NAS \"REDES\" DOS “PARENTES” TENTEHAR: LIDERANÇA INDÍGENA E ESTRATÉGIAS DE OCUPAÇÃO POLÍTICA EM PROCESSOS EDUCATIVOS

July 12, 2017 | Autor: Emerson Almeida | Categoria: Etnologia
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NAS "REDES" DOS “PARENTES” TENTEHAR: LIDERANÇA INDÍGENA E ESTRATÉGIAS DE OCUPAÇÃO POLÍTICA EM PROCESSOS EDUCATIVOS1 Emerson Rubens Mesquita Almeida 2 UFMA/MA

O presente trabalho pretende analisar a relação entre o parentesco nas aldeias Tentehar e a ocupação de cargos de professor e profissionais da educação na rede de ensino no Estado do Maranhão no território tentehar. Esta relação sugere a construção de estratégias de ocupação e manutenção das posições políticas no interior deste povo. Avalia ainda se tal estratégia na medida em que se expande toma, ou não, o caráter de arrolamentos mais complexos, ultrapassando simples relações de parentesco e tomando a feição de complexas redes sociais que movimentam bens, pessoas, cargos e encargos nos moldes de um mercado de bens simbólicos tipicamente tentehar. Palavras-chave: Tentehar, redes sociais, mercado simbólico.

1. Introdução

O presente trabalho analisa a relação entre o parentesco nas aldeias Tentehar e a ocupação de cargos de professor e profissionais da educação na rede de ensino no Estado do Maranhão no território tentehar. Tal relação sugere a construção de estratégias de ocupação e manutenção das posições políticas no interior deste povo. Avalia ainda se tal estratégia, na medida em que se expande, toma o caráter de relações mais complexas ultrapassando as simples relações de parentesco, tomando a feição de relações de redes sociais no sentido clássico da Antropologia Social. Conforme esta tradição as redes sociais seriam "a análise e descrição daqueles processos sociais que envolvem conexões que transpassam os limites de grupos e categorias" (BARNES, 1987, p.163). Compreendo, que as relações estabelecidas pelos indivíduos entre si, e/ou entre famílias extensas Tentehar formam conexões que ultrapassam a dinâmica dos grupos políticos internos espraiando-se em ramificações que atingem campos diversificados. Neste trabalho tomo a política pública de educação promovida pelo Governo do Estado do Maranhão como campo empírico privilegiado para essa análise.

1

Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN. 2 Prof.º Me. do Curso de Licenciatura em Ciências Humanas/Sociologia da UFMA/Campi Imperatriz-MA

Este artigo está estruturado da seguinte forma: apresento um breve resumo das concepções sobre a chefia e a família extensa tentehar formulada por autores como Wangler & Galvão (1945), Carlo Ubbiali (1998), Claudio Zannoni (1999), Eduardo Galvão (1996) e Almeida (2009).

2. Considerações elementares sobre a chefia e a família extensa tentehar. Dentre os nove povos indígenas conhecidos no Estado do Maranhão, nenhum é tão numeroso quanto os Tentehar. Doze entre as dezessete terras indígenas são ocupadas por eles. O número de aldeias tentehar em todo o estado supera a soma das aldeias de todos os outros oito povos nesse estado. Esta grandeza numérica tem reflexo em diversos aspectos da relação entre os Tentehar e as políticas públicas de estado para este segmento. O número, contudo, não deve ser tomado como motivo principal da complexidade da relação desses índios com a alteridade.

Supõe-se

que

o

grande

número de aldeias tentehar é consequência da forma de organização social deste povo que estrutura-se politicamente com base na família extensa, numa dinâmica de poder, segundo a qual, cada unidade familiar é autônoma (ALMEIDA, 2009, p.63). Wagley e Galvão (1955, p. 39) definiram a família extensa como um conjunto de mulheres – as filhas e as filhas dos irmãos de indivíduo – “chefiadas” por um homem. Zanonni (1999, p. 98) sugere que a família extensa Tentehar é uma “unidade social” na qual estão contidos todos os elementos distintivos de uma comunidade Tentehar. Numa aldeia Tentehar pode haver uma ou várias famílias extensas e, no segundo caso, esse convívio proporciona constante estado de conflito, segundo Ubbiali (1997, p.34). Este autor atribui ao chefe papel fundamental na manutenção política e econômica da família extensa: Em todo esse emaranhado, às vezes inextricável, de conflitos familiares, o chefe da família extensa tem e desempenha um papel notável. Nele está depositada a confiança de todos. Ele deve mostrar sabedoria que se expressa na capacidade de realmente beneficiar a família, fortalecê-la, ampliá-la fazendo prosperar a sua economia através de uma adequada política de alianças matrimoniais e de boas relações intrafamiliares que, ao mesmo tempo, lhe garanta o prestígio frente a toda a sociedade. (Grifos meus)

Zanonni (1999, p. 99) também pondera sobre a chefia da família extensa:

