Não ler este trabalho – PERDA DE TEMPO! - Retórica usada na política actual, comentário a um discurso de Michelle Obama -

May 21, 2017 | Autor: Filipe Nunes | Categoria: Political Science, Retórica, Hillary Clinton, Donald Trump
Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Não ler este trabalho – PERDA DE TEMPO! - Retórica usada na política actual, comentário a um discurso de Michelle Obama -

Mestrado em História Antiga Tópicos de Cultura Romana: Tópicos de Cultura e Comunicação Docente: Profº Rodrigo Furtado

Realizado por: Filipe Miguel Nunes nº 46378

Lisboa, 28 De Março De 2017 Ano Lectivo 2016/2017

Não Um Título, Mas Uma Técnica Retórica O título não é um erro, mas sim uma ferramenta retórica. Um dos candidatos à presidência dos EUA usa esta e outras técnicas, manipulando a linguagem falada, os próprios tweets, pelos quais é tão conhecido, assemelham-se mais a um discurso que a um texto escrito. As três palavras finais do título são um exemplo disso. Inúmeras vezes, Trump termina o seu discurso com duas ou três palavras, acompanhadas por uma exclamação, que vendem a ideia geral do pequeno texto (lido como discurso)1. É, deste modo, que ele força o leitor a ouvir. Capta-se a atenção do observador através de uma conotação negativa que as suas mensagens trazem2, por vezes, usando disfemismos, tal como acontece com o título. As sete palavras não nos dão nenhuma informação sobre o trabalho em si, a sua única função é despoletar uma emoção. Neste trabalho, vamos analisar um discurso de Michelle Obama, tentando perceber qual a mensagem, público e ferramentas escolhidos, comparando-os com a linguagem de Donald Trump. Para perceber estas técnicas, cruciais para a era da comunicação que hoje vivemos, é necessário começar nas origens ocidentais do uso da retórica.

Retórica, Retórica, Retórica - Definição e Origens A retórica é tão antiga como a própria linguagem, tão antiga como a vida política e social3. A cena do julgamento representada no escudo de Aquiles4 é exemplo disto. Os gregos foram os primeiros a sistematizar a arte de falar em público, à qual chamaram “retórica”, proveniente do grego rhetorike techne, “a técnica de um orador”, relacionando-se com rhesis, “discurso”5. Aristóteles definiu a retórica como uma faculdade de descoberta, no caso particular, de todos os meios de persuasão disponíveis 6 . A sociedade grega apoiava-se na expressão oral. Factor que levou o pensador a dar atenção à retórica. Seleccionou seis tipos de discurso: o epidíctico ou demonstrativo, político ou deliberativo, forense ou judicial7.

1

Podemos dar como exemplo o tweet de Donald Trump a 26 de Dezembro de 2016: “Doing my best to disregard the many inflammatory President O statements and roadblocks. Thought it was going to be a smooth transition – NOT!”. 2 ROBINSON, David; Text analysis of Trump's tweets confirms he writes only the (angrier) Android half; Variance Explained; disponível em http://varianceexplained.org/r/trump-tweets/ [retirado a 23-03-2017]. 3 Cf. FREESE, John Henry; The “Art” of Rhetoric; William Heineman; Loeb Classical Library; Nova Iorque, Londres; 1926. 4 HOMERO; Ilíada; Livro XVIII; vv. 478-608. 5 Cf. “rhetoric” in Online Etymology Dictionary; dispnível em http://www.etymonline.com/index.php?term=rhetoric [retirado a 23-03-2017]. 6 Cf. ARISTÓTELES; Retórica; Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa; Imprensa Nacional-Casa da Moeda; Lisboa; 2005; I, 1354a. Ver também KENNEDY, G; The Art of Persuasion; Princeton University Press; Princeton; 1963; p. 19. 7 ARISTÓTELES; Op. Cit.; 1.3.

