Negação sentencial e o sistema CP (Parte 2): Negação enfática e negação exclamativa

July 26, 2017 | Autor: R. Cavalcante de ... | Categoria: Syntax, Negation, Brazilian Portuguese, Emphasis
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Negação enfática e negação exclamativa1 Rerisson Cavalcante (USP, FAPESP, CAPES) Curso: Negação sentencial e o sistema CP. PPGLL-UFBA, 15 de dezembro de 2011 1. Negação pós-verbal, ênfase e o ciclo de Jespersen Estudos descritivos: o não pós-VP do PB é partícula enfática e/ou como um recurso de reforço da negação (Furtado da Cunha 1996; Roncaratti 1996). Ciclo de Jespersen (Jespersen 1917): um marcador negativo pré-verbal fraco passa a ser “reforçado” por expressões enfáticas pós-verbais, que adquirem, com o tempo, traço negativo e passam a co-ocorrer obrigatoriamente; ao final, o marcador pré-verbal cai. (1) Resumo das etapas do processo: I) Neg V II) Neg V (expressão enfática) III) Neg V Neg IV) V Neg. Francês: ne pré-verbal fraco e palavra enfática pas (“passo”), que se torna o marcador negativo. (2)

Francês a. Jeo ne di eu NEG digo

(= ‘Eu não digo’)

b. Je ne dis (pas) c. Je ne dis *(pas) eu NEG digo NEG Francês moderno: (3)

Je (ne) dis pas eu NEG digo NEG

No PB, a alternância entre [Neg VP], [Neg VP Neg] e [VP Neg] corresponderia ao ciclo de Jespersen? Questões: (4)

a. Sincronicamente, o não pós-VP do PB é enfático? b. Diacronicamente, o não pós-VP do PB teve origem ou motivação enfática? c. O não pós-VP se conforma ao ciclo de Jespersen?

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Este handout corresponde a uma versão resumida do contéudo do capítulo 2 da minha tese de doutorado, intitulada Derivação de construções negativas pós-XP no português brasileiro, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Semiótica e Lingüística Geral da USP, com financiamento da FAPESP (processo número 2008/00073-0).

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Primeiro problema: nunca há co-ocorrência sincrônica dos três padrões no ciclo de Jespersen. Defensores do não pós-VP como resultado do ciclo de Jespersen no PB : Roncaratti 1996; Furtado da Cunha 1996, 2001; Vitral 1999). Furtado da Cunha (1996, 2001), Roncaratti (1996): pronúncia num como uma evidência do enfraquecimento ou “erosão” fonética do não pré-verbal, que levaria à necessidade de reforço (cf. também Ramos 2002). Vitral (1999): o comportamento clítico do não/num pré-verbal é uma etapa do processo de enfraquecimento fonético previsto no ciclo de Jespersen e constitui uma fase do processo de gramaticalização. (5) Fases da gramaticalização: projeção máxima > núcleo > clítico > afixo Contra o não final como parte o ciclo de Jesperen: Biberauer & Cyrino (2010); este trabalho. Biberauer & Cyrino (2010): o não pós-VP de [Neg VP Neg] como o spell-out de um traço de [±ênfase]. Mas consideram que o não pós-VP não está relacionado ao processo descrito pelo ciclo de Jespersen. O não pós-VP está alto demais na estrutura para se conformar ao ciclo de Jespersen. Biberauer & Cyrino (2010): (i) o PB não está em um processo de mudança com relação ao tipo de negação sentencial e — fazem a previsão de — que (ii) o padrão [Neg VP] não será substituído por [VP Neg].

Acrescento: nos casos analisados no ciclo, a partícula enfática não são inerentemente negativa, mas elementos nominais que incorporaram [NEG] esse traço com o tempo, após fase intermediária como NPI. O não pós-VP do PB é inerentemente negativo.

Biberauer & Cyrino (2010): o não pós-VP é enfático, mas não se concorma ao ciclo de Jespersen. Minha posição: sincronicamente, o não pós-VP não é enfático. Argumentos: I) Sentenças com o não inicial não são enfáticas no PB. Se [(Neg) VP Neg] tem ênfase, não está no não pós-VP. (6)

a. Não, eu num fui.

b. Não, eu fui.

