Narrativas, mensagens e Ensino de História através das animações.

June 30, 2017 | Autor: Mateus Nascimento | Categoria: Ensino de História
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Onoki fala a Danzõ. “Leva-se tempo para fazer dos ideais realidade.” – Narrativas, mensagens e Ensino de História através das animações. Mateus M. Nascimento1

A relação entre leitura e mensagem não é nova. Olhando para a história, a experiência da escrita esteve sempre anelada as grandes tradições religiosas, ou as discussões de cunho mais político, as representações diversas que se quisesse obter/fazer para igualmente diversos fins através da literatura, a ensinamentos, enfim: uma série de funções sociais acompanham não só a leitura como o hábito de ler. Ou seja, o foco aqui é análise da leitura e sua correspondência com seu tempo; estabelecer um olhar mais focalizado tanto em quem escreve – e este tem motivações diversas para o seu processo – quanto quem lê e, olhando para ambos os sujeitos, questionando o porquê e os resultados da leitura. Nesse sentido, busca-se estabelecer também um ponto interessante para se pensar ensino de história: a disciplina escolar história é formada pela carga de interpretações que via de regra, com poucas exceções relevantes, se produziram sobre pensantes e escritos. Vale destacar que o objeto maior da história não é o texto, no sentido de mais valorizado, ele é uma possibilidade2. Ou seja, visa-se problematizar a leitura em sala de aula como um meio de pensar narrativas e representações. Aliás, para pensar escrita e a leitura deve-se observar dois elementos conceituais importantes, os quais são o corpo deste trabalho: a estética da recepção e a teoria literária da mensagem nas formas escritas. Dessa forma se coloca para o leitor as seguintes questões-chaves: que formas escritas são essas? Como estes conceitos ajudam de fato no ensino? A começar pela primeira pergunta, uma leitura atual que se transformou num objeto bastante interessante de se trabalhar é o manga e, as HQ norte americanas. Estes cadernos com imagens e quadros rápidos tem sido o maior produto de lucro no mercado de entretenimento para o público dos adolescentes. Fazendo-se um estudo sobre as vendas, pode-se dizer que as histórias em quadrinhos tanto americanas quanto as asiáticas competem firmemente com filmes

Graduando em História pela Universidade Federal Fluminense. Muitas metodologias se estabeleceram como viáveis e notáveis, principalmente a partir dos anos 80/90 e não necessariamente se envolvem com o documento; podem inclusive utilizar-se de imagens, filmes, memória, oralidades, músicas e também a literatura – história das imagens, história e cinema, história oral, história do som e da sonorização e história e literatura respectivamente – dentre outras fontes e formas. 1 2

quando se pergunta ao entrevistado qual sua atividade de lazer favorita3. Em capitais brasileiras, e cito São Paulo por exemplo, a leitura das tais histórias em quadrinhos gerou um aumento considerável de atividades na internet de jovens que passam o tempo discutindo e refletindo sobre algum fato nas histórias apropriando-se de seus conteúdos para a vida4. Chegou-se ao nível da criação de conceitos internos para descrever o público entendido nas histórias: otaku (no caso de um fã de histórias asiáticas) e geek (para os expert em histórias americanas) – embora, na prática os conceitos se confundam. A descrição anterior já dá um tema para outras pesquisas; o interessante é a estética da recepção nesses jovens. Este conceito bastante utilizado em outros ramos de pesquisa surge como uma proposta da teoria da linguagem para pensar como podemos abordar o texto, ou, a sua mensagem, como uma influência distinta nos leitores. Assim, problematiza-se como podemos ver os processos de adequação e interpretação do texto lido, buscando caracterizar também a produção das obras: o seu processo criativo e sociologicamente amparado; enquanto a mensagem transformada em algo receptível. Esse percurso do momento da criação até o momento da recepção é o que chamamos de estético – palavra que pode ser entendida como uma referência para a questão sociocultural da obra. Pensamos que a questão esteja mais no ponto em que a estética da recepção se torna uma ferramenta bastante útil na qual percebemos um processo de leitura e interpretação dos conceitos e a seguir uma apropriação destes. O ponto em que o texto lido é interpretado, nos interessa mais como elemento fundamental para o ensino de história. Dessa forma, as diversas mensagens existentes numa obra podem e devem ser trabalhadas por professores críticos. A mensagem é fruto não dos processos de interpretação em si, mas se coloca antes como aquilo que será lido e interpretado. Aliás, é possível dizer que no processo de interpretação surgirão as famosas alegorias pois, numa leitura inicial de qualquer coisa, no caso as histórias em quadrinhos, não surgem, via de regra, correlações claras e exatas – o resultado da comparação é mediado então por determinadas conexões igualmente iniciais incipientes que são as alegorias.