2

R. T. Oliver diz-nos que a “persuasão é um substituto civilizado da autoridade severa e de uma força implacável8”, acrescenta ainda que os receptores de qualquer discurso persuasor devem sentir-se livres para escolher. Numa sociedade livre é a persuasão que define as regras, o comportamento e age como o agente governamental nas actividades humanas físicas ou mentais. Numa sociedade livre, existem indivíduos que estão, de forma contínua, a tentar mudar os pensamentos e acções de outros. É uma concepção fundamental de liberdade social. Ian Harvey9 sugeriu que a técnica da persuasão é o acto de mover pessoas livres na direcção de uma vida padronizada, é o único meio possível de combinar liberdade e ordem. Esta combinação, se bem-sucedida, é a solução para os problemas que afectam os nossos tempos. Nós talvez não sejamos tão finalizadores nesta definição, mas é verdade que a retórica (persuasão), o discurso público e a democracia são indissociáveis. Contudo, é preciso perceber que retórica e dialéctica não são o mesmo. A dialéctica pode ser definida como um debate que pretende resolver um conflito entre dois elementos opostos, ou aparentemente contraditórios, de forma lógica. Estabelece verdades de ambos os lados, invés de refutar um argumento. Tanto a retórica como a dialéctica são formas de análise crítica. Sócrates ensinou que a verdade era absoluta e conhecível, ensinou que devia existir uma distinção clara entre dialéctica - o método pergunta-resposta de obter uma resposta; e retórica, que não parece interessada na validade universal da resposta mas apenas no seu aliciamento para o momento10. Platão desenvolveu esta crítica da retórica tornando-se o seu principal opositor, preferia o método filosófico de inquirição formal, a dialéctica, afirmando que a retórica era a arte de dominar a mente dos homens. Aristóteles, por sua vez, deu uma maior relevância à retórica. Indicou quatro usos possíveis: através dela a verdade e a justiça podem manter a sua superioridade natural; é adequado para uma audiência popular, dado que não conseguem acompanhar uma demonstração científica, ensina-nos a ver os dois lados de um assunto, refutando argumentos injustos; é um meio de autodefesa. Para Aristóteles, a retórica é o processo de desenvolver um argumento persuasivo, enquanto a dialéctica é o processo de entrega desse argumento. Ele afirmou que os mestres do discurso tinham desenvolvido a retórica apenas em parte, pois esta é uma técnica que precisa de entimemas, “a mais forte das provas retóricas […] uma espécie de silogismo” 11 . Através da faculdade da descoberta podemos demonstrar uma personagem pessoal que inspire confiança ao ouvinte, podemos afectar as suas emoções, e provar uma verdade, real ou aparente, com o uso de argumentos. Deste modo, o domínio da arte impunha um conhecimento de carácter pessoal, um meio de persuasão onde se encontra “o 8

OLIVER, R. T.; Persuasive Speaking; ; Longmans, Green and Co.; Nova Iorque; p. 1. HARVEY, Ian; The Technique of Persuasion; The Falcon Press; Londres; 1951. 10 PLATÃO; Górgias de Platão: obras II; Trad. Daniel R. N. Lopes; Perspectiva; São Paulo; 2011. 11 ARISTÓTELES; Op. Cit.; I.I. 3, 11. 9

3

carácter do locutor” (ethos); um conhecimento emocional, onde existe persuasão “através dos ouvintes que são levados a sentir emoções transmitidas pelo discurso” (pathos)12; e o poder da argumentação lógica, a prova (logos)13. Ninguém vai confiar no que dizes, se não confiarem em ti. É a audiência que determina o fim do argumento e o seu objecto. Em suma, Platão opôs retórica e dialéctica, já Aristóteles comparou os dois. Ambas têm a ver com o conhecimento de todos os homens, não fazendo parte de nenhuma ciência particular. Eles não diferem em natureza, mas sim em assunto e forma. A dialéctica é, primariamente, filosófica. A retórica é política. A dialéctica é uma pergunta e resposta, a retórica associa-se mais ao discurso. Aristóteles diz-nos que a retórica serve para vermos de forma clara quais são os factos, pois se outra pessoa argumenta de forma injusta, nós podemos refutá-lo14. Quintiliano associa as ideias aristotélicas a princípios de moral, afirmando que o seu “objectivo é a educação do orador perfeito 15 ”, para tal, o orador tem de ser um homem moralmente bom e não apenas um locutor eficaz. Enquanto Aristóteles via a retórica como moralmente neutra, uma ferramenta humana cuja personagem moral residia no orador e não na arte, Quintiliano via a retórica como um meio para uma melhor sociedade. Na opinião do romano hispânico, Aristóteles tinha omitido o facto de qualquer um, não só os entendidos, poder criar um argumento persuasivo. O seu objectivo final seria preparar um orador-filósofo-político que pudesse combinar em si sabedoria e persuasão, de modo a regulamentar um estado saudável. Este capítulo é essencial para perceber as palavras que serão analisadas no discurso de Michelle Obama e na linguagem de Donald Trump. Concomitantemente, entende-se a retórica como uma ferramenta criada para desenvolver e cultivar as nossas faculdades mentais de modo a sermos “bons cidadãos” que poderão servir o seu estado, o que significa, ter a habilidade de pensar de forma correcta através do desenvolvimento de argumentos plausíveis. É também um meio de convencer o outro de um argumento. Tudo isto só poderá ser atingido se tivermos fibra moral – ethos, tanto em pensamento como em carácter, o que serve tanto para o orador como para o receptor. Hoje a retórica é usada em áreas como a política, marketing e religião, contextos onde se diz tudo para convencer o outro que o seu argumento é o correcto. Um dos pontos essenciais deste trabalho é dar a entender que a retórica é, em última análise, um modo de afectar o comportamento humano, levar as pessoas a fazer algo que normalmente não concebiam fazer. A pergunta que qualquer retórico deve fazer a si mesmo é: Como é que crio uma mensagem que possa conectar-se com a minha audiência?

