento de uma tradição especializada, fruto de uma série de trabalhos de “historiografia”, aliado às ambigüidades semânticas da categoria de historiografia, possibilitam que o campo de experiência da historicidade da produção histórica difunda (ou pelo menos, torne mais disponível), a partir das décadas de 1950/1960, a expressão história da historiografia. É necessário lembrar as considerações de Koselleck, quando afirma a “tensão produtiva” entre história dos conceitos e história social, isto é, que nem sempre haverá co-incidência precisa entre um fato, ou uma prática social, e um conceito para designá-lo (a).119 No nosso caso, isso equivale a dizer que os estudos sobre a pesquisa histórica e a escrita da história não ficaram à espera da categoria “historiografia” ou da expressão “história da historiografia” para serem realizados. No mesmo sentido, cabe apontar os desenvolvimentos nessa área nas últimas quatro décadas no Brasil, que não necessariamente podem ser rastreados até a obra de José Honório Rodrigues, e muito menos até os quatro textos aqui analisados, que estão longe de ser de amplo conhecimento dentro da comunidade dos historiadores. A importância crescente da história da historiografia também tem a ver, evidentemente, com estratégias e batalhas institucionais entre os historiadores, que praticamente ignoramos em nossa análise. Outro ponto ausente aqui é o desenvolvimento da prática e das reflexões sobre história da historiografia em outros centros, fora do Brasil, e suas relações com as reflexões ocorridas aqui (algo que quase sugere Alcides Bezerra, ao vincular a produção científica nacional à ciência européia, e que vimos de relance na análise da resenha de Max Fleiuss). Mas cremos que, limitando nossas conclusões, seja válido sondar a disseminação da terminologia “historiografia” no espaço de tempo que contemplamos (1878-1951), e suas conseqüências no processo de institucionalização da História nas universidades, contribuindo com um aparato teórico e com o processo de construção de memória e legitimação da História, através do estabelecimento de linhagens de precursores. Estudar a história da historiografia descolada da história da literatura, buscando para isso um conceito adequado (pois nomear o objeto de acordo com a nomenclatura das histórias da literatura, em rubricas como “Historiadores”, ou “História”, deveria parecer insuficiente); pensar a importância das demais ciências

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KOSELLECK, “História dos conceitos e história social”, op. cit., p. 114.

sociais para a história, principalmente nos caminhos a serem seguidos pela historiografia; estabelecer um “ideal” de historiador; e apresentar, sob a forma de linhas de força, uma incipiente tentativa de estabelecer uma memória e tradição da historiografia brasileira,120 são traços destes textos, e, por conseguinte, do momento que analisamos. Assim, o que pretendemos demonstrar com nosso estudo é que, tendo em vista os limites de nossa investigação, no Brasil, a categoria historiografia – e mesmo, história da historiografia – tem seu uso disseminado pelos autores que já trabalham no meio universitário (como é o caso de Sérgio Buarque de Holanda e Astrogildo Rodrigues de Mello), mesmo que permaneça, fortemente, a terminologia “estudos históricos”. Vale lembrar que José Honório Rodrigues (quase um quinto autor analisado aqui), embora trabalhando fora do meio universitário, também usa “historiografia” por essa época, na primeira edição de seu Teoria da História do Brasil, de 1949 – escrito após período nos Estados Unidos, onde freqüentou a Universidade de Columbia. A emergência de uma categoria, associada ao conceito de história, e a criação de uma tradição associada a ele abre uma dimensão do real antes negligenciada, mas também altera, ou mesmo oblitera, outras dimensões. A leitura que passou a ser feita dos autores de histórias anteriores ao século XIX talvez seja um exemplo. Estudos recentes notaram a visão por vezes anacrônica de historiadores oitocentistas, e/ou do início do século XX, como Varnhagen e Capistrano de Abreu, a autores como Rocha Pita e Frei Vicente do Salvador, julgando-os segundo os padrões da historiografia oitocentista.121 As noções de história – e de historiografia – que os autores utilizaram nesses casos, prejudicaram a apreciação da historicidade daquelas obras. Nesse texto, pudemos observar tentativas de definir e avaliar conjuntos de obras históricas sobre o Brasil. A forma como os quatro autores centrais de nossa análise lograram constituir seu objeto indica mais que controvérsias bibliográficas, sobre que obras cabem ou não nesse tipo de panorama, ou disputas referentes ao passado, mas tensões contemporâneas a cada autor. Em particular, chame-se “estudos históricos”, 120