Deve-se lembrar que a resposta pode não ser necessariamente “ler um livro” mas é “ler manga/HQ” ou “ver um filme”. 4 Diversos elementos poderiam ser destacados para esse aumento, entretanto, cabe aqui destacar o surgimento dos “fóruns” de discussão. Estes espaços digitais servem quase única e exclusivamente para debates e para formação de redes de sociabilidades, tangenciadas pelas experiências do indivíduo com alguma história narrada. Um dos tais fóruns famosos é o da equipe Project, autodenominada Aliança Project: http://www.aliancaproject.com.br/ (link para o conjunto de sites da equipe criadora) https://www.facebook.com/forumproject. (Link do tal fórum de debates e diversão). Outro fator interessante é a criação de canais onde “críticos” respondem e comentam tais opiniões e posicionamentos: https://www.youtube.com/user/aceopz (canal recente de considerável fama entre os leitores). 3

Um exemplo bastante didático desse processo de interpretação (embora esta história não seja um manga ou HQ ainda) é a leitura de um clássico inglês traduzido por: As crônicas de Nárnia, o Leão a Feiticeira e o guarda roupas (livro um), de CS. Lewis5, pelo qual quem nunca ouviu falar da obra, mas a lê, logo se depara com elementos fantasiosos que se lhe remetem a tradição cristã. Ou seja, fazendo uma leitura das cenas da obra podemos fazer ligações com elementos da tradição cristã, mesmo não sendo este o contexto dos leitores6. Voltaremos a esses conceitos no decorrer das análises e questões a serem trabalhadas adiante. Assim, a temática se funde ao ensino de história porque ao professor cabe problematizar o ensino em sua forma: o professor torna-se crítico do seu saber docente e essa crítica volta-se para a forma tanto quanto outras características da sua prática. Ao professor, enquanto ser social engajado, cabe observar como se dá o ensino; talvez todos os professores sejam tentados a pensar que o ensino é uma palavra inadequada pois o mesmo encerra o processo numa relação bilateral quando o eixo verdadeiro é deveras multifocal. Ou seja, aprender é algo que acontece de diversos meios em diversos espaços com ou sem mediação do professor mas, para fins pedagógicos específicos, o foco aqui é ver o professor como utilizador de novas possibilidades metodológicas por serem estas frutos do processos de desenvolvimento das sociedades. Fotografias com tão rápida visualização, filmes mais facilmente divulgados, digitalização de conteúdo, globalização etc. são tipos de interferência direta no ensino – e ao professor cabe analisar essas “interferências”. Manga/HQ e ensino de história, portanto, se encontram constantemente. Esse conjunto de apontamentos se fez necessário para justificar a frase a seguir: O seguimento jovem, hoje em dia, no mundo, pensa sob a forma da linguagem; dos diversos tipos de linguagem tem a do manga e da HQ7.



O conteúdo como uma forma de exposição histórica ou uma provocação ao estudo através de algo visto na narrativa? A forma com a qual podemos analisar pode variar nesse sentido. A questão toma como

base das nossas reflexões o texto “Os quadrinhos na aula de história”. Neste o autor apresenta LEWIS, C.S. “As crônicas de Nárnia”. Trad. Paulo Mendes Campos e Silêda Steuernagel. 2ª Ed. São Paulo: Ed. WMF Martins Fontes, 2011. 6 A saber, logo no começo da obra, quatro crianças, sendo dois meninos e duas meninas, são escolhidas como correspondentes ao texto profético da terra de Nárnia. Quando dá chegada, um dos garotos é tentado pela grande vilã da história – a Rainha de Gelo – e cede a tentação dando informações sobre seus irmãos. Num outro momento, Aslam, o rei a muito esperado surge como guia para as crianças. Esses personagens forma o lado da bondade, da justiça e do amor fraternal (perdão) contra a Rainha que é o mal. Não teria o leitor encontrado os elementos da tradição cristã? Isso é a recepção. 7 Parafraseando LEMUEL, G. Lloyd em: “Comics fulfill needs of many Japanese”, 1986; s/e. 5