Cada chefe de família exerce uma função política e representativa frente às outras famílias extensas, ao órgão representativo governamental (FUNAI), e à sociedade envolvente. Assim, os genros são representados por ele. Tornamse, com o “casamento”, aliados do chefe da família extensa na qual se inseriram, e intermediários das relações de aliança entre a sua família extensa de origem e família do sogro. (Grifo meus)

Ao chefe de família, segundo a perspectiva desses autores, cabe a função de articular todas as dimensões da vida social Tentehar. Embora Zanonni (1999) afirme ser o conflito o fomentador das relações, entendo que é a sagacidade e a habilidade de cada chefe de família que propicia a construção de redes entre famílias extensas (ALMEIDA, 2009, p.64). O grande objetivo seria determinar o rumo das coisas e as alianças, os conflitos, portanto seriam antes sintomas importantes dessas determinações e não a causa das mesmas. A construção do máximo de alianças possíveis, menos que a destruição dos adversários, que em outros contextos são potenciais aliados, tem sido a estratégia por excelência dos Tentehar. Por outro lado, as alianças não podem anular os poderes políticos de um chefe de família. Dessa maneira, cada vez que uma aliança se mostra desvantajosa é substituída ou rompida até que novos tratados sejam feitos. Eduardo Galvão (1996), ao analisar os Tentehar nos ano 40, chamava a atenção para o fato de a família tentehar ser um núcleo autônomo, que continha em si todos os elementos necessários para a manutenção da cultura tentehar. Era possível encontrar numa única família extensa um chefe, grupo de mulheres, um cantor e quase sempre um pajé. Esta constituição familiar possibilitava aos tentehar grande mobilidade física e a capacidade de reconstruir suas características culturais rapidamente, após ataques de inimigos, ou mudar seus territórios cada vez que fosse necessário. Os chefes de família seriam os hábeis diplomatas que orquestravam essa dinâmica descrita por Eduardo Galvão (1996), e com a qual concorda Carlo Ubbiali (1998). Pierre Clastres, referindo-se à chefia entre os povos indígenas da América Latina, afirma que o papel do chefe está calcado no sistema de signos que envolve mulheres, bens e a palavra. Argumenta que a constituição da esfera política pode ser entendida como um mecanismo de defesa das sociedades indígenas (Clastres, 2003. p. 63): Esse modo de constituição da esfera política pode pois ser compreendido como um verdadeiro mecanismo de defesa das sociedades indígenas.A cultura afirma a prevalência daquilo que a funda – a troca – precisamente vendo no poder a negação desse fundamento. Mas é preciso além disso assinalar que as culturas, ao privarem os “signos” do seu valor de troca na região do poder, retiram das mulheres, dos bens e das palavras justamente a

sua função de signos a serem trocados; e é então como puros valores que esses elementos são apreendidos, pois a comunicação deixa de ser seu horizonte.

As reflexões de Clastres, embora construídas de forma genérica para os povos da América da Latina, ajudam a pensar a constituição dos sistemas formulados pelos tentehar na atualidade. As relações estabelecidas no interior da cultura tentehar impõem um complexo jogo de poder envolvendo cargos públicos e benefícios que a escola e as políticas de saúde geram nas aldeias. Estes mecanismos são disputados e/ou administrados pelos chefes de família, que são lideranças estabelecidas e reconhecidas pelos seus pares, que os redistribuem conforme interesses políticos e econômicos de grupos específicos. As políticas públicas de estado, a exemplo da educação indigenista, tornaram-se “combustível” para ampliar a força do que podemos chamar de um mercado simbólico de bens3: serviços, casamentos, bens materiais e empregos que movimentam as relações inter e intra familiares, entre os Tentehar e, por que não dizer, brancos agregados a essas famílias. Howard (2002, p. 25), quando toma como exemplo as relações de trocas estabelecidas entre brancos e os índios Waiwai afirma que: O intercâmbio desses bens (terçados, facas e miçangas), longe de ser apenas uma troca de objetos utilitários, gerou a circulação de novos significados e poderes cristalizados em forma material. Portanto, a manipulação desses emblemas semânticos passou a construir uma forma de discurso performático apropriado às transações de poderes complementares e à negociação de novas relações sociais. (grifos meus)

Entre os Tentehar ocorre algo semelhante, que se amplia para todo o sistema de relações. Neste contexto de disputas, que envolve a sagacidade de formular o máximo de alianças possíveis, assim como as rupturas desses laços, gera-se uma dinâmica de constante formação e destruição de novas aldeias. Na melhor das hipóteses, há apenas a reestruturação de aldeias maiores – diria reformas políticas internas. A habilidade do líder de agregar forças é constantemente colocada à prova, sob pena de ser destituído de sua posição de líder. Para cada nova aldeia formada, uma estrutura mínima deve ser montada. O chefe de família deve ser provedor desses benefícios, que tenta auferir juntos aos órgãos públicos responsáveis pelas políticas públicas, como saúde, educação, saneamento e toda rede de empregos que estes constituem.

