NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

July 6, 2017 | Autor: Edilton Meireles | Categoria: Direito Processual Civil, Ação monitória
Share Embed


Descrição do Produto

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA Revista de Processo | vol. 95 | p. 227 | Jul / 1999 DTR\1999\321 Edilton Meireles Área do Direito: Geral Sumário: 1.Introdução - 2.Atos do juiz - 3.Natureza da ação monitória - 4.Natureza do provimento inicial 5.Conclusão 1. Introdução A doutrina se mostra dividida em relação à natureza jurídica da ação monitória, como, de regra, ocorre relativamente a qualquer instituto jurídico. Procurando contribuir para essa discussão, de suma importância para se definir o destino dessa novel ação, tecemos as considerações a seguir. 2. Atos do juiz Antes, inicialmente, de se definir qual a natureza da ação monitória, cabe relembrar a natureza dos atos do juiz. O juiz, no exercício de suas atribuições públicas, exerce, no geral, função judicante quando julga; administrativa, quando chefia seu cartório e impõe sua autoridade hierárquica; e legislativa, quando, por exemplo, expede uma ordem de serviço, uma portaria etc. A função legislativa é exercida sempre fora do processo, salvo na hipótese em que o Tribunal do Trabalho profere sentença normativa. Essa função legislativa está vinculada às suas atribuições enquanto agente público no exercício de seu poder hierárquico, disciplinar e administrativo. Expede a norma, em regra, para regulamentar alguma função administrativa. Já a função administrativa tanto pode ser exercida no processo como fora dele. Fora do processo, exerce essa função quando orienta seus subordinados no cumprimento de uma tarefa burocrática, quando aplica penalidade ao serventuário etc. Já no processo, exerce essa atribuição quando, por exemplo, determina a prisão do depositário judicial (pois, enquanto auxiliar, é subordinado ao juiz) ou quando determina a realização de alguma diligência como, v.g., a condução coercitiva da testemunha. 1 A função judicante é sempre exercida pelo juiz no processo judicial. Fora dele, não há possibilidade de se exercer esse poder estatal típico, já que depende, para tanto, inclusive, em regra, de requerimento da parte interessada (arts. 1.º e 2.º do CPC (LGL\1973\5)). Os atos do juiz no processo, por sua vez, no exercício de sua função judicante, podem se constituir em sentenças, decisões interlocutórias e despachos de mero expediente (art. 162, CPC (LGL\1973\5)). Sentença, quando põe termo ao processo; decisão interlocutória, quando decide questão incidental; e despacho de mero expediente ou ordinatório, os demais atos praticados no processo, de ofício ou a requerimento da parte. Da conjugação das atribuições acima mencionadas, pode-se concluir que nem toda decisão proferida pelo juiz no processo tem natureza somente jurisdicional. Em diversas situações, o juiz agirá não só no exercício de sua autoridade jurisdicional, como, ainda, estará exercendo seu poder administrativo. Página 1