A respeito da constituição dessa memória, além do texto de FRANZINI e GONTIJO já citado, cabe lembrar (como nos fez Rebeca Gontijo) a importância do momento do Estado Novo na construção de um panteão da historiografia brasileira; momento esse que atravessaram Sérgio Buarque de Holanda e Astrogildo Rodrigues de Mello. Sobre o Estado Novo e a história da historiografia brasileira, cf. GOMES. Angela de Castro. História e historiadores, op. cit. 121 Cf. SINKEVISQUE, Eduardo. Retórica e política: a prosa histórica dos séculos XVII e XVIII. Introdução a um debate sobre gênero. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2000 e ANDRADE, Luiz Cristiano O. de. A narrativa da vontade de Deus: a História do Brasil de frei Vicente de Salvador.(c. 1630). Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004.

“ciência histórica”, ou “historiografia”, está em jogo o que cada autor reivindica como o “fazer História” de fato (ou stricto sensu, como coloca Sérgio Buarque de Holanda). O conceito de História, em cada um, é sempre central. Um saber específico, articulado sobre procedimentos e métodos conhecidos, que se busca legitimar através de sua retomada histórica, por meio da apreciação de autores que a representam exemplarmente, podendo ser verdadeiros caminhos a seguir, ou dos quais se afastar. O lugar de quem escreve também está, porventura, implícito nesses históricos. Mais que individualmente, apontam-se caminhos coletivos para a escrita da história no Brasil, que, nos dois últimos autores, convergem para a história nas universidades. A disciplina universitária também precisará de seus meios de legitimação e autocrítica, e entre eles figurará a história da historiografia. Essa expressão, “historiografia”, apenas incluída no dicionário Moraes Silva de língua portuguesa, como vimos, em 1891, passará a disseminar-se nas primeiras décadas do século XX, indicando a escrita da história (e diferenciando-a do processo histórico, da história vivida), e tornando-se preferencial para designar o objeto dos estudos sobre essa escrita, a “história da história” – embora sua disseminação esteja distante de ser imediata, ou plena. A constituição do campo de estudos “história da historiografia”, e seus usos, em particular no meio universitário, certamente demandam pesquisa mais abrangente que a feita aqui. De nossa parte, cabe talvez localizar, na primeira metade do século XX, a demanda, em diversos espaços, por textos que realizassem histórias da escrita da história no/do Brasil, no mesmo processo de delimitação de fronteiras da disciplina de História, e constituição de uma memória de sua produção no Brasil. O processo aqui descrito é produto do aprofundamento do conceito moderno de história, na medida em que a história passa a ser produzida nas universidades? Ou na verdade é parte do processo maior, que alguns localizam no pós-Segunda Guerra Mundial, de esvaziamento do conceito moderno de história? São perguntas para outras investigações. O que podemos dizer é que a constituição da categoria “historiografia brasileira” deve ser entendida em função de uma crítica a uma concepção realista do conceito de história; da auto-legitimação e do processo de autonomização da disciplina histórica produzida pelo IHGB;122 da construção de uma memória disciplinar; bem 122

Como bem aponta Lucia Maria Paschoal Guimarães: “apesar da criação dos cursos de história, em 1934 e 1935, o IHGB continuaria a ser o lócus privilegiado da produção historiográfica, ao lado dos institutos históricos regionais. O deslocamento para o âmbito universitário só se concretizou por volta da década de 1960”. GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal. “Sobre a história da historiografia brasileira como campo de estudos e reflexões”. GONÇALVES, Márcia de Almeida; GONTIJO, Rebeca;

