NANOARTE, A POÉTICA DO ESPÍRITO

July 26, 2017 | Autor: Renata Homem | Categoria: Consciência, Nanotecnologia, Magnetismo, Espírito, Nanoarte
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NANOARTE, A POÉTICA DO ESPÍRITO Renata Simoni Homem de Carvalho [email protected] UnB (Universidade de Brasília)

Resumo A chamada nanoarte faz parte da corrente de manifestações artísticas deste tempo, no qual arte, ciência e tecnologia se unem cada vez mais. A poética da consciência nano traz uma leitura racional e espiritual acerca dos avanços tecno-científicos. Essa nova arte ajuda a divulgar os avanços da nanotecnologia, gerando uma discussão ética e oferecendo a todos a oportunidade de participar das atuais mudanças de paradigmas.

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Palavras-chave: Nanoarte, nanotecnologia, consciência, espírito, fluido magnético. Abstract The nanoart is part of the artistic flux of this time, which art, science and technology came up together. The poetry of nano consciousness, brings a rational and spiritual reading about the techno-scientific advances. This new art helps to disseminate advances in nanotechnology, creating an ethical discussion and offering to everyone the opportunity to be part of the current paradigms changes. Keywords: Nanoart, nanotechnology, conssiouness, spirit, magnetic fluid. Descobrindo a nanoarte “(...) a arte recente tem usado não apenas pintura a óleo, metal e pedra, mas também ar, brisa, luz, som, palavras, pessoas, comida e muitas outras coisas.” (SANTAELLA, 2003)

A nanoarte é uma categoria muito recente da arte.1 Não existe ainda uma definição exata do termo dado seu prematuro desenvolvimento, mas podemos inferir que: nanoarte é toda forma de arte vinculada à nanotecnologia que trabalha tanto com a tecnologia em si, quanto com os conceitos advindos dos fenômenos quânticos. Assim como as chamadas mídias úmidas (sistemas secos da informática com os úmidos da biologia), a nanoarte caminha junto às novas descobertas e teorias. A partir disso, as mudanças de paradigmas e os questionamentos éti-

* Licenciada em Artes Plásticas pela UnB. Após escrever sobre o tema “primitivo na arte” em sua monografia de final de curso, continuou buscando a poética da essência humana em diversas linguagens, até chegar à arte tecnológica, linha de pesquisa na qual desenvolve seu mestrado na UnB. Nesta linha, estuda a nanoarte e produz obras que utilizam o material nanotecnológico conhecido com o ferrofluido ou fluido magnético. A bibliografia disponível sobre nanoarte é quase que exclusivamente em inglês e se encontra principalmente na internet. Quase não há referências sobre o tema em português. A única publicação brasileira que fala especificamente sobre nanoarte é o catálogo da exposição “Nano: poética de um mundo novo” (MAB-FAAP).

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cos gerados pelo avanço tecno-científico, fornecem ainda mais substratos para a arte. Sobre isso, ARANTES (2005) diz que: (...) a estética, aqui, não é pensada como uma área da filosofia abaixo da ética ou da epistemologia, mas antes, como uma área que, em interface com aquelas, não somente produz conhecimento e traz à luz novas formas de perceber e entender o mundo em que vivemos, como, também, traz à tona questões que dizem respeito aos parâmetros éticos da contemporaneidade. Os trabalhos de vida artificial, arte transgênica, bem como de nanoarte são as produções mais evidentes neste sentido.

A produção das imagens dos materiais em escala nano tornou-se um fenômeno nos últimos anos e, diversas exposições virtuais começaram a surgir unindo artistas e não artistas. Cientistas e estudiosos da nanotecnologia, impressionados com a beleza das imagens produzidas a partir do microscópio de varredura, ou por meio dos processos físicos-químicos, atribuíram a trabalhos inicialmente científicos, a categoria de arte. Contudo, muitos artistas lidam conceitualmente com a nanoarte, ofere-cendo metáforas e questionamentos condizentes com a evolução da arte tecnológica. Trata-se de uma corrente que busca entender as questões da consciência humana partindo do mínimo para o máximo. Neste sentido, a nanotecnologia vem para reconfigurar a consciência do corpo fenomenológico (THOMAS, 2009). Victoria Vesna (EUA) é a artista que mais se destaca nessa linha, desenvolvendo obras e projetos educacionais de nanoarte há algum tempo. Outros trabalhos consolidados em nanoarte são dos artistas: Christa Sommerer (Áustria), Laurent Mignonneau (França) e Sachiko Kodama (Japão).

