NARRATIVAS INFANTIS SOB O OLHAR DOS SURDOS DO CAS-NATAL

May 24, 2017 | Autor: Ricardo Wagner | Categoria: Narrativas, Literatura Surda
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NARRATIVAS INFANTIS SOB O OLHAR DOS SURDOS DO CAS-NATAL Ricardo Wagner da Purificação Oliveira – CAS – Rotary. Natal/RN1 O hábito de contar histórias está presente desde os primeiros traços de civilização até os dias atuais. Contam-se estas na gestação, na alfabetização, nos anos escolares, mas também, em outros espaços sociais. Em grupos de amigos, em casa ou na apresentação de trabalhos. Karnoop (2008) comenta que essas narrativas, à luz da Literatura Surda, representam culturalmente uma comunidade surda e, também, auxiliam na difusão da Libras através das expressões artísticas e linguísticas. Apesar dessa importância, a Literatura Surda, na prática, inexiste nas escolas ou mesmo Universidades. Em pesquisa realizada por Oliveira (2015) constata-se que as disciplinas de Literatura no curso de Letras Libras nas Universidades Federais representam menos de 10% (dez por cento) da grade curricular. Dessa forma cabe a pergunta: O contato com a Literatura, de fato, promove o desenvolvimento linguístico do aluno? Este trabalho busca então, através da pesquisa exploratória, avaliar como os alunos surdos utilizam os parâmetros da Libras na representação de narrativas, sejam elas de domínio popular ou criadas pelos surdos, para que possa ser entendida a importância da Literatura para o sujeito surdo. Por tratar-se de uma pesquisa exploratória, a mesma parte da análise de 11 (onze) vídeos contendo narrativas criadas pelos alunos do CAS-Natal, observando-se os parâmetros sugeridos por Silveira e Karnoop (2013), combinados com os estudos de Quadros (2004): Modificação de sinais; variação de sinais; uso de classificadores e; expressão facial e corporal. Foram classificadas enquanto narrativas as histórias que possuíam: Tempo; espaço; enredo e; personagens. Durante a pesquisa foram apresentados aos alunos livros com histórias infantis em Libras (Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, entre outros) e vídeos de animações gráficas contendo pequenas narrativas (sem áudio ou legendas). Após a produção dos vídeos, pode-se perceber que em produções próprias, há grande utilização de classificadores e expressões faciais e corporais. Percebe-se também que há um ganho na percepção desses alunos no tocante a linearidade de pensamento e desenvolvimento de coerência e coesão, decorrente do contato com narrativas literárias. Palavras-chave: Literatura surda. Desenvolvimento linguístico. Narrativas surdas.

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Aluno do 7º período do curso de Letras Libras/Língua Portuguesa da UFRN. Graduado em MatemáticaLicenciatura – UFRN/2005. Especialista em Libras pela EFICAZ/PR em 2013. Professor da Rede Estadual desde 2006. Atuando no ensino de surdos desde 2013. Email: [email protected]

1. INTRODUÇÃO A contação de histórias é algo tão antigo quanto a própria humanidade. Desde o período conhecido como pré historia as gerações passam sua cultura, seus registros importantes e suas lendas através de narrativas. Sejam essas escritas ou através de desenhos esculpidos em pedras. Os ouvintes têm contato com essas narrativas desde a gestação, sendo essa exposição ampliada após o nascimento, nas escolas, através da leitura de contos e narrativas infantis. Esse contato produz, nos ouvintes, desenvolvimento linguístico e cognitivo. A partir desse relato, entende-se que as pessoas surdas não tem esse contato com histórias na gestação e, provavelmente, também não tem esse contato na escola. Reforça-se essa ideia pelo fato de, ao descobrir que a criança é surda, a família busca inicialmente um médico e não uma escola. Porem, Karnoop (2008) entende que a Literatura ao ser apresentada aos surdos propicia, assim como nos ouvintes, o reconhecimento de si (através do reconhecimento do “eu” nas narrativas) e de seu grupo social. Nesse contexto, pergunta-se: Como propiciar o contato com a Literatura, de modo à esta, auxiliar no desenvolvimento linguístico do surdo? Para fazer essa análise, buscamos através das aulas de Português como segunda língua no CAS-Natal, propiciar esse contato dos surdos com algumas narrativas infantis, em livros contendo os sinais em Libras. A intenção é, inicialmente, discutir essas narrativas e como o surdo as percebe. Em outro momento, incentivar os alunos a criarem suas narrativas, dentro da estrutura exigida de um texto narrativo, e assim, desenvolver-se gramaticalmente na Libras.