II) A suposta ênfase depende da prosódia, não da estrutura. Sentenças com [Neg VP] podem receber ênfase (7)

a. Eu NÃO QUERO!

b. Eu já disse que NÃO VOU!

c. NÃO SAIA daí!

III) Maioria dos casos com [Neg VP Neg] e [VP Neg] não são enfáticos. (8)

a. Quero não, obrigado.

c. Num teve aula não?

b. Num lembro não. d. (Ô, por favor,) num saia hoje não!

ci.

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Por que há a hipótese de que o não pós-VP seria enfático (inclusive por falantes não-lingüistas)? Motivos: (i) presença de mais de um marcador negativo leva à interpretação tentadora de que a quantidade refletiria em maior intensidade de negação. (ii) a existência de dados em que a prosódia concede a [Neg VP Neg] função enfática. (iii) a tentativa de expressar a intuição de que o não pós-VP é anafórico.

E diacronicamente? Escassez de dados históricos sobre a negação final em textos tanto brasileiros quanto portugueses (cf. Alkmim 2002 e Sousa 1999 para uma perspectiva histórica sobre a negação pós-VP). Por outro lado: Martins (2006, 2007) aponta que [VP sim]) e [V sim] são enfáticas no PE. Pinto (2010): [Neg VP Neg] no PE (com pausa antes do segundo marcador) tem caráter enfático. (9)

a. Ele comprou o carro, sim.

(português europeu)

b. Comprou sim.

(português europeu)

Possibilidade: [Neg VP Neg] no PB ter surgido como enfático, mas perdido a ênfase com a gramaticalização... como previsto pelo ciclo de Jespersen. Segundo problema: qual é a definição de “ênfase” em jogo? 2. Definição e tipos de ênfase Schwenter (2005: 1429): “... emphasis is an intuitive label that is most typically left undefined by those who employ it, though other scholars who have not worked on BP negation have in fact given principled definitions of the concept.” Definição de ênfase é necessária para servir de critério para julgar se uma determinada forma, como o não pós-VP do PB ou PE, tem uma função enfática ou não. Dificuldade: vários fenômenos heterogêneos são denominados ou caracterizados pelo rótulo de ênfase. Quatro tipos de fenômenos em função da forma dos recursos utilizados para a sua codificação ou expressão: (i) formas morfossintáticas; (ii) formas prosódicas; (iii) formas léxico-semânticas; (iv) e formas ilocucionárias. 2.1. Variabilidade dos I. Recursos morfossintáticos de ênfase ou focalização de constituintes (10) Focalização2 a. John, I saw.

b. De Beatles, eu gosto.

(11) Clivagem a. It was London that I visited. 2

b. É/foi Pedro que Maria viu.

A diferença entre os fenômenos sintáticos de topicalização e focalização podem ser levados em conta, mas, para os propósitos deste trabalho e desta caracterização geral, podem ser ignorados.

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(12) Morfologia de foco João y-ti-ahoj-ø J.

yn-o.

(Karitiana; Storto 2008)

1-CFO3-rir-NFUT eu-ENF

(= ‘Do João, eu ri’)

Formas de pôr em evidência um determinado determinado constituinte da sentença (em detrimento de outros). II. Recursos prosódicas de ênfase ou focalização de consituintes (13) a. Eu dei UMA BOLA pro Pedro.

(Modesto 2001: 107)

b. I saw a grey DOG. (Not a cat...) c. I saw a GREY dog. (Not a black one...) Diferenças com relação à focalização morfossintática: (i) o acento pode afetar mais de um item (contíguo ou nãocontíguo); (ii) pode recair sobre apenas parte de um constituinte; (iii) pode afetar constituintes ou itens que não podem sofrer focalização morfossintática por deslocamento ou clivagem; (iv) ser usada em contextos em que não são de focalização contrastiva, mas apenas de clarificação ou destaque de um determinado elemento. (14) a. JOHN didn’t see BILL. (MARY saw SUSAN). b. MARY saw SUSAN (not JOHN saw BILL). (Lasnik 1972: 87) (15) Eu disse para você REtificar o documento. Não RAtificar. (16) a. John didn’t got THE result, but he got A result.

