Nane: A difícil travessia de um colono do café [Resenha, 2004]

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Nane: A difícil travessia de um colono do café

Por FLORENCE CARBONI & MÁRIO MAESTRI Florence Carboni, lingüista, e Mário Maestri, historiador, são membros do Centro de Estudos Histórico-Linguísticos do Programa de Pós-Graduação em História da UPF, RS.

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Nane: A difícil travessia de um colono do café Em torno das multidões de italianos que em fins do Oitocentos partiram para estabelecerem-se no Brasil, primeiro como pequenos camponeses proprietários, a seguir como colonos do café, construiu-se espécie de legenda dourada onde o sucesso é resultado praticamente incontornável. Não há quase espaço para a derrota nesses relatos construídos sobretudo como epopéia individual e linear onde religião, raça e vocação ao trabalho impõem-se invariavelmente sobre os desafios da travessia terrível, das florestas impenetráveis, do clima inclemente, da falta de apoio das autoridades italianas e brasileiras. A história e a memória das multidões de imigrantes que conquistaram sobretudo o direito de levarem a vida para diante através de trabalho incessante, em terras suas ou alheias, são em geral contaminadas pelas generalizações das narrativas apologéticas sobre o sucesso sobretudo de comerciantes e industrialistas ítalo-brasileiros. História esquecida São precisamente instantes dessa história em geral esquecida de luta, trabalho e exploração que o intelectual italiano Bortolo Belli [1851-1911], emigrado no Brasil em 1888, apresentou sob a forma de folhetim, nas edições do semanário Avanti!, frágil tentativa de reprodução paulista do homônimo porta-voz do socialismo italiano. A síntese ficcional de Belli da imigração vêneta para os cafezais paulistas venceu definitivamente a prova do tempo. Um século e três dedos após o início da publicação, Nane: la storia di un colono mantém galhardamente sua tensão narrativa, nascida do registro ficcional, por escritor de recursos, de matéria de rico conteúdo, sobre a qual possuía indiscutível conhecimento. O breve folhetim é construído como relato epistolar auto-biográfico de Nane, camponês nascido em janeiro de 1856, na Marca Trevigiana, no Vêneto, então sob o domínio austríaco. Muito mais do que o mero fato de o autor ser natural da planície trevigiana sugere que boa parte do relato apóie-se em experiências por ele vivida. A difícil travessia

Efetivamente, a publicação, em 1900-1, da série – uma introdução e dezesseis breves capítulos – abre-se com a notícia e a apresentação, pelo editor do Avanti! paulista, da carta-oferecimento de colonocorrespondente de apresentar o relato sintético de sua vida, primeiro no norte da Itália, a seguir, nos cafezais paulistas. Nane: la storia di un colono divide-se em dois grandes momentos. Nos onze primeiros capítulos, o protagonista relata, na primeira pessoa, suas mais recuadas recordações, vividas no seio de uma família camponesa pobre. Os cinco últimos capítulos são dedicados a sua travessia atlântica, já adulto, com esposa e filhos, e à dura vida de colono do café no interior paulista.

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Belli fora secretário comunal em Piavon, província de Treviso, região envolvida pela emigração americana e publicara artigos e estudos sobre a difícil situação do mundo rural regional. Compreende-se o mais amplo espaço e o maior sucesso narrativo da descrição da vida do camponês no Velho Mundo, em relação à parte brasileira do relato. A mais sintética apresentação da vida do imigrante do café foi apoiada na visita a colonos de fazendas paulistas que por Belli empreendeu, após desembarcar em Santos, em junho de 1888, após dezesseis dias de travessia realizada na segunda classe do vapor G.B. Lavarello, e nos estudos realizados nos anos seguintes de sua residência no Brasil. A vida de Nane

