NATALIKA, ou a lenda de uma estética modernista hegeliana

June 5, 2017 | Autor: Suzi Frankl Sperber | Categoria: Poetry
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NATALIKA, ou a lenda de uma estética modernista hegeliana.

Suzi Frankl Sperber (UNICAMP) Estudo introdutório e Glossário de Suzi Frankl Sperber para a re-edição de Natalika, de Guilherme de Almeida. Campinas: EDUNICAMP, 1993, pp. 7-39 e 83-101.

Natalika é obra de Guilherme de Almeida 1, há tempo esgotada e muito pouco conhecida. Publicada em 1924, neste texto ainda ecoa a Semana de Arte Moderna e a busca de definição de uma estética modernista. Como seria esta estética? Quais os seus paradigmas? Talvez já os do futurismo? Ou haveria ainda nela uma visão acadêmica? A fim de localizar Natalika em seu tempo, farei antes de mais nada um histórico.

Modernismo O nome Modernismo aparece num primeiro momento em países hispânicos da América Latina e não no Brasil. Mas ali é usado para um movimento literário bem diferente daquele que conheceríamos aqui. As primeiras manifestações do movimento aparecem no México, por volta de 1875, onde o cubano José Martí, então com 22 anos e Manuel Gutiérrez Nájera, com 16, apresentam novos recursos de estilo e nova sensibilidade. Os 1

. Guilherme de Andrade e Almeida (* Campinas, S.P., 1890 - + São Paulo, S.P., 1969) formou-se em Direito em 1912. Já então vivia em São Paulo, onde advogou, foi jornalista literário e funcionário. Participou ativamente da Semana de Arte Moderna e cedeu seu escritório para a redação da revista Klaxon. Viveu no Rio de Janeiro entre 1923 e 1925, ligado ao grupo que cercava Graça Aranha. Em 1925 dedicou-se a fazer propaganda do Modernismo, excursionando pelo Rio Grande do Sul, Pernambuco e Ceará. Fez conferências sobre a literatura modernista e lia poemas seus e de outros poetas de 22. Neste ano escreveu Meu e Raça, . Foi o primeiro modernista a entrar para a Academia Brasileira de Letras, em 1930. Combateu na Revolução Constitucionalista de 1932. Foi exilado em seguida, por haver-se feito arauto da Revolução, viajando por longo tempo na Europa, mas preferindo Portugal, onde se sentiu especialmente acolhido. Voltou ao Brasil, continuando a escrever. Foi eleito Príncipe dos Poetas Brasileiros em 1958, por morte de Olegário Mariano. Obras: Poesia: Nós, 1917; A Dança das Horas, 1919; Messidor, 1919; Livro de Horas de Sóror Dolorosa, 1920; Era uma vez..., 1922; A Frauta que eu Perdi, 1924; Meu, 1925; Encantamento, 1925; A Flor que foi um Homem, 1925; Raça, 1925; Sheherazade, 1926; Simplicidade, 1929; Cartas à minha Noiva, 1931; Você, 1931; Acaso, 1939; Cartas do Meu Amor, 1941; Tempo, 1944; Poesia Vária, 1947; Toda a Poesia, 7 vols., 1955; Camoniana, 1956; Pequeno Cancioneiro, 1957; A Rua, 1962. Prosa: Natalika, 1924; O Sentimento Nacionalista na Poesia Brasileira e Ritmo Elemento de Expressão, 1926; Gente de Cinema, 1929; Nossa Bandeira e A Resistência Paulista, 1932; O Meu Portugal, 1933. Traduções: Eu e você, de Paul Geraldy, 1932; Poetas de França, 1936; Suite Brasileira, de Luc Daurtain, 1936; O Jardineiro e O Gitanjali, de Rabindranat Tagore, 1943; O Amor de Bilitis, de Pierre Louys, 1943; Flores das Flores do Mal, de Baudelaire, 1944; Entre quatro paredes, de Jean Paul Sartre, 1950; Antígona, de Sófocles, 1952.

criadores desse Modernismo ainda estão sob o signo romântico. Morrem jovens. A partir de 1896, ponto culminante do Modernismo hispano-americano, seguem-se à publicação de Prosas profanas e Los raros do nicaragüense Rubén Darío (1867-1916), sem interrupção, até 1915 aproximadamente, os livros importantes do movimento, tanto no México, como em Buenos Aires, Bogotá, Lima, Caracas e Montevidéu, e Rubén Darío passa a ser uma espécie de chefe da literatura em língua espanhola na América. Para se ter uma idéia deste Modernismo, em Los raros, coletânea de estudos, Rubén Darío divulgou as principais figuras literárias do momento, que eram os parnasianos e os simbolistas franceses, além de Poe e Ibsen. Ainda que seja visto como um movimento que toma consciência de seu tempo, o Modernismo hispano-americano cria uma mitologia temática de evasões exóticas para uma Grécia parnasiana, para um Oriente imaginário, para uma tradição de figuras e mitos medievais-wagnerianos. O nome Modernismo, quando aparece no Brasil, é empregado para um movimento cultural que acolhe as novas tendências européias de inícios do século XX, com o sentido de atualidade, de ruptura e de combate. A verdade é que se intuía mais do que se sabia da cristalização, do imobilismo, da mumificação de antigos símbolos, formas, retóricas - algum dia no passado europeus também - que perderam contornos, produzindo desejo de mudança, ruptura, transformação. A trajetória até o Modernismo, no Brasil, leva de 20 a 30 anos. Comecemos a resumi-la a partir do fim do século XIX. Na literatura o grande nome em fins do século passado é Machado de Assis, que publica seus livros em Portugal, por falta de editoras nacionais que o editem. Machado de Assis morre em 1908. Cruz e Sousa, poeta simbolista (ou novista, já que o simbolismo também foi chamado de novismo), morre em 1898. Mas não tinha conseguido grande aceitação nacional, ainda que a rigor, se examinarmos a produção simbolista no Brasil de fim do século, notamos que pululam poetas simbolistas por todas as partes, pouco, ou mal publicados, mas que, mesmo assim, produziram sua obra. Euclides da Cunha publica Os Sertões em 1902, levando à discussão métodos políticos, preconceitos, uma imagem do homem e da terra brasileira. Lima Barreto publica no primeiro e segundo decênio do século XX. Seus livros se inserem dentro de uma estética que poderia ser melhor denominada de neo-naturalista, ou neo-realista, seguidora de Machado e com uma temática moderna, ousada, ainda que suas personagens, voltadas para os problemas brasileiros, mas sem a perspectiva da organização coletiva, se auto-imolam de formas diferentes. Lima Barreto era negro,

