Necropolítica e Exceção no Mexico e America Central

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Inácio Neutzling Maura Corcini Lopes Alfredo José da Veiga-Neto (Organizadores)

Casa Leiria São Leopoldo – RS 2016

V COLÓQUIO LATINO-AMERICANO DE BIOPOLÍTICA III COLÓQUIO INTERNACIONAL DE BIOPOLÍTICA E EDUCAÇÃO XVII SIMPÓSIO INTERNACIONAL IHU SABERES E PRÁTICAS NA CONSTITUIÇÃO DOS SUJEITOS NA CONTEMPORANEIDADE Diagramação: Casa Leiria.

Os textos e ilustrações são de responsabilidade de seus autores. Qualquer parte desta publicação pode ser reproduzida, desde que citada a fonte.

Colóquio Latino-Americano de Biopolítica (5.: 2015: São Leopoldo, RS); Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação (3.: 2015: São Leopoldo, RS); Simpósio Internacional IHU (17.: 2015: São Leopoldo, RS) Anais [recurso eletrônico] do 5º Colóquio Latino-Americano de Biopolítica, 3º Colóquio Internacional de Biopolítica e Educação e 17º Simpósio Internacional IHU / Organização de Inácio Neutzling, Maura Corcini Lopes, Alfredo José da Veiga-Neto; Instituto Humanitas Unisinos, Programa de Pós-Graduação em Educação Unisinos, Programa de Pós-Graduação em Filosofia Unisinos, Programa de PósGraduação em Saúde Coletiva Unisinos; Programa de Pós-Graduação em Educação UFRGS – São Leopoldo: Casa Leiria, 2016. ISBN 978-85-61598-93-8 Evento realizado na UNISINOS, em São Leopoldo/RS, de 21 a 23 de setembro de 2015. Tema: Saberes e práticas na constituição dos sujeitos na contemporaneidade. 1. Biopolítica – América Latina. 2. Educação – Biopolítica – Contemporaneidade. 3. Biopolítica – Vida humana. 4. Educação – Práticas pedagógicas contemporâneas. I. Neutzling, Inácio (Org.). II. Lopes, Maura Corcini (Org.). III. Veiga-Neto, Alfredo José da (Org.). IV. Universidade do Vale do Rio dos Sinos. V. Universidade Federal do Rio Grande do Sul. VI. Título. CDU 371.13

Catalogação na publicação Bibliotecária: Carla Inês Costa dos Santos – CRB: 10/973

SUMÁRIO

Comissão organizadora ................................................................................ 8 Comissão técnico-científica ........................................................................ 9 Apresentação .................................................................................................. 12

Programação .................................................................................................. 14 Eixo 1 – Molecularização e otimização da vida .................................. 19 Eixo 2 – Bioeconomia e Gestão Biopolítica da vida humana ..... 95 Eixo 3 – Biodireito: processos de normalização e exceção da vida humana ......................................................................... 275 Eixo 4 – Educação, normalização e Biopolítica: práticas de subjetivação e sujeição contemporâneas ....................... 527 Eixo 5 – Raça/etnia: processos de gestão, normalização e dispositivos de segurança biopolíticos ......................... 1555 Eixo 6 – Gênero e sexualidade: práticas de subjetivação e (des)Governo Biopolítico ................................................ 1665 Eixo 7 – Governamentalidade e poder pastoral em Michel Foucault: aproximações à experiência colonial latino-americana .................................................. 1829 –7–

Saberes e Práticas na Constituição dos Sujeitos na Contemporaneidade

Objetivos .......................................................................................................... 13