Nane nasce no seio de família de arrendatários meeiros pobres. Então, os mezzadri constituíam vasto segmento social desfavorecido em relação aos pequenos e médios camponeses proprietários, mas privilegiado se comparado aos trabalhadores sem terra – braccianti –, obrigados a alugar seus braços em difíceis condições. As primeiras recordações de Nane, aos quatro ou cinco anos de idade, são ligadas à vigilância de um alguns perus, trabalho que seu irmão mais jovem herdará quando ele, aos sete ou oito anos, passa a "guadagnarsi la polenta" pastoreando as poucas ovelhas da família. A forma de narrativa biográfica retrospectiva permite que Nane comente a situação de profunda exploração em que viviam. Com indignação, assinala que grande parte dos frutos da pequena criação animal em que se ocupava também era entregue aos donos da terra, sob a forma de renda ou de homenagem. A pátria grande É duro o olhar retrospectivo do narrador sobre as condições de vida do mezzadro. Nane recorda a alimentação quase reduzida à polenta e como ele e os irmãos pequenos viviam sujos, molambentos e descuidados, já que sua mãe ocupava-se intensamente nos campos ao lado do pai, personagem quase ausente na narrativa. Adolescente, o protagonista vê ao longe as tropas italianas passarem pela estrada principal, próxima à residência familiar, quando da incorporação de Veneza ao Reino da Itália. A distância do observador não é apenas geográfica. As tropas passam e a vida do camponês pouco se modifica sob domínio austríaco ou italiano, a não ser para pior. Como funcionário público, jornalista e estudioso, Bortolo Belli apoiara a emigração, na qual via eventual caminho para a melhoria das difíceis condições de existência do mundo camponês, após o fracasso das reformas dos anos 1880. Intelectual laico de orientação socialista, opunha-se ao despotismo dos proprietários e ao apoio que recebiam do poderoso clero rural. Sofrimento eterno

Longos parágrafos da narrativa são dedicados à crítica da rústica vida religiosa do camponês vêneto, regida pelo pároco e apoiada pela autoridade doméstica dos mais idosos. Nane refere-se retrospectivamente à pregação religiosa voltada para a solução das questões materiais e defensora do quietismo social camponês, também abraçado pelos professores rurais. Relembra o poder da água e do ramo de oliva bentos contra o demônio, as tempestades e as más colheitas, as orações em latim incompreensível, o lento avançar das contas do "rosário debaixo do

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alpendre da casa, na boa estação, ou no estábulo, no inverno [...]", junto aos seus familiares. As experiências Belli quando menino alimentaram certamente o relato das recordações religiosas de Nane-criança que fala das promessas do capelão de paraíso para os que aceitassem a vida de "sofrimentos e obediência cega" e o inferno para os que se rebelassem contra ela. Discurso comum ao meio urbano e rural e aos séculos 19 e 20. Assume grande força na narrativa o registro das recordações de religiosidade apoiada no terror de penas eternas materializadas profundamente no imaginário infantil enquanto as felicidades do paraíso permaneciam construções sempre fluídas e imateriais, quase como impossíveis de serem conquistadas e vividas. Servir à pátria

Por quase cinco anos, Belli cumprira serviço militar em regimento italiano de cavalaria. O mesmo triste caminho, na mesma arma, durante o mesmo longo tempo, percorrido por Nane, em condições certamente mais difíceis das vividas pelo autor, de extração social superior à de seu triste herói. Por três capítulos, o protagonista relata a triste sorte do jovem camponês arrolado em serviço militar que podia chegar a sete anos! Compreende-se o amplo espaço dedicado ao tema. A decisão de libertar os braços dos filhos do longo período improdutivo apoiava comumente a decisão paterna de emigrar. Nane descreve com pertinência a inscrição na "lista de leva", em obediência à lei militar, o sorteio que definia quem se apresentaria à fatídica seleção médica, o "sentimento de desgosto" dos jovens recrutas obrigados a despirem-se publicamente para servem examinados, sob a guarda de carabineiros armados.

"Observados como um cavalo de montaria ou de tração, estendidos os braços para frente, para trás e para cima, medida a altura do corpo, a periferia do tórax e, às vezes, atropelados como porcos que vão ao matadouro, se ouvia dizer a palavra sacramental: Hábil." O burguês e o vilão

A avaliação de Nene-Belli da vida na cavalaria italiana é contraditória. O serviço é visto como leve, se comparado à "vida fatigosa do camponês". Superado o velho hábito rural vêneto de silenciar a fome com um "grosso volume de polenta", o rancho militar era sofrível, à exceção do café displicentemente produzido no mesmo caldeirão em que se cozinhara a refeição! A denúncia do narrador recai sobretudo na discriminação de classe, materializada nos privilégios dos recrutas burgueses que contavam com a proteção da oficialidade e com as remessas familiares de dinheiro e alimentos, enquanto o conscrito de origem camponesa, abandonado a sua sorte, era objeto de toda sorte de exações. Nos tempos seguintes à Unificação, o serviço militar, que retirava "às vezes, se não o único, o principal sustento" da economia doméstica camponesa, constituiu-se sobretudo de infindáveis anos de cuidados burocráticos às armas, ao uniforme, às normas disciplinares, entrecortados de exercícios militares e raras manobras. Nane viveu sob armas a vida comum do soldado pobre. Sem receber qualquer ajuda de família que apenas conseguia sobreviver, o soldo bastava-lhe apenas para comprar o jornal "para saber um pouco como