2 Informação disponível em: e

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No ano 2000, a artista e física, Sachiko Kodama começou a trabalhar em um projeto de arte chamado Protrude, Flow, que utilizava o material nanotecnológico conhecido como ferrofluido. A obra fazia com que os sons e as vozes dos espectadores se transformassem em movimentos e formas, alterando o padrão tridimencional do ferrofluido, tornando visível o fenômeno físico e magnético desse material.2 A obra Protrude, Flow foi exibida em diversos festivais de arte e mídia e recebeu os prêmios: 5th Media Arts Festival e 16th Digital Content Grand Prix em 2001 e o Japan Information-Culture Society Art Award, em 2002. Os artistas Christa Sommerer e Laurent Mignonneau apresentaram em 2002, no Sprengelmuseum (Alemanha), a obra Nano-Scape. Tratava-se de uma

escultura interativa, que também lidava com o invisível: ”(...) Enquanto mídia e ciência tentam capturar imagens das menores partículas para entender suas propriedades, Nano-Scape tenta fazer este nano-mundo intuitivamente acessível através do toque” (SOMMERER, 2002).3 Victoria Vesna apresentou em 2003, nos Estados Unidos, a exposição Nano: a Media Arts & Science Exhibition4 tornando a nanociência visível, tangível e experimental para os visitantes. Desde então, a artista midiática vem trabalhando em parceria com o nanocientista James Gimzewski em inúmeros projetos. Em 2008, Vesna e Gimzewski vieram ao Brasil para a exposição “Nano: poética de um mundo novo”, no MAB-FAAP, em São Paulo. Segundo a curadora da exposição, a artista e pesquisadora Anna Barros, o trabalho dos dois trazem instalações que “abordam, de maneira experimental, o impacto da nanociência na cultura e na consciência” (BARROS, 2008).

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Sobre a sua relação com o universo nano, Victoria Vesna diz que: Minha inspiração vem da beleza em ver como a natureza funciona de baixo para cima e como a complexidade evolui. Fico excitada com o fato de como a ciência na escala nano tem o potencial de nos aproximar e cooperar com a natureza na construção e na transformação do mundo. Em última análise, nós somos os mais surpreendentes nano-seres, todos nós começamos como uma semente e, em seguida, nos tornamos seres complexos relacionados com tudo e todos ao nosso redor. Meu objetivo é trazer essa realização e a mudança da percepção de nossos corpos e de que nós somos capazes de possibilitar uma grande mudança de paradigmas. (VESNA, 2006) 5

Em 2006, o projeto ARTNANO, da rede de comunicações NISE (Nanoescale Informal Science Educaton), convidou vários artistas e cientistas a participar de instalações e residências que explorassem diferentes abordagens para visualizar a escala nanométrica. Estes trabalhos identificavam novas técnicas, abordagens e desafios da investigação da escala nano. Ao documentar esses projetos, a intenção de Jennifer Frazier, diretor do projeto, era a de que eles pudessem influenciar e inspirar o trabalho de outras pessoas que enfrentam o desafio de retratar essa paisagem remota. 6 Há ainda a chamada nanomedicine art, que também se relaciona com a nanoarte, porém utilizando conceitos específicos da medicina. O Foresight Institute (EUA), fundado em 1986 com o intuito de divulgar a nanotecnologia, vem promovendo concursos e prêmios de arte nanomédica, como o Visions of Science Award

Informação disponível em: e

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Informação disponível em: LACMALab - Los Angeles County Museum of Art:

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Informação disponível em:

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Os convidados eram: Eric Heller, Stephanie Maxwell, Santiago Ortiz, Ruth Jarman, Joseph Gerhardt, Scott Snibbe e Victoria Vesna. Informação disponível em:

