Nas escadas da favela: sentidos e silêncios na construção do espaço político da cidade

May 26, 2017 | Autor: Tatiana Lima | Categoria: Territorio, Favelas, Produção Do Espaço
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Nas escadas da favcla: sentidos e silêncios na construção do espaço político da cidade

Universidade Federal Fluminense Tatiana Lima [email protected]

Resumen

A partir de la etnografía tres escaleras en el conjunto del favelas el Complexo do Alemão, el documento analiza cómo la construcción del espacio se puede formar y resignificar como campo de resistencia política a través de estrategias de pervivencia de la población local, com la mediación de conflictos en las acciones “ausências” y “presencia” del Estado. Buscamos com la observación participante mostrar el poder de lãs favelas em cambios de dirección, revelando silencios operados en la construcción de la representación social de los barrios pobres em Rio de Janeiro por parte del estado, dando un nuevo significado a la posición social de la favelas en el campo político de la ciudad, con acciones y reexistência, impugnar el significado del espacio pacificado.

Palavras Clave:

Etnografía; Resistencia, Favela; Ciudad; Memória

Abstract

Starting from an ethnographic study of three stairways at the Complexo do Alemão favelas, we analise in this paper how space in favelas can be built from strategies of survival of the local population - mediating conflicts in the face of the State’s actions (“absence” and/ or “presence”) and therefore fomenting an intervention of re(ex)sistance of the urban space in the favela as a social and political space in the city. Using participant observation we aim to demonstrate the power of the locals’ creativity in the face of the lack of public policies on the government side and how these actions change meanings and unveil mutenesses operated by urbanistic interventions by the State, in the space pacified Complexo do Alemão.

Keywords:

Ethnography; Resistence; Favela; City; Memory

Resumo

A partir da etnografia de três escadas no conjunto de favelas do Complexo do Alemão, o trabalho analisa como a construção do espaço pode ser formado e ressignificado como campo de resistência política através de estratégias de sobrevivência da população local, mediando conflitos diante das ações “Ausências e “presenças” do Estado. Buscamos através da observação-participante mostrar a potência da favela, deslocando sentidos e desvelando silêncios operados na

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construção da representação social das favelas pelo Estado, ressignificando o lugar social da favela no campo político da cidade do Rio de Janeiro, com ações de reexistência que disputam o sentido do espaço pacificado do Complexo do Alemão.

Palavras Chave:

Etnografia; Resistência, Favela; Cidade; Memória

Introdução Chegar à Matinha, uma das 13 favelas que compõe o Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro, não é tarefa simples. Localizada em uma das partes mais altas da comunidade, o acesso não é possível por transporte público. Os ônibus chegam somente até a esquina da rua principal que entrecorta a comunidade. A partir dali, preciso seguir o percurso a pé ou na garupa de um moto. A falta de acesso à rede de transporte público, a mobilidade urbana, é só um dos obstáculos na rotina dos mais de cem mil moradores do Complexo do Alemão. Eles convivem com serviços públicos precários de saúde, saneamento básico, educação e cultura. O conjunto de favelas tem o pior Índice de Desenvolvimento Urbano (IDH) entre os 126 bairros da cidade do Rio de Janeiro, com uma taxa de 0,711. A população é estimada em 100 mil moradores e os moradores com violências simbólicas e físicas, com violações de direitos humanos, incluindo o direito à vida devido à falta de insegurança. Desde 2008, a “retomada de território”, ou seja, a pacificação de favelas é uma das principais ações do governo do Rio de Janeiro para combater a violência, mediante a ocupação policial com as Unidades de Polícia Pacificadoras. O programa de segurança pública surgiu sob argumento de promover a preservação de vidas com a mudança da linha de atuação da política de segurança pública. Teoricamente, o enfrentamento armado ao tráfico de drogas foi substituído pelo controle militar do território. O Estado justifica a ocupação policial com a prerrogativa da entrada de políticas públicas sociais para atender a população e, integrar as favelas ao espaço formal da cidade. No Complexo do Alemão, a pacificação ocorreu no final de 2010, com a presença de mais de 2.600 soldados da polícia e do Exército que formavam a Força Pacificadora. Um contingente de mais de mil agentes policiais estão lotados nas bases das quatro UPPs instaladas na região, mas a rotina da violência arma segue com mortes e feridos em tiroteios entre a polícia e traficantes. O Complexo do Alemão também foi palco de intervenções urbanísticas do Estado com um investimento de mais de 716 milhões reais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), sendo 210 milhões usados para a construção de um sistema de teleférico para melhorar a mobilidade urbana no conjunto de favelas e integrar os morros ao sistema público de transporte. Porém, o projeto executado não seguiu o plano original que previa a construção da circulação de linhas de kombis para integrar as estações as ruas principais dos bairros. A conexão com o metrô também não saiu do papel. A integração do teleférico foi realizada apenas à estação férrea. Sobretudo, um passeio pelo teleférico do Complexo do Alemão, pode revelar com o desvio do olhar para baixo, o quanto falta garantir os direitos dos moradores em termos de acesso a cidadania e políticas sociais. Enquanto as soluções, não chegam, são os moradores que precisam buscar alternativas para solucionar as “ausências” e “presenças” do Estado.