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

Exemplo bastante significativo temos quando o juiz fixa os honorários de seus auxiliares (perito, intérprete ou tradutor). Assim, a decisão acerca da prova pericial - sempre proferida no processo - assume a natureza de interlocutória para as partes litigantes ao deferir a produção dessa prova técnica, arbitrar a remuneração desse auxiliar e impor seu pagamento por uma das partes. Será, no entanto, apenas uma decisão do juiz, mas de natureza administrativa, em relação ao perito. E, aqui, surge importante distinção. Fosse tão-somente uma decisão judicial típica, impondo a alguém a obrigação de satisfazer direito de outrem, esse provimento se constituiria título executivo judicial (art. 584, CPC (LGL\1973\5)). Contudo, assim não o é. Esse pronunciamento do juiz se constitui, em verdade, para as partes litigantes, mero despacho interlocutório, enquanto na relação estabelecida entre o perito e seu devedor, uma decisão administrativa. Neste último caso, o juiz, no uso de atribuição atípica, tem o condão de fixar, arbitrar os honorários do perito, certificando seu direito. Tal decisão administrativa, porém, em face da própria carga de certeza e liquidez que traz consigo, constitui, através de sua respectiva certidão, título executivo extrajudicial, tal como previsto no art. 585, V, do CPC (LGL\1973\5). Observa-se, inclusive, que apesar da lei falar em "honorários aprovados por decisão judicial" (art. 585, V, do CPC (LGL\1973\5), in fine), esta última expressão ("decisão judicial") não é citada como sinônimo de provimento jurisdicional, mas sim como decisão do juiz (daí porque judicial). E nem todas as decisões do juiz, em sentido amplo, são jurisdicionais, conforme ressaltado acima. Daí, então, podemos concluir, nesta primeira parte, que o juiz, ao deliberar no processo, em diversas situações, age no exercício de sua função judicante em paralelo às suas atribuições administrativas. Concomitantemente, no mesmo momento, funciona no exercício dessas duas funções. 3. Natureza da ação monitória Partindo-se, entretanto, do pressuposto de que o juiz, ao decidir no processo, sempre exerce sua função meramente jurisdicional, considerando, ainda, que para a ação ser de execução necessita de título executivo, seja extrajudicial ou judicial, os doutrinadores, em sua maioria, inclinam-se por defender a natureza cognitiva da ação monitória. Como se sabe, no processo de conhecimento, o juiz "tem necessariamente dois objetos diferentes: a verificação dos fatos e a aplicação do direito", 2enquanto a ação de execução visa "a produzir coativamente um resultado prático equivalente ao que outra pessoa deveria ter produzido em cumprimento a uma obrigação jurídica. É, pois, o meio de reação da ordem jurídica contra uma forma especial de ilícito, consistente na transgressão de uma regra jurídica concreta de que emerge a obrigação de determinado comportamento de uma pessoa em favor de outra". 3 Em suma, no processo de execução, realizam-se as operações práticas necessárias para efetivar o conteúdo da regra jurídica violada pelo obrigado, daí porque conhecida como execução forçada, onde o Estado-Juiz supre a recalcitrância do devedor, expropriando seu patrimônio ou lhe substituindo na sua vontade. "Embora tanto num como noutro a parte exerça perante o Estado o direito subjetivo público de ação, a grande diferença entre os dois processos reside no fato de tender o processo de cognição à pesquisa do direito dos litigantes, ao passo que o processo de execução parte justamente da certeza do direito do credor, atestado pelo chamado 'título executivo'." 4 "No processo de conhecimento, o juiz julga (decide). No processo de execução, o juiz executa (realiza). Em outras palavras: o processo de conhecimento é processo de sentença, enquanto o processo executivo é processo de coação". 5 Bastante esclarecedoras são, ainda, as lições do mestre mineiro Theodoro Júnior: "A declaração de certeza é pressuposto que antecede ao exercício da ação de execução. Daí a afirmação dos processualistas de que o processo de execução não é contraditório. Deve-se, no entanto, evitar a conclusão de que ocorre um total desequilíbrio entre as partes, pois não é verdade que o Estado seja Página 2

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

inteiramente parcial a favor do credor na execução. O certo é que o processo de execução não é predisposto para a discussão do mérito, ele se contenta com o título executório". "É verdade que ao devedor é lícito resistir à pretensão executiva do credor. Mas, para tanto, terá que se valer dos embargos do executado, onde, fora da execução, se instalará o contraditório. Assim, mesmo quando o devedor procura impugnar a pretensão do credor e cria um contraditório em torno dela, a discussão se passa no processo dos embargos, e não no de execução, em face do qual o primeiro é um processo incidente. Desconhece-se, no típico processo executivo, a figura da contestação". 6 Podemos, assim, distinguir a ação de conhecimento da ação executória pela providência judicial que se requer. Naquela primeira, pede-se uma declaração, condenação ou sentença constitutiva de direito, enquanto na ação executiva se pede apenas a realização de atos práticos para a satisfação da obrigação já acertada no processo de conhecimento ou fixada através de título executivo extrajudicial. Pois bem. A partir dessas conclusões, a maioria dos processualistas brasileiros entende que, inexistindo o título executivo e considerando que o juiz certifica, de maneira sumária, a existência do crédito apenas no despacho inicial da ação monitória, esta espécie de medida judicial não tem natureza de ação de execução. 4. Natureza do provimento inicial Contudo, a partir dos atos procedimentais da ação monitória, verificaremos que ela se aproxima muito mais da ação de execução, do que propriamente da ação cognitiva. Por outro lado, custa-me a crer que o legislador, ao adotar medidas de agilização da Justiça, procurando sua efetividade, tenha criado mais uma ação cognitiva, sem a instrumentalidade inerente à ação de execução. Cumpre-nos, assim, procurar interpretar, de modo sistemático, as normas que disciplinam a ação monitória de modo a dar-lhe efetividade. Assim é que, da decisão inicial proferida pelo juiz na ação monitória, devemos distinguir o que seja decorrente do exercício da função judicante, do que é fruto de mera função administrativa. Por excelência, o título executivo é a sentença condenatória proferida em processo cognitivo, onde o juiz, com respeito ao contraditório e à ampla defesa, procede no acertamento do direito. Certeza maior, em tese, não há quanto ao direito pretendido, assim como sua liquidez (após procedida a liquidação, se necessária). Por política legislativa, entretanto, o legislador dotou de mesma eficácia seus equivalentes jurisdicionais, ou seja, a sentença homologatória de transação e de conciliação e a sentença estrangeira, além do formal e certidão de partilha, a sentença penal condenatória e a sentença arbitral (art. 584, CPC (LGL\1973\5)). Da mesma forma, por conveniência política, o legislador também optou por dotar diversos documentos, públicos ou privados, de eficácia executiva. São os chamados títulos executivos extrajudiciais. Em suma, neste caso, o legislador, a partir da existência de alguns documentos que, por suas próprias naturezas e formalidades, em seus conteúdos, trazem consigo a certeza e a liquidez de uma obrigação, assegurou o direito do credor ingressar diretamente com a ação executiva, dispensando-se o prévio processo cognitivo para acertamento do direito já patente nestes títulos extrajudiciais. Mas, inexistindo uma regra própria a definir esses documentos como títulos executivos extrajudiciais, considerando fatores de ordem política, o legislador preferiu dotar de eficácia executiva apenas os documentos por ele previamente apontados. A legislação, assim, taxativamente, enumera quais são esses títulos executivos extrajudiciais. Contudo, devemos lembrar que, ao contrário do direito italiano, o sistema processual brasileiro Página 3