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(2002) 7. Seus participantes são dezenas de pessoas de diferentes áreas que de alguma maneira trabalham com a medicina em escala nano, sob um olhar artístico. Em sua galeria de arte virtual8, a artista que mais se destaca é Natasha Vita-More (EUA), fundadora do “Movimento Transumanista” (1983) e autora do “Manifesto da Arte Extrópica” (1997).9 O transumanismo é uma corrente filosófica e artística, que, entre outras coisas, incentiva o uso da biotecnologia, da neurotec-nologia e da nanotecnologia, para entender e melhorar a condição humana. 10 É importante salientar, contudo, que os propósitos da nanoarte de viés transumanista, são bem diferentes daqueles que produzem a nanoarte sob o olhar anímico, da busca pela consciência e dos mistérios da vida, como sugerem Roy Ascott e Victoria Vesna. E esta é a linha à qual esse artigo se afiniza e pretende desenvolver, como veremos a seguir. A poética da consciência nano

7 Informação disponível em:

e < http://www.foresight. org/about/index.html> 8 Informação disponível em:

Informação disponível em: 9

Segundo a Wikipédia. Verbete: Transumanismo.

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Segundo o dicionário HOUAISS: Verbete: “consciência”.

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MARINO JR., 2005, p. 107.

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A arte e os artistas estão condenados ao eterno materialismo? Segundo Roy Ascott, teórico, artista e fundador do Planetary Collegium (CAiiA-STAR), o advento da nanotecnologia trouxe à luz um território com contornos espirituais e anímicos. A partir desse ponto, seria possível criar uma arte etérea, que estaria mais próxima do que os filósofos chamam de consciência humana. (Enciclopédia Itaú Cultural Arte e Tecnologia)

As descobertas advindas do universo invisível da nanotecnologia, da física quântica e da neurociência, desafiam a razão e reconfiguram conceitos, confluindo para a grande mudança de paradigmas da ciência moderna. Sabemos que consciência é o “sentimento ou conhecimento que permite ao ser humano vivenciar, experimentar ou compreender aspectos ou a totalidade de seu mundo interior”. 11 Também entendemos a consciência como a totalidade dos elementos mentais inerentes ao indivíduo, onde o sentido de um “eu materializado” é gerado pela existência de um sistema nervoso.12 No livro “A Religião do Cérebro”, do neurocirurgião Raul Marino Jr. (Prof. Dr. da USP, diretor do Inesp-SP e Visiting Scientist do NIH-EUA) temos que, um dos nossos maiores paradigmas é a morte da consciência, decorrente da morte corporal. Se a nossa consciência existe a partir do funcionamento das redes neurais do cérebro, seria lógico inferir que a consciência de um indivíduo parasse de funcionar quando a fisiologia cerebral fosse interrompida pela morte. Contudo,

a teoria da continuidade da consciência, desafia a nossa lógica. Muitos pesquisadores têm estudado pacientes que sofreram o processo de ressuscitação cardiopulmonar após uma parada cardíaca, pois este seria melhor modelo que os cientistas teriam para estudar o processo da morte. Conforme Marino Jr. (2005, p.110-111), um cardiologista holandês, o Dr. Pim van Lommel, realizou um estudo com pacientes sobreviventes de paradas cardíacas, com o propósito de entender a relação entre a consciência e o processo da morte. Ele constatou que dezoito por cento dos pacientes estudados referiram-se a lembranças do período exato em que estiveram em morte clínica. É importante lembrar que a parada cardíaca gera uma ausência total de oxigênio no cérebro, reversível apenas nos primeiros minutos, com a ressuscitação cardio-pulmonar de urgência, que previne o dano definitivo das células cerebrais. Por isso, o eletroencefalograma não poderia detectar a consciência nesse estágio.

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Mas então como os pacientes relatariam essas lembranças no momento em que seus cérebros não estavam funcionando? Ainda segundo Marino Jr., neste caso, poderíamos entender o funcionamento da nossa consciência como os campos eletromagnéticos dos aparelhos de TV, celulares ou computadores sem fio. Nós apenas nos damos conta dos campos eletromagnéticos que atravessam nossos corpos, a todo o momento, quando os detectamos sob a forma de imagem ou som. Quando essas causas invisíveis se tornam observáveis pelos nossos sentidos, sua percepção atinge nossa consciência. E assim como a imagem, o som ou a internet não estão dentro das máquinas, a nossa consciência poderia não estar dentro do cérebro, pois quando desligamos os aparelhos, a recepção cessa, mas a transmissão continua nos campos eletromagnéticos. E apesar de a ciência não comprovar que a vida humana continue existindo após a morte, ela já nos permite supor, por meio de suas incessantes descobertas, que a morte represente apenas a passagem de um estado de consciência para outro. É neste sentido que a consciência passa a ser entendida como um atributo espiritual, e é assim que alguns artistas da nanoarte trabalham conceitualmente. Roy Ascott, em seu artigo “A arte do espírito” (2007), avalia que a falta de espiritualidade pode acentuar o excesso de materialismo de nossa época. E considera que a o nanocampo inserido na arte é capaz de fazer emergir valores místicos que sustentam questões intuitivas e poéticas. Sobre isso, ele diz que:

