Narrativas audiovisuais na reportagem digital: informar, interagir e reter a atenção

May 31, 2017 | Autor: L. de Lucena Ito | Categoria: Audiovisual, TAB, reportagem transmídia, reportagem digital, reportagem multimídia
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III Congresso Internacional Red INAV / V Encontro Ibero-americano de Narrativas Audiovisuais III Congreso Internacional Red INAV / V Encuentro Iberoamericano de Narrativas Audiovisuales Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, Brasil, 28 a 30 de março de 2016.

Narrativas audiovisuais na reportagem digital: informar, interagir 1 e reter a atenção Liliane de Lucena ITO2 Universidade Estadual Paulista – Unesp, Bauru, SP

Resumo Partindo-se do pressuposto de que há uma evolução contínua nos modos de se fazer jornalismo, causada tanto por avanços técnicos e tecnológicos quanto por transformações sociais, este artigo tem por objetivo investigar o uso do audiovisual na reportagem digital, multimídia, interativa e com potencial transmidiático. Neste novo gênero jornalístico, o audiovisual é item essencial à narrativa, ganhando novas funcionalidades em formatos que estimulam a participação do usuário. Neste trabalho, é analisada, por meio de metodologia exploratória, uma edição publicada pela série brasileira de reportagens digitais TAB, no intuito de se chegar a possíveis funções exercidas pelo audiovisual nesse tipo de conteúdo jornalístico. Como resultado, notou-se que os vídeos apresentados exercem o papel de informar, trazendo dados que são experienciados pelo usuário; bem como estimular a interação, possibilitando a escolha de desfechos de determinadas narrativas; além de reter a atenção, cumprindo assim tanto objetivos jornalísticos como também de mercado editorial, uma vez que o tempo de permanência em um site é, hoje, transformado em valor que pode ser monetizado por agências de publicidade e marcas interessadas em exposição diferenciada na web. Palavras-chave: reportagem multimídia; audiovisual; TAB.

transmídia;

reportagem

digital;

reportagem

Introdução A reportagem se transformou e evoluiu com o passar do tempo. O berço desse gênero jornalístico caracterizado por textos aprofundados, apurados e, por vezes, literários, foi a Europa no século XIX. Por tradição, o jornalismo europeu sempre foi menos factual e mais autoral, interpretativo e, em alguns casos, até mesmo opinativo. Nos Estados Unidos, já na primeira metade do século XX, surgem autores como John Reed, capazes de publicar histórias imersivas, longas, em edições seriadas. No Brasil, em 1902, Euclides da Cunha, então correspondente do jornal O Estado de S. Paulo, escreve Os Sertões, sobre a Guerra de Canudos. Durante a Segunda Guerra, com a grande quantidade de jornalistas enviados ao front, surgem narrativas jornalísticas aprofundadas, 1

Trabalho apresentado no GT 13 – Plataformas audiovisuais e ambientes convergentes, no III Congresso Internacional Red INAV. 2 Doutoranda em Comunicação vinculada ao PPGCom da Unesp (Bauru, SP). E-mail: [email protected]

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autorais e humanizadas, capazes de revelar ao mundo os horrores dos conflitos. Já na década de 60, floresce o new jornalism, gênero em que a escrita é muito próxima da literatura, com conteúdo de não ficção. (BELO, 2006). Desde o seu surgimento, esse tipo específico de se fazer jornalismo vem sendo publicado em diferentes meios de comunicação. Na versão impressa, ganha notoriedade com um público amplificado, no caso dos jornais diários. Já em relação às revistas, direciona-se a um leitor de perfil segmentado, ávido por grandes histórias e imagens fotográficas impactantes. Nos livros, oferece expansão narrativa com grande profundidade e riqueza de dados. E, atualmente, com o meio internet e o avanço e a popularização da tecnologia digital, a reportagem ganha novas nuances, como a interatividade e a multimidialidade, podendo, inclusive, se reinventar em um novo subgênero jornalístico. Com projetos pontuais ou em série, a grande reportagem digital vem se legitimando. Suas raízes estão no impresso, mas há avanços consideráveis nas possibilidades de apresentação das informações.

