Na Lua Cheia, não cortes pau nem veia

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Na Lua Cheia, não cortes pau nem veia

Félix Rodrigues Departamento de Ciências Agrárias Universidade dos Açores

Nota- Este trabalho foi desenvolvido para as Comemorações do Ano Internacional da Astronomia, 2009, promovidas pela Sociedade Portuguesa de Astronomia.

Na medicina medieval recorria-se ao uso do horóscopo e à astrologia, porque se acreditava que a posição dos planetas nos 12 signos do Zodíaco, afectava de algum modo a saúde humana, do mesmo modo que a Lua condicionava as marés, e o Sol, as boas safras. Cada órgão do corpo humano obedecia aos humores de um signo: Carneiro, por exemplo, regia a cabeça, Sagitário as pernas, e Peixes conduzia os pés. O médico Avicena (980-1037) afirmava que era “…a má disposição dos céus quem rapidamente empeçonhentava os corpos.”. A doença devia-se ao ar corrompido pelos astros que também eram responsáveis pelos surtos de epidemias que apavoravam e devastavam a sociedade medieval. Na figura 1 representa-se o homem zodiacal, que traduz essa ligação medieval entre os astros e a medicina. Exatamente por isso, os estudantes de medicina da Universidade de Bolonha estudavam astrologia durante quatro anos, para que, quando aplicassem a sangria num paciente ela não fosse feita durante um estágio não conveniente da Lua (a Lua cheia, estavam certos, provocava uma hemorragia em excesso).

Figura 1 – O Homem Zodiacal medieval. Popularmente ainda se diz, fundamentados nessa crença medieval que “Na Lua cheia não cortes pau nem veia”. Não havia príncipe, conde ou barão desses tempos que não tivesse um astrólogo à sua disposição, mesmo que a Igreja Católica o proibisse. Mesmo no Renascimento, o matemático e astrónomo Kepler obtinha o seu rendimento preparando almanaques com previsões e elaborando mapas astrais para a corte do duque de Wallenstein.

Figura 2 – Sangria ilustrada em “The Cookbook Medieval” (Manuscrito do Século XII)

Versos do Regimen Sanitatis Salernitanum apareciam com frequência nos Lunários Perpétuos dos Séculos XVII e XVIII e pretendiam estabelecer relações entre os astros e a saúde. Os lunários eram calendários perpétuos baseados nas fases da Lua. Preocupavam-se com as questões da saúde e a previsão do tempo pela observação dos astros, das plantas e do comportamento dos animais. Tais ensinamentos estão presentes no livro “As geórgicas”, do poeta Virgílio (século I a.C.). Esta obra erudita influenciou os popularíssimos livrinhos “lunários perpétuos” editados em Portugal desde a Idade Média, e destinados, à classe rural.

Figura 3 – Lunário Perpétuo Português.

As Geórgicas, de Virgílio, são um poema didáctico sobre trabalho. Constavam de quatro livros sobre agricultura e com indicações consideradas científicas na época. Pelo que se acaba de expor, acreditava-se que havia claramente uma influência da Lua nos líquidos das plantas e animais, daí que o provérbio popular a que nos estamos a referir aponta claramente para uma prática médica e para uma prática agrícola, relacionada com a poda: “Na Lua cheia não cortes pau nem veia”. Embora não haja evidência científica da influência da Lua no ciclo vegetativo das plantas, há um conjunto de práticas agrícolas que ainda hoje são cumpridas, baseadas em interpretações empíricas, como por exemplo de que na Lua Cheia a seiva se concentra no topo das plantas ou na copa das árvores e nos brotos (ramos e folhas). Encontramos outros ditados populares que pretendem traduzir essa mesma crença de que a Lua influencia a agricultura, como por exemplo: “Abóbora semeada na Lua

Cheia, dá abóbora e meia” ou no mesmo sentido, mas referindo-se à semeadura das batatas; “Batatas na Lua Cheia, dá cova cheia”. O sentido de “Na Lua Cheia não cortes nem a tua nem a alheia” também se relaciona com a poda e com os malefícios que se podem induzir na planta ou plantas quanto se aplica tal arte nesse período específico. Os provérbios populares aqui referidos resultam de se aceitar, desde a antiguidade, que a lua tem influência nas plantas, e da qual depende também, o sucesso das culturas. Como a Lua é responsável pelas marés, liga-se tal efeito a uma influência nos cursos de água e à seiva das plantas.

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