3

Sem querer fazer trocadilho com o Mercado de Bens Simbólicos de Bourdieu.

A família extensa tentehar apresenta-se ainda como o principal marco político e organizacional do povo Tentehar. O contato com outras formas políticas impostas pela relação com os não índios, incluindo-se aí as políticas públicas promovidas pelos órgãos de estado, tem gerado novas configurações sociais no seio deste povo e até inovações importantes e fundamentais para a manutenção do grupo. A meu ver a mais destacada são os arranjos sociais que permitem a reconfiguração das relações de parentesco, aprofundando-as a medida que incorpora elementos externos – cito, casamentos com não índios, cargos, bens, alianças partidárias com políticos não índios, entre outros elementos. Então, a família extensa tentehar de outrora, cuja já apresentava elementos que lhe tornava autônoma, conforme afirmara Eduardo Galvão (1996), encontrou nas intensas relações interétnicas mantidas com a alteridade fantásticos arranjos culturais que deram base para atualizar a própria ideia de família tentehar e seu papel no seio do grupo. Em resumo, se antigamente encontrávamos um grupo de mulheres chefiadas por um homem e um pajé, nas famílias tentehar contemporâneas encontramos isso e mais, eventualmente, um funcionário público, um casamento inter-racial com não índio, um apadrinhamento político partidário, relações comerciais... enfim, uma gama de possibilidade que se acomoda conforme a habilidade de cada grupo familiar de tecer redes de relações. Nestes novos arranjos uma figura ganha cada vez importância, aquela a qual convencionamos chamar simplesmente de liderança indígena. Esta se apresenta de forma diversificada no interior do povo tentehar. Não há elementos suficientes para dizer se elas geraram as mudanças ou são frutos das mesmas. É possível, no entanto especular sobre suas formas, papéis e posições no interior do povo Tentehar a seguir. 3. Novas

“lideranças”

e

velhos

líderes

formando/ou/formados

novas

configurações sociais.

Por sua importância no sistema cultural tentehar o chefe de família exerce papel de líder sobre os demais membros do grupo. Na atualidade, no entanto, este papel tem disputado espaço – e em certos casos tem sido subjugado – com novas “lideranças” que também são reconhecidas e imbuídas de poder pelos tentehar. As lideranças têm proliferado proficuamente entre o povo Tentehar. Não é raro encontrar, mesmo na menor das aldeias deste povo, um ou mais indivíduos que se intitulem liderança. Mas

de onde vem essa ideia de liderança? Por que há tantos pretensos líderes? Qual a relação dos mesmos com os chefes de família tentehar? Itamar Guajajara4 entende que as motivações de tantas divisões e conflitos ocorridos entre os Tentehar, envolvendo as famílias e as aldeias, sobretudo no que tange à questão de saúde e educação nas terras indígenas, remontariam aos “tempos da CVRD”. Esta empresa teria implementado ações que favoreceram a dinâmica de divisões e conflitos: No começo não havia esse tanto de aldeia, nem esse tanto de cacique. O cacique mais respeitado era o Cacique Supriano, era chamado de cacique geral da Araribóia. Depois veio o Felipe e Marciliano, mas eram só esses. A divisão começou com a VALE, que naquele tempo a gente chamava de CVRD. No tempo do projeto da VALE é que começou a divisão porque o dinheiro chegava no saco pros índios. Era entregue na mão do cacique. Aí todo mundo quis virar cacique, fazer sua própria aldeia pra ganhar a ajuda do governo. Só que o dinheiro acabou rápido e o índio já estava acostumado com o dinheiro, então foi vender madeira. Depois chegou o projeto da FUNASA que também deu muita briga e divisão, as associações indígenas queriam o dinheiro só pra elas e a saúde do índio ficou muito pior que era. Aí quando acabou o dinheiro da FUNASA os índios tudo mudaram pra educação. Pode ver que os parentes... as lideranças... que lutam pela educação são as mesmas que lutavam no tempo da saúde [...]5. Hoje a gente não consegue falar de educação no conselho, só de transporte escolar. Ninguém fala da educação... só de transporte. (Itamar de Sousa Guajajara, entrevista coletada em Maio de 2011, sede da FUNAI, Imperatriz-MA)

Itamar sugere uma conexão entre a sequência de acontecimentos históricos, iniciados com o Projeto Grande Carajás, no início dos anos 80’, que tiveram continuidade com a implantação do subsistema de saúde na década seguinte, e a disputa pelos recursos do transporte escolar no Maranhão com os processos de crise de liderança e o desencadeamento de conflitos nos tempos atuais. Esta perspectiva obtém coro entre alguns servidores mais experientes da FUNAI e mesmo entre outros índios. Em conversa informal com o ex-Administrador Regional de São Luís6, obtive depoimento muito semelhante ao de Itamar: Vi índio carregando saco de dinheiro em bagageiro de ônibus de linha. Não havia nenhum critério para a distribuição daqueles 4 milhões de dólares, a 4

Presidente em exercício do Conselho de Educação Indigenista do Estado do Maranhão, Presidente da Comissão Indígena da Terra Araraibóia e acadêmico do Curso de Licenciatura Intercultura Indígena da Universidade Federal de Goiás – UFG. 5 Neste ponto o presidente do CEEIMA elenca as lideranças que considera que “lutam” pelas políticas públicas. Omitimos os nomes, pois não obtivemos autorização para utilizá-los. 6 O servidor Zé Pedro, esta aposentado atualmente.

