Não desta vez

June 29, 2017 | Autor: F. Chagas-Bastos | Categoria: Brazil, Brazilian Politics, Brasil, Brazilian Foreign policy
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SEXTA-FEIRA, 01.08.2014

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS* Não desta vez

S

aúde, economia, (des)emprego são temas que sempre dominam a cena política durante as campanhas à Presidência da República no Brasil, sem contar os ataques pessoais de lado a lado, que vez por outra irrompem o debate - como uma bolinha de papel voando no meio da multidão. Se ‘nunca na história desse país’ a opinião do Brasil no mundo foi tão importante, por qual motivo os temas referentes a sua posição no cenário internacional não entram na agenda de debates dos candidatos à Presidência? Para retomar o mais recente episódio da dita proeminência do País, fomos escolhidos por Israel como bode expiatório, depois que aqueles sofreram uma reprimenda coletiva no Conselho e Direitos Humanos da ONU na última semana. A política externa é assunto de extrema importância para qualquer governo, dado que envolve um complexo relacionamento de temas como economia (financiamentos, empréstimos e juros), segurança (pública e defesa),

comércio e tecnologia - para citar apenas alguns. FMI, balança de pagamentos, aumento do IOF, quedas nas exportações de carros, aumento do preços dos alimentos... tudo isso toca à política externa, sem exceção. Pode parecer espantoso, mas o tema nunca foi assunto de destaque em campanhas eleitorais no Brasil. Uma das explicações aponta para o fato de que, tradicionalmente, os programas de governo de cada um dos candidatos neste quesito são escritos por acadêmicos e/ou diplomatas (ativos ou não). Isto é, enquanto política de Estado, não é tema que deve ser levado à refrega eleitoral, por conta do profissionalismo e das delicadas relações que estão envolvidas. Outras duas tentativas, oriundas do meio político, dizem que i) o “brasileiro é caipira” (FHC); e ii) que o “o brasileiro acredita que não precisa do mundo, que o Brasil se basta” (José Dirceu). Ambas apelam para critérios sócio-psicológicos que não são excludentes. De trás para frente. Por conta do tamanho continental e dos recursos naturais abundantes, o brasileiro médio acabou por internalizar a ideia de que o País não depende de nenhuma conexão com o mundo, pode viver muito bem ensimesmado. O que nos leva à segunda explicação: não precisando do mundo, preocupemo-nos com as coisas da província, da cidade! Não há porque olhar para além, para o mundo. Sob a ótica pragmática do marketing político, discutir a política externa brasileira durante os programas elei-

SEXTA-FEIRA, 01.08.2014

torais gratuitos seria desperdiçar preciosos (e escassos) minutos atingindo uma minoria educada que se interessa por tais questões, ao invés de atingir a grande massa de eleitores. As contradições sobre as opções de posicionamento do Brasil no mundo são espremidos em sabatinas, em eventos tópicos, longe do acesso de grande parte da população. Ao contrário, deveriam ser trazidas ao centro do debate eleitoral, como política pública que é. O militante prescinde o estadista e os gurus das campanhas continuam sendo os homens do marketing. Portanto, em 2014, veremos não mais do que ataques a um porto em Cuba ou ao fato de o chanceler tirar os sapatos para entrar nos Estados Unidos. Mais do mesmo. Uma virada decisiva, como nos Estados Unidos, no qual a in-

vasão ao Iraque decidiu a reeleição de George W. Bush, é impensável na conjuntura brasileira. Mesmo alijados do debate formal, é interessante notar que as relações internacionais do Brasil têm ganhado destaque nos jornais de grande circulação, seja por meio das colunas fixas de especialistas, ou por colaborações eventuais. Para os políticos, política externa nas eleições? Não desta vez.

FABRÍCIO H. CHAGAS BASTOS É PROFESSOR DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS CONTEMPORÂNEAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS (UFGD) E DOUTORANDO EM INTEGRAÇÃO DA AMÉRICA LATINA PELA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO (USP)

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