12

Cícero acrescenta in De Oratore, 2.32, que o locutor deve explorar estas emoções de modo a impedir a audiência de pensar racionalmente. 13 Idem, Ibidem; 1.2. 14 Idem Ibidem, 1.12. 15 QUINTILIANO; Institutio Oratoria; I. Prefácio 9.

4

Análise da Retórica Presente no Discurso de Michelle Obama Para a DNC (2016)

Ilustração 1 - Discurso de Michelle Obama para Convenção Nacional Democrática (DNC) a 25 de Julho de 2016, indicando por cores o ethos (a verde); pathos (a amarelo); e logos (a cor de rosa). Disponível com mais detalhe nos anexos.

A ilustração que se pode observar acima é uma divisão pictórica do discurso que Michelle Obama professou na DNC (Democratic National Convention) de 2016 em Filadélfia. Este discurso foi feito perto do fim da escolha do candidato democrata para a eleição presidencial. Quem nos está a comunicar é a Primeira-dama, uma mulher americana, negra, mãe – tudo elementos que se exploram ao longo destas quatro páginas. Existem cinco temas que são explorados. Os dois grandes assuntos são a perseverança da juventude norte-americana, e a eleição para a presidência dos EUA, seguindo-se os valores do povo norte-americano, o feminismo e, por fim, a escravatura, o pathos e o logos (a amarelo e rosa, respectivamente), incluem todos estes assuntos. 5

A verde está representado o ethos. Neste âmbito não existe um enorme investimento. Ao longo dos oito anos de mandato do seu marido16, Michelle Obama conseguiu elevar o seu nome no espectro da opinião pública. O seu nome tornou-se sinónimo de muitos dos ideais que estão presentes neste discurso e que analisaremos em seguida. Antes disso, e permanecendo no ethos, é interessante perceber que não existe uma verdadeira distinção entre as mensagens do casal, eles funcionam como uma equipa política. Por isso, ao estar a referir os traços benfazejos do seu marido, ela está a legitimar-se. A mensagem da oradora, nos primeiros cinco parágrafos, é: “as políticas dos Obama tiveram sucesso, é preciso mantê-las”. Já nesta introdução existe uma referência a Donald Trump, o muito provável candidato republicano. Ele é apelidado de “cruel” e “bully”, terminando o começo com a divisa: “when they go low, we go high”. O nós refere-se aos membros e simpatizantes do partido democrata e o eles aos republicanos. Tal frase é proferida devido ao espaço em que o discurso se insere. Existem muitos we ao longo do texto, nesta parte inicial, a palavra aparece como “eu e o meu marido”, ou “nós os democratas”, mas apenas uma ou duas vezes. Todos os outros we significam “nós, o povo americano”, existindo, ao longo do discurso, cerca de quarenta palavras com este sentido. O facto de se mencionar, em primeiro lugar, Trump e não Clinton é sintomático da ameaça que representava. Já todos sabiam que os Obama iam apoiar Hillary, mais importante que fazer essa declaração é convencer o povo americano que ela é de facto a melhor candidata, para tal, há que mencionar o porquê do seu adversário ser pior. Este é o segundo tema e o grande objectivo do texto. Concomitantemente começa a ser esboçada a resposta à questão: Como tocar num ponto que diga respeito a todos os americanos? A resposta está no primeiro tema pertencente ao pathos: a prosperidade infantil. O ponto, desde logo assente, é a boa educação que as filhas dos próprios Obama tiveram. É essencial começar por dar o exemplo17, para depois o poder revisitar com subtis rememorações. Outro elemento que se introduz e que ajuda ao captar da atenção e da criação de uma enorme proximidade é o oferecer de exemplos com os quais um americano se pode facilmente identificar. Uma das metáforas adoptadas ao longo do texto encontra-se aqui. Ao falar das “nossas filhas” ou “a filha de Hillary”, está dirigir-se ao seu público, através da referência em relação a toda a juventude norte-americana 18 . Existem também uma série de exemplos que reforçam a ideia apresentada, de modo a deixar a mensagem mais clara. Os exemplos explícitos, no fim deste parágrafo, parecem elevar mais a figura dos Obama, a construção de uma imagem de heróis que inspiram nações. A partir do sexto parágrafo entramos no segundo grande tema do discurso, a promoção de voto na candidata Hillary Clinton e não em Donald Trump. Este é o verdadeiro logos. As 16