2. REFERENCIAL TEÓRICO O estudo baseia-se na teoria exposta por Karnoop (2008), onde a professora explana sobre a importância da Literatura Surda enquanto instrumento de reconhecimento da identidade surda. Também cabe ressaltar o texto das professoras Silveira e Karnoop (2016) no tocante à forma como analisar poemas descritos em Libras. Esse material demonstrou-se muito útil na análise do material coletado durante a pesquisa. Reforça-se o trabalho com as teorias linguísticas contidas em Quadros e Karnoop (2004) para reconhecimento dos sinais e das formas dos mesmos durante a coleta de dados. Conclui-se o referencial com o trabalho apresentado por Oliveira (2015) onde encontra-se o peso que a disciplina de Literatura possui nos cursos superiores em Letras Libras. 3. LITERATURA SURDA De acordo com Karnoop (2008) é importante frisarmos que trata-se de uma Literatura ainda muito recente, visto que durante décadas o ensino das línguas de sinais era proibido, focando o ensino dos surdos na oralização. Desse modo, os surdos eram impossibilitados de desenvolver literatura em sinais nas escolas e buscavam as associações de

surdos para que pudessem expressar seus desejos. Era, ainda de acordo com a autora, nesses lugares onde o surdo sente-se mais a vontade, pelo convívio social com seus pares e, consequentemente, desenvolvimento da cultura surda. É nesse reconhecimento cultural que ocorre o desenvolvimento linguístico do surdo. No momento em que tratam dos hábitos, costumes e tradições surdas que essa cultura se fortalece. Apesar de entendermos essa Literatura Surda atualmente, e respeitá-la, sabemos que o registro dessa produção ainda era ineficiente até algumas décadas. Com a aprovação da Lei de Libras, que reconhece a língua dos surdos como forma de comunicação entre eles, os surdos ganham outros espaços e assim, finalmente, conseguem começar a demonstrar seus conhecimentos e produzir novos. Com as facilidades tecnológicas para filmagem e divulgação das mesmas através de sítios na Internet como youtube ou mesmo DVDs, essa produção surda passa a ser difundida dentro não apenas de um grupo social fechado mas sim, de toda uma comunidade surda (que podem ser ouvintes que convivem com surdos). Cabe também ressaltar a escrita de sinais (sign writing) que também pode ser utilizada para a divulgação da produção dos surdos em papel. Para termos um parâmetro linguístico, observamos os estudos de Quadros e Karnoop (2004) sobre a estrutura linguística da Libras. Baseado nos estudos das autoras, os seguintes parâmetros foram observados: Configuração de mão (CM); Movimento (M); Locação (L); Orientação da mão e; Expressões não-manuais (ENM). Acrescentamos à esses itens a utilização de classificadores enquanto recurso para explicar ações onde a simples sinalização não é suficiente.