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Um materialista pode ver o trabalho no nanocampo como o fim do jogo, mas não é necessário adotar um transcendentalismo para ver que o nano está localizado entre a densidade material de nosso mundo cotidiano e os espaços misteriosos da imaterialidade subatômica. O nano transita entre a matéria pura e a consciência pura. (ASCOTT, 2007)

Ascott ainda sugere que a união estética entre consciência e tecnologia, presentes na arte das mídias úmidas, pode oferecer à nossa consciência o papel simultâneo de sujeito e de objeto da arte. Ele diz que técnica (techne) e consciência (noetikos) se unem formando o que ele chama de “tecnoética”, que existiria desde as culturas ancestrais fazendo da arte um exercício espiritual. Para Kandisnsky, a única forma de revolucionar a arte e mudar nossas profundas concepções de mundo, se daria por meio da negação do materialismo puro. 13 Kandisnky (1996, p.274) diz que: “Na arte o espírito é a fonte, a matéria (forma) é a expressão”. A partir desse raciocínio, infere-se que toda arte contém algo do espírito de quem a cria. E como vimos, o significado de espírito que a que esse texto se refere, é o de uma consciência que independe da matéria para existir.

É preciso deixar claro apenas, que quando Kandisnsky se referia a discussão do espiritual versus material, esta girava em torno das diferenças entre a arte figurativa e concreta presentes em sua época. As correntes artísticas carregavam consigo valores culturais e políticos, por isso, a mudança na arte, acarretaria em mudanças sociais e éticas. A arte concreta, ou abstrata, possibilitaria um contato profundo com a natureza do ser humano, por meio da espiritualidade e da intuição. Enquanto a arte figurativa, ou naturalista, representava um materialismo cético, ateu, positivista.

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Porém, a incerteza do que o espírito seria de fato, se estende desde a antiguidade aos dias de hoje. A nanotecnologia e a física quântica em muito têm colaborado para o entendimento dessa questão. Até que se consiga comprovar, ou não, a existência do espírito, a humanidade certamente continuará buscando resolver esse mistério, seja na arte ou na ciência. Platão sugeria que o homem possuía uma alma transcendente e meta-física, capaz de retornar a Terra diversas vezes – inclusive em corpo animal – com o intuito de evoluir. Em “Fedro” (papiro do séc. III a.C), Platão diz que: “Toda alma é imortal, pois aquilo que se move a si mesmo é imortal.” (...) “E é na Idéia Eterna que reside a ciência perfeita, aquela que abarca toda a ver-dade.” (PLATÃO, p.81-84, 2002). Hegel, em “Fenomenologia do Espírito” (2008, p.27), ao defender que a filosofia deva ter o mesmo status da ciência, afirma que a necessidade “interior” é idêntica a necessidade “exterior”. Ou seja, o “interior”, que representa o pensamento, ou o espírito, é tão importante quanto o “exterior”, que são as questões pré-estabelecidas pela ciência, possuidoras de uma “inteligibilidade universal”. Neste sentido, a verdadeira popularização do espírito, poderia acontecer na medida em este se tornasse científico, pois, segundo Hegel, a ciência é aberta e acessível a todos.

Por outro lado, ele diz que o “absoluto” que o espírito atinge, não deve ser conceitualizado, mas sim, “sentido” e “intuído”, para que possa mover a expressão intelectual e efetiva. Hegel explica que passamos tanto tempo tentando explicar e conceitualizar o espírito, que perdemos o foco dele próprio, como afirma: “(...) o espírito agora exige da filosofia não tanto o saber do que ele é, quanto resgatar, por meio dela, aquela substancialidade e densidade do ser [que tinha perdido].” (HEGEL, 2008, p.29) Hegel considera ainda, que o espírito é apenas uma tendência, um impulso carente de sua efetividade. Enquanto a ciência seria o resultado sem vida. Pois, segundo ele, “o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a tendência”. (HEGEL, 2008, p. 27) Mesmo assim, Hegel não desiste de oferecer à filosofia, ou ao espírito, a oportunidade do saber efetivo, sem, no entanto, neutralizar o devir e a intuição intrínseca a eles.