EIXO 3 BIODIREITO: PROCESSOS DE NORMALIZAÇÃO E EXCEÇÃO DA VIDA HUMANA

SUMÁRIO A BIOÉTICA E O DIREITO VISTOS PELOS “OLHOS” DA CULTURA POPULAR TELEVISIVA: É POSSÍVEL PERCEBER A VULNERABILIDADE NO ÂMBITO DAS PESQUISAS COM SERES HUMANOS ATRAVÉS DA FICÇÃO? ........................................................................................................... 279 A DIGNIDADE HUMANA COMO PRINCÍPIO CONSTRUTOR DA BIOÉTICA (VALOR) E DO BIODIREITO (NORMA) NAS PESQUISAS BIOMÉDICAS COM SERES HUMANOS ................... 289 A IDENTIDADE DOS PROBLEMAS BIOÉTICOS NAS PESQUISAS BIOMÉDICAS COM SERES HUMANOS NA AMÉRICA LATINA E A ATUAÇÃO DOS COMITÊS DE ÉTICA NO ÂMBITO LATINO-AMERICANO ................................................................................................................................... 301 A LÓGICA DA (IN) SEGURANÇA E DA (IN) JUSTIÇA NAS POLÍTICAS PÚBLICAS: ENTRE PROTEÇÃO, NORMALIZAÇÃO E CONFLITO ......................................................................................... 313 A PRODUÇÃO DISCURSIVA COMO INSTRUMENTO DO BIOPODER: UMA LEITURA A PARTIR DO DISCURSO DE PROTEÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS NO IMPÉRIO ................................... 319 BIOPODER E BIOPOLÍTCA NA ERA DO IMPÉRIO: TRABALHO, MULTIDÃO E CORPOS SEM ÓRGÃO (CsO) .................................................................................................................................................... 329 BIOPOLÍTICA, ACIDENTE DE TRABALHO E DEGENERAÇÃO ....................................................... 341 BIOPOLÍTICA E A CONSTITUÇÃO DO SUJEITO SECURITIZADO .................................................. 351 BIOPOLÍTICA E EXCEÇÃO: A VIDA NUA NO SISTEMA PRISIONAL ............................................. 361 CONTRATO E COERÇÃO: DA GÊNESE DO DIREITO EM NIETZSCHE ......................................... 373 CORPO, VIDA E BIOPOLÍTICA: ENTRELAÇANDO PRÁTICAS DE GOVERNO E DISCURSOS SOBRE ATENÇÃO A GESTANTES QUE FAZEM USO DE CRACK .................................................... 383 DO HOMO SACER À CRISE DOS DIREITOS HUMANOS: PERSPECTIVAS AGAMBENIANAS SOBRE A BIOPOLÍTICA ................................................................................................................................. 391 ENTRE A GOVERNAMENTALIDADE E A BIOPOLÍTICA: A CONTRACONDUTA NA OBRA DE MICHEL FOUCAULT ....................................................................................................................................... 405 FORMAS JURÍDICAS, ENUNCIADOS DE VERDADE E REPRESSÃO: O DIREITO NO ENCALÇO DA BIOPOLÍTICA ............................................................................................................................................. 417 NANOMEDICINA E NANOCOSMÉTICOS COMO ALTERNATIVAS PARA MELHORAR(?) A VIDA HUMANA ............................................................................................................................................................ 425 NECROPOLÍTICA E EXCEÇÃO NO MÉXICO E AMÉRICA CENTRAL ............................................. 437 O CORPO ABORTADO DE SI: BIOPOLÍTICA DO FEMININO ........................................................... 445 O DIREITO À MEMÓRIA COMO ELEMENTO FORTALECEDOR DOS DIREITOS HUMANOS: AS NARRATIVAS TESTEMUNHAIS COMO MANIFESTAÇÕES DA ALTERIDADE .......................... 451 O ESTIGMA E O PLANO INDIVIDUAL DE ACOMPANHAMENTO DE JOVENS EM MEDIDA SOCIOEDUCATIVA .......................................................................................................................................... 463 O IMPACTO SOBRE A BIODIVERSIDADE NO CÁLCULO DA COMPENSAÇÃO AMBIENTAL: O VALOR DO CONHECIMENTO TRADICIONAL COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL ......................................................................................................................................... 475 O PROBLEMA DO APÁTRIDA NA CONTEMPORANEIDADE – UMA LEITURA DA CRÍTICA DE HANNAH ARENDT AOS DIREITOS HUMANOS.................................................................................... 483