algumas ideias para serem exploradas com os alunos. Primeiro, é importante que os alunos conheçam o autor para que possam refletir sobre os aspectos da vivência que possam aparecer nas histórias. Deve-se analisar a autoria e seu contexto pois, o público a que se destina a história também pode nos dizer muita coisa tanto sobre o quadrinho quanto sobre a sociedade ou parte dela. No caso do mangá há uma grande variedade de temas, alcançando todas as classes sociais. Temas como escola, esportes, trabalho, amor, amizade são trabalhados em diferentes mangá para diferentes seguimentos 8 . Já os quadrinhos ocidentais se destinam em grande parte ao público masculino. Assim, os quadrinhos podem ser utilizados pelos professores de História de várias maneiras, e muito além de apenas ferramenta de suporte de um conteúdo. Seu uso pelos professores ainda é muito reduzido em quantidade e em possibilidades. Um dos usos mais facilmente identificáveis é o dos quadrinhos chamados “históricos”, que retratam uma época anterior à qual foi produzido, podendo ser utilizados em sala de aula para ilustrar ou apresentar aspectos da vida social de comunidades do passado. Porém, deve-se ter ciência de que o período é retratado de acordo com a visão de seus autores, que também estão inseridos em um determinado contexto histórico, podendo então este material retratar mais sobre a época em que ele foi produzido e a visão contemporânea do período narrado, do que a época retratada em si. Um segundo uso que destacamos é uso de quadrinhos antigos para entender a época em que eles foram produzidos. Seria o uso do quadrinho como documento histórico. Neles estão retratados visões de época, características culturais e até eventos reais importantes. É comum percebermos interesses e ideologias nos quadrinhos, logo, as histórias ali contadas podem servir como conhecimento ou alienação, por exemplo: pode-se criticar ou perpetuar discriminações. As tirinhas de Mafalda, em aniversário neste mês, são conhecidas por serem bastante críticas politicamente. Alguns quadrinhos podem servir como propaganda ideológica. Os personagens heroicos dos quadrinhos norte-americanos seguem essas linha propondo uma comoção social por este ou aquele projeto; no caso asiático, a ideologia encontrada se refere a reformular o indivíduo japonês do pós guerra (destacando-se o ano de 1955 e suas produções para uma análise mais interessante do conteúdo). Será difícil encontrar algum que de alguma forma critique o modelo de vida dos Estados Unidos. A questão é que de acordo com as necessidades da época os quadrinhos podem ser usados para defender ideologias e políticas, e assim se transformam em mensagens9 com um amplo alcance – vide os gráficos da leitura do período e as cifras em dólar ou iene de produção das revistas onde as histórias eram lançadas.

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Existem diversos estilos que são voltados para seguimentos etários ou de gênero específicos. Passemos longe do conceito de subliminar; ele não se encaixa nas descrições.

Outra questão que pretende-se levantar é a importância do entendimento do tempo e do local em que a história está sendo produzida. Mesmo se tratando de uma ficção com personagens extraordinários, elementos característicos de uma sociedade podem estar representados. Assim é importante que se exercite o senso crítico nos alunos para que eles possam identificar os interesses contidos nos meios de comunicação, não apenas nos quadrinhos. E perceber, inclusive, questionamentos perante a sociedade: a tal criação narrativa, em determinadas circunstâncias, pode ser um objeto fundamental para se construir uma visão de todo mais ampla10 transcrita em alegorias diversas. 

Acerca do papel do mangá/HQ no ensino de história. O mangá e a HQ são formas ou gêneros literários; ele é fruto da atividade de escritores.

Dessa forma, a proposta é ver o autor de ambos como um autor-intelectual. Poderia citar diversos gráficos mas, para justificar a frase anterior, é só pensar no público e os resultados da leitura quando terminam de ler alguma obra tida como notável. A escrita e a leitura estão envoltas no conceito de público: o leitor é alguém a ser analisado como sociologicamente conectado ao universo da narrativa que lhe produz sentido. Na escola, a utilização de mangá/HQ viabiliza-se por ser esta uma forma mais ampla e dinâmica de canal da mensagem. Os alunos podem ter acesso ao conteúdo como uma forma de representação, entenda-se com isso: como uma forma de transposição da realidade pela perspectiva de uma pessoa (no caso, o autor) a ser visualizada por outros e apreendida (função pertinente ao público). Assim, podemos ver que a obra se torna um referencial. Retomo aqui uma via de interpretação pouco conhecida mas bastante feliz na sua proposta de Edward Said em “Humanismo e Crítica democrática” especificamente em seu quinto capítulo: “O papel público dos escritores e intelectuais” em que diz: A importância de escritores e intelectuais é eminentemente clara, em parte porque muitas pessoas ainda sentem a necessidade de ver o escritor-intelectual como alguém que deve ser escutado como guia no presente confuso e, ao mesmo tempo, também como líder de uma facção, tendência ou grupo disputando mais poder e influência”. (SAID, 2007: 149)