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Se encararmos essa tentativa de tornar algo não empírico em saber efetivo como uma contradição, diríamos que se trata de uma armadilha circular. Tal qual um ouroboros epistemológico – como na mitologia da serpente que morde a própria cauda, simbolizando o infinito. Pois ao que tudo indica, aquilo que não pode ser comprovado, não é aceito, mas quando conseguimos comprovar, já não nos basta aceitar, porque queremos outro mistério para resolver. Porém, a diferença crucial na busca pelo conhecimento, é que essa tentativa, não nos leva a rodar em círculo, como no caso da serpente, mas sim em espiral, onde cada volta dada representa uma ascensão, e o caminho se torna progressivamente mais curto, rumo à evolução. Conclui-se que o papel da nanoarte pode ser o de aproximar homem, ciência, e espírito, encurtando o caminho do auto-conhecimento e da cosmovisão. Além disso, ao divulgar poeticamente as descobertas da ciência, a nanoarte oferece a todos a oportunidade de participar das mudanças de paradigmas as quais a humanidade passa. E, como o universo nano ainda é muito desconhecido, todo auxílio é bem vindo para o seu entendimento, como explica Anna Barros: “O mistério do universo nano está em ser invisível a nossos olhos, demandando uma interpretação imaginativa que necessita do auxílio da arte. (...) para adentrar e compreender essa escala, necessitamos de metáforas poéticas que nos levem a perceber comportamentos só existentes na física quântica.” (BARROS, p.1576, 2008)

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Sobre a nanotecnologia A nanotecnologia é um conjunto de práticas de pesquisa de áreas físicas, químicas, biológicas, médicas e computacionais. De forma simplificada, representa a capacidade humana de se manipular a matéria em escala nanométrica. Nano (n), do grego nánnos, significa “excessiva pequenez” ou “anão”.14 Um nanômetro (nm) é a bilionésima parte de um metro e é escrito em notação científica como 1x10-9. Expressões como “futuro brilhante”, “quinta revolução industrial” ou “tecnologia revolucionária” têm sido usadas para designar essa tecnologia, que, ao unir diversas áreas do conhecimento acabou por se tornar uma ciência: a nanociência. A nanotecnologia compreende o controle da matéria desde a escala do átomo até cerca de 100 nanômetros. Dentro desta dimensão se encontram as composições atômicas e moleculares de qualquer material presente na natureza. Para compreender essa escala, temos que: “um átomo mede cerca de dois décimos de um nanômetro e o diâmetro de um fio de cabelo humano mede cerca de 30.000 nanômetros” (CHAVES, 2002). Ainda no século dezenove, Michael Faraday já demonstrava preocupação com o que poderia ocorrer com as propriedades de materiais que estivessem em escala minúscula. Faraday teria sido um dos primeiros cientistas a estudar sistematicamente o nanomaterial (ROCCO, 2007). O marco inicial da nanotecnologia é considerado por muitos como a palestra proferida por Richard Feynman (Prêmio Nobel de Física-1965). Na palestra “Há muito espaço lá em baixo”, realizada em 1959, foi pronunciada a frase visionária: “(...) no futuro, poderemos arranjar os átomos da maneira que quisermos (...)” (FEYNMAN, 1960). O termo usado para denominar a ciência sugerida por Feynman, surgiu apenas em 1974. Foi na Universidade de Tóquio, que o pesquisador Norio Taniguchi propôs a utilização do termo nanotecnologia, para designar a promissora engenharia em escala submicrométrica. (DURAN, 2006)

Segundo o dicionário HOUAISS. Prefixo: “Nano-”.

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A nanotecnologia teria se popularizado apenas em 1992, quando o Eric Drexler foi chamado pelo governo norte-americano para explicar suas previsões sobre a criação de nanorrobôs, que poderiam reconstruir nanoestruturas capazes de retardar o processo de envelhecimento no interior do corpo humano.