Longhi (2014) nomeia

publicações como Snow Fall, do The New York Times, e A Batalha de Belo Monte (entre outros) como grande reportagem multimídia, gênero caracterizado por conteúdo imersivo e long form, munido de recursos multimídia, interativos e por hipertextualidade. Snow Fall e A Batalha de Belo Monte podem ser consideradas expoentes que sinalizam um ponto de virada no jornalismo digital, cujo início, cerca de dezesseis anos atrás, fora marcado por tentativas de se veicular conteúdo multimídia e interativo, mas que, somente a partir de 2012, com o surgimento do HTML5, outros avanços técnicos e a extensão de banda larga, realmente se estabelece. A grande reportagem multimídia representa, para o jornalismo digital, um grande ganho de qualidade editorial em relação aos formatos

digitais

jornalísticos

anteriores,

como

a

webnotícia,

no

geral

fragmentados, em que o aprofundamento não se dá no texto em si, mas em seus links para outros textos, além de não haver uma exploração satisfatória dos recursos possibilitados pela web. Canavilhas (2014) e Renó (2014) oferecem distinções conceituais que podem especificar de maneira ainda mais adequada esse novo gênero jornalístico. Os autores acrescentam a noção de transmidialidade, quando as narrativas extrapolam linguagens e plataformas em conteúdos produzidos com a intenção de

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expandir o texto-base, sem, entretanto, que esses conteúdos sejam obrigatórios para o entendimento do enredo ou da narrativa. “Transmídia é uma linguagem contemporânea e social construída por vários conteúdos através de diferentes mídias com significados independentes, mas coletivamente oferecendo um novo significado” (RENÓ, 2014, p. 5). Aplicada ao jornalismo, Canavilhas aponta que a transmidialidade possui características-chave,

como

a

interatividade,

a

hipertextualidade,

a

multimidialidade integrada (em que o conteúdo visual ou sonoro, por exemplo, é usado de maneira a confirmar, destacar ou ilustrar uma determinada situação) e a contextualização, que se refere também à necessidade de adaptação do conteúdo aos hábitos de leitura do usuário em diferentes contextos, principalmente móveis. O conceito de transmídia poderia, então, ser aplicado à grande reportagem digital quando, além de multimídia, não é somente por esta característica definida. Assim, produções que incluem materiais multimídia que podem ser vistos ou ouvidos sem a necessidade de se consumir todo o texto – sem perda de significado – são transmidiáticos, podendo, inclusive, configurarem-se como reportagens jornalísticas, um dos formatos em que a transmidialidade possui grande aderência: Os gêneros jornalísticos verdadeiramente adaptados à narrativa transmídia são os gêneros nativos do jornalismo na Web (newsgames e infográficos multimídia interativos), mas sobretudo a grande reportagem, um gênero transversal a todas as mídias. (CANAVILHAS, 2014, p. 64).

No Brasil, um dos veículos que mais têm apostado em reportagens do tipo é a Folha de S. Paulo, cujo marco inicial foi a cobertura sobre Belo Monte, publicada no site da Folha em 2013. O material, com cinco capítulos, contém uma gama considerável de

recursos multimídia

com

potencial transmidiático,

como

infográficos animados, galeria de imagens, vídeos e, inclusive, um videojogo. A Batalha de Belo Monte demandou quase dez meses para ser produzida e envolveu, de forma direta ou indireta, o trabalho de 15 jornalistas, além de designers, infografistas e profissionais que trabalham com o audiovisual. Esse tipo de narrativa parece atingir, hoje, uma certa maturidade, já que vem utilizando as características de cada meio – televisão, rádio, impresso – de