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andava o mondo", adquirir algum "tabaco de mastigar" e beber raramente um "copinho de aguardente". Saudades da mãe

A pobreza e a discriminação social e lingüística do mundo urbano encerravam comumente o jovem camponês em um doloroso auto-isolamento e dolorosa saudade da casa paterna e, sobretudo, da mamma, registrada no cancioneiro militar italiano do século 19. "Renunciava a sair a passeio nos dias e horas de saída livre [...]." Porém, para o recruta camponês, o serviço militar era também momento de possível superação lingüística e cultural da estreiteza do mundo rústico, devido ao contato com novos e variados hábitos, experiências e conhecimentos. Não raro, a alfabetização abria-lhe o caminho à leitura do jornalismo social. O auto-isolamento de Nane foi rompido devido à amizade com Mario, jovem "sargento degradado", de origem urbana e remediada, que o introduz na idéia da necessidade da luta e da organização social: "[...] todos têm a obrigação de trabalhar, têm o direito de viver [...] chegamos a um tempo em que não se pode e não se deve submeter-se a nenhuma tirania". Nane agradece jamais ter sido "chamado a reprimir levante popular" e põe fim à narrativa de sua vida militar afirmando que "todo o meu tempo de serviço militar passei entre Milão e Pádua" "como humilde soldado". "Sofri punições injustas, engoli reprimendas insultuosas, mas nada me ocorreu de extraordinário." A queda de Nane

O retorno de Nane à casa paterna, seu casamento, a tentativa de autonomia política diante dos proprietários da terra, que se organizam para manter na nova ordem o velho monopólio da vida política, precedem a degradação social vivida por ele e seus familiares devido ao rompimento patronal do arrendamento da propriedade explorada. Em junho de 1884, a família é obrigada a entregar os animais e as instalações produtivas e, quatro meses mais tarde, a moradia. Nane-Belli descreve assim um dos milhares de abandonos forçados por núcleo familiar de propriedade explorada por longas décadas levando consigo não mais do que as humildes vestimentas pessoais, os rústicos utensílios domésticos, os pobres instrumentos manuais de trabalho, ou seja, a contabilidade final de uma exploração desapiedada do trabalhador. Sem encontrar propriedade para arrendar, a família divide-se para tentar sobreviver como assalariados. Então, Nane aluga cabana de palha construído em "fração de estrada" e inicia a triste vida de bóia-fria italiano, personagem que a língua local definia como um bisnada. Ou seja, um duplamente nada! Agoniado pela desocupação e pelos baixos salários, sobretudo invernais, Nane emigra, durante o inverno, acompanhado de outros trabalhadores sem terra da região para trabalhar nas represas em construção no Danúbio, na Hungria. Os movimentos migratórios não permanentes eram tradição muito antiga em importantes regiões do norte italiano. Indo e vindo Após seis meses longe da casa, alimentando-se de "pão preto e batatas", Nane retorna gloriosamente com 360 liras na bolsa, o equivalente ao salário anual de um bracciante que trabalhasse domingos