FUNAI parecia que queria se livrar do dinheiro e dava tudo na mão dos índios sem nenhum acompanhamento.

São frequentes as menções aos “sacos de dinheiro” que eram distribuídos no tempo da CVRD. Estabelecem uma vinculação entre os empreendimentos daquela empresa com os acontecimentos contemporâneos relacionados com a educação escolar, e mesmo com a política de convênios das ONG indígenas. Muitos índios, servidores da FUNAI e mesmo indigenistas mais antigos veem neste período um marco das divisões internas das aldeias em larga escala. É preciso relativizar esses depoimentos, considerando que os interlocutores refletem sobre relações até onde suas memórias alcançam. Nesse recorte temporal, o sistema de trocas, mais especificamente o mercado simbólico de bens, é potencializado, ampliando o alcance das disputas já existentes no interior da cultura tentehar. Eduardo Galvão (1996, p.62) nos anos quarenta já observava a dinâmica empreendida por determinados chefes de família extensa: Há nesta aldeia três chefes de famílias extensas, entre eles Camirang, que apesar de não constituir o maior grupo, soube por sua própria iniciativa colocar-se à frente da aldeia. Porém, sua autoridade não é, como pode parecer em princípio, absoluta ou de grande força, pelo contrário, para merecê-la, necessita de grande diplomacia e somente a conseguiu através de dois chefes, tendo deste modo, incidência direta sobre as pessoas fora de um grupo. [...] Recebe de cada grupo e de cada indivíduo de seu grupo uma certa cota de farinha, tapioca e peles e, algumas vezes, óleo de copaíba. Vende estes produtos, fazendo, para aqueles que lhe deram a cota, em equivalentes a roupa, faca e quinquilharias. Mas, não se pode deixar de reconhecer que realizou uma melhoria de condições, que até agora nenhum capitão conseguiu.

A atuação de Camirang expõe a sagacidade para negociar e mesmo agenciar outros chefes que não tem a mesma habilidade política. Este registro de Galvão demonstra que o sistema de trocas no qual a liderança se impõe é anterior as explicações de Itamar. O tempo da CVRD ficou marcado na memória de servidores e dos índios pela banalização do posto de cacique 7 nas aldeias. O tempo dos grandes

7

Chamo de posto de cacique, por se tratar de uma posição inventada pelas instituições estatais como SPILTN e FUNAI que identificavam em determinados chefes de família a capacidade de lideranças sobre outros membros do grupo. Não raro as instituições apontavam como caciques aqueles que detinham certa habilidade em se comunicar com em português com os funcionários das estatais. O posto de cacique entre os Tentehar é efêmero e constantemente trocado todas as vezes que o ocupante da função não consegue alcançar as exigências da comunidade. Os grandes caciques estão presentes na memória coletiva dos Tentehar como figuras emblemáticas da liderança entre os membros do povo. Os grandes, também, foram os primeiros. Talvez por isso sirvam como exemplo a ser seguido.

caciques, como Supriano e Marciliano, ambos citados por Itamar, havia chegado ao fim, dando espaço para novas configurações sociais. Desta forma, não bastava ter várias mulheres agregadas ao grupo familiar. Do mesmo modo os bens colocados em jogo modificaram-se, novos desejos surgiram com a intensificação do contato e, por fim, a palavra deve ser colocada a serviço das novas configurações sociais emergentes desta relação com forte fomento de dinheiro e políticas públicas. O campo semântico sofre uma ingestão de novos signos que são mobilizados e disputados pelos agentes envolvidos. Na escola e na saúde as condições para essas disputas foram construídas à medida que essas se consolidaram definitivamente entre os Tentehar. A estratégia utilizada pela FUNAI e CVRD costumava ser entregar o dinheiro ao líder da aldeia, naquele tempo representado pela figura do cacique, geralmente o chefe de família. Deste modo, várias novas aldeias foram fundadas, separadas das anteriores, com o intuito de também receber o numerário oferecido pela CVRD. As compensações financeiras pela construção da estrada de ferro se encerraram num prazo de quatro anos. A cessão brusca dos benefícios financeiros destinados aos índios pela CVRD provocou a gradual migração dos agentes indígenas para outras formas de captação financeira, visando à manutenção de suas redes. Sendo assim, a organização social dos Tentehar, que já ocupava ampla disposição espacial movida pelos conflitos intrafamiliares e que era equacionada por um mercado de bens simbólicos, do qual faziam parte casamentos, roças, posições políticas nas aldeias e trocas de dádivas diversas, ganhou poderoso fomento: o dinheiro oferecido pela CVRD. Dessa forma, as relações internas ganharam novas dimensões que passaram a incluir a relação direta com os elementos advindos de fora. Neste caso, as políticas públicas, fossem quais fossem, foram incorporadas aos sistemas de trocas dos Tentehar. As relações tornaram-se mais complexas e mais extensas, dando lugar ao aparecimento de agentes importantes na política Tentehar, as chamadas lideranças, como citou Itamar Guajajara. Essas novas figuras instituídas no interior da política tentehar aparentemente estabelece, em determinados casos, a separação entre a figura do chefe de família extensa e a liderança. Esta última, segundo os depoimentos coletados seria “aquele que sabe falar”, “que tem estudo, tem leitura”, “que sabe lutar pelo seu povo”. Enfim, a liderança tentehar contemporânea agrega novas características àquelas contidas outrora nos tradicionais chefes de família tentehar. Ambos podem coincidir, no entanto uma liderança não necessariamente é um chefe de família, embora inexoravelmente deva