O espaço à margem como lugar político Na primeira vez que fui à Matinha, no Complexo do Alemão, precisei usar três meios de transporte: ônibus regular, moto e a “minhas pernas” – a favela é uma das mais altas da

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comunidade, mas não tem uma estação do teleférico. O objetivo, à época, era chegar à casa de Glória para fazer uma entrevista sobre o cotidiano dos moradores com a pacificação de favelas. A rotina dos moradores era marcada fortemente pela gestão policial do espaço. Em diferentes pontos das vielas e becos, homem vestindo uniforme verde e boina vermelha, segurando fuzis que passavam da altura da cintura, era vistos compondo o cenário. Eram garotos. Na maioria, negros. A imagem não era nova. As armas seguiam como um ator do cotidiano dos moradores do Complexo do Alemão, mas agora quem regia as regras e as segurava era o Comando Verde1 – substituído o Comando Vermelho, grupo de traficantes que operava parte do comércio ilegal de drogas na cidade de dentro conjunto de favelas. Desde 2012, são policiais2 das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) – coordenada pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) que controlam o território do conjunto de favelas. Até hoje a forma mais utilizada pelos moradores para se locomoverem dentro do espaço das favelas do Complexo do Alemão é o serviço de mototáxi3. É esse meio de transporte que possibilita a circular em becos e vielas sem maiores problemas, diferentemente das kombis. O recurso do uso da moto como forma de mobilidade urbana é um dos exemplos da potência criativa da favela, resolvendo os conflitos pertinentes as “ausências” de Estado, que põe a população favelada à margem do Estado (Das e Poole, 2008). A compreensão de Estado, de acordo com Das e Poole, precisa ser enxergada como um dispositivo encravado que fabrica suas próprias margens na vida cotidiana das populações periféricas. A estratégia analítica das antropólogas se distancia, portanto, da consolidada imagem de que o Estado deve ser visto apenas como “organização política social, administrativamente racionalizada, que tende a enfraquecer ou desarticula-se sobre suas margens territoriais e sociais” (2008, p.19). Sendo assim, é essencial para a compreensão da dinâmica do espaço perceber que, as “ausências” do Estado têm “caráter performativo sob forma de práticas, linguagens e lugares” (idem), pois geram o argumento de que o Estado não tem como resolver – ou diz não poder – as demandas da população pobre em relação às políticas públicas. A partir dessa perspectivas a favela como espaço não se constitui quanto existência à margem do Estado, mas com a “presença” do Estado, visto que sua “ausência” é uma figura “fantasmagórica”. É a partir dessa relação Estado/favela como uma co-produção à margem do Estado que tratamos aqui ao abordar o Complexo do Alemão como um lugar social da política da cidade do Rio de Janeiro, visto que “o poder exercido pelo Estado não é exercido somente no território, mas também é exercido sobre os corpos” (DAS e POOLE, 2013, p. 25).