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e dias santificados! Após verão despreocupado, e a formação de um pequeno rebanho de quatro ovelhas, Nane retorna confiante à Hungria para repetir o sucesso do ano anterior. O desprezo e a indiferença das autoridades austro-húngaras e italianas com os salários não pagos devido à fuga de contratador desonesto obriga os trabalhadores a uma longa e dolorosa caminhada, a pé, por cinqüenta quilômetros, da fronteira com a Itália até as aldeias natais. No dia seguinte à chegada a sua choupana, Nane parte sem repouso à procura da miserável e não certa paga do jornaleiro. No Vêneto, desde meados dos anos 1870, sobretudo o sul do Brasil era destino preferencial para os camponeses que pensavam e tinham os recursos necessários para tentar melhor sorte na América. Fluxo migratório que assumiu caráter de massa ao saber-se, em fins dos anos 1880, que o governo brasileiro faria-se cargo das passagens dos trabalhadores que embarcassem para São Paulo. Crendo poder encontrar no Brasil o "Paraíso que o capelão não soubera jamais" definir, Nane obtém a documentação necessária, vende as ovelhas para financiar a viagem terrestre, parte para Gênova, com 31 anos, sua pequena família, dois sacos de roupa e a capa do colchão. Alguns camponeses da região, ainda mais pobres, caminham por um mês até o porto de Gênova! Férias pagas Ao igual que a documentação primária conhecida, a descrição de Belli da travessia atlântica no vagaroso vapor Dogaresse – 28 dias de viagem – contradita os relatos hagiográficos sobre as terríveis condições de vida a bordo, causa de mortandade entre os passageiros de terceira classe, não raro retomados pela memória da imigração. "A alimentação era abundante e sã e no momento que o serviço de bordo foi organizado e que os passageiros começaram a se acostumar a esse movimento [do barco], tornara-se uma festa a distribuição das refeições, que consistiam numa sopa, um pedaço de carne, um pouco de vinho e pão à vontade, duas vezes ao dia. Logo, os nossos organismos tão enfraquecidos começavam a avantajar-se." "[...] essa vida de bordo, isto é, [...] foi salutar para todos nós – apesar de viajarmos apertados como as sardinhas no barril – seja pelo efeito de um tratamento, que, mesmo não sendo bom, era sempre melhor que o das nossas casas, seja pelo efeito do descanso e do ar salino, o fato é que todos nos sentíamos mais fortes, mais robustos e felizes". A avaliação da viagem gratuita e o balanço demográfico da travessia de Belli são definitivamente positivos. Sobre a última questão, Nane anota: "[...] fora duas únicas crianças mais golpeadas e mortas de sarampo, não tivemos que registrar nenhuma outra morte, mas, ao contrário, cinco nascimentos e, assim, a desembarcar fomos mais três passageiros, isto é, 1225." América! América! As observações de Nane repetem os temas da narrativa tradicional sobre a chegada ao Brasil. Ele registra o impacto sobre os viajantes da vegetação luxuriante da costa, dos primeiros negros avistados no porto, da língua desconhecida; a rápida e superficial inspeção sanitária; a deficiência das acomodações em Santos; a viagem noturna de trem para São Paulo; a breve estada na Hospedaria do Bom Retiro; as promessas do fazendeiro ao contratar os colonos recém-chegados.

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A viagem para a fazenda cafeicultora no interior paulista permite sensível registro da percepção dos imigrantes da regressão sócioespacial do Brasil em relação ao norte da Itália. Em vez da planície povoada de aldeias, moradias e caminhos, o Nane e seus companheiros engolfam-se "no meio aos bosques que não terminavam mais" e "um suceder-se de montanhas até o perder-se dos olhos." O espanto do narrador diante da carreta brasileira que transportava bagagens, mulheres e crianças materializa o descompasso entre a rústica sociedade escravista brasileira e a agricultura camponesa do norte italiano: "[...] carroça de duas rodas de uma forma pré-histórica, e que nunca havia visto, e, ao mover-se, fazia um tal barulho, uma infernal chiadeira, que pensei logo que aqui no Brasil não existisse substância untuosa para evitar aquele quebra-tímpanos [...]." Nos três últimos capítulos dedicados quase totalmente à vida do colono italiano na fazenda cafeicultura, Belli retoma e radicaliza o processo de êxtase e agonia vivido por Nane e sua família na Itália, objetivando assim a moral socialista da narrativa, ou seja, que o trabalho assalariado é inevitavelmente motivo de exploração pelos proprietários e pelo capital. Ascensão e queda