como Cruz e Sousa, e a negritude afeta a recepção e a produção. A produção é afetada na medida em que são escritores que, cada um dentro de seu estilo, na medida em que escrevem para um público branco, têm um certo desajeitamento para exprimir sua perspectiva pessoal. Não por serem negros, mas por serem negros no Brasil, vivendo naquele momento da história brasileira. A rejeição cria barreiras para a publicação, para o reconhecimento público e, pois, afeta a auto-estima. E este estado emocional afeta a produção. Seja como for, prevalece, na produção cultural do Brasil de fins do século XIX e começos do século XX, o marasmo intelectual como o diz Raimundo Correia, em 1892. Este marasmo não provém da falta de produção, mas de os intelectuais não reconhecerem na produção existente algo dinâmico e novo. O parnasianismo está esgotado como proposta estética já no início do século, ainda que Bilac, a Musa Perfeita, esteja vivo e produza. Conta-se, ainda, com a produção de Raimundo Correia e Alberto de Oliveira. E do poeta Mário Pederneiras, cantor do quotidiano, da vida familiar, do clima suburbano, das ruas e arrabaldes do Rio de Janeiro. E do prosador Adelino de Magalhães. Alphonsus de Guimarães, poeta parnasiano, é chamado de a Musa Mística. Também ele não serve de modelo para os novos. Na segunda década deste século, os grandes mestres estavam mortos e não se apresentavam novos. Em 1912, o irrequieto Oswald de Andrade importa o “futurismo”, Paul Fort, príncipe dos poetas franceses e, com ele, o verso livre. O próprio Oswald revela-se encantado com o verso livre, não só por sua novidade, mas também porque não sabe metrificar, como ele próprio confessa. Oswald escreve poema que se perde – “útlimo passeio de um tuberculoso pela cidade, de bonde” - poema sem métrica, nem rima, que lhe custa muitas caçoadas. A estas alturas, o padrão estético em pintura continua sendo figurativo e os temas são os que, na cabeça dos artistas brasileiros, se apresentam como paradigmas de beleza européia. Almeida Júnior tem horror à paisagem brasileira: “Oh! Isto não é paisagem! Que horror, olhe aquele maço de coqueiros quebrando a linha de conjunto!” Os temas que causam horror em um momento serão usados num momento seguinte: Tarsila do Amaral toma temas da paisagem brasileira, dentre eles os coqueiros. A novidade estética, formal, artística está na Europa. Os artistas que podem, buscam nutrir-se em solo europeu. Oswald trouxe também o futurismo de Marinetti,

além do de Paul Fort. Anita Malfatti trouxe o impressionismo. Paulo Prado traz da Europa uma primeira pintura cubista de Fernand Léger. Em maio de 1914 Anita Malfatti, que passara dois anos em Berlim, expõe no 1º andar da Casa Mappin. Na Europa, em Colônia, havia visto uma exposição em que ficara conhecendo Pissarro, Monet, Sisley, Picasso, o Douanier Rousseau, Gauguin, Van Gogh, Cézanne e Renoir. Estes artistas causam-lhe um grande impacto que se converte em uma nova estética, revelada por seus quadros. Nestor Rangel Pestana, crítico de pintura de O Estado de São Paulo, escreve elogiosamente sobre a exposição de Anita Malfatti. A situação é animadora e estimulante. Por causa da guerra que eclode em 1914, Anita não volta à Europa e viaja para os EUA. Lá os artistas refugiados da Europa só falam no cubismo. E é o cubismo que aparecerá com suas influências na exposição seguinte de Anita Malfatti no Brasil, inaugurada em 12 de dezembro de 1917. Em 20 de dezembro desse mesmo ano, Monteiro Lobato publica sua famosa (famigerada?) crítica à exposição de Anita Malfatti “Paranóia ou mistificação”, também em O Estado de São Paulo. O artigo suscita grande celeuma, porque os intelectuais se dividem. Apóiam Anita Malfatti Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Di Cavalcanti, Guilherme de Almeida, Agenor Barbosa, Ribeiro Couto, George Przyrembel, Cândido Mota Filho e João Fernando de Almeida Prado. A partir de então estende-se o debate pró e contra o novo, novo que havia sido batizado como “futurista”. Na provinciana São Paulo de então há os que sofrem na carne com os debates e os preconceitos (compradores dos quadros de Anita Malfatti os haviam devolvido, para não possuírem objetos de arte duvidosa; pais de alunos de Mário de Andrade retiraram seus filhos da influência do mestre futurista, o que levou Mário de Andrade a precisar se defender publicamente). Guilherme de Almeida mantém-se o tempo todo favorável ao novo e aos novos. Na medida em que ele próprio é sucesso de público, seu apoio é de extrema valia para o grupo. Nesta época, diz Mário da Silva Brito, Guilherme de Almeida “lê brochuras futuristas e adora Deus nas alturas e Soffici e Marinetti na terra”2. Neste período Guilherme de Almeida tem uma atuação decisiva em prol dos “futuristas”. Assim, nos três dias de função distribuídos na célebre Semana de Arte Moderna, em fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, Guilherme de Almeida lê poemas, assim como lêem poemas Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Sérgio Milliet. Ronald de Carvalho lê o poema Sapos, de Manuel Bandeira. 2

Mário da Silva Brito. História do Modernismo Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1958: 144.

Em 1924 Guilherme de Almeida empreende uma viagem pelo Brasil a fim de promover o Modernismo, lendo poemas de poetas modernistas em algumas capitais. Aparentemente há homogeneidade de posições. Pareceria que os artistas se dividem em dois grupos de opções estéticas opostas, a favor e contra o novo. Mas a cena é mais complexa e se mistura com aspectos explicáveis historicamente, mas superpostos; às vezes, contraditórios.

A HISTÓRIA POLÍTICA, ECONÔMICA E SOCIAL: ALGUNS DADOS.

Em 1888 é abolida a escravatura, por forte influência e mesmo pressão internacional, que dizia tratar-se de uma questão humanitária, de liberdade, igualdade e fraternidade, mas que na verdade estava interessada em acabar com a concorrência “desleal” de uma nação que produzia, por exemplo, 82,5% do café mundial com braço escravo, mais barato do que o do trabalhador assalariado. Em 1889 é proclamada a República. Assumem o poder os militares, Marechal Deodoro da Fonseca e Floriano Peixoto, e seu governo é autoritário, ditatorial, persecutório, arbitrário. O Brasil se endivida durante os anos anteriores ao fim do século. Dá-se o chamado “encilhamento”, que consiste em um movimento extraordinário de especulação na Bolsa. Do período do “encilhamento” diz Aluísio Azevedo: Depois da bancarrota, o público brasileiro divide-se apenas em duas ordens: a dos que tudo perderam e a dos que tudo ganharam. Os primeiros choram de fome e os segundos tremem de medo pela sua riqueza mal adquirida. São Paulo, em sua era agrária, festeja o apogeu da cultura do café. Note-se que a riqueza pode ter mudado de mãos, devido ao encilhamento, ou ao café, ou ainda à mudança de mãos do poder. Mas o poder, propriamente, não muda de ideologia, nem de rumos. A rigor, pois, não há mudança do poder. As mudanças superficiais criam a ilusão da mudança profunda. E esta ilusão gera outras. No continente, cresce desde fim do século XIX o "pan-americanismo" de Monroe3, que quer a América (Latina) para os americanos (do Norte). Os dois Congressos Panamericanos o atestam e revelam os esforços americanos para a independização (econômica) dos países latino-americanos (dos países europeus), para criar novas dependências e relações, estas com os EUA. Em todo o caso, o movimento internacionalista brasileiro, começado na segunda década deste século, tem suas origens 3

. O Primeiro Congresso Panamericano ocorre em 1888. O Segundo Congresso Panamericano em 1903.