PANÓPTICO DIGITAL E CIBERPODER: O PODER E O DIREITO NA SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO .................................................................................................................................................. 493 PARA UMA GENEALOGIA DO CAPITALISMO COGNITIVO: FOUCAULT E NEGRI ACERCA DE BIOPOLÍTICA, DIREITOS DA PROPRIEDADE IMATERIAL E CIBER-RESISTÊNCIA .............. 503 ¿PUEDE EL DERECHO SER UN LIMITE EFECTIVO AL USO DE LA FUERZA POLICIAL PARA EL “CONTROL DE MULTITUDES”? UN PRIMER ACERCAMIENTO AL PROBLEMA. ............. 515

Antonio Fuentes Díaz Universidad Autónoma de Puebla, México RESUMO: O artigo faz uma leitura sobre a proliferação da violência no México e na América Central. A discussão tem como eixos as noções de vida nua e biopolítica, discutindo a pertinência desta última para analisar o exercício do poder, a governabilidade e os sistemas políticos na região. Considera-se que a violência mostra a mudança da forma da governabilidade sustentada no modelo de subjetivação disciplinar do trabalho (Fordismo), até a gerência do risco próprio das sociedades de controle (neoliberalismo). A atrocidade sobre o corpo pode ser lida como um esvaziamento político da vida. PALAVRAS-CHAVE: biopolítica, violência, subjetividade, exceção, necropolitica ABSTRACT: The present article does a reading on the proliferation of the violence in Mexico and Central America. The discussion will take as an axis the notions of nude life and biopolitics, discussing the relevancy of the latter to analyze the exercise of the power, the governance and the political systems in the region. It argues that the violence shows the mutation of the forms of the governance cultivated in a model of subjectivity disciplinary of the work (fordism), to the management of risks inherent in the societies of control (neoliberalism). The atrocity on the body can be read as a political emptiness of life. KEYWORDS: biopolitics, violence, subjectivity, exception, necropolitics

NOVAS VIOLÊNCIAS No México e na América Central, às antigas formas da violência tais como a desaparecimento, a guerrilha e o paramilitarismo, adicionam-se agora novas formas como a violência coletiva, os matadores de aluguel, a violência das maras (gangues) e a violência do narcotráfico. Todas elas usando a vexação corporal e atrocidade de maneira comum, muito naturalizada. Essas violências apresentam um modo difuso e ubíquo. Das atrocidades produzidas pelos métodos da contrainsurgencia nos períodos da guerra civil, em El Salvador e na Guatemala, hoje pode-se ver violações aos direitos humanos e vexações corporais mais difusas e em cenários aparentemente menos politizados. A violência assim banalizada, induz a pensar nas transformações na subjetividade e nas formas do exercício de mediação política das relações sociais em períodos anteriores. Para desenvolver essa perspectiva, faço referência a três fenômenos presentes na região (México e América Central): o narcotráfico, a violência coletiva e as gangues (Maras). No México, no começo do ano de 2006, com a chegada de Felipe Calderón ao governo da República, se implementou a chamada “guerra contra o narcotráfico”, fato que deixou cerca de 28 mil pessoas assassinadas até o dia de hoje (Nájar, 2010). Várias respostas entre os grupos do narcotráfico, tanto pelo embate do governo como em sua competência interna pelos mercados de drogas, tem tido o selo da atrocidade: corpos mutilados em praças e ruas, cadáveres pendurados nas pontes, cabeças decepadas colocadas defronte de edifícios públicos que pertencem às instituições de segurança. No entanto, a emergência destas práticas atrozes e sua espetacularidade, superam o contexto do combate ao narcotráfico, e encontram –se difundidas em outros âmbitos e com outros atores. Tal o caso dos linchamentos ou ações coletivas da violência punitiva. Por exemplo, no México desde os anos 80 do século XX até o ano de 2007, tem-se registrado cerca de 500 linchamentos (Fuentes Díaz, 2008); na Guatemala, de acordo com a MINUGUA (2004), entre 1996 e 2000, ocorreram 450 linchamentos (somente em 6 anos, o que representa uma alta incidência do fenômeno). Em ambos países os linchamentos tem se transformado em um procedimento normal como forma de resolução de conflitos. São