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forma adaptada à internet, agora legitimamente produzida para ser veiculada online e acessada via dispositivos móveis. O audiovisual, por sua vez, tem papel de suma importância nas reportagens digitais, seja expandindo informações, como também entretendo ou ilustrando algo que está descrito no texto. Os vídeos possuem grande potencial transmidiático, uma vez que podem sintetizar a informação, além de serem facilmente compartilhados e propagados on-line. O conteúdo em vídeo, hoje, tem o papel de protagonista na internet. Segundo dados da Comscore, em 2012, o Brasil já era o sétimo maior mercado de consumo de vídeo on-line no mundo, com audiência de 43 milhões de espectadores únicos em dezembro daquele ano3. Relatório da mesma agência, em 2015, aponta que, em relação à América Latina, “os brasileiros passam 3 horas a mais assistindo a vídeos on-line do que os outros países da região” (BANKS, 2015, p. 13). A popularidade do audiovisual na web pode ter várias causas, entre elas, a de que o audiovisual é a linguagem mais próxima da humana, natural. “ [...]

o audiovisual é linguagem. Uma linguagem que se

aproxima da natural, onde existem recursos de áudio e de vídeo, além de diversos enquadramentos”, afirma Renó (2011). No presente artigo, é proposta uma análise do papel do audiovisual na reportagem digital, cujo objeto é a série TAB, apresentada a seguir. Parte-se da hipótese de que, por se tratar de um material com potencial transmidiático, os vídeos desempenham funções que vão além do simples reforço do que está sendo descrito no texto, já que, além de trazerem dados novos, são produzidos a fim de promover a interação e a reter a atenção do usuário que consome a reportagem. 1. Reportagem digital em série – o TAB Em outubro de 2014, o portal Uol, quinto maior em audiência web no Brasil (e pertencente ao Grupo Folha, que edita a Folha de S. Paulo) passou a publicar a série de reportagens TAB. Com veiculação semanal, TAB traz textos que abordam questões contemporâneas, muitas vezes controversas e provocativas, em caráter

3

Disponível em: < http://www.comscore.com/por/Imprensa-e-eventos/Press-Releases/2013/2/A-Audiencia-deVideos-Online-no-Brasil-Alcanca-43-Milhoes-de-Espectadores-Unicos>. Acesso em 2 fev. 2016.

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imersivo e interpretativo. Todas as edições, sem exceção, fazem uso de recursos multimídia, além de interatividade. As reportagens do TAB são veiculadas às segundas, com grande destaque na home do portal. Segunda-feira é o dia de maior acesso ao site4, o que consequentemente garante um alcance maior desse conteúdo pelos usuários, algo que, por outro lado, é utilizado como índice de valor para a indústria publicitária que, no caso de sites da internet, se baseia em números de acessos. O produto segue um modelo de negócio diferente do restante do conteúdo jornalístico produzido pelo Uol, uma vez que é abertamente patrocinado por outras empresas e marcas. A publicidade, por sua vez, é fixa, sendo que apenas uma marca patrocina cada edição, aparecendo em momentos específicos e estratégicos 5, mas sem contribuição ou inserção no conteúdo jornalístico em si. Em relação ao visual, o layout do TAB é planejado conforme a temática da pauta, como acontece nos suplementos especiais de jornais ou em revistas segmentadas. A paginação é verticalizada, não sendo, assim, disposta em capítulos (como ocorre com A Batalha de Belo Monte). Por conta disso, faz uso do efeito parallax scrolling, que é o movimento de elementos – como ilustrações – conforme a leitura avança e a tela é rolada para baixo. Essa técnica de webdesign torna a leitura de um texto long form menos cansativa e mais dinâmica, assemelhando-se ao efeito em três dimensões, algo natural ao olho humano. Os elementos inovadores de apresentação de conteúdo, como se pode concluir, requerem novas habilidades dos jornalistas, além da inclusão de especialistas de outras áreas, como programadores, na redação. “Atualmente, quem desejar explorar ao máximo o potencial comunicativo da internet necessita contar com excelentes dotes de escritor e com grandes aptidões para a narrativa gráfica e audiovisual” (SALAVERRÍA, 2014, p. 33). Já Renó (2014) afirma que vivemos o momento das narrativas transmidiáticas, que possuem um espaço privilegiado hoje. Para isso, o jornalista deve ser interdisciplinar e multiplataforma.