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

admite a formação de título executivo através de decisão judicial sem caráter jurisdicional (a exemplo: art. 585, V, do CPC (LGL\1973\5)). E essa peculiaridade do ordenamento processual brasileiro deve ser considerada na interpretação das normas procedimentais. Existem, por outro lado, inúmeras hipóteses em que, apesar da lei não dotar o documento com caráter de título executivo extrajudicial, eles, por si sós, já transmitem certa dose de certeza quanto à obrigação e liquidez da dívida. Em algumas hipóteses teriam até igual certeza e liquidez, enquanto, em outras, apenas uma aparência ou probabilidade. Exemplo desse documento é o assinado pelo devedor e por apenas uma testemunha. Simplesmente por ser assinado por apenas uma testemunha não tem caráter de título executivo. Neste caso, ao credor restava a única opção de propor a ação de cognição para obter o título executivo. Mas aqui surge a ação monitória. Assim é que, tal como o documento particular levado a registro público, se transforma em título executivo extrajudicial, desde que seu termo notorial seja assinado pelo devedor, a prova escrita, submetida à apreciação pelo juiz, também pode se converter em título executivo. Assumiria essa característica a partir da análise feita pelo juiz da prova escrita produzida pelo credor (ou pretenso), dando-lhe força injuntiva ou executiva. Aqui cabe, então, distinguir a atividade do juiz. Entendemos que ele exerce, no momento em que a prova escrita e a inicial da ação monitória é submetida à sua apreciação, duas funções distintas: uma meramente administrativa; outra, judicial. Ao aceitar a prova escrita como instrumento suficiente à expedição do mandado de pagamento ou de entrega de coisa móvel, o juiz estaria exercendo mera função administrativa equiparada à do escrivão do cartório de registro de títulos e documentos ou do agente fiscal que procede na inscrição da dívida ativa da Fazenda Pública, dotando o documento da certeza indispensável à execução forçada. Já ao ordenar a expedição do mandado, estaria exercendo sua função típica, de jurisdição, determinando a citação do devedor. Dois momentos distintos. No primeiro, o juiz aprecia a documentação verificando se a mesma pode ser equiparada a outro título executivo. Se, a seu juízo, da prova escrita emana a certeza da obrigação, sendo esta líquida e exigível, apreciará, em segundo momento, o pedido de sua execução. Observe-se que as atribuições, neste caso, do juiz, se assemelham às do notário e do agente fiscal quando aquele registra o documento particular assinado pelo devedor - desde que não assinado por duas testemunhas - ou este inscreve a dívida tributária. As obrigações respectivas emanadas no documento particular levado a registro ou dos assentamentos fazendários não teriam força executiva por si sós. Transformam-se em título executivo quando são levados a registro público (no cartório ou na repartição fazendária), sendo aquele primeiro assinado pelo devedor. O notário, então, da certeza à obrigação, dotando de força executiva o título registrado publicamente, assim como o faz o agente fiscal quando exerce essa atribuição ao extrair a certidão da dívida ativa. Situações semelhantes, e que podem ser lembradas ainda, tratam-se das obrigações acertadas por decisões dos conselhos dos contribuintes (ou fazendária) ou pelos tribunais de contas. Em ambas as situações são órgãos administrativos que certificam o direito, gerando títulos executivos, seja a certidão da dívida ativa, seja o acórdão do julgamento dos tribunais de conta (art. 1.º da Lei 6.822/1980). E o mesmo ocorre no procedimento monitório quando o juiz acolhe a pretensão inicial. E isso é possível? Lógico que é, basta o legislador querer, como quis. Da mesma forma que ele pode, de logo, dotar determinados documentos de eficácia executiva, pode deferir a tarefa de decidir se outros documentos podem assumir essa característica. Dada, entretanto, a importância e conseqüências desse provimento, preferiu atribuir ao juiz essa tarefa, assim como o fez para celebração do casamento. Qualquer tabelionatário poderia celebrar o casamento, fazendo seu registro. Mas o legislador quis atribuir ao juiz essa tarefa, dada a sua natureza e importância. Dotado, por deliberação do juiz, de eficácia executiva, a prova escrita apresentada peloPágina autor, 4