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altamente ritualizados e com variadas vexações corporais na sua comissão: espancamento, lacerações, apedrejamento e cremações entre as mais comuns. Da mesma forma, a violência exercida pelos grupos de jovens conhecidos como Maras (gangues), tem assolado El Salvador, Guatemala e o sul do México. Conhecidos por seu alto nível de violência- o ingresso ao grupo das Maras exige um assassinato-, as Maras tem estabelecido controles paralelos em importantes zonas em El Salvador e na Guatemala; são muitos os casos de extorsão a comércios ou casas exercidos por esses grupos, sob sentença de morte nos casos de não “cooperar” com eles. Nos últimos anos eles tem estabelecido vínculos com o trafico de substâncias ilegais e com o tráfico ilegal de pessoas aos Estados Unidos, o que tem incrementado sua violência (Pérez, 2006). Em San Salvador, em junho de 2010, integrantes de uma Mara incendiaram um ônibus com passageiros dos quais 11 faleceram (Iraheta, 2010). Sustento que esses fatos revelam um novo tipo de subjetividade, que é produto de uma mediação diferente das relações sociais, subjetividade esta que não é expressa como crise, senão como forma habitual e funcional das relações sociais no contexto da exceção política e da governabilidade do risco. Com o desenvolvimento deste projeto, se poderá ver que ou modelo de biopolitica não é suficiente para capturar totalmente esta subjetividade.

PUNIÇÃO, ESPETACULARIDADE E MEDIAÇÃO Um aspecto que se destaca neste novo tipo de violência - linchamentos, execuções por parte dos grupos de narcotráfico, execuções dos Maras-, é a reaparição das vexações corporais como espetáculo. Onde reside a necessidade de punir publicamente, ou de exibir restos humanos nas ruas e praças? De acordo com Foucault (1993), a mudança do castigo desde o suplício à benignidade disciplinar, foi parte importante da extensão do Estado e da construção da hegemonia burguesa na Europa moderna. A desaparição do sofrimento como espetáculo, mesmo como assepsia no espaço público, foram processos vinculados a essa conformação estatal, isto significou, a construção de uma moralidade que vinculava uma mediação nos termos da disciplina na constituição das novas subjetividades. Nesta constituição se acharam elementos como a individualidade e a cidadania, sob as quais se constituiu a mediação do Estado burguês. Durante esse processo o castigo foi conduzido dentro do sistema da justiça penal, o que levou à percepção de uma pacificação da vida cotidiana e, consequentemente, a sua transformação em uma consciência abstrata a partir da interiorização do código legal. Esta interiorização teve correlação com o estabelecimento de formas de sensibilidade acopladas com esse processo de constituição estatal (Spierembur, 1984). Contudo, a preservação e emergência das vexações corporais nos linchamentos, nos assassinatos dos Maras e nas execuções causadas pelos grupos do narcotráfico no México e na América Central, nos falam sobre as limitações do poder do Estado e a maneira em como foi constituído. De acordo com Foucault (1993) isso sugere que se a abstração do sistema penal não se constituiu totalmente na subjetividade de uma sociedade, não se pôde generalizar seu efeito de mediação. O que aconteceu então, nas sociedades com esse tipo de construções estatais, onde houve rupturas históricas nas formas da mediação social dos vastos segmentos da população (indígena e afro descendente)? Desde a perspectiva que se argumenta neste trabalho, a forma não interiorizada de disciplina social, pode ser entendida como um ethos senhoril, isso é, um conjunto de práticas políticas ancoradas num sistema de relações sociais que não foram constituídas subjetivamente dentro das práticas disciplinarias propostas pelo Estado liberal burguês, criando-se, assim, sociedades nas quais não se apresentou um panoptismo constitutivo das relações sociais. O controle das populações nesses estados se exerceu a través da forca e, em alguns casos, usando o terror (Figueroa, 1998), em detrimento da subjetividade disciplinar. É por essa razão que a força e o controle autoritário prevaleceram como um forte componente de seus sistemas políticos, constituindo-se também numa forma cultural, o popular autoritário (Fuentes Díaz, 2008). Pode-se supor que a economia no exercício do