Cujo nome é mencionado duas vezes, nesta parte introdutória. Ver fim do primeiro parágrafo da p. 4. 18 Algo que se confirma no início do quinto parágrafo e do décimo. 17

6

palavras proferidas não só transmitem de imediato, e de forma clara, esta ideia como a associam ao tema das crianças. Desfaz-se a ligação do “nós” inicial ligado apenas aos democratas, passando a significar o povo americano. O nome “Hillary” é proferido treze vezes, o de Trump nunca o é, esta é uma regra que podemos encontrar, por exemplo, na escrita de argumentos cinematográficos. Ao apresentar o protagonista há que tentar inserir o seu nome o máximo de vezes possível, o que não acontece com o vilão. Semelhante é o tratamento do principal adversário democrata de Hillary, Bernie Sanders, cuja única possível referência aparece neste parágrafo de forma inteligentemente subtil, é um assunto que não interessa aprofundar, mas que é necessário dar um ligeiro empurrão com a ênfase em “só uma pessoa […] ”. O parágrafo seguinte volta a colar a ideia das crianças com o tema da eleição, declarando de forma um pouco hiperbólica19, a perfeição com que criou a sua própria filha e voltando a dar exemplos facilmente reconhecíveis no dia-a-dia. Usa-se uma anáfora, repetindo quatro vezes a palavra “crianças”, mas com intuitos diferentes, complementares. Crianças que vivem em bairros mais pobres e complicados, que aspiram a ter uma educação superior, ou que têm ascendência estrangeira. Vai-se também insistindo que os actos são importantes, pois as crianças olham para eles e seguem o exemplo, uma alusão à mensagem da primeira parte do discurso. No parágrafo oitavo e nono continua-se esta colagem dos dois grandes temas, desta feita, incidindo mais no currículo de Hillary Clinton. Um dos sumos argumentos usados a favor da candidata, ao longo da campanha, foi a ideia de que ela era a mais qualificada para ser Presidente. A este argumento acrescenta-se um traço pessoal, o facto de ser uma pessoa que não desiste facilmente, é insistente e só o é em serviço dos valores americanos. A premissa termina com mais uma hipérbole, que funciona mais como ênfase ao dito atrás. Clinton que soube educar a sua filha, que tem um pesado currículo é a única que nos pode trazer perseverança. Com esta ideia delineada, volta-se a atacar Trump através de alusões, mas, desta vez de forma mais directa, ameaçadora. Um discurso de esperança ganha, no fim do décimo parágrafo, traços da criação de um medo hipotético nas mentes dos ouvintes. Mais uma vez, está-se a construir a imagem de um vilão, um louco que não sabe o que faz. Alguém que nos pode colocar a todos em perigo. De notar o estabelecer óbvio de um antagonismo necessário à construção narrativa do bom e do mau. No parágrafo onze, volta-se a pressionar a ideia do currículo de Hillary coadjuvada com a perseverança da juventude americana e com os princípios cristãos de entreajuda, também presentes nos valores americanos desde a sua fundação, o que vai contra a promoção pessoal que Trump incorpora. “ […] Nós não perseguimos fama e fortuna para nós mesmos, lutamos

19

Figura de estilo quase não usada ao longo do discurso.