Os microscópios ópticos utilizados para visualizar as microestruturas não servem mais à nanotecnologia devido a sua limitação do comprimento de onda da luz visível. Para se chegar à escala nano, são usados os Microscópios de Varredura por Sonda (SPM). Este se divide em vários tipos, como, por exemplo, o AFM (Microscópio de Força Atômica) e o STM (Microscópio de Varredura por Tunelamento). O STM foi o primeiro aparelho capaz de produzir imagens reais de superfícies com resolução atômica. Esta invenção rendeu aos seus criadores, Gerd Binning e Heinrich Roher, da IBM, o Prêmio Nobel de Física, em 1981. (DUARTE, 2009)

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O funcionamento do STM consiste em “varrer” ou “tatear” uma superfície por meio de uma agulha cuja ponta é do tamanho de um átomo. Durante a varredura, os elétrons realizam o movimento quântico conhecido como tunelamento. A corrente de tunelamento é transmitida ao software, que gera a imagem visível, extremamente ampliada. (CHAVES, 2002) Em 1990, os cientistas da IBM conseguiram mover e posicionar 35 átomos de xenônio, um a um, sobre uma superfície de níquel, compondo a marca da empresa.

Imagem 1. Engenharia na escala atômica.

Hoje, bilhões de dólares são investidos para a pesquisa e o desenvolvimento de produtos em nanotecnologia em todo o mundo. Já se encontram no mercado vários produtos de uso cotidiano como roupas, artigos esportistas, cosméticos, alimentos e remédios. Porém, a nanotecnologia engloba inúmeras áreas, entre elas, as de maior importância são: a eletrônica, a optoeletrônica, as tecnologias da informação, de segurança, de conservação do ambiente, a indústria alimentar e têxtil, e em especial, a medicina. (FIGUEIREDO, 2006)

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No sentido Junguiano, onde a coincidência de um estado psíquico com um acontecimento exterior correspondente ao que ocorre fora do campo de percepção do observador.

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Segundo o dicionário HOUAISS: arte, ciência ou prática baseada na crença de ser possível influenciar o curso dos acontecimentos e produzir efeitos não naturais (...) seja por meio de fórmulas rituais ou de ações simbólicas metodicamente efetuadas.

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Segundo o dicionário HOUAISS: Bebida alucinógena preparada com o caule do caapi e folhas de chacrona, usada ritualmente por populações amazônicas e milhares de adeptos de diversas seitas em todo o Brasil e no exterior.

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Praticando nanoarte Nós, artistas pesquisadores, temos o privilégio de unir teoria e prática. Pois, a nossa metodologia de pesquisa se baseia na confluência entre conhecimento e produção poética. Segue neste artigo, a experiência prática que essa pesquisa em nanoarte gerou. A sinconicidade15 e a magia16 foram alguns dos elementos presentes nesse processo. Antes de chegar à nanoarte, no início da pesquisa para o mestrado, minha idéia era produzir obras com conteúdo mágico, ou seja, obras em que o processo criativo derivava de experiências não empíricas, mas sim espirituais, xamânicas, intuitivas. Algumas, inclusive, advindas de experiências com o chá ayahuasca17. O projeto escrito para o mestrado, na linha de Arte e Tecnologia tinha como tema “jogo e rito”. A intenção era de que expectador sentisse ou compreendesse um pouco do processo criativo a partir da interação lúdica com as obras. Porém, após experimentar a participação de algumas obras prontas, ficou claro que as minhas experiências pessoais jamais seriam percebidas pelo público. A partir daí, a obrigatoriedade da participação do jogo ou do rito, tornou-se inválida. Neste primeiro processo percebi também que a arte tecnológica não tinha nada a ver com a tecnologia que eu estava usando nas obras, representada pelo uso de botões, luzes, lentes e mecanismos manuais. O estudo da arte das novas mídias mostrava que muito além dos botões e mecanismos, encontravam-se trabalhos de realidade virtual, vida artificial, telerrobótica, arte genética, biotelemática e nanotecnológica, por exemplo. Mas a pesquisa anterior, sobre processos mágicos e experiências anímicas, encontrou várias analogias com o universo nano, e principalmente, com as palavras de Roy Ascott, que, sincronicamente, apresentava um discurso místico e espiritual, ao falar da arte nanotecnológica. Deste modo, foi possível estabelecer um recorte com a nanoarte. E foi nesse ambiente de sincronicidades e descobertas que se vislumbrou o trabalho de Victoria Vesna e Jim Gimzewski, por meio do artigo de Anna Barros. A exposição “Nano: Poética de um Mundo Novo”, trazia uma série de instalações que uniam poesia, ciência e espiritualidade. Apenas o contato com as imagens e as descrições das obras, já foram suficientes para emocionar e instigar uma produção em nanoarte.