As escadas das favelas: três tempos de um lugar A favela da Matinha é uma das mais altas da comunidade do Complexo do alemão, mas não tem uma estação do teleférico. A primeira vez que fui lá foi para encontrar Glória para entrevistá-la sobre o cotidiano militarizado da favela sob a ocupação policial das UPPs. Ela me deu as orientações para chegar até a cada dela. Precisava pegar um mototáxi para ficar na parte alta do morro da Matinha, uma forma de me poupar de subir uma longa e íngreme escada que liga a parte baixa do morro até um dos pontos mais altos. Não havia número, nome de rua, da escada ou até do beco. 1 O coronel do Exército Fernando Montenegro, afirmou em entrevista ao jornal O Dia, publicada em 30/5/2015, que o Exército passou a ser chamado de Comando Verde após a ocupação do Complexo do Alemão “em alusão ao Comando Vermelho”. Comando Verde também é o título da obra que o coronel pretende lançar sobre o evento Disponível em . Acessado em 30/4/2015. 2 Parte dos moradores chama os policias das UPP de Comando Azul em alusão ao Comando Vermelho. 3 É comum os mototaxistas sofrerem revistas por policiais que não reconhecem o ofício como um meio formal de trabalho.Em caso de operações, os mototaxistas sempre permeiam o imaginário coletivo de suspeição policial.

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O motorista da moto tentou duas vezes, mas não conseguiu me deixar no ponto de encontro marcado. A principal rua, uma ladeira, que dava acesso ao morro, estava interditada por obras do PAC. Com o desvio do percurso, o motorista me deixou na escada na parte baixa da favela. Explicou que era só subir. Eu estava perto da casa de Glória. Bastava vencer os mais de 180 degraus. Na realidade, a escada formava um beco cheio de casas. Glória não é cria do Complexo do Alemão. Chegou à comunidade em 1º de maio de 1994. Foi a partir da dificuldade de acesso à favela da Matinha que começou a contar a história da família na comunidade. “A nossa mudança ficou lá embaixo porque o caminho até aqui era muito ruim. Começamos a mudança subindo e descendo peso. Na escada, cruzamos com o Orlando Jogador4. Ele nos cumprimentou e disse: Sejam bem-vindos novos moradores ao Complexo do Alemão”. A história daquela longa escada que até ali era feita de terra batida, tomou conta da narrativa de Glória como um personagem protagonista da reprodução social de décadas da favela. A gente tinha que melhorar esse caminho até a Matinha porque não tinha condições. Me juntei com a vizinha e ela falou: “vamos catar o dinheiro dos moradores e aí a gente compra material para fazermos uma escada de cimento” Não era a melhor solução dos mundos, mas era o que tinha, o que dava pra ser feito. E carregar material foi minha sina de vida, porque a gente carregava o nosso, para a comunidade e depois ajudava os vizinhos carregando o deles (DIÁRIO DE CAMPO, 20/11/2014).

De muitas escadas e becos são feitas as favelas. Thales Vieira (2014), antropólogo, filho de uma ex-moradora da favela de Nova Brasília, conta em uma etnografia como uma escada guarda a memória dos moradores em cada um de seus degraus, construindo a dimensão do lugar dentro da favela. A Escada do Capão liga a parte baixa da favela de Nova Brasília até a parte alta da Alvorada, é formada por degraus desnivelados sem nenhuma espécie de descanso. Quando fez pesquisa de campo no Complexo do Alemão, o antropólogo, certa vez, reclamou sobre a escada. Ouvi de sua mãe, em tom de protesto, uma frase que nunca mais saiu de sua cabeça: “se você soubesse o esforço que foi para construir aquela escada não reclamaria de ter que subi-la, mas agradeceria por ela existir” (VIEIRA, 2014, p. 17). A Escada do Capão foi construída por outro mutirão e iniciativa de moradores. Os papéis, na experiência do mutirão, segundo Vieira (2014), eram bem definidos. Os homens eram os responsáveis pela parte física, botar a mão na massa para executar a obra. As mulheres eram as que organizavam a alimentação e recolheriam o dinheiro para comprar tanto os ingredientes do preparo das refeições como os materiais para a construção. Também tinham a função de mobilizar as pessoas para o trabalho do mutirão. O sentimento de solidariedade gerado pela ausência de serviços públicos, tornou-se uma contrapartida, de certa forma, organizada pelos moradores para melhorias das condições de vida, mas também esconde e denunciava ao mesmo tempo um pouco da relação do Estado e a favela ao longo da história. Para Vieira, marca tensão, opressão e descaso, a opção do Estado em se manter distante da favela. A experiência da reprodução social do mutirão, de acordo com Vieira, também passar por rituais festivos e uma operação logística que povoam as lembranças dos moradores, remetendo a um sentimento de pertencimento ao lugar. Isso porque uma escada na favela se 4 Foi uma das principais lideranças do Comando Vermelho. Ele assumiu o controle do comércio de drogas no Complexo do Alemão em 1990. Foi assassinado em 1994 em uma emboscada por um grupo rival. “Traficantes executam Jogador e mais 12” (O Globo, 15/6/1994). A morte de Orlando Jogador é o maior caso de traição da história do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Deu início a duas décadas de guerra entre facções rivais por vingança e controle das bocas de fumo. Os combates quase diários no Complexo do Alemão contribuíram para a representação da comunidade como lócus do mal da violência na cidade. A repercussão da violência no Complexo do Alemão na imprensa também contribuiu para uma intervenção federal armada contra as favelas da cidade, a chamada Operação Rio II.