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poder não foi aquela destinada a controles biopolíticos, senão a centralidade da força como forma fundamental das relações sociais. Portanto, sustento que o modelo de análise biopolítico não é suficiente para explicar a complexidade das relações sociais em formas estatais de sociedades pós-coloniais. A estrutura produtiva no México e na América Central durante o período colonial (economia da fazenda) fez da compulsão física da força de trabalho, o eixo da valorização. Isto propagou no resto da sociedade uma cultura política autoritária e uma subjetivação não disciplinar no exercício do poder, subjetividade não disciplinaria que permitia uma estrutura de sentimento de alta tolerância à dor e à violência, o que demostrava a vulnerabilidade da vida de importantes grupos sociais radicados historicamente nas margens dessas formas de regulação política da vida. Portanto, pode-se sugerir ao contrário do modelo foucaultiano, que nos Estados estudados, México, Guatemala e El Salvador, a forma da mediação foi antibiopolítica. A construção da mediação não foi feita nos parâmetros da abstração burguesa (individualidade, cidadania), senão em formas particulares nas quais o eixo autoritário, necessário como forma produtiva, fez da corporalidade o objetivo do ordenamento e controle social. O corpo subalterno foi sempre objeto da intervenção pela força. O acima escrito é importante para entender o alto nível da tolerância à violência, a espetacularidade e atrocidade nas vexações corporais de hoje. A troca do ritual punitivo para a penalidade foi um processo que buscou realizar o castigo de forma não corporal a partir das sanções administrativas estabelecidas pela sociedade burguesa (multa e privação dos direitos). Essa introdução reforçou as mudanças nas sensibilidades emocionais de rejeição à publicidade do sofrimento, enquanto que delegava e centralizava a violência em especialistas (polícia, exército). Isso sugere que a assepsia da violência no espaço público é produto de uma forma especifica da mediação das relações sociais, que radica fundamentalmente na abstração legal e no monopólio da violência. Se essa mediação não incluiu historicamente os vastos segmentos da população- como aconteceu com os Estados mencionados-, ou os abandonou depois -produto de transformações econômicas escarpadas-; temos que o corpo e a espetacularidade da sanção voltam como forma imediata de controle diante dos cenários de incerteza.

VIOLÊNCIA E MEDIAÇÃO A partir da análise da violência nos termos da punição, espetacularidade e mediação, temos então, um primeiro eixo para explicar a emergência da violência espetacular e atroz, situado nas práticas vinculadas num processo de longa duração de origem colonial, a partir das quais não se constituiu a mediação burguesa através da figura do cidadão, senão através de formas funcionais em que se organizou a interpelação entre segmentos de população diferenciada dentro desses marcos estatais (ethos senhorial). Essa interpelação não se conformou dentro das práticas disciplinárias que são a base da subjetivação cidadã, senão, tendo a origem da estrutura produtiva desses Estados – economia da fazenda-, se conformou sob os parâmetros do trabalho servil que tinha outro horizonte da inter-subjetividade (subjetividade do ethos senhoril) Isto gerou mediações sobre a força de trabalho de grandes segmentos da população subordinados fora dos parâmetros disciplinares, com o uso da força-sobrepoder- (Foucault, 1993) necessário para a produção de economias coloniais, fato que resultou na formação de subjetividades e no exercício do poder não disciplinar, especialmente nos segmentos subalternos que não tiveram cobertura histórica em posição inferior a do Estado população indígena e afrodescendente-. Essas práticas não biopolíticas, historicamente conformadas, são reforçadas no contexto atual pelas bruscas mudanças que aconteceram na região a partir das transformações no regime de acumulação (acumulação flexível) e a implementação de políticas de Estado para obtê-lo. Nesse contexto reside o surgimento da nova violência na região.