estar ligado à uma. Por conseguinte, nem todo chefe de família tornar-se-á, nesta configuração contemporânea, uma liderança. É necessário proferir que, embora distintas estas categorias não são contrárias e podem perfeitamente coexistir no mesmo grupo familiar e corroborarem nos processos de ampliação de suas teias sociais. A liderança indígena difere-se ainda do chefe de família por agregar em si amplo domínio e trâmite pelo mundo dos não índios, incluindo conhecimento científico e domínio de tecnologias modernas, e em vários casos poder econômico destacado em relação aos seus pares indígenas.

4. Política de educação indigenista como campo de disputas e poder

A operacionalização das políticas de estado para educação, promovidas pelo Governo do Estado do Maranhão, através da Secretaria de Estado da Educação, está em constante conflito com as maneiras de ser e fazer dos Tentehar8. As primeiras visam resolver situações através de ações genéricas, enquanto que a organização tentehar opera no particular. Quer dizer, em pequenas quantidades e disseminada em grandes áreas. Como destaquei, as famílias são núcleos autônomos que possuem em si mesmas as características necessárias para o funcionamento do jeito de ser Tentehar. Uma família pode, facilmente, constituir uma nova aldeia, ou articular-se com outras e ampliar seus laços de troca e circulação de bens. Estas aldeias formam as redes de troca e de circulação de bens que favorecem a criação do mercado de bens simbólicos no qual os chefes que mais se destacam vão aos poucos assumindo ou não status liderança9. As políticas de estado para a educação, por exemplo, tem como objetivo levar escola à toda criança, indiscriminadamente. Mais que uma meta, trata-se de direito constitucional que deve ser cumprido. Para tanto, a SEDUC realiza cruzadas educativas para levar escola à todos os índios, numa nova onda civilizatória. Por outro lado, ao tentar “civilizar” os Tentehar o sistema esbarrou nas redes interfamiliares formadas a partir das várias famílias extensas, em constante fricção espacial, social e política, provocando a sobrecarga das ações do Estado. Tais redes são expansivas e suscetíveis a 8

Para aprofundar essa noção de “ser e fazer” dos Tentehar, ver Almeida 2012, dissertação de Mestrado para o Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Maranhão. 9 A grande liderança consegue aglutinar em sua volta um número de aliados significativo, que em determinadas circunstâncias comportam-se como séquitos capazes de empreender verdadeiras batalhas em favor de seu “senhor”. Esta postura, no entanto, pode ser rompida se os aliados entenderem que não há mais vantagens na relação, ou ainda, se a liderança der sinais de fraqueza como, por exemplo, não conseguir cumprir promessas realizadas, ou na pior das hipóteses deixar de distribuir bens auferidos no mercado simbólico: um cargo, um carro, uma posição, etc.

constantes mudanças de ordem espacial e política. Da mesma forma, os Tentehar incorporaram o discurso do Estado e impuseram, eles próprios, a criação de estruturas básicas como escola, posto de saúde para cada aldeia existente. Essa atitude resultou em que as escolas tentehar somam 91,87% do total das escolas da rede estadual indigenista. São 260 escolas Tentehar de um total de 283 indígenas10. Os dados da FUNASA indicam a cobertura de 272 aldeias Tentehar atendidas pelo subsistema de saúde. Nos quadros da FUNASA constam ainda entre AIS e AISAN, cerca de 540 índios contratados, dos quais 70 são Tentehar. Assim, como ocorreu com os benefícios auferidos no tempo da CVRD, as políticas de educação e saúde são incorporadas às dinâmicas internas do povo. Portanto, ao tentar controlá-los o sistema aparentemente descontrolou-se. Para Albert (2002. p. 15) Nenhuma sociedade, desde que consiga sobreviver, pode deixar de capturar e transfigurar em seus próprios termos culturais tudo que lhe é proposto ou imposto, até nas mais extremas condições de violência e sujeição, independentemente de qualquer confronto político (guerra, rebelião ou protesto).