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transforma em um espaço de sociabilidade. Ao construir uma escada, nasce um beco. A juventude hoje no Complexo do Alemão usa muito essa expressão “Nóis é beco”5. Eles explicam que se as esquinas e praças das cidades funcionam como lugares de encontro da população, na favela, onde não há muitas ruas tampouco esquinas, são os becos, formado por escadas que servem como lugar de encontro. Seja nos dias atuais, com o empoderamento dos moradores a partir do sentido de lugar, no qual o beco é o corpo social da expressão do pertencimento, ou ainda, no começo da construção da favela nas décadas de 50 a 70, época em que os pais do antropólogo Vieira, moravam na favela de Nova Brasília, no Complexo do Alemão. Foi na escada que eles se conheceram e casaram. “A escada que os separava era na verdade a escada que os unia: era onde paqueravam, encontravam-se e foi onde tudo começou” (VIEIRA, 2014, p. 17). O mutirão é um exemplo histórico da “cultura de sobrevivência” da favela, categoria levantada por Adriana Facina, para explicar a experiência compartilhada por seus moradores. “Se refere à vida em escassez de direitos e em ameaça permanente (...). A cultura envolve modos de vida permeados de solidariedade e de estratégias para garantia de direitos e acessos aos benefícios, como luz elétrica, água encanada, internet e sinal de TV” (2014, p.6). Nesse contexto, para as ações dos moradores são geradas a partir de valores que elaboram simbolicamente práticas cotidianas “do chão do beco que se tornam matéria-prima da criatividade” (idem) para a solução de um problema que afeta a todos. A antropóloga usa a categoria da “cultura da sobrevivência” e o sentimento de enraizamento para aborda o impacto dramático da remoção de casas na favela, enfatizando o quanto uma remoção representa o desenraizamento não só do lugar. Mas, de toda uma rede de laços, afetos e solidariedade que permeia a morada na favela e seu espaço na cidade, produzindo no cotidiano da divisão de um sofrimento “vivido no silêncio do coração e da memória, poucas vezes, divididos” (2014, p. 2). Adriana Facina, no artigo intitulado “A ‘escada da memória’: arte e conflito no Complexo do Alemão” abordar e o impacto dramático da remoção de casas na favela, enfatizando o quanto uma remoção é o desenraizamento não só do lugar, mas de toda uma rede de laços, afetos e solidariedade que permeia a morada na favela, produzindo no cotidiano um sofrimento “vivido no silêncio do coração e da memória, poucas vezes, divididos” (2014, p. 2). Recordo-me que, certa vez, estava na sede do Instituto Raízes em Movimento quando uma pessoa entrou. Estava acompanhada da mãe, chamada Maria, ex-moradora do Morro do Alemão. A família tinha deixado o local há mais de dez anos, mas quando Maria se deparou com o lugar onde ficava sua antiga casa, agora vazio, emocionou-se. A casa foi uma das moradias demolidas pelo PAC6 para passagem dos caminhões com materiais para a construção do teleférico. Maria foi até os escombros que, depois de três anos, ainda estavam na rua. Pegou um pedaço do que foi um dia sua casa para levar com ela. “A estratégia de moradia na favela não é uma estratégia pura e simplesmente de habitação, mas sim uma estratégia muito mais ampla de sobrevivência, da qual a moradia é apenas um de seus aspectos” (Valla apud FACINA, 2014, p. 3). Aquela ação de Maria me fez recordar de Marta, uma moradora removida do Morro dos Mineiros pelas obras do PAC, em uma atividade no Complexo do Alemão. Obrigada a sair da casa que construiu com esforço pela intervenção urbanística do Estado, ela levou um pedaço da casa com ela. Emoldurou em um quadro aquele pedaço de concreto e colocou na parede da casa que recebeu dois depois do Estado. Em novembro de 2013, quando cheguei ao Morro do Alemão, ao descer do teleférico, para participar de um vento político cultural organizado por moradores, fui surpreendida pela transformação do espaço na Avenida Central, principal rua daquela área. No lugar dos 5 A palavra “nóis” foi grafada com “i” porque é utilizada dessa forma pelos moradores de favelas. 6 Um dos marcos do PAC no Morro do Alemão também foi a destruição dos muros grafitados que formavam uma galeria a céu aberto, com obras tanto de artistas do Alemão como do mundo inteiro.

