Nao ha saida boa para a Brexit

June 1, 2017 | Autor: Sergio Abranches | Categoria: European Studies, Globalization, European Union, Democracy
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Não há saída boa para a Brexit, nem tragédia à vista Sérgio Abranches

Referendos e eleições nem sempre resolvem impasses em sociedades muito divididas e com informação imperfeita sobre as decisões. Foi exatamente o que aconteceu com o referendo sobre a saída do Reino Unido da União Europeia, ou Brexit. Os britânicos saíram de um impasse para outro mais intrincado. O impasse original nasceu de um erro de tática política do primeiro-ministro demissionário e da propaganda enganosa da extrema-direita, ultranacionalista e racista. Em um ambiente de incertezas econômicas e sociais, entraram numa campanha pelo referendo sem informação adequada sobre o seu real signiKicado e tendo à frente as lideranças fracas do Conservador David Cameron e do Trabalhista, James Corbyn. Cameron já caiu. Corbyn resiste ao pedido praticamente unânime dos parlamentares trabalhistas para que apeie da liderança que não soube exercer em momento crítico para o partido e para o Reino Unido. Não há saída boa para o Brexit, nem creio que ela levará a Europa ao apocalipse. Logo que saíram os resultados, os britânicos, perplexos, se deram conta de que haviam tirado das urnas um problema ainda maior do que aquele que pensavam em resolver no voto. No fundo, queriam o impossível: todas as vantagens do mercado comum europeu, sem qualquer de suas condicionalidades. Não existe esta opção no cardápio da retirada, ou em qualquer outro disponível. O Reino Unido já se beneKiciava desse mercado e dos efeitos positivos do Euro, sem fazer parte da união monetária. Agora, quer Kicar com o bônus inteiro, sem ter qualquer ônus. Muitos ainda tentam encontrar uma fórmula de voltar atrás na decisão: um referendo conKirmatório, ou a necessidade de aprovação do resultado do referendo da Brexit pelo Parlamento. São recursos improváveis para consertar o que não tem muito conserto. A questão, agora, é como e quando sair? O quando é mais fácil de tratar. A União Europeia prefere que a Brexit aconteça o mais rápido possível. Os britânicos querem que ela seja tão lenta que nem aconteça. A Alemanha anda dividida. Não quer maltratar o Reino Unido, que serve de contrapeso nas suas relações, nem sempre fáceis, com os franceses. Mas não quer, também, fazer mais concessões aos britânicos, a ponto de criar privilégios que terminariam por minar a estabilidade da federação europeia. A regra diz que, uma vez formalizado o desejo de sair, o país teria dois anos para negociar os termos da saída. O problema é que esta regra está no artigo 50 do Tratado de Lisboa, que regula a saída de um membro da União Europeia e nunca foi usado. Ninguém sabe como funcionará. Em outras palavras, não há receita pronta para a saída. Em que termos se dará a negociação para essa saída? Que direitos residuais o país que deixa a federação poderia reter? Como Kicaria seu status na União, após a saída? Não há um mapa para esse caminho para fora. Ninguém tem respostas prontas, mas todos sabem que, dado o tempo e a profundidade do envolvimento do Reino Unido na UE, desfazer esses laços e interdependências será complexo. O que se pode dizer é que a ideia de manter o acesso pleno do UK ao mercado comum seria praticamente impossível, sem desestabilizar a União Europeia e a chamada Área