(Lasnik 1972: 84)

b. Eu (já disse que) NÃO saí ontem. c. Eu disse que VOU sair; num saí ainda. (17) Você não me ouviu direito: eu disse que eu saí COM JOANA ontem. O acento prosódico (destaque) também é uma formas de pôr em evidência determinado constituinte da sentença. III. Formas léxico-semânticas de ênfase Determinados itens lexicais que provocam um efeito de “intensificação” no conteúdo das proposições em que ocorrem. (Confira adiante). IV. Forma ilocucional de ênfase Setenças exclamativas (com sintaxe e semântica específicas) e sentenças não-exclamativas usadas exclamativamente.

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Na nomenclatura de Storto (2008): CFO: construção de foco do objeto (não-declarativa). NFUT: tempo não-futuro. enfático.

ENF:

4

(18) a. Que dia lindo!4 c. He’s so cute!

b. What a beautiful day! d. Isn't he the cutest thing!

(Zanuttini & Portner 2003: 41)

Para o restante da discussão, interessarão os dois últimos tipos de estratégia de ênfase, que são os importantes para a caracterização dos marcadores ou itens negativos com propriedade enfática5. 2.2. Ênfase em termos de quantidade de informação Devemos procurar um conceito de ênfase que abarque os quatro fenômenos ditos enfáticos? Ou um conceito que expresse o que se entende por ênfase no contexto do ciclo de Jespersen? Opto pela segunda opção. Israel (1996, 1998, 2001): proposição é enfática se é mais informativa, se excede a quantidade de informação normalmente esperada em uma enunciação (“it exceeds what one would normally expect to be asserted” (1998:47). Israel (1996, 1998, 2001): NPIs e PPIs introduzem uma escala e expressam graus acima/abaixo da média da escala. Maximizadores e minimalizadores expressam graus extremos das escalas consideradas. Maximizadores em sentenças afirmativas: (PPIs) a heap, insanely, outrageously etc expressam o grau mais elevado de uma escala de quantidade/intensidade. As sentenças de (19) (mais informativas) implicam as de (20). (19) a. Boy, are you in a heap of trouble! b. She is insanely good-looking, and outrageously cruel.

(Israel 1996) (Israel 2001)

(20) a. Boy, are you in trouble! b. She is good-looking, and cruel. Minimalizadores em sentenças negativas: (NPIs) a drop, a wink etc expressam grau mais baixo da escala, a mínima quantidade ou intensidade. As entenças de (21) (mais informativas) implicam as de (22). (21) a. She didn’t drink a drop of her milk. b. Margo didn’t sleep a wink before her big test.

(Israel 1998) (Israel 1996)

(22) a. She didn’t drink her milk. b. Margo didn’t sleep before her big test.

Importância desse análise6: fornecer conceito de ênfase e desenvolvê-lo a partir da caracterização da contribuição informativa de elementos como (NPI) minimizadores, que são os casos que dão origem ao ciclo de Jespersen.

4 5

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Para um trabalho sobre sentenças exclamativas no PB, vide Sibaldo (2009). Para uma visão mais completa do fenômeno, talvez seja necessário também considerar estratégias enfáticas que se aplicam no nível discursivo ou textual, como a repetição de palavras ou expressões ao longo de um discurso para marcar a importância e/ou chamar a atenção do leitor/interlocutor para as idéias expressas por elas. Talvez neste grupo possam ser incluídas as construções que Fonseca (1985) denomina de emblemáticas, que são os casos de sentenças comparativas como as de (i) e (ii). (i) João é tão simpático como Pedro. (p. 223) (ii) Pedro é (tão) alto como uma torre. (p. 230)