4

Disponível em < http://noticias.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2014/10/13/uol-lanca-o-tab-novo-projetoeditorial-interativo.htm>. Acesso em fevereiro de 2015. 5 A publicidade aparece logo no início da reportagem, quando o usuário precisa obrigatoriamente assistir a um vídeo de 5 segundos para acessar o conteúdo, e um pouco antes do final da mesma, em que outro vídeo surge, mas sem a obrigatoriedade de ser assistido.

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2. O audiovisual no TAB: informar, interagir e reter a atenção A edição selecionada para análise é a de número 4, publicada em novembro de 2014. Intitulada “Todo Mundo Mente”, a reportagem tem como tema a mentira. O texto possui mais de duas mil e trezentas palavras. O tema é abordado de forma interativa, com a presença de testes, enquetes, frases prontas para compartilhamento no Facebook e Twitter, além dos vídeos em questão, analisados neste artigo. Defende-se que os vídeos exercem funções específicas: entreter e reter a atenção, uma vez que os audiovisuais devem ser assistidos por completo para que se compreenda toda a mensagem, pois os momentos finais de exibição são imprescindíveis e reveladores; informar, por tratarem-se de vídeos que apresentam informações novas, não tratadas no texto; e, por fim, os audiovisuais exercem a função de estimular a interação do usuário, uma vez que é este quem direciona a narrativa ao responder a um questionamento. Os vídeos possuem sentido próprio e, por conta disso, podem ser compartilhados em outros ambientes digitais sem que seja necessário o acompanhamento do texto da matéria; por outro lado, em alguns casos (como será mostrado nos três primeiros vídeos), é necessário assisti-los antes de partir para o texto. A seguir, são elencadas e analisadas as três funções dos audiovisuais da edição escolhida para investigação.

2.1 Informação A primeira série de vídeos disposta na reportagem é posicionada após um grande bloco de texto. Os três vídeos não são citados no texto que os antecede, bem como não são vídeos que ilustram algum tipo de situação ou personagem descrito no texto anteriormente. Entretanto, são fundamentais para o entendimento do texto que os acompanha, cujo primeiro parágrafo se inicia com o trecho:

Assista a pelo menos um dos vídeos ao lado antes de ler o texto. Assim, é mais fácil perceber como o cérebro engana nossa percepção do mundo chamado de real. Nós não vemos o que está ali, mas sim o que nosso cérebro quer que vejamos. A mesma coisa acontece com nossos outros sentidos. Não vemos a realidade para viver melhor. (FERREIRA, 2014, on-line)

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Os três vídeos referem-se a ilusões provocadas pelo funcionamento do cérebro. O primeiro mostra como não conseguimos distinguir detalhes ao olhar uma foto de ponta-cabeça (Efeito Tatcher) e tem 36 segundos. Na imagem, um rosto é apresentado de ponta-cabeça e depois, rotacionado para a posição normal, evidenciando a ilusão de ótica que está sendo descrita via áudio. Tal vídeo foi reproduzido, separadamente da reportagem, na página oficial do TAB do Facebook e foi o post mais repassado em oito meses de acompanhamento da página, com 447 compartilhamentos no total (ITO, 2015, p. 11). Uma das hipóteses para que isso ocorra é o formato do vídeo – objetivo, curto – aliado à natureza curiosa da informação que apresenta: a capacidade de nosso cérebro nos enganar e construir o que está sendo visto. Figuras 1 e 2. Capturas de tela mostram o Efeito Tatcher

O segundo vídeo, de 57 segundos, mostra a diferenciação que o cérebro faz quando estamos vendo uma pessoa falar determinadas sílabas e quando estamos apenas ouvindo o que é dito, sem visualizar. Já o terceiro, de 38 segundos, também é uma ilusão de ótica que apresenta, sem narração, uma maquete de papel que engana o cérebro. Após assistir aos vídeos, destacam-se os pontos abaixo que são abordados apenas nos mesmos, ou seja, sem serem descritos no restante do texto: Tabela 1. Informações novas presentes nos vídeos Vídeo 1:

1. A imagem que se vê pode parecer real, mas não é; 2. Isso ocorre por conta de uma ilusão de ótica denominada Efeito Tatcher; 3. O nome Tatcher vem do fato de que uma pesquisa científica, feita nos anos 80, descobriu essa particularidade ao realizar um experimento que invertia fotos de Margareth Tatcher.