- pelo menos parcialmente - nestes interesses estrangeiros. A outra - e fortíssima - razão do internacionalismo brasileiro é uma conseqüência da Lei do Povoamento do Solo, de Miguel Calmon, de 1907. Em 8 anos entra no Brasil quase um milhão de imigrantes: italianos, alemães, eslavos, saxões. É inevitável suspeitar que havia desejo de “arianizar” o Brasil, clareando sua população, para além de criar a tal política de assimilação e integração do adventício. Um texto de Carneiro Leão, ao mesmo tempo que aponta para os perigos da tal política, revela também a idéia de pureza da raça.

Cerca de um milhão de italianos (raça relativamente pura, unida e patriota), para uma população de três milhões e meio, dos quais uns quinhentos mil serão filhos de outras nacionalidades, constitui uma reação formidável na consciência, no pensamento e na direção geral da massa. Tamanha multidão de elementos estranhos, ignorantes dos nossos feitos, e, cujas descendências - sem uma hereditariedade que as predisponha a zelar e amar os nossos antepassados constitui, talvez, um perigo para o nosso espírito tradicional. 4

A Primeira Grande Guerra (1914-1918) contribui para afastar, pelo menos provisoriamente, o Brasil dos países europeus, ainda que com os olhos postos na produção de lá. Este fator, assim como as palavras de ordem de Marinetti, não obstante ele não ser brasileiro, levam ao recrudescimento de um novo nacionalismo. A tensão entre os dois movimentos contrários, um em prol da europeização, outro favorável ao nacionalismo, começará a ser diversificada com o advento Henri Barbusse. Henri Barbusse escreve em 19l4 o livro Le Feu. Em 1919 publica Clarté, que vem a ser um comentário teórico de Le Feu. Neste livro, Henri Barbusse considera que há um único remédio contra a guerra: o triunfo do socialismo internacional. (A Revolução Russa, com a vitória do comunismo, estimula a difusão e aceitação das idéias socialistas, com a criação de dois grupos de esquerda oponentes entre si, os maximalistas e os minimalistas). Para chegar lá é preciso um trabalho político prolongado. Dentro deste espírito, o romance funcionaria como instrumento de apostolado político. Em Clarté Barbusse faz diversas propostas, tais como desmascarar a guerra, o imperialismo, e, já então, o armamentismo internacional. Ao lançar um movimento pacifista, Barbusse congrega ao seu redor um grupo respeitável de intelectuais, liderados por Anatole France, Romain Rolland e Vaillant-Couturier. O movimento se espraia por outras partes do mundo, para além da França. No Rio de Janeiro, Nicanor Nascimento funda a revista Claridade. Em São Paulo é criado o Grupo Zumbi, que se entende como movimento renovador, do qual faziam parte Afonso 4

. A. Carneiro Leão. S. Paulo em 1920. Rio: Anuário Americano, 1920, p. 29-30.

Schmidt, Edgard Leuenroth, Astrogildo Pereira, Raymundo Reys e outros. O Grupo Zumbi inicia, entre nós, a politização literária de objetivos socialistas. Por outro lado, fala-se, em 1915, do nacionalismo como referência ideológica. Desde 1915 o grupo de direita que compõe a Ação Social Nacionalista (Álvaro Bomílcar, Jackson de Figueiredo, Arnaldo Damasceno Vieira, Alcebíades Delamare, o Conde Afonso Celso e outros) faz oposição a Portugal e aos portugueses no Brasil 5. O conjunto de idéias e acontecimentos da época que antecede o Modernismo leva não tão somente ao pluralismo e à complexidade de veios políticos e ideológicos, mas também a superposições ou cruzamentos que poderiam ser considerados espúrios. Basta que acrescentemos a poderosa penetração do primeiro Manifesto Futurista de Marinetti, com uma proposta estética na qual estava embutida uma ideologia fascista, para entendermos que os cruzamentos possam ter levado, às vezes, à confusão entre direita e esquerda; entre engajamento nacional e social; entre tomada de posição frente à clientela provinciana, cristalizada em seu gosto, autoritária e segregadora, de obras de arte parnasianas, ou pelo menos classicizantes e tomada de posição frente à realidade. Diante desta falta de discernimento dos limites ideológicos, estéticos, sociais, não surpreende que o público confundisse futurismo com revolução estética, e esta com revolução sócio-política, criando uma homologia imprópria. Além disto, ficou dito que determinadas medidas consistiram na substituição da mão-de-obra negra pela branca (e loira, em parte) depois da abolição da escravatura, quando bastaria formar a mão de obra negra, adequando-a para o trabalho inclusive em indústrias, são indícios de como estava arraigado, forte e inconsciente o desejo da arianização da população brasileira 6. Um outro fenômeno está na base do desejo de mudança. É a vergonha do próprio país, do passado político, econômico, social, estético, cultural: o desejo do novo, que 5

. Jackson de Figueiredo. O nacionalismo na hora presente. Rio de Janeiro: Ed. da Livraria Católica, 1921, p. 53: O Brasil libertou-se do governo português; continua, contudo, a suportar, agora sem mais impaciência, a ascendência dos lusitanos no seu comércio, indústria, imprensa e até nas letras. 6 . Mais indícios vão abaixo: O repúdio pelos modernistas à afirmação de que três grupos étnicos fundamentaram a raça brasileira, prende-se ainda à negação ao parnasianismo, que, através de célebre soneto de Bilac, consagrava o índio, o negro e o português como fatores constitutivos da gente brasílica e faziam da nossa música a "flor amorosa de três raças tristes". (Cf. Olavo Bilac. Poesias. "Música brasileira". Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1930, p. 287, In Brito 1958: 178). Menotti del Picchia tem por ingenuidade e convencionalismo "que o tipo racial brasileiro é uma mistura do aborígene, do português e do negro" (Menotti del Picchia. "A questão racial". Correio Paulistano. 10.05.1921, In Brito 1958: 179). O cosmopolitismo, enfim, leva os modernistas a descrerem da "velha lenda da trindade racial formadora, do clássico triângulo étnico, sobre o qual repousavam as origens da gente da nossa terra: luso, negro e índio..." (Hélios. "Capacetes cossacos". Correio Paulistano. 15.07.1921, In Brito 1958: 181).