Após período em que a natureza exuberante e o trabalho duro permitem a Nane indiscutível progresso – alimentação rica e abundante; cavalo de montaria; cabras, porcos, aves domésticas; quinhentos mil reais no bolso! – um novo administrador, um novo patrão, novas condições de trabalho, a violência do poder político e judiciário a servido dos proprietários ensejam retorno à velha vida de trabalho apenas para a sobrevivência. Uma precipitação das condições de trabalho que o narrador sugere não como resultado dos azares da sorte, mas como produto, em última instância, da superação definitiva do passado escravista através da constituição plena no Brasil de mercado de trabalho livre, apoiado em vasto exército rural de reserva criado sobretudo com a chegada de multidões de emigrados. "Já no início do ano de 1893, resolvemos pedir ao patrão para arrumar as contas, porque nós percebíamos que nossa posição ficava cada dia mais difícil, enquanto que ao patrão não podia faltar mão de obra, já que, em Santos, chegavam os vapores cheios [...]." Nane: la storia di un colono constituí valiosa síntese das razões gerais do movimento migratório e da sorte de parte da imigração vêneta, sobretudo paulista. Porém, o autor deixa claro que o destino de Nane não foi o da inteira imigração, ao referir-se àqueles que conquistaram a sonhada propriedade da terra e, até mesmo, tornaram-se pequenos, médios e, até mesmo, grandes fazendeiros, igualmente desapiedados com seus patrícios. Coisa nossa

A ficção de Belli destaca-se também como depoimento da luta de idéias na Itália entre as classes fundamentais da cidade e do campo na transição do século 19 para o 20. Uma realidade que, transportada em parte para o Brasil ensejará, em terra e situação diversas, novos e ricos fenômenos. A breve história de Nane no Velho e no Novo Mundo fornece igualmente ao leitor contemporâneo combustível para o conhecimento da realidade brasileira extra-imigratória, sobretudo considerando-se que o natural no

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Brasil da época era comumente extraordinário para o recém-chegado. As condições do trabalhador escravizado permanecem objeto de forte debate historiográfico. Repetindo a célebre e fina apologia negreira de Gilberto Freyre em Casa-grande & Senzala, trabalhos acadêmicos atuais constroem visões fantasiosamente gentis do trato, alimentação e trabalho do cativo. Após sua chegada, Belli entrevistou colonos que não raro haviam trabalhado próximos ou até mesmo ao lado dos últimos cativos paulistas. É dura a avaliação da escravidão brasileira desses homens e mulheres habituados à rústica e trabalhosa vida do camponês pobre italiano. Avaliação posta à crítica pública, doze anos após a Abolição. Tronco e bacalhau

"Quantas vezes tivemos que fremir de indignação por ter que assistir àqueles maus tratos e eu entendi então como nos mantinham afastados dos desgraçados escravos, submetidos às torturas do tronco e do bacalhau, para que não tivéssemos que ser freqüentemente espectadores de tantas maldades." Belli transforma seu protagonista em pequeno personagem do 13 de maio – que define como momento "memoravelmente histórico". Nane participa da festa promovida pelos cativos da fazenda onde trabalhava. "Na fazenda os negros libertados fizeram festa – Se bebeu, se cantou, se dançou e eu participei daquela alegria [...]." Exemplo do ideário socialista oitocentista, centrado na fé e na solidariedade dos trabalhadores, não raro por sobre os limites materiais e imateriais, Nane surpreende-se com a imposição senhorial de novas contradições ao mundo do trabalho, apenas superada a divisão histórica entre trabalhadores livres e escravizados vivida no Brasil. Na sua avaliação da transição do escravismo ao trabalho livre, Nane-Belli enfatiza com surpresa que alguns dos poucos ex-cativos que permaneceram nas fazendas após a Abolição foram armados e utilizados pelos proprietários como capangas contra os colonos, em vez de associar-se a eles, como "bons companheiros de trabalho". *** Emilio Franzina, historiador de profissão, professor da Università degli Studi de Verona, autor de vasta e prestigiada bibliografia sobre a imigração italiana e vêneta, recolheu, em 1985, nas páginas de coleção do Avanti! paulista, a introdução e os dezesseis capítulos de Nane: la storia di un colono. Cento e três anos mais tarde, Franzina presta importante serviço à historiografia italiana e brasileira concluindo o resgate desse valioso documento, ao publicá-lo pela Editora Agorà Factory, de Vicenza, sob o título La storia di un colono [190 pp, 15 euros], fartamente discutido e comentado. Assim sendo, para que se conclua essa merecida homenagem aos milhares de Nanes que enriqueceram com seu suor essa terra, sem jamais terem realmente usufruído do produto de seu trabalho, falta apenas alma solidária que traduza ao português a obra de Bartolo Belli que, também enfeitiçado pela realidade nacional, viveu no Brasil até quase sua morte, na Itália, em 1911.

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