Enquanto o estudo seguia, assisti uma palestra sobre “Nanotecnologia e Arte” 18, proferida pelo Prof. PhD. Ricardo Bentes de Azevedo, onde foi apresentado um vídeo de um ferrofluido, que ele chamava de fluido magnético. Esse fluido seria fruto de uma manipulação em escala nano, onde nanopartículas de ferrita inseridas em um meio oleoso, fariam com que ele fosse capaz de reagir a um campo magnético, mesmo sob a forma líquida. A imagem provocou admiração em todo o público presente, formado em sua maioria por estudantes de medicina e engenharia mecânica. O vídeo mostrava um líquido escuro dentro de um vidro, que ao ser manipulado externamente pelo uso de um imã, adquiria volume tridimensional, tornando visíveis as direções do campo de força magnético, que se apresentava na forma de spykes (ou espinhos).

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O tema da palestra sugeria que as imagens captadas pelo microscópio de varredura apresentassem tal beleza, que estas se adequariam facilmente à categoria de obra de arte. Felizmente o palestrante não se ateve ao que seria um papel meramente ilustrativo da arte, e ele próprio, citou Anna Barros para explicar melhor como se estabeleceria a relação entre arte e nanotecnologia. Chegou a ser dito que o laboratório de nanobiotecnologia estaria aberto aos artistas que se interessassem em estabelecer algum tipo de troca. Poucos dias depois, outra palestra (desta vez em uma casa espírita), falava de processos de canalização e cura energética de diferentes culturas. Foi dito que a própria medicina ocidental já teria utilizado uma forma de passe19 para curar doentes. Ela se referia ao médico alemão Franz Anton Mesmer, que no século XVIII, desenvolveu estudos sobre uma teoria chamada de “magnetismo animal”, que ficou conhecida como “mesmerismo”. Mesmer teria partido do macrocosmo para o microcosmo, estabelecendo uma relação entre a teoria da gravitação de Isaac Newton e a co-influencia entre os astros para dizer que o mesmo se dava com todos os seres vivos, incluindo os microorganismos. E aquilo que unia e mantinha toda a vida do universo era chamado por ele de “fluido universal”, do qual derivava o “fluido magnético”. Mesmer curou seus pacientes “aplicando-lhes” o “fluido magnético” por meio de técnicas de magnetização. Para o mesmerismo, o corpo possuiria, assim como o imã, pólos positivos e negativos, e a doença seria causada por um desequilíbrio magnético, por isso, a corrente magnética gerada pela aplicação do fluido seria capaz de levar o corpo à cura. 20 O interessante nisso tudo era que Mesmer teria utilizado exatamente o mesmo termo – “fluido magnético” – que a nanotecnologia utiliza para designar

Realizada em 3 de junho de 2009, como parte da exposição “Paisagens Neuronais” (Instituto Cervantes Brasília).

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Segundo o Dicionário HOUAISS da Língua Portuguesa: Ato de passar as mãos repetidas vezes por diante ou por cima de pessoa que se pretende magnetizar ou curar pela força mediúnica (rubrica: religião).

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As informações da palestra espírita foram devidamente conferidas a partir da obra: “Mesmer, a ciência negada e os textos escondidos”, de Paulo Henrique de Figueiredo.

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o ferrofluido. Tratava-se do uso da mesma expressão, para designar coisas diferentes, de áreas opostas, que apareceram quase que simultaneamente durante a pesquisa, unindo novamente, ciência e espírito. Após algumas visitas ao laboratório de nanobiotecnologia da UnB, o Prof. Ricardo Bentes pôde emprestar um pouco do fluido magnético para ser utilizado em uma possível obra de arte. A partir disso, pude experimentar e realizar meu primeiro trabalho em nanoarte. A obra “Nano fractal” (Renata Homem, 2009) foi exibida na exposição do 8º Encontro Internacional de Arte e Tecnologia - #8ART. Uma luminária fluorescente abrigava um pequeno pote de vidro com o fluido magnético dentro. O público deveria vestir uma luva branca que continha um imã na ponta dos dedos polegar e indicador. Assim, seria possível manipular o fluido magnético fazendo-o subir pela parede do vidro enquanto sua configuração tridimensional se formava.