corresponde ao desejo de ser outro. O conflito do que é ser eu ou o outro aparece forte e claramente mais tarde. No momento, o eu deve ser moderno, industrializado, da fábrica e do carro, da locomotiva e do movimento - mas também da luta, da esperança, da confiança no futuro e em si, da confiança na capacidade de transformação do seu mundo. O intelectual ainda não tem exatamente o senso da fraternidade. A função que o intelectual vê para si no Brasil é a da construção e a da luta, que são, ao mesmo tempo, responsabilidade e privilégio. A complexidade cultural do Modernismo brasileiro adv‚m tamb‚m da situação ¡mpar em que este grupo de intelectuais se encontra. Mais clara e fortemente que em qualquer outro momento de nossa história, artistas e intelectuais em geral, ansiosos em fazer o Brasil liderar a América Latina e confiantes em sua capacidade de vencer o atraso econômico (em São Paulo), de superar o atraso educacional e cultural, agem confiantes, eufóricos mesmo, ingênuos também, como desbravadores intelectuais. Nunca havia sido tão importante o papel do intelectual na construção da cultura brasileira. Daí a fluidez no conflito. Ainda não era tempo de acirrar as diferenças, que não ficam muito claras, apesar de presentes. É difícil discernir entre os diferentes aspectos em conflito, que puxavam para lados contrários. Como, por exemplo, entre o impulso para o localismo (nacionalista, mas também agrário, em alguns casos dentro da mis‚ria da pequena industrialização) ou para o cosmopolitismo. Ou como o conflito racista: apesar de tudo, a origem negra e indígena‚ vista como vergonhosa. É melhor esquecê-la, ou torná-la simbólica, e lutar pela internacionalização integradora do imigrante europeu, branco, mas não português. De que outra forma entender a generosidade extraordinária de um povo que dá mais facilmente emprego para o estrangeiro branco do que para o brasileiro negro? Em qualquer outra nação proteger-seia o próprio. Aqui, protegia-se o outro. Há outro conflito mais entre o eu e o outro. É o conflito do eu-Autor, ou intelectual, que representa a consciência superior, o olhar que abrange o todo, discerne e julga, mas que ao mesmo tempo, exercendo um tão relevante papel na cena cultural, é muito diferente do outro que é julgado: o povo. Este mesmo papel de criadores do mundo cultural leva a um certo tipo sutil de aristocratismo, que pouco se coaduna com o engajamento barbussiano, ou maximalista. (O mais coerente dos maximalistas foi, sem dúvida, Lima Barreto). Não é de se admirar que haja mecanismos assistencialistas e paternalismo tanto à direita como à esquerda.

TEMAS MODERNISTAS

É bom recordar o teor do Manifesto do Futurismo de 1909, o primeiro dos manifestos futuristas de Marinetti.

Manifesto do futurismo.

1. Nós queremos cantar o amor ao perigo, o hábito à energia e à temeridade. 2. Os elementos essenciais de nossa poesia serão a coragem, a audácia e a revolta. 3. Tendo a literatura até aqui enaltecido a imobilidade pensativa, o êxtase e o sono, nós queremos exaltar o movimento agressivo, a insônia febril, o passo ginástico, o salto perigoso, a bofetada e o soco. 4. Nós declaramos que o esplendor do mundo se enriqueceu com uma beleza nova: a beleza da velocidade. Um automóvel de corrida com seu cofre adornado de grossos tubos como serpentes de fôlego explosivo... Um automóvel rugidor, que tem o ar de correr sob a metralha, é mais belo que a Vitória de Samotrácia. 5. Nós queremos cantar o homem que tenha direção, cuja haste ideal atravessa a Terra, arremessada sobre o circuito de sua órbita. 6. É preciso que o poeta se desgaste com calor, brilho e prodigalidade, para aumentar o fervor entusiástico dos elementos primordiais. 7. Não há mais beleza senão na luta. Nada de obra-prima sem um caráter agressivo. A poesia deve ser um assalto violento contra as forças desconhecidas. O encantamento com Marinetti e com o futurismo corresponde, no Brasil, antes às perspectivas de mudança e de renovação abertas pelo futurismo do que à aceitação da estética e ideologia de Marinetti. Seu manifesto apresenta palavras de ordem, que serão interpretadas conforme as opções de cada um. Convém lembrar que se via em Marinetti um revolucionário, mas que custou para perceber nele um revolucionário de direita. Durante a Primeira Grande Guerra começam a crescer ideologias contrárias, inicialmente até mesmo pouco diversificadas. O nacionalismo, que se empenha na construção de uma imagem autêntica de Brasil, também convive com contradições. Os temas do manifesto são abstratos: a beleza da velocidade, perigo, energia, temeridade, audácia, revolta, movimento agressivo, calor, brilho, prodigalidade. O único tema realmente concreto é o automóvel, o que também envolve, latu sensu, a máquina. Os temas do modernismo (máquina, automóvel, indústria, massa, povo, operariado, cidade, locomotiva, energia, velocidade e movimento) refletem não só o Manifesto Futurista, mas também o desejo de um grupo de fazer o Brasil ingressar na era da industrialização. Mas aqui tais temas convivem com lendas e mitos indígenas

O desejo de desenvolvimento econômico e político no âmbito da América Latina leva o grupo de intelectuais brasileiros a rejeitar a era agrária e festejar uma era industrial que estava fundamentalmente mais nos anseios de cada um do que na realidade do momento.7 O anseio fundo de integração com o estrangeiro que imigrou para São Paulo leva a um racismo antipurista, à exaltação da miscigenação. O fim da era agrária orienta a ação narrativa para a cidade.

FORMAS

O verso livre é conquistado para a poesia. Também os temas novos interessam à poesia. E que mais? Lembremos que na Europa, lá pelos idos de 1920, Jakob van Hoddis, Arthur Drey, Kasimir Edschmid e tantos outros eram expressionistas. Apollinaire, Paul Dermée, os autores que publicavam na revista L'Esprit Nouveau eram cubistas, como o chileno Vicente Huidobro. Francis Picabia, André Breton, Paul Eluard, Louis Aragon, Tristan Tzara eram dadaístas. Tristan Tzara havia feito uma "receita" de poema dadaísta: Pegue um jornal. Pegue a tesoura. Escolha no jornal um artigo do tamanho que você deseja dar a seu poema. Recorte o artigo. Recorte em seguida com atenção algumas palavras que formam esse artigo e meta-as num saco. Agite suavemente. Tire em seguida cada pedaço, um após o outro. Copie conscienciosamente na ordem em que elas são tiradas do saco. O poema se parecerá com você. E ei-lo um escritor infinitamente original e de uma sensibilidade graciosa, ainda que incompreendido do público.

Recorte, colagem, nonsense, escrita automática, enumeração caótica, são ingredientes da nova forma poética proposta na Europa. No Brasil, o movimento contrário à retórica vigente até então leva à oralidade na sintaxe, a uma colocação 7

. Leia-se, para confirmar o que foi dito, informação sobre o Juca Mulato: Erro! Fonte de referência não encontrada.. E ainda mais o que dizia Oswald de Andrade: roximação definitiva com as nações sul-americanas é uma necessidade quer para o equilíbrio continental, quer para a nossa eficaz atuação na vida internacional». (Papel e Tinta "Nós" - Ano I - n° I - 31-5-1920, São Paulo e Rio. In Brito 1958: 125). Deseja-se o fim da era agrária (que nem sequer hoje foi integral e unicamente substituída pela indústria), assim como se sonha com um Brasil que lidere o continente sulamericano.

pronominal mais condizente com a fala, com a fluência da linguagem e das frases curtas. Na poesia aparecem os temas modernistas e é usado o verso livre. Guilherme de Almeida procurou transformar em uma estética ilustrada o modo como entendeu a proposta da arte não mimética, até mesmo anti-mimética modernista. É o que encontramos em Natalika.