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4. Quando se vê alguém pronunciar a sílaba “ba”, sozinha, o que se escuta é “da”; 5. Isso não ocorre quando a imagem some – então, se escuta o som correto: “ba”; 6. Esse efeito acontece com as sílabas “ba” e “ga”, pois são sons muito semelhantes e o cérebro integra as pistas visuais; 7. Trata-se do Efeito McGurk, que induz a pessoa a achar que ouve um som, quando na verdade, ouve outro. 8. Uma estrutura de papel que aparenta ter um centro no alto e quatro caminhos com descidas, na verdade, engana o olhar e faz com que as esferas de borracha subam ao invés de descer, contrariando a gravidade; 9. Entretanto, trata-se de mais uma ilusão de ótica, uma vez que, ao ser mostrada a estrutura por completo, pode-se visualizar que o centro, na verdade, está abaixo dos caminhos e, por conta disso (e da gravidade) as bolinhas se encontram no centro.

Vídeo 2:

Vídeo 3:

A intenção dos vídeos é claramente explorar o que não pode ser totalmente explicado via texto. As imagens, neste caso, falam por si e são essenciais para o argumento do primeiro parágrafo citado anteriormente (que diz ser preciso assistir aos vídeos antes de ler). Os vídeos carregam um teor informativo importante, pois acrescentam novos dados, que são experienciados pelo usuário ao serem assistidos. Tal informação não seria apresentada de maneira completa em uma reportagem impressa, pois o movimento e o som do audiovisual tornam-se essenciais para a compreensão. Destacam-se, então, particularidades inéditas da reportagem, agora digital: unir texto aprofundado ao audiovisual. A interatividade, por sua vez, complementa o caráter inovador desse gênero jornalístico.

2.2 Interação Já em relação à interatividade, os próximos vídeos trazem elementos que estimulam a interação do leitor. Posicionado logo abaixo do trecho que traz os vídeos acima analisados, está um painel interativo com situações que convidam o usuário a escolher, como se vê na figura 3:

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Figura 3. Painel interativo

Cada uma das quatro situações referem-se a cenas que mostram possibilidades variadas de opção que o usuário pode fazer. A partir da alternativa escolhida, surge na tela um vídeo curto, com no máximo 52 segundos. Após assisti-lo, o usuário é convidado a responder à pergunta: “O que você faria?”, que leva a três desdobramentos possíveis. Assim, dependendo do direcionamento inicial do usuário, é possível escolher entre as seguintes frases: Tabela 2. Desdobramentos possíveis da narrativa audiovisual Homem Mente Para Outro /

Mulher Mente Para Outro/

Mulher Descobrir a Mentira

Homem Descobrir a Mentira

Finge que não percebeu a mentira

Diz que não viu papel nenhum

Diz que o outro está mentindo

Nervosa, demonstra surpresa

Arma um barraco

Tenta ganhar tempo

Após a escolha, é mostrado o desfecho da cena. Quando a encenação termina, surge a imagem de um consultor, psicólogo da Universidade de São Paulo, cuja função é explicar as decisões tomadas pelos personagens, fundamentando o porquê de acontecerem, bem como mostrando possíveis sinais corporais que indicariam que a pessoa está mentindo.