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Um segundo eixo incidirá na emergência da violência contemporânea, a partir das conjunturas macro-sociais que afetaram a reprodução social de amplos segmentos da população, com a implementação de um novo modelo de acumulação capitalista e a nova maneira de construir as mediações sociais. A partir desta perspectiva, a nova violência responde à ruptura da mediação social que gerou a expressão local do estado social no México e na América Central. Entendida em um longo processo, a estrutura de mediação tém desempenhado um papel fundamental na regulação e gestão da vida das populações, com base no controle sobre a força de trabalho. A mediação teve diferentes formas sociais na história, uma maneira que nos permite ver como ela opera subjetivamente, são as práticas disciplinares que eram necessárias para o desenvolvimento do capitalismo industrial. (Foucault, 1993;Foucault,1995) A abordagem que discuto aqui se aproxima do proposto por Murillo (2001, 2004). Para a autora, tem sido gerados grandes períodos de "estabilização" na vida social moderna. Cada período tem sido marcado por uma forma específica de mediação. O primeiro é o “pacto de sujeição” do século XVII, que assumiu o "estado de guerra" como um processo contínuo que deve ser limitado pela força, este seria o momento teorizado por Hobbes. Um segundo momento foi o longo processo de abstração soberana repositória de direitos, o argumento Roussseauniano do "pacto de união", o consenso da "vontade geral". Esse momento cria os conceitos importantes da mediação contemporânea: cidadania, soberania, direito, igualdade, liberdade, democracia, Estado, progresso, representação. Ao interior desta forma de mediação é que podemos colocar, nas primeiras décadas do século XX, o surgimento do Estado de bem-estar. O Estado de bem-estar foi a grande mediação a partir da qual se estabilizou a agitação social- contradição capital -trabalho, por meio do horário normal de trabalho, salário mínimo, direito de greve sindical, e outros benefícios sociais que buscavam disciplinar o trabalho a partir da sua relação com o Estado. Agora parece que estamos diante do esgotamento da mediação baseada nesta forma de construção do vínculo social. As mudanças na mediação capital-trabalho estão em sintonia com a mudança nas formas de acumulação de capital. Desde esta perspectiva, a mudança do fordismo para a acumulação flexível (Harvey, 1998) também envolveu uma mudança nas relações sociais para mediar o antagonismo entre capital e trabalho. Nesse sentido pode-se argumentar que a proliferação da violência banal é um sintoma da mutação de mediação acarretada pela mudança de um regime de acumulação para outro.

DA BIOPOLÍTICA À GESTÃO DO DESCARTÁVEL Os processos de transformação estrutural provocados pela flexibilidade econômica na morfologia dos Estadoa latino-americanos, mudou a mediação social e a maneira de gerir conflitos. Para as sociedades estudadas, a tendência não se acha, como indiquei anteriormente, no que Foucault (1995), chamou de biopolítica. Biopolitica está entendida como o conjunto de conhecimentos e estratégias sobre as características vitais dos seres humanos, que talvez não existiu como forma de controle do governo difundida na América Latina, mas como um gerenciamento técnico e administrativo da gestão do risco que faz o controle através de dispositivos de tecnologia de vigilância e contém pela força, não através de sistemas de subjetivação panóptico disciplinar. A mutação na nova mediação é executada a partir da política apoiada pela sujeição disciplinar para a gestão do descartável1, levando ao surgimento da vida nua e da A descartabilidade faz alusão à noção marxista do exército industrial de reserva, referindo-se a determinações econômicas que minam os direitos políticos cidadãos (como mostramos, uma mediação fundamental no desenvolvimento do capitalismo). Os descartáveis são aqueles segmentos da população que flutuam entre o emprego e desemprego dentro dos ciclos económicos de demanda do trabalho assalariado. São descartáveis porque, a diferença dos desempregados do exercito industrial de reserva, cuja superpopulação relativa tinha como destino ser reclutada novamente para o serviço ativo; agora, o desemprego não refere a uma condição passageira, senão a uma permanência 1