Natalika

A narrativa inicial tem função metalingüística, esclarecendo o papel e o valor da arte: a perenidade. A busca da imortalidade pela via do amor e da criação é ilustrada por narrativas sugestivas. O criador não é um andarilho, porque ao flanar ele só vê a natureza. Ele é mágico-criador. Ao contrário do andarilho, ele precisa da quietude e da contemplação. O mundo não o interessa. A recriação sim, capaz de produzir “toda uma astronomia nova, inédita, contrariada, incoerente”8. Apesar de Guilherme de Almeida pleitear para a arte a liberdade formal, que lhe garanta ser “um bom exemplo que a natureza segue, inconscientemente”9, seus poemas (que não aparecem em Natalika) oscilam entre a renovação e a tradição. Ele discute o conceito de arte, colocando-a como o único valor, como o único universo verbalizável (a natureza é inconfessável), como personalidade. Uma concepção estética que nega a fotografia e a natureza: esta era a nova palavra de ordem. Os modernistas combatem a transcrição miúda e literal da realidade. O apego ao objetivismo parece-lhes limitador da faculdade criadora. Oswald, baseado em conclusões de Mário de Andrade, defende o conceito de que “a arte procura criar um belo oposto ao belo da natureza” 10. Vários trechos deste texto oswaldiano referem-se a esta concepção de arte, semelhante em muito à enunciada por Guilherme de Almeida: A vida não deve ser fotografada. Nada de reportagvens absolutas. “Le choix s’impose”. E não se preocupe em atingir a realidade, mas uma ilusão de realidade11. 8

. Almeida 1924: 31-32. . Guilherme de Almeida. Natalika. Rio de Janeiro: Candeia Azul, 1924, p. 94. 10 . Oswald de Andrade. "Questões de Arte". Jornal do Comércio. Ed. de SP. 25.07.1921, p. 183. 11 . Andrade 25.07.1921: 183. 9

“[...] a arte não é uma grosseira e inútil reprodução de exemplares de Zoologia”12. Arte não é fotografia, nunca foi fotografia! Arte é expressão, é símbolo comovido.13.

A estética enunciada por Guilherme de Almeida em Natalika lembra a estética hegeliana, cujo objeto é o belo artístico, criado pelo homem, e não o belo criado pela natureza. Para Hegel, o belo artístico, produto do espírito, é verdadeiro porque o espírito e só ele é verdadeiro. A arte, manifestação do espírito, precisa encontrar a idéia de beleza no espírito, partindo desta idéia para a sua definição. A aparência da arte, diz Hegel, faz entrever algo que a ultrapassa. A arte é expressão do divino, mas não é a suprema manifestação da verdade, porque é limitada pela matéria e só pode ter por conteúdo certo grau espiritual de verdade. A imperfeição ou limitação da arte está nela mesma, na utilização do sensível e material para exprimir o inteligível e o espiritual. Hegel considera que a razão de ser da arte não é a imitação da natureza, porque, limitando-se a imitá-la, o homem não a ultrapassa. O conteúdo da obra de arte deve ser espiritual. Se não fosse assim, a arte não exprimiria o belo, que seria substituído pela memória. O belo deve ser definido pelo pensamento conceitual, segundo Hegel. O pensamento conceitual media dois mundos: o sensível e o inteligível. A arte apresentase como síntese dos termos abstratos e contraditórios.

GLOSSÁRIO

Para facilitar a leitura e a compreensão de Natalika, pareceu interessante acrescentar um glossário que esclarecesse as referências culturais existentes em grande número neste livro. Suzi Frankl Sperber Abdula rose-tipped = Tipo de cigarro com ponteira perfumada.

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. Andrade 25.07.1921: 184. . Andrade 25.07.1921: 184.

Anatole France = Anatole France (1844-1924), escritor francês, pseudônimo de Jacques-François-Anatole-Thibault. Recebeu o prêmio Nobel em 1921. Escreveu: Crainquebille, Le crime de Sylvestre Bonnard (1881); Les dieux ont soif (1912); Histoire contemporaine (1897-1900); L'île des pingouins (1908); La révolte des anges; La rôtisserie de la reine Pédauque (1893 - obra prima da época); Thaïs (1890); Vie de Jeanne d'Arc (1908); Pierre Nozière (1899 - romance biográfico). Em Histoire Contemporaine Anatole France revela ser inimigo da Igreja, dos militares, bem como das forças políticas e sociais reacionárias. É socialista e pacifista. Seu estilo, considerado dos melhores da língua francesa, é marcado por uma fina ironia. Apis = Touro reverenciado como deus pelos antigos egípcios. Apoxiómenos = Escultura de Lisipo. Apsáras = Na obra de Beda, as Apsáras são espíritos femininos, originalmente ninfas aquáticas, que também brincam no ar e nos céus. Trazem a felicidade, mas também a loucura. Numa versão posterior, trazem a felicidade aos habitantes do céu de Indras, de modo semelhante às huris do Islão. Beda, chamado Venerabilis, é um santo da igreja cristã. Sua festa é no dia 27 de maio. Seu atributo é o livro. Foi teólogo, nascido em 673, ou 674 em uma região do Northumberland, Grã Bretanha. Faleceu em 26 de maio de 735. Escreveu obras teológicas e gramáticas, assim como uma "Historia ecclesiastica gentis Anglorum" e a "Chronicon de sex aetatibus mundi" na qual Beda introduziu a contagem do tempo a partir do nascimento de Cristo, servindo de base para a maioria das crônicas medievais. Aquiles = Personagem da Ilíada, de Homero. Principal herói grego da guerra de Tróia, tal como narrada na Ilíada de Homero; filho de Peleu e da deusa do mar Tetis, líder dos mirmidões. Vence e mata o herói troiano Heitor, mas, de acordo com autores posteriores, é morto por Paris, que o fere no calcanhar direito, único lugar em que seu corpo é vulnerável. ara = altar. Armanagar = No texto consta . Não consta de atlas, nem enciclopédia. Assur-Naziz-Bal = Rei assírio. Provavelmente Assur-Nasir-Pal. A Assíria foi reino da antiguidade que se estendeu da atual fronteira entre o Irã e a Turquia até a Síria, o atual Israel, o norte da Arábia, parte do Egito, a ilha de Chipre e algumas ilhas do golfo Pérsico. Existiu desde o séc. XIX AC até o séc. VII AC. Assurbanipal = Rei assírio. Também chamado de Sardanápalo. at the corner = Palavra inglesa: na esquina. at-home = Palavra inglês: em casa. auléia = Palavra latina: pátio, adro de uma casa. badaud = Palavra francesa: pateta. baiaderas = dançarinas de templos da Índia. Em português, também bailadeiras, do verbo bailar, que vem do latim tardio ballare = dançar.