Econômica Europeia. Essa possibilidade vem sendo denominada de “saída norueguesa”. Mas é ilusória. A decisão do referendo foi inspirada por três ideias-força: a contribuição do Reino Unido ao orçamento da UE poderia ser gasta em políticas anticíclicas ou de aceleração do crescimento domesticamente; restringir unilateralmente o livre trânsito de trabalhadores; e “resgatar” a soberania decisória do país. Como membro da AEE, que se imagina mais Klexível, a Noruega faz aporte proporcionalmente maior, em relação ao PIB, que a contribuição do Reino Unido à UE. Além disso, para ter pleno acesso ao mercado comum europeu de bens e serviços, os países da Área Econômica Europeia, têm que aceitar as mesmas regras para mobilidade da força de trabalho que valem para os países-membros da União Europeia. Resta, então, a questão da soberania nas decisões macroeconômicas. A Noruega não faz parte do Euro, nem da UE, mas suas decisões monetárias e Kiscais continuam atreladas às decisões de Bruxelas. Por outro lado, com a globalização dos mercados Kinanceiros, nenhum país importante consegue escapar da coordenação macroeconômica “extra-nacional”. As regras de acesso ao mercado comum continuarão sendo determinadas por Bruxelas, com a desvantagem de que o Reino Unido não teria mais participação nelas, com voz, voto e veto, como agora. Portanto, do ponto de vista da “independência” nacional, a Brexit não passa de uma quimera. Mas seria a antevéspera do apocalipse? Provavelmente, não. O único risco mais sério, de fato previsível, é o de ruptura do United Kingdom, ao longo do processo, com a saída da Irlanda do Norte e da Escócia. Há várias iniciativas nessa direção em marcha. Primeiro, lideranças dos dois países estão tentando acertar com Bruxelas sua permanência na União Europeia, após a Brexit. Uma solução com muitos problemas diplomáticos e legais, praticamente insolúveis sem a secessão. Não sendo países soberanos, não poderiam requerer o status de membro pleno da UE, mesmo que por “sucessão” à participação do UK. Segundo, estão tentando, pelos canais políticos e jurídicos domésticos, obter o reconhecimento de que teriam poder de veto sobre a decisão, dado que, nesses países o voto no referendo foi amplamente majoritário pela permanência na União Europeia, ao contrário da maioria apertada contrária na Inglaterra e no País de Gales. Uma solução que tem seus defensores mesmo na Inglaterra, porque o veto de dois países do Reino Unido, poderia encerrar a Brexit sem saída, resolvendo o novo impasse criado pela decisão mal amadurecida. Terceiro, as lideranças voltam a se mobilizar na Escócia por um novo referendo para decidir a saída do Reino Unido, que segundo as pesquisas obteria, desta vez, franca maioria. Fala-se na Irlanda do Norte em ir pela mesma via, inclusive marcando o seu referendo no mesmo dia do escocês. É plausível imaginar que, mais cedo ou mais tarde, os ingleses não consigam mais manter seu domínio sobre Escócia e Irlanda do Norte. A economia do Reino Unido pode sofrer mais com a Brexit que a economia europeia. Mas a libra é uma moeda forte, a economia britânica é sólida, tem bom acesso aos mercados dos EUA e da Ásia e, mesmo sem o amplo acesso ao mercado comum, manteria boa competitividade no mercado europeu. A Europa ganharia, obviamente, com a saída da Escócia e da Irlanda do Norte do UK e sua entrada independente na União Europeia e no Euro. Por outro lado, sua economia, em processo de lenta recuperação da crise que sucedeu ao colapso da sub-prime nos EUA, é robusta e bem integrada, com amplo acesso aos mercados das Américas, Ásia e África. O Euro tem se mostrado bastante forte e resiliente. A federação tem passado por crises bastante severas e, apesar das repetidas previsões sobre seu colapso, tem resistido bastante bem. Já foram escritos vários epitáKios para o Euro, que acabaram na lata de lixo da história. A Europa está enfrentando, ainda que incrementalmente, a grave crise dos refugiados com

relativo consenso entre os países-membros. Tanto a UE, quanto o Euro têm mostrado resiliência e capacidade de adaptação às mudanças no ambiente macroeconômico e geopolítico regional e global. É bem provável que sejam capazes de resistir bem à separação e se adaptar ao ambiente pós-Brexit. Haverá abalos, tanto no UK, quanto na UE. Mas, o lugar comum de que a união faz a força vem se mostrando muito verdadeiro para a Europa. A União Europeia hoje, como um todo integrado, é maior e mais forte que suas partes. Todos sabem disso e tratarão de mantê-la assim.

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