4. METODOLOGIA A pesquisa acontece de forma exploratória. Sendo assim, para a coleta dos dados, foram utilizados alguns livros já adaptados em Libras. Os livros contêm narrativas como: Chapeuzinho Vermelho; Branca de Neve; Pinóquio, entre outros. Foram escolhidos por serem narrativas com a estrutura bem definida de personagens, enredo e linearidade da história. Inicialmente perguntou-se aos alunos se já conheciam as histórias citadas, caso sim, como tinham conhecido essas histórias e se conseguiam fazer um resumo delas. Em um segundo momento, foram apresentados os livros com as adaptações. Ressalto que os alunos não conheciam esse material inicialmente. Os livros apresentam toda a narrativa com o texto em Português, mas com a respectiva “tradução” em Libras abaixo, conforme o modelo abaixo:

Figura 01: Exemplo do texto utilizado

Fonte: Coleção contos clássicos em Libras

Após esse primeiro contato, foram discutidos os sinais e as palavras que não eram familiares aos alunos, o que aprimora o vocabulário nas duas línguas (Libras e Português). Os sinais ou palavras que não conheciam foram trabalhados sob a perspectiva do significado da palavra ou do sinal. Entendemos que dessa forma o aluno, posteriormente, irá conseguir aplicar esse conhecimento de forma coerente. Em outro momento, após as discussões, pediu-se aos alunos que fizessem um resumo do que haviam entendido sobre aqueles textos e esse resumo, em Libras, foi registrado através da gravação em vídeo. Finalizando, os vídeos foram analisados de acordo com os parâmetros citados no referencial teórico para entender quais eram as informações contidas nos mesmos. 5. ANÁLISE DOS DADOS Após verificar os vídeos registrados percebemos que nenhum aluno apresenta dificuldade na sinalização. Percebemos também que quando os alunos tem o auxilio do livro, a narrativa fica linear mas há pouca utilização de classificadores e as expressões não manuais são muito prejudicadas.

Quando o aluno não tem o livro ou quando interpreta sua narrativa, os classificadores aparecem durante toda a história e as expressões não manuais também. Percebeu-se também, durante a pesquisa, que os alunos sofreram influência dos textos ou vídeos trabalhados em sala de aula. As narrativas criadas por eles continham protagonista e antagonista, algumas se passavam em castelos e outras eram reproduções de situações vistas nos vídeos apresentados.

6. CONCLUSÃO A Literatura Surda possui uma relação muito forte com a cultura surda. De acordo com estudos de Karnoop, é através dela que o surdo fortalece seus laços com seus pares e com sua língua. Esse contato com a Libras através das narrativas, acredita-se, dará o alicerce necessário para a compreensão de uma gramática, de uma estrutura, e isso implicará em uma maior facilidade para a aquisição de uma segunda Língua, mesmo sendo escrita. Para que esse contato seja válido cabe ao professor verificar se os parâmetros da Libras estão presentes durante as sinalizações feitas pelos alunos. Uma forma de verificarmos é apresentando aos alunos narrativas adaptadas em Libras e pedindo para que eles tentem criar suas próprias narrativas. Para uma melhor análise, sugere-se que sejam filmadas as narrativas para que a análise seja mais precisa. Ao concluirmos as análises percebe-se que quando as produções são próprias, todas as narrativas são compatíveis com os parâmetros estudados por Quadros e Karnoop (2004) e que aparecem os classificadores para deixar as narrativas mais fáceis de serem compreendidas. Por outro lado, ao termos as adaptações com auxílio dos livros, os alunos perdem a naturalidade da Libras, com pouca utilização de expressões não manuais, poucos classificadores e excesso de sinalizações, o que pode prejudicar o próprio entendimento das narrativas.

REFERÊNCIAS KARNOOP, Lodenor. Literatura Surda. 2008. Disponível em: . Acesso em: 20 jul. 2016. OLIVEIRA, Ricardo Wagner da Purificação. Análise curricular dos cursos de Letras/Libras nas Universidades Federais do Brasil. Natal: UFRN, 2015. (Comunicação Oral) QUADROS, Ronice Müller de; KARNOOP, Lodenir Becker. Língua de Sinais Brasileira: Estudos Linguísticos. Florianópolis: Artmed, 2004. 224 p. SILVEIRA, Carolina Hessel; KARNOOP, Lodenir Becker. Literatura Surda: Análise introdutória de poemas em Libras. Disponível em: . Acesso em: 10 jul. 2016.

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