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Figuras 4 a 7. Narrativa audiovisual interativa do TAB

2.3 Reter a atenção Há também outros vídeos na edição que, além de promoverem a participação do usuário, possuem a capacidade de reter a atenção do mesmo, uma vez que são mais longos e precisam ser vistos até o fim para que sejam totalmente compreendidos. Aqui, é importante reforçar a defesa de que todos os vídeos são informativos, no sentido de acrescentarem novos dados à reportagem, e, alguns deles, são também interativos, uma vez que necessitam da participação do usuário para que os desdobramentos sejam exibidos. A sequência de vídeos a seguir é mais longa e o título instiga a observar atentamente o que é mostrado, como numa investigação informal, a fim de se adiantar um desfecho. No título e linha fina, estão as seguintes frases:

Quem conta um conto... Agora que você já sabe reconhecer sinais da mentira e expressões verdadeiras, tente adivinhar se as histórias contadas realmente aconteceram

O conteúdo é o depoimento de seis pessoas que, olhando diretamente para a câmera e sem nenhum tipo de cenário, corte ou fundo musical, relatam situações supostamente vivenciadas por elas. No caso desses vídeos, que são vistos em sequência (sendo impossível assistir ao da última pessoa antes de todos os

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outros, por exemplo), o tempo de duração pode chegar a 2 minutos e 23 segundos para cada primeira parte da história. A narrativa é dividida em duas partes: na inicial, cada pessoa conta a situação pela qual supostamente passou e, ao fim, surge um box interativo com a seguinte pergunta: “Esse vídeo é... Verdade ou Mentira?”. O usuário, ao optar clicar em uma das respostas, assiste à segunda parte do vídeo em que a pessoa que contou a história revela ser verdade ou não. Em seguida, surge o próximo personagem a contar a história, como num quizz audiovisual que entretêm e retêm a atenção do usuário. A duração total dos vídeos, quando assistidos em sequência, é de acima de 10 minutos. Figura 8. Audiovisual retém a atenção

Reitera-se que os vídeos podem ser pensados como testes para o usuário. São posicionados abaixo de uma galeria de microvídeos que mostra imagens em movimento de expressões faciais verdadeiras. O fato de essa galeria servir para que o usuário identifique expressões como alegria, medo, nojo, entre outras, antes de assistir às seis histórias contadas pelos personagens (figura 8), funciona como um preparo para o quizz. Assim, o audiovisual exige atenção do usuário quando é sugerido que deve-se decodificar sinais particulares capazes de revelar mentiras.

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Figuras 9 e 10. Imagens da galeria "A Cara da Verdade", que antecede os vídeos quizz

Reter a atenção é, para o Uol, uma forma de diferenciar suas produções jornalísticas – em sua maioria webnotícias padrão, com textos médios e curtos, permeados por hipertextos e, no geral, com pouco aprofundamento na própria notícia, confiando na arquitetura hipertextual para a ligação entre outros conteúdos. Tal fórmula é amplamente utilizada nos periódicos do mundo inteiro desde meados dos anos 2000 e algumas de suas principais particularidades, como a fragmentação hipertextual, o parágrafo de gancho, os links documentais, a datação exaustiva e o título-link, foram apontadas por Salaverría (2005) como características do gênero notícia nos cibermeios. Daniel Tozzi, editor do TAB, defende que o interesse comercial da publicação vai além da quantidade de cliques (pageviews) do site. Um dos objetivos é mesmo reter a atenção do usuário em formatos imersivos, criativos e interativos. O editor afirma que “normalmente, as pesquisas indicam que o internauta gasta 40 segundos numa notícia. A gente tem conseguido com que o nosso leitor fique, em média, quatro minutos”6. O modelo de negócio do TAB, apesar de oferecer conteúdo diferenciado para os anunciantes, parece centrar-se nos valores de monitoramento da audiência e na geração de dados oriundos das ações dos visitantes ao site. Jenkins, Green e Ford (2014), denominam esse tipo de valor como sendo baseado no conceito de aderência, a primeira forma de se aferir sucesso no comércio online e que é, ainda hoje, majoritariamente adotada pelas empresas na web.