Batalha de Isso = Antiga cidade da Ásia Menor onde o rei persa Dario I combateu em famosa batalha, que houve em 333 AC, em que foi vencido por Alexandre Magno, rei da Macedônia. Blaise Cendrars = Romancista e poeta francês, pseudônimo de Frédéric Sauser-Halle (1887-1861). Autor de Bourlinguer (1948 - romance autobiográfico); Emmène-moi au bout du monde!...(1956 - romance); Moravagine (1926 - romance) et L'or (1925 biografia do general Johann-August Suter). boudoir = Palavra francesa: toucador; quarto de vestir e de fazer a maquiagem, onde ficava o toucador ou penteadeira. Broadway = Rua onde se encontra a maior parte dos teatros de variedades de Nova York. Burlington = Bairro elegante londrino. cake = Palavra inglesa: bolo. Caldéia = Antigo reino da Mesopotâmia, cuja capital foi a Babilônia. Calicrates = Arquiteto grego que, com Ictino, trabalhou sob a chefia de Fídias na construção do Pártenon grego (447-432). Cézanne = Cézanne, Paul (1839-1906). Pintor impressionista francês. Chamonix = Localidade da Suíça onde se pratica o esqui. Fica nos Alpes, estando coberta de neve em boa parte do ano. cheviotes = Palavra dicionarizada, grafada em francês, no original. Tecido inglês de lã. Origem: de uma cadeia de montes da Escócia, onde há carneiros de cuja lã se faz este tecido. Cinco-às-sete = Horário convencional do chá. Civa = Civa (que Guilherme de Almeida grafou em francês: Çiva) representa, na arte hindu, o Não-manifestado, o Pai, o elemento masculino, fazendo contraponto com o elemento feminino de todos os seres, que simboliza a energia cósmica, à qual a arte hindu se identifica: Shakti. Shakti precisa refundir-se em Civa a fim de encontrar a unidade original. Civa e Shakti são um só no Absoluto, os aspectos masculino e feminino da unidade. Çiva é do domínio lunar. Corot = Corot, Jean Baptiste Camille (1796-1875). Pintor pré-impressionista francês. Coty = Marca de perfume francês. cristal de Lalique = Lalique, René, artista plástico francês, famoso por suas obras em cristal (1860-1945). croque = Palavra francesa do verbo croquer, que significa comer, mastigar. Dario = Dario I, o Grande, rei da Pérsia. V. .

Dauphin = Delfim. Nome dado, desde 1140, aos senhores da região denominada Dauphiné, mais tarde, genericamente, ao príncipe herdeiro da monarquia francesa. O último que levou o título de Delfim foi o Duque de Angoulème, filho mais velho de Carlos X. Luís XIV ordenou que Bossuet e Huet reeditassem, entre 1674 e 1730, uma coleção de 64 volumes de autores clássicos, expurgada de todos os trechos que pudessem ferir a estrita moral da época. Daí a expressão "ad usum Delphini", que significa [boa] para o uso do Delfim, isto é, sem trechos eróticos. Debussy = Debussy, Claude, compositor francês (1862-1918). Dóricos = Um dos três principais estilos da Grécia antiga. Doríforo = Escultura de Policleto. douairière = Palavra francesa. Viúva rica. duvet = Palavra francesa. Penas de ganso com as quais se recheia uma coberta leve e muito quente. Ecbatana = Antiga capital dos medas, hoje Hamadhan, cidade e província da antiga Pérsia, hoje Irã. eider (Escandinávia) = Espécie de pato encontrado no Atlântico Norte. Suas penas são utilizadas para rechear o acolchoado chamado edredom. Esta palavra é uma corrutela da expressão inglesa eider-down, penugem deste tipo de pato. Eros = Deus do amor, na mitologia grega. Cupido, na mitologia latina. face-à-main = Palavra francesa. Luneta, lornhão, par de óculos que não se sustentam nas orelhas, mas num cabo que se segura com a mão. fjords = fiordes, em português atual. Golfo estreito e profundo, entre montanhas altas, especialmente na Noruega e Suécia. flirt = Palavra inglesa. Flerte, namoro, paquera. fondant = Palavra francesa. Bombom que derrete na boca. footing = Palavra inglesa: passeio a pé. Fox-trot = Palavra inglesa. Foxtrote: dança de salão, de par, oriunda dos EUA. Ficou na moda mais tempo do que o shimmy. fustes = Parte principal da coluna, entre o capitel e a base. gentleman = Palavra inglesa. Cavalheiro, senhor. girl = Palavra inglesa. Garota. Golconda = Nome de uma antiga cidade na província de Hiderabad, na Índia, famosa pela lapidação de diamantes no século XVI; por extensão, um local de grande riqueza.

goundja = Pronuncia-se também "gandcha". São as pontas do cânhamo, que servem para a preparação do haxixe e para fumar. Hanover Square = Praça de Londres. Hathor = Deusa egípcia do amor, da alegria e da felicidade, representada com orelhas ou cabeça de vaca. Havstramb = Encontra-se explicado no próprio texto: "parece um homem sem braços e tem o corpo verde como os gelos velhos". Hearn, Lafcadio = Escritor de família européia e americana que viveu longamente no Japão e acabou adotando a cidadania japonesa (1850-1904). Autor de Chita: A Memory of Last Island (Chita: uma lembrança da última ilha), novela publicada em 1887 com o título Torn Letters (Cartas rasgadas). Hermes = Deus grego. O mensageiro. Na Roma antiga tinha o nome de Mercúrio. Hyde = Hyde Park, grande parque de Londres. ice-cream-peach = Palavra inglesa. Sorvete de pêssego. Ictino = Arquiteto grego que, com Calicrates, trabalhou sob a chefia de Fídias na construção do Pártenon grego (447-432). Iliseetsut = Explicado no próprio texto: "criadores do Tupilek, o monstro imenso feito de pele de baleia, de ossadas gigantescas, de corações e cérebros de criaturas da terra e do mar". impedimenta = Bagagem, equipamento que se carrega durante uma viagem, acessórios de vestimenta. Palavra de origem latina, que significa "tudo que atrapalha". No texto tem o sentido de acessórios. Indra = Divindade hindu que originalmente representava o céu, ou a transcendência, e que era cultuada no período védico como o deus supremo, apesar de ter assumido, posteriormente, uma posição subordinada no panteon hindu. Ele é representado de muitas formas, especialmente com quatro braços e quatro mãos e montado num elefante. Ipsambul = Cidade presumivelmente egípcia, não encontrada no mapa. Isis = Deusa do antigo Egito, considerada como irmã ou esposa de Osiris e mãe de Horus. Os egípcios a viam como civilizadora, deusa da fertilidade e a representavam com chifres de vaca e um disco solar como coroa. Istakar = Templo da antiga Pérsia. Jermyn Street = Rua de Londres. Jiamshid = Provável cidade persa. Joana D'Arc = Heroína francesa (1412-1431), santa da igreja católica.