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

transformada em título executivo judicial por equiparação, poderá, então, ser objeto de execução. Assim, antes de se iniciar a execução (ou a injunção) desse crédito provado por escrito, é necessária uma deliberação do juiz quanto à executoriedade da obrigação. A tarefa do juiz, portanto, inicialmente, será de dar ao título apresentado (prova escrita) a certeza necessária à sua execução, dotando-o de eficácia executiva. O título monitório, representado na prova escrita fornecida pelo autor, não assumiria caráter executivo por força de lei ( ope legis), como ocorre com aqueles elencados no art. 585 do CPC (LGL\1973\5), mas, sim, ope iudicis, isto é, por força de deliberação do juiz. E essa conclusão, aliás, não é nenhuma novidade no ordenamento jurídico brasileiro. Basta lembrar, para tanto, como citado acima, que os créditos do intérprete, perito ou tradutor, quando aprovados por decisão judicial, constituem-se em títulos executivos extrajudiciais (art. 585, V, do CPC (LGL\1973\5)). A ele foi reservado a atribuição, administrativa, de fixar os honorários desses auxiliares judiciais. A decisão é definida como judicial, tão-somente, por decorrer de ato do juiz e não do uso do poder de jurisdição por parte deste. E tanto isso é verdade que essa decisão (imprópria) não se constitui em título executivo judicial (art. 584, CPC (LGL\1973\5)), mas, sim, título executivo extrajudicial (art. 585, V, CPC (LGL\1973\5)). O juiz, então, no Brasil, nesta hipótese, agiria tal como o agente fiscal que registra o débito tributário na dívida ativa ou o notário que anota o documento particular, cujo termo vem a ser assinado pelo devedor. Ele, tão-somente, no uso de atribuição administrativa reservada por lei, arbitra e acerta o crédito do intérprete, do perito ou do tradutor. Acerta, por "decisão judicial", o crédito do perito, do intérprete ou do tradutor, sem que, entretanto, esteja no uso de seu poder jurisdicional. O mesmo ocorre, pois, na ação monitória. O juiz acerta a obrigação no exercício de uma função administrativa. E aqui cabe uma distinção entre nosso ordenamento jurídico e o italiano, que serviu de inspiração para a criação do procedimento monitório no Brasil. No direito peninsular, os credores desses honorários (perito e pessoas auxiliares) não dispõem de título executivo, como é corrente no Brasil. A estes está assegurada a ação monitória, "a vista das notas apresentadas por esses interessados". 7 E esse detalhe é importante para a definição da natureza da ação monitória e do ato do juiz que acerta a obrigação a partir da prova escrita perante nosso Direito, pois por ele se tem que o magistrado, no seu atuar, no Brasil, também exerce poder de certificar sem exercer jurisdição, fato este inocorrente, nessas hipóteses, no direito italiano. Assim, ao lado dos títulos executivos já conhecidos e enumerados no art. 584 do CPC (LGL\1973\5), e dos títulos extrajudiciais definidos no art. 585 do mesmo Codex, e em diversas outras leis esparsas, agora temos os títulos executivos monitórios, formados a partir da "prova escrita" referida no art. 1.102a do CPC (LGL\1973\5). E por que não? Se os próprios títulos extrajudiciais são considerados executivos por força de lei, porque não acrescentar a este rol os títulos executivos monitórios, condicionados, entretanto, a uma declaração do juiz? O legislador, para simplificar, poderia, muito bem, ter afirmado que é titulo executivo, equiparado ao judicial, a prova escrita apresentada pelo credor, desde que desta se extraia a certeza, liquidez e exigibilidade da obrigação, para daí assegurar sua execução imediata, tal como já previsto no CPC (LGL\1973\5). Preferiu, no entanto, por conveniência política, condicionar a conversão da prova escrita em título executivo a uma deliberação do juiz, no que agiu com cautela. Poderia, também, ter atribuído essa tarefa (de certificação da obrigação) a um notário, tabelionatário, ao escrivão etc. Optou, entretanto, pelo magistrado, não só para simplificar o procedimento, como pela importância desse ato de certificação, em face da amplitude das hipóteses em que a prova escrita pode se converter em título executivo. E nisso nada há de absurdo, aberrante ou teratológico. Página 5