7

para dar a todos uma oportunidade de ser bem-sucedido”, é uma alusão perífraseática ao famoso bilionário, seguida de uma alusão cristã 20 , introduzindo-se o tema dos valores americanos. Continua-se esta amálgama de ideias, reforçando-as, no parágrafo seguinte, e citando os fundadores dos EUA e a máxima “we are all created equal 21 ”, uma crítica à desigualdade que só pode ser combatida com a união dos diferentes grupos étnicos e sociais. O parágrafo termina com um dos lemas de Clinton “stronger together”. O começo da segunda parte do desenvolvimento tem apenas três linhas curtas, o parágrafo mais curto. Todos os ouvintes já sabem o que vai ser dito, seja como for, é necessário afirmar que os Obama apoiam Hillary Clinton. Prossegue-se com a combinação da ideia de entreajuda, perseverança da juventude e união dos grupos divergentes. Dão-se exemplos que apelam ao americano preocupado com o próximo (mais uma vez um valor cristão), que serve o seu país e defende os valores da liberdade - exemplos que perturbaram a realidade norte-americana neste contexto temporal (pathos). Há uma referência forçada, porque necessária, a Tim Kaine, o candidato a vice-presidente. O parágrafo quinze termina com a introdução ao tema do feminismo através da alusão a um discurso de enorme sucesso da parte de Hillary depois de não ter conseguido a nomeação nas eleições de 2012. Quando Michelle usa a palavra us, pode estar a referir as mulheres americanas. Um dos assuntos mais quentes que se podem discutir nos EUA é o racismo. Tema que não podia deixar de estar presente. O parágrafo décimo sexto é onde se encontra o clímax do discurso. Nele estão presentes elementos do ethos, pathos e logos, ao mesmo tempo que se ligam todos os temas num só. Num tom apologético e carregado de verdade histórica, mas mais que isso, com um tema pessoal a muitos dos americanos, está esta mensagem de esperança que culmina com o engrandecimento da figura de Hillary Clinton, parte essencial desta história dos EUA. Ethos em “eu e as minhas filhas”, logos na não desistência dos escravos, que relembra a não desistência de Hillary e na última frase. O pathos encontra-se no núcleo do parágrafo com o melhor entimema. A frase mais relevante, numa opinião pessoal é: “ […] gerações de pessoas que sentiram o chicote da escravidão, a vergonha da servitude, o picar da segregação, mas que continuaram a lutar e a esperar e a fazer o que precisava de ser feito para que hoje, eu acorde todas as manhãs numa casa construída por escravos, e vejo as minhas filhas – duas belas, inteligentes, jovens mulheres negras – a brincar com os seus cães no relvado da Casa Branca”. Aqui está presente a ideia da perseverança da juventude, através das filhas Obama; da eleição, através da colocação do nome “Hillary Clinton” como símbolo máximo de exemplo igualitário; dos valores americanos, onde se encontra o centro da mensagem; e por fim, à escravatura e ao 20

Bíblia, 1 Coríntios 15:8-10. Também atribuído a uma afirmação de John Bradford em meados do séc. XVI. 21 Primeiramente cunhada por Thomas Jefferson na Declaração da Independência e celebremente proferida por Abraham Lincoln no Discurso de Gettysburg.

8

feminismo22 através dos ideais de igualdade de direitos entre todos. Através da associação de ideias conseguem-se vender todos estes temas no mesmo pacote. Entramos na conclusão a partir do parágrafo dezassete. Todas estas mensagens não podiam deixar de terminar com uma última referência ao candidato republicano, proferida de um modo propositadamente mais directo e que tenta minar a máxima onde assenta toda a sua campanha: a ideia de que as coisas estão terríveis e que é preciso um homem forte para as melhorar. O parágrafo dezassete vai de encontro a esse intuito e volta a juntar os dois grandes temas que já referimos. O discurso termina com um apelo ao voto, à acção e uma última referência normativa cristã. As principais figuras de estilo usadas no discurso anterior são a metáfora, a alusão, a anáfora e a aliteração, com o menor uso de hipérboles, disfemismos e perífrases. As alusões são usadas para referir pessoas, nomeadamente Trump e Clinton ou acontecimentos, como os passados em Orlando e Dallas. A anáfora e aliteração 23 são comuns num discurso destes, vendem melhor a mensagem, mas apenas se forem usadas para melhor explicitar ou para ajudarem o ritmo e tom. O parágrafo quatro terá o melhor uso de ambas figuras de estilo com o how e a aliteração final, quase musical. A hipérbole é usada como altar da figura de Clinton. O disfemismo e perífrase são usados para referenciar os traços negativos de Trump ou os positivos de Hillary. A metáfora é, sem dúvida, uma das figuras de estilo que se deve realçar. Contudo, aqui não se usa a alegoria per se, mas sim uma série de comparações. O poder da metáfora está na sua capacidade de isolar características por meios comparativos. Neste caso, os exemplos24, que se encontram no princípio, meio e fim do discurso são demonstrativos dessa necessidade de isolar, destacar. Isto é crucial para se ligar à sua audiência (o povo americano em toda a sua complexidade), através do despoletar de pequenos mundos, pequenas histórias no imaginário do ouvinte.