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proliferação de estados de exceção (Agamben, 2003); como uma forma padronizada no exercício governamental. A noção de vida nua se refere à condição de abandono da vida dos marcos jurídicos, ficando num estado de indeterminação entre a vida social e a vida silvestre. Para essa incerteza legal, o direito Romano cunhou a noção de Sacer, que faz alusão a uma vida sem o direito de ser vivida, para quem a morte pode ser dada a partir do âmbito do poder soberano. Então, essa noção é útil para entender uma tendência contemporânea de governabilidade que se sustenta em maior medida, na forma da exceção, interregno que produz vida nua, a qual se pode matar sem que isso signifique um homicídio. Seguindo esse raciocínio defendemos que o recurso constante ao assédio físico e à banalização das manifestações violentas na região estão nesse processo de exceção. A incerteza global pelas condições objetivas de reprodução social, a orientação para desempenho não produtivos, crises fiscais, cortes nos gastos destinados às políticas públicas, a morfologia do Estado que não é suficiente para a contenção da população, etc.; levaram ao surgimento de políticas de gestão dentro dos parâmetros da exclusão e da proliferação da força como uma forma de reorganização administrativa da população, não é por acaso que alguns analistas falam sobre o surgimento de sociedades de controle e Estados de policiais (Garland, 2005; Wacquant, 2000). É neste sentido que nos sistemas políticos contemporâneos a excepcionalidade novamente é indistinguível da lei. Não é coincidência que se violem os direitos e garantias da população em nome do Estado de Direito e não é por acaso que se criminalizam os movimentos sociais em suas demandas e lutas contra a espoliação, caracterizando-os como perigosos para a democracia e governabilidade hoje. Assim, a violência aumenta acentuadamente sob o direito, como um meio necessário para a manutenção desta nova ordem jurídica neoliberal, tornando-se a forma necessária de governamentalidade liberal-global (Foucault, 2006), através da prevalência da força. Assim, a violência está na vanguarda na mediação social, quando a exceção se torna a regra. (Benjamin, 2007)

NECROPOLITICA E ESTADO DE EXCEÇÃO A indistinção excepcional do espaço político, à diferença das orientações biopolíticas, gera uma enfâse na administração da morte. Isto é constatado pelas modificações em matéria penal realizadas na região (México, Guatemala, El Salvador) nas ultimas décadas: reformas para diminuição de idade penal; criação de novos delitos; criminalização da protesta; decretos de estados de emergência; militarização da segurança pública; prisões de segurança máxima; controle electrônico dos espaços públicos (telefones móveis, câmaras de vigilância) Dificilmente podemos encontrar, no contexto estudado (México e América Central), a tecnologia do poder que retém a vida no exercício da soberania, mediante a administração de corpos e gestão racional da população (Saúde, segurança social). Como sugere Membe (2003), a política contemporânea hoje, se sustenta no calculo instrumental sobre a que população pode-se deixar morrer. Constitui-se, assim, uma Necropolítica, que em outras palavras significa, a administração da morte no interior do topos político Retomando as noções de nua vida e descartabilidade. Pode-se propor uma leitura que vincule as condições de fragmentação social com a produção de um exército de descartáveis, cuja desvalorização, como força de trabalho nos circuitos da acumulação de capital, faz que seu status político diminua, sendo arrojados à condição de Sacer. (Agambem, 1998) O anterior perfila o sustento para a nua vida, como cita Lewkowicz “A relação social já não é estabelecida entre cidadãos que compartilham uma historia, senão entre consumidores que intercambiam produtos (...), os não consumidores perdem a condição humana” (2004:35).

ordinária, a uma condição de superfluidade (Bauman, 2005)

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Neste sentido radicamos a tendência do retorno corporal e do sofrimento espetacular. O que encontra correlação com uma estrutura da sensibilidade (Williams, 1998) de alta tolerância à dor nos segmentos sociais subalternos, nas sociedades com frágeis mediações políticas e sob o contexto de acumulação flexível. Sustento que o retorno da centralidade do corpo, como lugar principal da punição, é possível naquelas sociedades com mediações antibiopoliticas e nos cenários de excepcionalidades de seus sistemas políticos. Neste cenário a descartabilidade gera nuas vidas, banalizando o terror e o respeito a vida.

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