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

Aliás, dos textos dos arts. 1.102a e 1.102b, do CPC (LGL\1973\5), devemos destacar a implícita ênfase posta ao que podemos considerar como "critério do juiz". Ao aceitar a prova escrita produzida pelo autor como suficiente à comprovação da obrigação (certeza) de pagar dinheiro ou entregar coisa fungível ou outro bem móvel, o juiz completaria a fattispecie necessária para se considerar o documento apresentado como título executivo. O pré-título, então, configurado na prova escrita, após deliberação do juiz, assumiria caráter de título executivo, inicialmente extrajudicial, convertendo-se em judicial, por força de lei, se revel o devedor ou rejeitados seus embargos. Na Alemanha, aliás, a competência para expedir o mandado injuntivo é do Rechtspfleger, "espécie de prático judicial, que atua nos juízos, despachando, em nome próprio, os casos até a colocação em pontos de decisão jurisdicional", 8o que bem demonstra que a certificação da obrigação, antes de judicial, é extrajurisdicional, mesmo em outros ordenamentos jurídicos. 9 Idêntico procedimento, aliás, foi adotado pelo legislador português, conforme Decreto-Lei 404, de 10.12.1993, onde o secretário judicial é quem tem a atribuição de expedir o mandado injuntivo. 10O acertamento, pois, nestes países, é ato não jurisdicional. 5. Conclusão Em síntese, temos, então, que a decisão do juiz ao despachar a ação monitória divide-se em duas etapas. Na primeira, dota ou não a prova escrita de eficácia executiva, por decisão de natureza administrativa; em seguida, a partir de sua primeira deliberação, o juiz decide jurisdicionalmente, seja ordenando o mandado monitório, deferindo, assim, a inicial, seja indeferindo a exordial, por não estarem presentes os requisitos necessários ao desenvolvimento válido da ação monitória. A natureza, no entanto, dessa segunda decisão - tipicamente jurisdicional - advirá do pronunciamento do juiz. Se indeferir a inicial, seu ato terá natureza sentencial, pois põe termo ao processo (art. 162, § 1.º, CPC (LGL\1973\5)). Se, ao invés, deferir a inicial, será mera decisão interlocutória (art. 162, § 2.º, CPC (LGL\1973\5)). Terá, por fim, essa mesma natureza a decisão que acolher parcialmente a inicial, ou seja, ordena a expedição do mandado de apenas parte da pretensão do requerente, já que ela não põe termo ao processo. Por via de conseqüência, diante dessas conclusões, é inexorável concluir que a ação monitória tem natureza de ação executiva.

(1) A decisão que defere a produção da prova testemunhal, determinando a condução coercitiva, é judicial em si, mas a ordem para que o oficial de justiça proceda nessa diligência é administrativa, de superior para inferior hierárquico, tanto que não se tipifica o crime de desobediência à ordem legal (art. 330, CP (LGL\1940\2)), que somente pode ser praticado por particular. Quando muito, a desobediência do oficial de justiça poderá tipificar o crime de prevaricação (STF, RT 567/397). (2) LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de direito processual civil. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1985, p. 165. (3) Ibidem, p. 204. (4) THEODORO JR., Humberto. Processo de execução. 14. ed. São Paulo : Leud, 1990, p. 11. (5) Ibidem, p. 11-12. (6) Ibidem, p. 12.

Página 6

NATUREZA DA AÇÃO MONITÓRIA

(7) CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 1969, v. 1, p. 264. (8) BENETI, Sidnei Agostinho. Ação monitória na reforma processual. In: Da ação monitória e da tutela jurisdicional antecipada. Salvador, Antonio Raphael Silva. São Paulo : Malheiros, 1996, p. 43. (9) Cf. CRUZ E TUCCI, José Rogério. In: Ação monitória. 2.ª tir. São Paulo : RT, 1996, p. 36. (10) Cf. LEITÃO, Helder Martins. Da injunção. 2. ed. Porto, Portugal : Elcla, 1994.

Página 7

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.