Conclusão - Análise comparativa com a linguagem de Donald Trump É interessante perceber que na linguagem do candidato republicano vemos muitas hipérboles sempre apoiadas por adjectivações repetitivas, a sua “linguagem de marca”. O ritmo é acelerado, apologético, e usa palavras curtas, simples. O mais relevante em Trump encontra-se no seio da mensagem que quer fazer passar. Em todo este discurso de Michelle Obama que dura cerca de quinze minutos, apenas uma vez e de forma breve, passageira, é incitado medo nas pessoas. A mensagem de Trump só se traduz em incitar medo. No vídeo de análise a uma

22

No sentido de direitos iguais para mulheres e homens. Anáfora e aliteração encontram-se a negrito no discurso presente nos Anexos. 24 Presentes no quinto, sétimo, décimo quarto e décimo quinto parágrafos. 23

9

resposta que deu25 , com a duração de um minuto, o então candidato usa quatro hipérboles, apoiadas por alguns exemplos e uma repetição da mesma ideia: “há um problema, uma grave problema, e eu vou resolvê-lo”. Tanto Trump, como os Obama são profissionais de retórica. Ambos conseguem criar uma empatia imediata com o seu público-alvo. Ambos têm uma linguagem simples, directa que usa as suas mensagens para explorar os sentimentos dos ouvintes. Michelle Obama, perscrutando esperança e acção. Trump o medo xenófobo. Ambas mensagens fortes, apesar de muito diferentes. Outro elemento que ambos usam é a estrutura de um argumento. Uma forma de perceber essa construção é exemplificando-a com a estrutura de uma anedota. Começa-se com uma premissa, cativante, e vai-se elevando o tom até à punchline. Ao ser repetitiva, acelerada e climática, a mensagem de Trump é percebida por todos. Trump é um mestre da perífrase curta, exemplos práticos? Low energy Jeb, referindo-se a Jeb Bush, ou crooked Hillary, que minava um dos mais fortes argumentos a favor da candidata democrata – o seu currículo. Cícero, quer Trump o saiba ou não, é uma enorme influência no seu discurso. Foi este homem de estado, este romano, o primeiro a afirmar que se podia afectar uma audiência logo com o ethos26. Para Cícero, o pathos apela às emoções mais veementes, enquanto o ethos se refere às emoções mais nobres27. Qualquer uma destas emoções tem de ser, no entanto, genuína, a manipulação não pode coexistir com a autenticidade. Quer isto dizer que o orador tem de acreditar nas suas próprias palavras

28

. A verdade acaba sempre por prevalecer, não

necessariamente a verdade real, mas a verdade em que se acredita. O demagogo ou assentator é um bajulador, alguém que procura vantagem política ao falar sobre o que a audiência pretende29. Segundo Cícero, as audiências não são passivas e facilmente manipuladas, obrigam antes que o orador adopte emoções reais para apelar. O problema está em descobrir o que é ou não, uma emoção real. Cícero acreditava que o orador é abrangido por uma moral social. Parte do que achamos ser perturbador, no trabalho de Maquiavel, é o facto dos seus actores políticos serem governados pelo que é utile, conveniente e não pelo que é honestum, moral30. Cícero acredita que o bom político deve balançar os dois. Os parâmetros morais são, todavia, menos pesados quando a existência do estado é ameaçada. Esta não é uma leitura a preto e branco da ética política, mas sim uma leitura que demonstra a sua enorme complexidade. Ao olharmos para a retórica presente na política americana, há que ponderar estas palavras. 25

Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=_aFo_BV-UzI [retirado a 25-03-2017]. Cf. CÍCERO; De Oratore; 2.115, 2.182, 2.206. Ver também WISSE, J.; Ethos and Pathos from Aristotle to Cicero; Adolf M. Hakkert; Amsterdão; 1989; pp. 233-249. 27 CÍCERO; Op. Cit.; 2.182. 28 Idem, Ibidem; 2.190. 29 CÍCERO; De Amicitia; 95. 30 MAQUIAVEL; The Prince; The University of Chicago Press; Chicago; 1998; pp. 95-105. 26

10

Bibliografia Fontes ARISTÓTELES; Retórica. BÍBLIA CÍCERO; De Oratore; De Amicitia. DECLARAÇÃO DA INDEPENDÊNCIA HOMERO; Ilíada. MAQUIAVEL; The Prince. PLATÃO; Górgias. QUINTILIANO; Institutio Oratoria.

Obras de Referência FREESE, John Henry; The “Art” of Rhetoric; William Heineman; Loeb Classical Library; Nova Iorque, Londres; 1926. HARVEY, Ian; The Technique of Persuasion; The Falcon Press; Londres; 1951. KENNEDY, G; The Art of Persuasion; Princeton University Press; Princeton; 1963. OLIVER, Robert T.; Persuasive Speaking: Principles and methods; Longmans, Green and Co.; Nova Iorque; 1950. WISSE, J.; Ethos and Pathos from Aristotle to Cicero; Adolf M. Hakkert; Amsterdão; 1989.

Periódicos ROBINSON, David; Text analysis of Trump's tweets confirms he writes only the (angrier) Android half; Variance Explained; disponível em http://varianceexplained.org/r/trump-tweets/ [retirado a 23-03-2017].

11

Anexos THE WHITE HOUSE Office of the First Lady ___________________________________________________________ ______ For Immediate Release July 25, 2016 REMARKS BY THE FIRST LADY AT THE DEMOCRATIC NATIONAL CONVENTION Wells Fargo Center Philadelphia, Pennsylvania 10:05 P.M. EDT MRS. OBAMA: Thank you all. (Applause.) Thank you so much. You know, it’s hard to believe that it has been eight years since I first came to this convention to talk with you about why I thought my husband should be President. (Applause.) Remember how I told you about his character and conviction, his decency and his grace -– the traits that we’ve seen every day that he’s served our country in the White House. I also told you about our daughters –- how they are the heart of our hearts, the center of our world. And during our time in the White House, we’ve had the joy of watching them grow from bubbly little girls into poised young women -– a journey that started soon after we arrived in Washington, when they set off for their first day at their new school. I will never forget that winter morning as I watched our girls, just seven and ten years old, pile into those black SUVs with all those big men with guns. (Laughter.) And I saw their little faces pressed up against the window, and the only thing I could think was, “What have we done?” (Laughter.) See, because at that moment, I realized that our time in the White House would form the foundation for who they would become, and how well we managed this experience could truly make or break them. That is what Barack and I think about every day as we try to guide and protect our girls through the challenges of this unusual life in the spotlight -- how we urge them to ignore those who question their father’s citizenship or faith. (Applause.) How we insist that the hateful language they hear from public figures on TV does not 12

represent the true spirit of this country. (Applause.) How we explain that when someone is cruel, or acts like a bully, you don’t stoop to their level -– no, our motto is, when they go low, we go high. (Applause.) With every word we utter, with every action we take, we know our kids are watching us. We as parents are their most important role models. And let me tell you, Barack and I take that same approach to our jobs as President and First Lady, because we know that our words and actions matter not just to our girls, but to children across this country –- kids who tell us, “I saw you on TV, I wrote a report on you for school.” Kids like the little black boy who looked up at my husband, his eyes wide with hope, and he wondered, “Is my hair like yours?” (Applause.) And make no mistake about it, this November, when we go to the polls, that is what we’re deciding -– not Democrat or Republican, not left or right. No, this election, and every election, is about who will have the power to shape our children for the next four or eight years of their lives. (Applause.) And I am here tonight because in this election, there is only one person who I trust with that responsibility, only one person who I believe is truly qualified to be President of the United States, and that is our friend, Hillary Clinton. (Applause.) See, I trust Hillary to lead this country because I’ve seen her lifelong devotion to our nation’s children –- not just her own daughter, who she has raised to perfection –(applause) -- but every child who needs a champion: Kids who take the long way to school to avoid the gangs. Kids who wonder how they’ll ever afford college. Kids whose parents don’t speak a word of English but dream of a better life. Kids who look to us to determine who and what they can be. You see, Hillary has spent decades doing the relentless, thankless work to actually make a difference in their lives -- (applause) -- advocating for kids with disabilities as a young lawyer. Fighting for children’s health care as First Lady and for quality child care in the Senate. And when she didn’t win the nomination eight years ago, she didn’t get angry or disillusioned. (Applause.) Hillary did not pack up and go home. Because as a true public servant, Hillary knows that this is so much bigger than her own desires and disappointments. (Applause.) So she proudly stepped up to serve our country once again as Secretary of State, 13