Utilizando um pouco de comparação histórica, com certa cautela quanto aos marcos teóricos e todas as questões heurísticas envolvidas, podemos ver dois pós guerra diferentes nas Histórias em Quadrinhos, por exemplo: um Japão arrasado, em 1955; o espírito japonês em recomposição (através das histórias esportivas que tiram o foco da situação e provocam reação nos leitores) e um milagre econômico traduzido no boom de 1970. Do outro lado os EUA financiando a reconstrução em diversos lugares e assim histórias como Conan o bárbaro ou os Herculóides mostram a ação de financiamento dos americanos em determinados países em certa medida apoiando os feitos nacionais. 10

Qual seria o motivo de se propor uma interpretação da obra? Dois pelo menos são destacáveis do ponto de vista da ação docente: a possibilidade de uma provocação quanto ao conhecimento clássico e uma crítica que fomente o senso político de quem lê. O professor é o um ser autônomo em seu fazer não somente por ser ele uma das principais peças da máquina escolar; ele torna-se autônomo por poder fazer e fomentar a crítica levando-se em conta as condições para seu exercício. Essa autonomia se torna real quando se leva o aluno ao choque, que é o papel da leitura desse gênero. As obras conhecidas citadas são somente exemplos de como um professor poderia trabalhar diversos tópicos consideravelmente extensos na sala de aula mas, a função principal da mensagem é servir como crítica ou apropriação do olhar de um autor sobre determinando assunto. O visual é extremamente presente na vida das pessoas. Existe uma apropriação do símbolos visuais como forma de outra existência. Os autores inclusive provocam a aproximação do real que o público faz de qualquer ficção. 11 As imagens ali contidas se tornam um bombardeio em tempos contemporâneos e, ao revisitarmos alguma obra, uma cena secreta surge como forma de nos inserir no plano da ficção, segundo Michel de Certau. A razão vai atuar ai como um elemento fundamental: o leitor busca na mensagem seu significado. Este será reescrito no plano do pensamento e reutilizado no fim do processo para se apreender alguma coisa com esta apropriação. É certo que a linguagem da ficção não é um espelho do real, entretanto isso não impede que o leitor não faça conexões com o narrado. Aliás, a fórmula do ensino de história e o HQ/mangá é sempre de comentários e roteiros analíticos mais próximos do conteúdo a fim de fomentar um ensino de fato: a partir da leitura podemos assim questionar e ressignificar uma experiência histórica que é o conteúdo final num dado período de tempo proposto para a aula. A citação de Said a seguir nos coloca uma máxima, próxima de ser conclusiva, sobre a importância dos intelectuais/escritores e como eles são uteis para o profissional do ensino: “O papel do intelectual é apresentar narrativas alternativas e outras perspectivas da história que não aquelas fornecidas pelos combatentes em nome da memória oficial, da identidade nacional e da missão.” (SAID, 2007: 170). Por fim, volto-me a proposição de Said: “O papel do intelectual é apresentar narrativas alternativas e outras perspectivas da história que não aquelas fornecidas pelos combatentes em nome da memória oficial, da identidade nacional e da missão.” (SAID, 2007: 170). Esta fala está mais próxima daquilo que o professor pode aprender por mensagem; uma narrativa

Essa é a lógica das novelas; quem as vê muitas vezes conhece mais um protagonista do que um vizinho por exemplo. 11

alternativa. Que possamos entender os escritores não só como os literários mas todos aqueles que propõe mensagens apropriáveis e interpretáveis.

Bibliografia utilizada:

EAGLETON, T. “Introdução: o que é literatura.” IN: “Teoria da literatura: uma introdução”. 5ed. TRAD. Waltencir Dutra. São Paulo, Martins Fontes, 2003. P. 1-22. ECO, Umberto. “O mito do Superman” in: “Apocalípticos e integrados.” SP: Editora Perspectiva, 1997. CULLER, J. “O que é literatura e tem ela importância?”. IN: “Teoria literária uma introdução”. TRAD. Sandra Vasconcelos. SP: Beca Produções Culturais LTDA. 1999. LUYTEN, Sônia B. “Mangá: o poder dos quadrinhos japoneses.” 3ª ed. SP: Hedra, 2011. ORSI, Maria Teresa. “A padronização da linguagem: o caso japonês”. IN: “A Cultura do romance”. MORETTI, Franco (org.) TRAD. Denise Bottmann. São Paulo: Cosac Naify, 2009. RAMA, Ângela. VERGUEIRO, Waldomiro (orgs.) “Os quadrinhos na aula de história” in: Como usar as histórias em quadrinhos na sala de aula”. SP: editora Contexto, s/d. SAKURAI, Célia. “Os Japoneses”. SP: Editora Contexto, 2011. 2ª ed. VERGUEIRO, Waldomiro. “De marginais a integrados: o processo de legitimação intelectual dos quadrinhos”. IN: Anais do XXVI Simpósio Nacional de História da ANPUH, SP, 2011.

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