Imagem 2. Nano Fractal. Renata Homem. Galeria Espaço Piloto. Brasília, 2009

A primeira obra foi uma experiência simples, mas muito importante. Representava para a minha pesquisa um futuro possível e uma aproximação efetiva com a nanotecnologia.

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Em um segundo momento, quando eu buscava mais informações sobre o fluido magnético, encontrei o autor do vídeo exibido na palestra citada, o Prof. Dr. Francisco Ricardo da Cunha, diretor do Vortex-UnB (Grupo de Mecânica dos

Fluidos de Escoamentos Complexos). Após receber-me com muita boa vontade, o Prof. Francisco se interessou pela proposta artística e fomos ao laboratório do Vortex realizar algumas experiências com os ferrofluidos que ele tinha. Foi possível observar características importantes como solubilidade, meio e força do campo magnético. O Prof. Francisco cedeu, então, uma pequena quantidade do fluido para um novo trabalho artístico. A segunda obra, “Fluido Vital” foi apresentada na exposição “Instinto Computacional”, realizada no Museu da República em novembro de 2009. Desta vez, o fluido não apresentava a mesma característica do fluido anterior, pois o fluxo magnético gerado não era capaz de formar os spykes, mas era suficientemente forte para reagir ao campo do imã, permitindo que o público pudesse movê-lo dentro do pote de vidro.

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Nesta obra, foi possível experimentar como o fluido reage em diferentes soluções. Misturas que continham glicerina, tinta fluorescente, tinta metálica, gel, aquarela e goma, foram inseridas em seis potes diferentes. Cada um dos potes assumia configuração diferente após a manipulação do público.

Imagem 3. Fluido Vital. Renata Homem. Museu da República. Brasília. 2009.

No momento, a obra em desenvolvimento “Magnetomembrana”, consiste em uma membrana de plástico transparente a qual abriga o fluido magnético. Desta vez, ao ser manipulado pelo público (por meio dos imãs) o fluido poderá assumir uma configuração mais orgânica. Para essa obra, foi comprada a ferrita em pó, em uma empresa especializada em nanotecnologia (Nanum). Esse projeto pretende continuar explorando as possibilidades do magnetismo e dos desdobramentos anímicos, baseados na pesquisa e na poética da consciência nano.

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Imagem 4. Protótipo “Magnetomembrana” 1. Renata Homem, 2010

Lista de imagens 1. Engenharia na Escala Atômica. In Chaves, 2002. 2. Nano Fractal. Renata Homem. Galeria Espaço Piloto. Brasília, 2009 3. Fluido Vital. Renata Homem. Museu da República. Brasília. 2009. 4. Protótipo Magnetomembrana 1. Renata Homem, 2010

Bibliografia ARANTES, Priscila. Arte e mídia. Perspectivas da estética digital. São Paulo: Ed. Senac, 2005. BARROS, Anna (Org.). Nano: poética de um mundo novo. Arte, ciência e tecnologia. São Paulo: FAAP, 2008. BARROS, Anna. Nano arte, a Poética Metafórica. Anais – 17° Encontro Nacional da Anpap - 2008. Florianópolis, Diaponível em: Acesso em: 8-4-10. CAPOZZOLI, Ulisses. A ciência do pequeno em busca da maioridade. Scientific American Brasil. Duetto Editorial. Edição n. 1, Junho 2002. Disponível em: Acesso em: 23-02-10. CHAVES, Alaor. Nanociência e Nanotecnologia. Com Ciência – Revista Eletrônica de Jornalismo Científico. SBPC/Labjor. 2002. Disponível em: Acesso em: 20-02-10. DUARTE, Fabiano Carvalho. Microscópio de Tunelamento com Varredura (STM) e Microscópio de Força Atômica (AFM). DSIF/UNICAMP. 2009. Disponível em: Acesso em: 24-02-10.

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DURÁN, Nelson; MATTOSO, Luiz Henrrique Caparelli; MORAIS, Paulo Cezar de. Nanotecnologia: introdução, preparação e caracterização de nanomateriais e exemplos de aplicação. São Paulo: Artliber Editora, 2006.

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Sessão de Artigos (GT2) Poéticas Visuais e Processos de Criação

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