Essa transfiguração parece ter ocorrido entre os Tentehar, que passaram a jogar com os mecanismos cedidos pelos seus “conquistadores”. Isto é, a escola, instrumento da colonização, foi incorporada à dinâmica cultural deste povo e se configuram num espaço de disputas políticas que se institui no já mencionado mercado simbólico de bens, no qual são travadas as lutas internas do povo e que, suponho, determinam a relação com os órgãos de estado e os provedores da escolarização no território tentehar. Sejam quais forem as tentativas do Estado de retirar das lideranças tentehar a prerrogativa de “comando” sobre o seu povo, essas fracassam frente a habilidade política das lideranças junto aos seus pares, e a capacidade de readaptação do povo Tentehar aos novos modelos empreendidos pelos órgão de estado.

5. Redes sociais e a formação de um mercado simbólico tentehar.

As redes formadas pelas lideranças tentehar cobrem grandes áreas geográficas, do mesmo modo que controlam, praticamente, todas as políticas públicas destinadas ao 10

Dados baseados no CENSO ESCOLAR 2009/ o qual serve de referência para o ano 2010.

seu povo. Deste modo, os programas destinados a educação são canibalizados e passam incorporar as relações do próprio povo como signos a serem comercializados no mercado simbólico construído pelos Tentehar. O que Howard (2002, p. 26) apontou sobre as relações interétnicas baseadas em trocas mantidas entre os Waiwai e os não índios, pode ser considerado em relação aos tentehar: [...] Apesar de sua crescente dependência material, os Waiwai conceberam estratégias para adquirir mercadorias e pô-las em circulação com o intuito de apreender, domesticar e explorar sua potência sócio-simbólica, canalizando-a a serviço de sua reprodução social e cultural. Essas estratégias não estão livres de contradições, mas insisto que tais tentativas de superar os perigos e poderes da sociedade envolvente devem ser reconhecidas como legítima resistência às formas de sujeição que lhes são impostas.

Os exemplos descritos anteriormente demonstram a força do que podemos chamar de um mercado simbólico de bens, que movimenta as relações inter e intrafamiliares entre os Tentehar e, que são movimentados por vários agentes ativos no sistema em constante ebulição.

Acredito que os Tentehar empreendem ações

semelhantes aquelas descritas por Howard (2002) acerca dos Waiwai, porém, numa escala ainda maior, qualquer coisa – ou mesmo qualquer um – pode se tornar um bem a ser negociado e colocado em circulação no sistema. Desta forma, observo que a ideia de “escola necessária”, inculcada pelo sistema de políticas públicas tornaram-se importantes “bens de consumo” disputados pelos agentes envolvidos no mercado simbólico tentehar. O sistema escolar, por sua vez, entendido como “coisa de branco”, como afirmei, esbarra na estrutura social Tentehar atravessando-a, transversalmente, assumindo importantes posições nos sistemas de hierarquização das posições de status e poder internos à cultura. A relação dos Tentehar com cada sistema é peculiar, pois ao invés de rechaçá-los, incorporam-nos, mastigando-os e digerindo-os – por vezes com severas indigestões – conforme parâmetros próprios e criativos. As regras do jogo, impostas pelos órgãos de Estado, são transgredidas sem, contudo serem negadas. Entendo que a relação dos Tentehar com as políticas analisadas neste trabalho são parte de uma conexão que liga os mecanismos internos de exercício de poder no mundo Tentehar com as formas como esses se expressam frente a alteridade, que neste caso específico está representada pelas políticas de educação.

Os dados da pesquisa indicaram que a visão de mundo dos Tentehar continua orientando

as

concepções

políticas

subjacentes

de

doença,

cura,

chefia,

representatividade ao mesmo tempo em que reformula concepções de educação, saúde, políticas indigenistas redimensionando-os numa nova dinâmica que chamei de mercado de bens simbólicos. Assim, estas várias dimensões rearticulam-se influenciando-se mutuamente. Isto é, ao mesmo tempo em que o pensamento mítico tentehar influencia as visões acerca das políticas e determina a participação dos tentehar nas mesmas, tais políticas, são incorporadas e ajudam a redimensionar o pensamento mítico. Desta maneira, o jeito de ser e fazer tentehar é atualizado frente a cada novo desafio enfrentado. Neste sentido, entendo que este trabalho aproxima-se das constatações de Luiza Garnelo (2003, p. 108) [...] atuação de agentes de saúde, lideranças de Organizações Indígenas, conselheiros de saúde e outros elementos da modernização é pautada por regras e expectativas oriundas do pensamento mítico, que atribui novos sentidos às práticas geradas no contato interétnico. Simultaneamente, a influência dos saberes/poderes veiculados por elementos do mundo nãoindígena também contribui para o redimensionamento interno das bases míticas da sociedade baniwa. A caracterização desse circuito de poder exige da chefia de aldeia, o chamado capitão, cujas atuais atribuições são também um produto das relações de contato, que guardam, no entanto, fortes vínvulos nativos de poder e autoridade.