traveling the globe to keep our kids safe. And look, there were plenty of moments when Hillary could have decided that this work was too hard, that the price of public service was too high, that she was tired of being picked apart for how she looks or how she talks or even how she laughs. But here’s the thing -- what I admire most about Hillary is that she never buckles under pressure. (Applause.) She never takes the easy way out. And Hillary Clinton has never quit on anything in her life. (Applause.) And when I think about the kind of President that I want for my girls and all our children, that’s what I want. I want someone with the proven strength to persevere. Someone who knows this job and takes it seriously. Someone who understands that the issues a President faces are not black and white and cannot be boiled down to 140 characters. (Applause.) Because when you have the nuclear codes at your fingertips and the military in your command, you can’t make snap decisions. You can’t have a thin skin or a tendency to lash out. You need to be steady, and measured, and well informed.(Applause.) I want a President with a record of public service, someone whose life’s work shows our children that we don’t chase fame and fortune for ourselves, we fight to give everyone a chance to succeed -- (applause) -- and we give back, even when we’re struggling ourselves, because we know that there is always someone worse off, and there but for the grace of God go I. (Applause.) I want a President who will teach our children that everyone in this country matters –- a President who truly believes in the vision that our founders put forth all those years ago: That we are all created equal, each a beloved part of the great American story. (Applause.) And when crisis hits, we don’t turn against each other -– no, we listen to each other. We lean on each other. Because we are always stronger together. (Applause.) And I am here tonight because I know that that is the kind of president that Hillary Clinton will be. And that’s why, in this election, I’m with her. (Applause.) You see, Hillary understands that the President is about one thing and one thing only -– it’s about leaving something better for our kids. That’s how we’ve always moved this country forward –- by all of us coming together on behalf of our children -- folks who volunteer to coach 14

that team, to teach that Sunday school class because they know it takes a village. Heroes of every color and creed who wear the uniform and risk their lives to keep passing down those blessings of liberty. Police officers and protestors in Dallas who all desperately want to keep our children safe. (Applause.) People who lined up in Orlando to donate blood because it could have been their son, their daughter in that club. (Applause.) Leaders like Tim Kaine -- (applause) -- who show our kids what decency and devotion look like. Leaders like Hillary Clinton, who has the guts and the grace to keep coming back and putting those cracks in that highest and hardest glass ceiling until she finally breaks through, lifting all of us along with her. (Applause.) That is the story of this country, the story that has brought me to this stage tonight, the story of generations of people who felt the lash of bondage, the shame of servitude, the sting of segregation, but who kept on striving and hoping and doing what needed to be done so that today, I wake up every morning in a house that was built by slaves -- (applause) -- and I watch my daughters – - two beautiful, intelligent, black young women –- playing with their dogs on the White House lawn. (Applause.) And because of Hillary Clinton, my daughters –- and all our sons and daughters -– now take for granted that a woman can be President of the United States. (Applause.) So don’t let anyone ever tell you that this country isn’t great, that somehow we need to make it great again. Because this, right now, is the greatest country on earth. (Applause.) And as my daughters prepare to set out into the world, I want a leader who is worthy of that truth, a leader who is worthy of my girls’ promise and all our kids’ promise, a leader who will be guided every day by the love and hope and impossibly big dreams that we all have for our children. So in this election, we cannot sit back and hope that everything works out for the best. We cannot afford to be tired, or frustrated, or cynical. No, hear me -- between now and November, we need to do what we did eight years ago and four years ago: We need to knock on every door. We need to get out every vote. We need to pour every last ounce of our passion and our strength and our love for this country into electing Hillary Clinton as President of the United States of America. Let’s get to work. Thank you all, and God bless. 15

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.