jungle = Palavra inglesa e origem sânscrita, aportuguesada como jângal. O mesmo que floresta, selva, mata. Kajarissát = Está explicado no próprio texto: "espíritos maus das geleiras, que fascinam e atraem os kayaks (caiaques) para a água negra". Kalak = Cidade assíria. Karnak = Cidade egípcia à beira do Nilo, frente às ruínas de Tebas. É famosa pelos seus templos, construídos ao longo de mais de dois mil anos: o templo festivo de Tutmosis III; um templo dedicado à coragem e outro templo dedicado a Amom, com dez colunas majestosas, chamadas pilões. Karun = Rio no sudoeste do Irã, que surge perto de Isfahan, a 3.380 metros de altitude e desemboca perto de Mohamera, no golfo de Shat-el-Arab. kayaks = Palavra de origem esquimó: pequena embarcação originalmente feita de peles de foca, costuradas sobre uma armação de ossos de baleia, envolvendo toda a embarcação, inclusive por cima e que é amarrada na cintura do remador. Escreve-se, hoje, caiaque. Khanê-Tchelminar = Talvez, Canéia, cidade da Grécia, conquistada pelos turcos em 1646. Krishna = Importante deus, uma das encarnações de Vishnu, segundo deus da trindade hindu. É o oitavo avatar de Vishnu. Uma história conta que foi filho de Vasudeva e Devaki e que seu tio Kansa, deus-demônio de Mathura tentou matá-lo enquanto era criança, devido a uma advertência divina de que algum dia o seu sobrinho o mataria. Graças à ajuda divina, a criança escapou, foi criada por pastores, e depois de muitas aventuras heróicas e amorosas, matou Kansa e ocupou seu trono. Mais tarde Krishna foi morto por uma flecha atirada por um caçador. lamée = Tecido, em geral de seda, que contém alguns fios metálicos. Lancret = Nicolas Lancret (1690-1743). Pintor rococó, interessado em cenas de teatro italiano de máscaras. latet anguis = Latet anguis in herba, expressão latina que significa: uma víbora jaz escondida na grama (no capim). lawn-tennis = Palavra inglesa. Jogo de tênis em gramado. Lázaro = Personagem bíblica. Tendo falecido, é ressuscitado por Jesus Cristo (Lucas 16.20). "L'indifférent" de Watteau. "O indiferente", quadro do pintor francês Antoine Watteau (1684-1721). Louqsor = O mesmo que Lúxor, cidade do Egito que existe até hoje, onde se encontra importante templo.

Lysipo = Escultor da época de Alexandre Magno. Mae Murray = Talvez se trate da atriz de cinema Mae West, a primeira loira sexy do cinema americano. Maghreb = Região do norte da África, que abrange a Tunísia, o Marrocos e o norte da Argélia e se constitui no extremo ocidental do mundo árabe. Malbrough = Marlborough, John Churchill, duque de - General e estadista inglês (1650-1722). Provavelmente, nome de teatro londrino. manchon = Regalo, agasalho para as mãos, em geral feito de pele, muito usado em países frios. Marquise de Sevigné = Marquesa Marie de Rabutin-Chantal, escritora francesa, famosa também pela sua beleza (1626-1696). Medinet-Habou = Cidade presumivelmente egípcia, não encontrada no mapa. mosassauros = Gênero extinto de répteis marinhos, dos quais alguns exemplares mediam 15 metros. muezim = [Do árabe al-muadhdham; pelo turco muezzim e pelo francês muézim. O mesmo que almuadém: pessoa que, na religião islâmica anuncia em voz alta, do alto dos minaretes, i. é, das torres das mesquitas, as horas das orações. Nakh-i-Roustaim = Rustam, herói da Pérsia, personagem da epopéia Chahnamé (Livro dos Reis), datado do séc. XI DC, do poeta Firdusi. Trata-se de poema histórico narrativo, em cerca de 60.000 dísticos, que conta toda a história da Pérsia, desde os tempos lendários até a conquista maometana. naós = Palavra grega que significa templo. Mas é também a cela, ou câmara simples para a divindade, que no início da civilização grega constituía o próprio templo. Hoje em dia se diz ainda nave de igreja. née = Palavra francesa que significa nascida; neste caso: bem nascida. négligés = Descuidados (os cabelos). O sentido é de que os cabelos têm um descuido chique. Nereidas = Na mitologia grega as Nereidas são ninfas do mar. São as cinqüenta filhas de Nereu, um deus do mar, e Doris. Dentre as Nereidas mais famosas e celebradas estão: Anfitrite, mulher de Netuno; Tetis, a mãe de Aquiles; Galatéia e Doto. Nínive = Cidade da antiga Assíria, à beira do rio Tigre. O retrato de Dorian Gray = Peça de autoria do teatrólogo irlandês Oscar Wilde. ondulation = Palavra francesa; o mesmo que ondulação, i. é, permanente. Opistódomo = Espaço fechado na parte traseira dos templos gregos. Orient-Express = Famoso trem de passageiros que ia de Paris até Istambul.

Oscar Wilde = Autor e teatrólogo irlandês, autor de grandes comédias (1854-1900). Osiris = Deus egípcio do mundo inferior, juiz dos mortos, esposo e/ou irmão de Isis. Inicialmente foi um deus agrário, simbolizando o poder inesgotável da vegetação. Depois, identificado ao sol, na fase noturna, simbolizava a continuidade dos nascimentos e renascimentos. Osiris é a atividade vital universal, seja ela terrestre ou celeste. Sob a forma visível de um deus, ele desce ao mundo dos mortos para lhes permitir a regeneração e, mesmo, a ressurreição na glória osiriana, visto que toda morte justificada representa um germe de vida nas profundezas do cosmos, exatamente como um grão de trigo o é no seio da terra. Palas = Nome de Atena, a deusa da sabedoria, do conhecimento, na mitologia grega. Também chamada de Palas Atena. Pall-Mall = Rua de Londres, onde antigamente era jogado o Pall-Mall, um jogo com uma bola de madeira que era batida com um martelo, sendo o alvo um anel de ferro. A palavra é de origem italiana - palla (= bola); maglio (= martelo) Palm-Beach = Praia de Miami. Partenon = Templo dórico construído no século 5º AC na Acrópole (o centro fortificado) de Atenas, dedicado à deusa Palas-Atena. As esculturas do templo são atribuídas ao maior escultor grego: Fídias. "Penseur" de Rodin = "O pensador", escultura famosa de Auguste Rodin, escultor francês (1840-1917). Há cópias da estátua em Buenos Aires e em São Paulo. Pentesiléia = Nos comentários homéricos e em Virgílio, rainha das Amazonas. Pérgamo = Cidade da antiga Grécia, onde hoje se localiza a cidade de Bergama, na Turquia. Peri = Certo gênio benfazejo da mitologia persa. Philoe = Cidade presumivelmente egípcia, não encontrada no mapa. Picasso = Picasso, Pablo; o mais importante e notável pintor espanhol moderno (18811973). Pierre Nozière = Romance biográfico de Anatole France (1899). Poiret = Nome próprio, provavelmente de loja que vendia peles, i. é, uma peleteria. Policleto = Escultor da antiga Grécia, ativo entre 450-405 AC. Entre suas obras, o Doríforo e o Diadúmeno procuram definir a postura que melhor valorize o equilíbrio sutil e vigoroso do corpo masculino em repouso, mas pronto para a ação. Poltrona Mapple = Tipo de poltrona de famosa loja de móveis de Londres. Pomerânia = Cachorro de pequeno porte, com pelo longo e sedoso, orelhas pontudas e focinho achatado, cujo rabo faz uma curva sobre as costas.