Neste contexto a escola sofreu assepsia e afirmou-se como necessária e imprescindível à todos, indiscriminadamente. Do mesmo modo, as políticas de saúde são consideradas imperativas para a sobrevivência dos Tentehar. Os processos desenvolvidos por essas políticas, cada uma ao seu jeito, desembocou em novas formas de controle e execução do poder pelos chamados Estados-nacionais. Neste contexto, a escola e a saúde pretendem ser as bases mais avançadas de dominação, impulsionada por uma imensa onda civilizatória que se apresenta nos moldes de sistemas educativos e/ou sistemas de saúde, ambos pensados numa perspectiva unificadora. Tais sistemas formam o que chamei de cerco simbólico. Os povos indígenas são, ainda, a última fronteira a ser conquistada. No caso específico dos Tentehar, retomando as ideias de Santos (2003) observo que há clara confusão entre os campos semânticos em que operam os órgãos de Estado e povo Tentehar. Enquanto o primeiro tenta inserir o segundo nos sistemas educativo e de saúde, formatado segundo os padrões de conhecimento orientados pela racionalidade ocidental, o segundo incorpora as estruturas

oferecidas pelo primeiro como elementos próprios de sua cultura, tornando-os signos ativos de um sistema de conhecimento bem diferente dos padrões ocidentais. Os tentehar julgam-se conhecedores da sociedade não-indígena e criticam os brancos por manterem-se incapazes de acompanhar e entender seus costumes e sua forma de pensar. Julgam-nos ignorantes e despreparados para este fim específico. Neste sentido, as relações impostas pelo Estado são contra-atacadas pelos tentehar com ações sutis, que podem sugerir acomodação ao processo de escolarização e ao sistema de saúde, mas que deixam subjacentes significados outros, nem sempre percebidos pelos não-índios. Ao examinar essa situação específica de encontro intercultural, entre os Tentehar e a alteridade representada nas políticas públicas exploradas ao longo do texto, concordo com o pensamento Marshall Sahlins (2003, p. 53) quando afirma que os povos indígenas tentam agregar elementos da sociedade mundial ao seu próprio sistema de mundo, entrelaçando histórias locais às contingências dos circuitos econômicos mundiais. Esta perspectiva é importante como instrumento interpretativo para entender como os mecanismos de poder internos à cultura Tentehar podem ganhar dimensões regionais. As ações das famílias extensas reproduzem-se em escalas cada vez maiores, de forma ganhar status de redes inter e extra-familiares, acompanhando e incorporando as condições dadas pelas forças materiais globais nos esquemas locais. As lideranças tornam-se peças fundamentais nestes esquemas. A análise da figura a seguir demonstra como as posições vão sendo ocupadas de modo a fortalecer a participação dos agentes desde sua posição na família extensa:

Figura 01 – organograma de parentesco tentehar

O quadro acima foi construído tomando como referência uma família de destaque na TI Araribóia. Como podemos observar, a maioria dos membros da família, economicamente

ativos,

estão

vinculados

aos

órgãos

de

estado.

Ocupam

estrategicamente posições nas instituições as quais criticam e combatem em certas circunstâncias. Estas posições são ajustadas no seio da família e fazem parte das negociações no mercado de bens simbólicos. No exercício das políticas públicas da saúde e de escolarização o acesso a estes cargos passa pela anuência da liderança indígena, mais que isso, são controlados por ela. No entanto, não podem monopolizá-los ao ponto de inviabilizar a entrada de novos ocupantes, sob pena de perder poder de barganha e diminuir a influência sobre outras famílias. Mesmo nos cargos em que supostamente existe um princípio de meritocracia os tentehar exercem ingerência ao ponto de caber a eles a decisão final sobre a permanência do candidato. O exemplo mais expressivo desta situação foi referido quando tratei do seletivo especial indígena realizado pela SEDUC para escolha de professores para as escolas indígenas. As posições de destaque vislumbradas no organograma acima ganham dimensões regionais apoiadas pelo grupo de aliados que formam a rede de famílias e agregados externos. Dessa forma, alguns membros da família extensa também ocupam lugar de destaque em outras configurações imprescindíveis para ampliação e manutenção das redes em níveis mais elevados como. Dentre estas destacam-se, o Conselho Distrital de Saúde Indígena, o Conselho de Educação Escolar Indígena do Maranhão, a COAPIMA, COIAB, Associações de Pais e Mestres e Associações de Saúde. A estas configurações somam-se o adesão das organizações de apoio a causa indígena que reconhecem os líderes, mas em determinadas circunstâncias acabam “elegendo” as suas próprias lideranças. Nem sempre essas gozam do prestígio e da força necessária para serem consideradas como tal nos círculos internos tentehar. Os mecanismos11 emprestados das instituições de apoio podem servir aos propósitos de articulação, e mesmo de ampliação do raio de ação de várias lideranças.