6

Informação dada em palestra de Daniel Tozzi na Fapcom (Faculdade Paulus de Comunicação) ocorrida em abril de 2015. O título da apresentação de Tozzi foi: “Chegou a hora de trocar o clique pela atenção – a experiência do projeto UOL TAB na web e o papel da publicidade nas narrativas digitais”. Disponível em:< http://www.fapcom.edu.br/blog/jornalismo-e-publicidade-existe-liberdade-para-criacao-editorial-na-web.html>. Acesso em 11 fev. 2016.

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Essa noção de aderência lembra de perto o modelo de “impressões” que formatou a mensuração de audiências para conteúdo transmitido [...]. Aplicando esse conceito ao design de um website, as empresas esperam obter aderência colocando material num local facilmente mensurável e avaliando quantas pessoas o visualizam, quantas vezes é visualizado e por quanto tempo os visitantes o visualizam. (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 27)

Uma característica observada reforça o modelo de negócio baseado na ideia de aderência: no TAB, mesmo que o material audiovisual tenha potencial transmidiático, não é colocado, em nenhum dos vídeos da edição aqui analisada, o link de compartilhamento nas redes sociais. Assim, é valorizada a centralização do conteúdo, a quantidade de acessos e tempo de permanência na página, algo que, em consequência, garante ao Uol controle maior sobre os números de audiência. A possibilidade de compartilhamento é oferecida em apenas dois momentos, posicionados no final da reportagem: pode-se compartilhar todo o material ou frases em redes sociais (figura 11). Neste último caso, os próprios usuários podem enviar as frases, via e-mail ou Whatsapp e, depois de selecionadas, as mesmas vão para o mural interativo, como é mostrado abaixo: Figura 11. Captura de tela de painel interativo transmidiático

A ausência do estímulo ao compartilhamento de outras partes da reportagem (como vídeos ou testes) deixa claro que, apesar do potencial transmidiático, esta edição em específico o faz apenas no painel acima mostrado. Entretanto, apenas com essa constatação, não é possível categorizar o TAB como um produto transmidiático ou não, uma vez que seriam necessárias análises mais aprofundadas e voltadas a essa pergunta de pesquisa, algo que foge do escopo

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traçado para o artigo em questão. Aqui, é possível apenas relacionar a potencialidade transmídia (que na edição analisada se resume à potencialidade) ao modelo de negócio adotado, que segue o conceito de aderência. Considerações finais A reportagem multimídia tem como característica marcante o uso do audiovisual. Neste artigo, foi selecionada uma edição do TAB a fim de se observar e compreender quais funções estariam embutidas no uso de vídeos que permeiam a narrativa, complementando-a e enriquecendo-a. Pode-se concluir que o audiovisual não apenas estende a reportagem, como também exerce o papel de oferecer novas informações, independentes do texto escrito, com potencial para serem consumidas em contextos e plataformas diferentes. Além disso, os vídeos funcionam como elemento que estimula a interatividade do usuário – diferencial importante do gênero jornalístico em questão – ao mesmo tempo em que possuem a capacidade de reter a atenção de quem está atrás da tela do computador, requisito essencial num momento histórico em que a atenção torna-se um valor de mercado. A proposta do TAB parece ser oferecer conteúdo aprofundado em formato criativo e original, como já foi revelado por seus idealizadores, entretanto, a estratégia comunicacional pode ir além disso, incluindo o objetivo de induzir o usuário a permanecer por mais tempo no site ao consumir a informação. Esse tempo pode ser gasto ao ler, assistir, ouvir, jogar, interagir, compartilhar. Ações estas que ocorrem em momentos separados ou simultâneos. Tal modelo de apresentação jornalística difere do grosso que é publicado pelo Uol, tanto em sua rotina produtiva quanto em relação ao formato de conteúdo. Assim, se em uma notícia padrão, o vídeo integra o texto com objetivo e forma determinados, não se pode dizer o mesmo no caso da reportagem digital, multimídia, imersiva e de potencial transmidiático. Por conta disso, análises como esta buscam compreender significados e intencionalidades por trás de elementos já corriqueiros no jornalismo digital, como é o caso do audiovisual, que ganham agora novos contornos e funcionalidades em tais produções midiáticas diferenciadas.

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