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escombros de casas removidas pelo PAC, grafiteiros7 encheram os muros das casas que permaneceram de cores e arte ressignificando o lugar.

Considerações finais A intervenção urbanística do PAC não deixou só escombro. Havia uma escada. Deixada intactada e cheia de memórias da “presença” do Estado. Era a lembrança de uma ferida, da “presença” autoritária. Mas, o que foi um dia “símbolo de afronta e ameaça” (FACINA, 2014, p.5), após intervenção artística de Mario Brands, se tornou ponto de encontro e lugar social. A escada se tornou um beco imaginário. Porém, um mês após a re-existência, o Estado demoliu a “Escada da Memória”, a mesma escada que estava ali há mais de dois anos sem a sua atenção. Um dos moradores, ao saberem da destruição da escada, mais uma vez aguardou pela arte a memória política do Complexo do Alemão no espaço da cidade. Publicou um cordel na página de uma rede social, desvelando a compreensão da disputa de sentidos sobre o espaço. Bem em frente ao Raízes/ sumiram com a escada/ mesmo com doze degraus/ ela não levava a nada/ sumiu para todo o sempre/ pois foi em pó transformada/ Lembraremos dela linda/ depois que foi repintada/mas até antes das tintas/ ficará sempre a lembrança/de uma obra inacabada/ pelos velhos moradores/quando era habitada/ como um claro sinal de conquista batalhada/ Decidiram o seu fim/ quando foi fotografada/ agora só resta luta/ ou não nos sobrará nada/ pra irritar os poderosos/ ergueremos outra escada. (Cordel de José Franklin, morador do Complexo do Alemão, publicado em rede social, fragmento de 13/12/2013).

A “Escada da Memória” transformada em arte serviu de instrumento de “re-referenciação” (FERRAZ, 2012) do território à “nova ordem” imposta, produzindo desordem ao sentido de violência e segurança engendrado pela “presença” à margem do Estado no lugar social da favela do Complexo do Alemão como um lugar político na cidade do Rio de Janeiro. Alguns fragmentos foram guardados por integrantes do Instituto Raízes em Movimento. Eles guardam assim como o chão de becos e degraus de escadas, a memória das estratégias sobrevivência sociais e políticas dos pobres são guardadas, abrem-se como “a memória que guarda o que vale a pena” (GALEANO, 1978): a potência de re-existência.

Bibliografia Das, Veena., Poole, Deborah. (2008). El estado y sus márgenes. Etnografias comparadas. Revista Académica de Relaciones Internacionales, núm. 8, junio de 2008, GERI-UAM. Facina, Adriana. (2014). “A Escada da Memória”: arte e conflito no Complexo do Alemão. 38º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisas em Ciências Sociais. Galeano, Eduardo. (1978). Dias e noites de amor e de guerra. Porto Alegre: Paz e Terra. Ferraz, Sonia Maria Taddesi. (2012). Ordem/Desordem. Violência e políticas de segurança pública na cidade. Ou: desordem/ordem na cidade, política de segurança e violência. (pp. 167-174) In: Política governamental e ação social no espaço. Letra Capital: Rio de Janeiro. VIEIRA, Thales Monteiro (2014). Nem junto, nem misturado: uma etnografia sobre paz e proximidade na UPP Nova Brasília no Complexo do Alemão. Niterói.

7 Na Avenida Central no Morro do Alemão, antes da remoção das casas pelas obras do PAC, existia um grande mural artístico na localidade elaborado a partir de intervenção de grafiteiros do Complexo do Alemão e de outras regiões.

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