11

Os mecanismos aos quais me refiro passam pelas tecnologias como internet, redes de apoio, computadores e, na grande maioria das vezes, o financiamento de ações pautadas pelos índios.

6.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Ao longo do texto tentei demonstrar que as relações do tentehar com as políticas

de saúde e educação foram sendo construídas na dinâmica do contato interétnico. É de frente com a alteridade que a própria diferença faz sentido. Desde a narrativa de Cipriano (Gomes, 2002), na qual o tentehar foi o próprio “civilizado” e senhor das coisas, passando por Camirang (Galvão, 1996) chefe de família astuto que reverteu a seu favor a desvantagem numérica, até os dias atuais quando esses personagens ressurgem incorporados em diversas lideranças que disputam entre si e, principalmente, com os não índios, um lugar ao sol, os tentehar tentam viver neste mundo, o seu próprio mundo.

Maíra era dono de todas as coisas, os tentehar nasceram para ser gente

verdadeira, não faz sentido para esse povo viver sob o jugo de quem quer que seja. O contato com a alteridade atualiza a condição do tentehar no mundo. Os elementos do mundo do branco, absorvidos por eles, enriquecem a leitura que fazem de si mesmos e dos outros. O pensamento mítico resiste à racionalidade ocidental, mais que isso, essa última é relida sob os olhos tentehar que a incorporam em seu universo, atualizando sua própria cosmovisão. O espírito e o micróbio convivem entre a fumaça do pajé e estetoscópio do médico. O giz e a lousa tentam reproduzir as conversas dos anciãos à beira da fogueira. Não se trata de harmonia fantasiosa, mas de séculos de ação civilizatória na qual a postura pacificadora do outro funciona como um drama transgressivo, sobretudo para os não índios que tem se mostrado incapazes compreender os motivos da razão tentehar, que parece não resistir às tentações de torna-se o outro, porém não sucumbi as tentativas de controle exercido pelos órgãos de estado. Como podem viver tão próximos e tão distantes da compreensão da racionalidade ocidental? “Ser como o branco não é ser o branco”, nos ensinou Cipriano. Vestir a roupa do outro, comer a comida do outro, usar e fazer a política do outro, não os torna o outro. A arte de viver com onças, foi há muito tempo dominada por Maíra-yr e seu irmão Mukwr-yr, habilidade deixada por seu pai Maíra que os colocou à prova para distinguilos entre possíveis impostores. Neste momento histórico em que faço minha interpretação acerca relação dos Tentehar com a alteridade, o cenário parece finalmente pender em favor desses índios. Isto é, passado o tempo dos descimentos compulsórios para aldeamentos, passadas as

guerras físicas e biológicas, passada a instituição forçosa da tutela, os tentehar tentam exercer seu protagonismo frente aos desafios enfrentados externamente e internamente. As diversas realidades vividas nas diferentes terras indígenas em que estão situados não os impedem de formar redes capazes de construir arcabouços político e material que agregam diversas lideranças e suas respectivas famílias e/ou grupos aliados. Em alguns casos essas estruturas tornam-se tão fascinantes, pelas supostas vantagens oferecidas pela rede de relações, que atraem elementos externos ao grupo que se submetem as regras impostas pelos tentehar, a exemplo de diversos professores das escolas indígenas e de profissionais de saúde que aderem à causa de seus padrinhos, defendendo-os à todo custo dos possíveis ataques. Neste contexto, retomando a perspectiva dos conflitos que ocorrem frequentemente entre as famílias extensas e suas redes de apoio, entendo que os mesmos não devem ser interpretados como causa, tampouco efeito, mas como instrumentos utilizados consciente ou inconscientemente pelos tentehar na tentativa de ampliar suas próprias redes. Contraditoriamente, o conflito é provocado, na maioria das vezes, pela capacidade diplomática dos tentehar de seduzir indivíduos para seu grupo. A diplomacia causa o conflito? Não necessariamente nesta ordem. Vários grupos disputando os mesmos indivíduos, oferecendo vantagens ou expondo as desvantagens do rival, compõem o elenco das “cartas diplomáticas” que se chocam ao tentar seduzir. Nesta disputa, o indivíduo tem sua importância exaltada, pois não há liderança, família ou rede que não se efetive pelo reconhecimento dos indivíduos. Por isso, cada um é disputado como se fosse o último e sua lealdade durará enquanto a redistribuição dos bens não for superada. O poder da liderança pode ser um fardo, a fonte de sua riqueza pode significar seu próprio fracasso frente a pesada tarefa de redistribuir os bens materiais e simbólicos, sob pena de ser destituído de seu poder e prestígio. Por fim, a participação nas políticas de educação e saúde tem demonstrado que, o exercício de poder no âmbito da implementação dessas políticas redimensiona o modelo cultural tentehar que é reforçado pelo aparelhamento estatal incorporado no mercado de bens simbólico deste povo.

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Conflito

e

Coesão:

o

dinamismo

Tenetehara;

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