potin = Palavra francesa: mexerico. pralinée = Palavra francesa: bombom recheado de amêndoas. Praxitéles = Praxitéles, ou Praxíteles, escultor grego da época helenística, do séc. III AC. pronáos = [Do grego pro, antes, e de naós, templo] O pórtico ou vestíbulo de um templo. O pronáos constituiu, de fato, o vestíbulo que seguia ao naós, no templo grego, em uma fase posterior. Pullman-car = Vagão "pullman". Leva o nome de George Pullman (1831-1897), inventor de um vagão de estrada de ferro com compartimentos privados que têm poltronas convertíveis em camas. Quinta Avenida = Avenida importante de Nova York, onde estão localizadas as lojas finas da cidade. Ramayana = Um dos dois grandes poemas épicos da Índia, escrito em sânscrito, algum tempo depois do Mahab-harata, ou seja, após o ano 200 AC. Ramesseum = Cidade presumivelmente egípcia, não encontrada no mapa. A construção do templo dos Ramseses II e III Ramsés = Nome de um faraó do antigo Egito. Rei dos chifres de ouro = Alcunha de Alexandre Magno, rei da Macedônia, vencedor da Batalha de Isso, contra o rei persa Dario I. Rodin = Escultor francês. V. . Sarghon = Rei assírio. satin Crésus = Palavras francesas: cetim Crésus, sendo Crésus a marca do cetim. shampooing = Palavra inglesa: lavagem dos cabelos com xampu. shimmy = Dança na moda na década de 20 deste século. Sinfonia Pastoral de Beethoven - Trovoada e Tempestade: Quarto movimento (allegro) da Sinfonia nº 6 de Ludwig van Beethoven, compositor alemão (1770-1827). Sonata de Kreutzer. Peça musical para piano solo de Ludwig van Beethoven. Sublime Porta = Nome dado ao governo turco no tempo dos sultões. Swift = Jonathan Swift, escritor satírico irlandês (1667-1745). Autor, entre muitas outras obras, das famosas "Viagens de Gulliver", publicado inicialmente de forma anônima em 1726. Nesta obra, os partidos políticos ingleses são retratados como os anões do reino de Liliputh, os cortesãos como patetas gigantescos, os cientistas afastados da realidade prática como senhores da ilha de Laputa e os homens em geral como seres semelhantes aos macacos, que vivem num reino ideal dominado pelos

cavalos. Swift é um dos mais peculiares e misteriosos caracteres da literatura inglesa, com um estilo soberbo e inigualado em sua capacidade satírica. T.S.F. = Abreviação das palavras francesas "Télégraphe sans fils": telégrafo sem fios. talhe = Feitio de um corpo; tronco. Neste contexto, porém, parece provir da palavra francesa tailleur, que significa conjunto de saia e casaco. Tebas = Antiga cidade egípcia, à beira do Nilo, perto da cidade de Lúxor. Existiu outra cidade com o mesmo nome na região da Beócia, na Grécia antiga. Tempestade = V. . Teoria de Einstein = Teoria da relatividade. thé-tango = Conjunto de palavras que reúne thé, palavra francesa para "chá" e tango, nome de dança argentina, em moda então. É a reunião da tradição (tomar chá às cinco da tarde) com a modernidade do tango. thyroréion - Thyreo é, em grego, uma ampla proteção, como uma porta. Deve ser a porta de entrada da casa. Tirouvicaray = No texto G. de Almeida fala nas e no . Não consta de atlas, nem enciclopédia. touriste = Palavra francesa: turista. trousse = Palavra francesa: estojo. Tupilek = Palavra explicada no próprio texto: "monstro imenso feito de pele de baleia, de ossadas gigantescas, de corações e cérebros de criaturas da terra e do mar, e que anda com pés inumeráveis, e vê com olhos múltiplos e devora com dentes infinitos...". Vitória de Samotrácia = Escultura de extraordinária beleza, exposta no museu do Louvre, em Paris, de autor desconhecido da escola de Rodes (aproximadamente 200 AC). Representa uma mulher com asas. Faltam-lhe, na escultura que nos chegou, a cabeça e os braços. voilà = Expressão francesa, freqüentemente usada como interjeição: literalmente significa eis aí wagon = Palavra inglesa: vagão. warlocks = Palavra inglesa: pessoa de quem se presume que tenha poderes sobrenaturais obtidos através de um pacto com os maus espíritos. No texto, Guilherme de Almeida identifica diretamente o pacto com o pactário e diz que são "feiticeiros maus". Werther = Personagem de romance homônimo do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832). Werther é um jovem estudante doentiamente sentimental que acaba se suicidando por causa do seu amor não correspondido pela esposa de um amigo. White = Teatro londrino.

Yama = Senhor da morte para os hindus. yankee = Ianque; norte-americano. zibelina = Animal semelhante à marta, de cor castanho escura, da qual se obtém uma pele extremamente valiosa para a confecção de casacos. Zut = Interjeição francesa de espanto.

Palavras relativas à arquitetura nos poemas

ático = Em arquitetura, um estilo de base de colunas utilizado pelos arquitetos jônicos e coríntios. átrios = Em geral, grande sala central de distribuição da circulação num edifício; nas casas romanas, nome dado ao segundo vestíbulo. cariátide = Em arquitetura, escultura de mulher totalmente vestida, que assume, na construção a função de uma coluna ou pilar. cornijas = Molduras sobrepostas que formam saliências na parte superior de uma parede, porta etc. frontispícios = Em arquitetura, fachada principal. jônico = Estilo da arquitetura grega clássica, caracterizado pela presença de volutas nos capitéis das colunas. mausoléu = Originalmente, túmulo esplendidamente decorado do rei Mausolo; por extensão, qualquer túmulo especialmente luxuoso, em geral para o sepultamento de uma só família. Nike Apteros = significa Vitória e àsignifica , em grego. É o nome usado para Atena quando se falava dela ou fazia orações para ela a fim de conseguir vitórias. Há também o templo de Nike Apteros em Atenas. prostilo = (Lat. prostylus; Gr. prostylos; pro, antes e stylos, pilar). Arquitetura: pórtico cujas colunas se estendem em uma linha apenas na fachada, em número de 4, em geral, como nos templos gregos. Teseu = Figura lendária. O principal herói grego, filho de Egeu e rei de Atenas. Famoso por seus feitos, sobretudo por matar o Minotauro, monstro lendário com corpo humano e cabeça de touro que foi confinado por Minos em uma caverna labiríntica construída por Dédalo, em Creta, o qual Minotauro era anualmente alimentado com 7 rapazes e 7 moças. tetrastilo = Edifício com 4 colunas na fachada. Zeus = Nome grego de Júpiter, supremo deus de gregos e romanos, filho de Saturno.

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