como da necessidade de distinguir a história produzida pelas universidades de outras representações sobre o passado. É provável que a ampla aceitação da categoria talvez possa ser explicada também pelo fato de que apesar de todas as ambigüidades, historiografia guarda uma abertura maior dos objetos de pesquisa do “campo” – mas, não apenas, que talvez a idéia de uma história da historiografia restrinja. Talvez seja por estas razões que Manoel Luiz Salgado Guimarães ainda prefira historiografia, como vemos na segunda epígrafe de nosso texto.123 Para retomar a pergunta presente no título gostaríamos de trazer o caso da Alemanha, onde desde o final do século XVIII, a palavra Geschichte (História) absorveu desde o final do século XVIII a significação da palavra Historie (Histórias ou mesmo História).124 Ao que parece, no Brasil, na primeira metade do século XX, pelo menos na linguagem dos historiadores profissionais e universitários, a palavra historiografia acaba por absorver diversas significações do conceito de história, deixando de lado as dimensões políticas e sociais do conceito moderno de história. Ainda que historiografia se refira ao coletivo singular história, ela acaba por ganhar uma autonomia própria. A categoria tem a vantagem de não se confundir, como o conceito de história, com a história em si, o processo vivido. Trata-se, assim, provavelmente de uma sofisticação (ou de tentativa de solução das ambigüidades) do próprio conceito de história e também da radicalização da pretensão científica deste conceito. A categoria “historiografia” abre, portanto, um novo espaço de experiência, a saber: da história “científica” profissional e universitária. Trata-se, provavelmente, de uma busca de ruptura com as escritas da história anteriores. O caso de Sérgio Buarque de Holanda é curioso, pois se tratará de uma tentativa de ruptura consigo mesmo.125 A categoria historiografia talvez tenha se transformado, pelos indícios evocados neste texto, no princípio regulador das expectativas da escrita da história universitária. Ao que parece, a ambígua, mas reflexiva, categoria historiografia se tornou, desde então, uma espécie de categoria transcendental que visa a condição de possibilidade da única escrita da história GUIMARÃES, Lucia Maria Paschoal; NEVES, Lucia Maria Bastos Pereira das. Estudos de historiografia brasileira. Rio de Janeiro: FGV Editora, 2011, pp. 19-35, p. 29. 123 GUIMARÃES, Manoel Luiz Salgado. “O presente do passado: as artes de Clio em tempos de memória”. In: ABREU, Martha; SOIHET, Raquel; GONTIJO, Rebeca (orgs.). Cultura política e leituras do passado: historiografia e ensino de história. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, pp. 25-41(a citação é da página 39). 124 Ver KOSELLECK, Reinhart. Le concept d’histoire. L’Expérience de l’histoire. Paris: Seuil/Gallimard, 1997, p. 15-101. Ver, em especial, páginas 23-28. 125 A este respeito ver o artigo de EUGÊNIO, João Kennedy. “Um horizonte de autenticidade. Sérgio Buarque de Holanda: monarquista, modernista, romântico (1920-1935)”. In: EUGÊNIO e MONTEIRO (org.), op. cit., pp. 425-459.

possível: a história escrita por profissionais formados pela universidade. As representações do passado construídas fora desta lógica de poder podem até ser história, mas seriam historiografia? É certo, de todo modo, que a categoria historiografia também não será capaz de resolver o enigma da história ou, simplesmente, do passado. Referências bibliográficas Fontes primárias: ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série. Rio de Janeiro: Livraria Briguiet, 1931; ABREU, João Capistrano de. Ensaios e Estudos: crítica e história, 1ª. série, 2ª. edição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1975. BEZERRA, Alcides. Os historiadores do Brasil no século XIX. Rio de Janeiro: Oficinas Gráficas do Arquivo Nacional, 1927. Separata do Relatório anual da Diretoria do Arquivo Nacional referente a 1926, apresentado ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. HOLANDA, Sérgio Buarque de. “O Pensamento Histórico no Brasil nos Últimos Cinqüenta Anos”. EUGÊNIO, João Kennedy; MONTEIRO, Pedro Meira. Sérgio Buarque de Holanda: perspectivas. Campinas, SP: Editora da UNICAMP; Rio de Janeiro, RJ: EdUERJ, 2008, p. 601-615. MELLO, Astrogildo Rodrigues de. “Os Estudos Históricos no Brasil”. Revista de História, n. 6, p. 381-390. Bibliografia complementar: ABREU, João Capistrano de. Correspondência de Capistrano de Abreu. Edição organizada e prefaciada por José Honório Rodrigues. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 2 ed., 1977, v. I. Anais do Encontro Internacional de Estudos Brasileiros e I Seminário de Estudos Brasileiros. São Paulo: IEB, 1972. ANDRADE, Luiz Cristiano O. de. A narrativa da vontade de Deus: a História do Brasil de frei Vicente de Salvador.(c. 1630). Dissertação de mestrado, Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2004. Anuário da Faculdade de Filosofia, 1939-1949, vol. I. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953. ______. Vol. II. São Paulo: Seção de Publicações da FFCL/USP, 1953. ARAUJO, Valdei Lopes de. Sobre o lugar da história da historiografia como disciplina autônoma. Locus (Juiz de Fora), v. 12, n. 1, p. 79-94, 2006.

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