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Ênfase como status da informação (estratégias de foco e destaque) ou ênfase como quantidade de informação (estratégia lexical)7. Reservo ênfase para o segundo caso. O não pós-VP do PB: não pode ser considerado como enfático no mesmo sentido definido por Israel (1996, 1998, 2001), pois não introduz um predicado escalar e nem intensifica a informatividade da sentença através da codificação do grau mínimo (ou máximo) de uma escala introduzida pelo próprio marcador. Reforço à posisção de Biberauer & Cyrino (2010) de que o não pós-VP do PB não se encaixa no processo do ciclo de Jespersen por ser um elemento gerado em uma posição demasiado alta na estrutura da sentença. Por outro lado: mesmo os casos, no PE, de [VP sim], [V sim] e mesmo [Neg VP Neg] não podem ser considerados estruturas enfáticas. Nem os casos do PB com prosódia especial não seriam enfáticos. Como tratar esses casos? 2.3. Exclamação E o caso da exclamação? Sentenças exclamativas possuem prosódia característica que transmite uma intuição de maior expressividade ou maior intensidade da asserção. Na tradição gramatical: expressão de surpresa, contra-expectativa, etc. Hipótese: sentenças sem expressões minimalizadoras/maximizadoras, mas com prosódia especial, seriam orações exclamativas, daí decorrendo a sua interpretação de maior expressividade8. Problema: exclamativas tem propriedades específicas. I) Elliott (1974) e Grimshaw (1979): exclamativas são factivas. (23) a. How very cute he is! b. Mary knows/*thinks/*wonders how very cute he is.

(predicado factivo)

c. * I don’t know/realize how very cute he is.

(predicado factivo)

(Zanuttini & Portner 2003: 46-47) II) Exclamativos também não podem ocorrer em pares pergunta-resposta. Não são respondíveis nem podem eles mesmos servirem de resposta. (24) a. A: How tall is he?

B: Seven feet.

b. A: How very tall he is! B: *Seven feet. / He really is! / Indeed! / No he's not! (Zanuttini & Portner 2003: 48) (25) A: How tall is Tony's child?

B: * How very tall he is! (Zanuttini & Portner 2003: 48)

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O leitor deve estar atento ao fato de que a nomenclatura escolhida não é tão importante aqui, mas sim a relação entre os tipos de fenômeno. Se escolhermos utilizar o termo ênfase como um rótulo geral para os quatro tipos de fenômenos e forjarmos um rótulo diferente para o fenômeno de ênfase léxico-semântica do item III, o mesmo resultado permanece, com a diferença de que devemos reinterpretar a o papel da função enfática no ciclo de Jespersen em relação a esse novo termo. A diferença entre a prosódia exclamativa e a prosódia usada para foco ou destaque diz respeito ao fato que a última atinge apenas uma parte da sentença, como um constituinte específico que é destacado dentre os outros, enquanto a prosódia exclamativa seria uma propriedade de toda a sentença.

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III) Zanuttini & Portner (2003): exclamativas introduzem escalar. Maior expressividade vêm da introdução de uma escala, com indicação de um grau extremo da escala. Sentenças exclamativas seriam, então, semelhantes aos casos de ênfase codificados através de maximizadores e minimalizadores. Dá diferenças? Sim: (i) ênfase via maximizadores/minimalizadores pode ocorrer sob predicados factivos; (ii) podem ocorrer em partes perguntas-respostas; (iii) exclamativas expressam ampliação de escala. Sentenças [VP sim], [V sim] e [Neg VP Neg] do PE não poderiam ser exclamativas no sentido estrito do termo. Elas podem servir de respostas a perguntas diretas; e não introduzem escalas. Questão permanece em aberto. Sentenças com entonação exclamativam sem as propriedades típicas apresentadas aqui não podem ser consideradas exclamativas verdadeiras, mas, no máximo, pseudo-exclamativas. Quadro 1: Tipologia das fenômenos enfáticos / expressivos FUNÇÃO

FORMA

TIPOS

Recursos morfossintáticos de Ex.: focalização, clivagem e Evidenciar

focalização de constituintes

constituintes Recursos prosódicos de

marcação morfológica de foco Ex.: atribuição de acento

Tipologia

focalização de constituintes

prosódico; foco in situ.

da ênfase

Recursos léxico-semânticos

Ex.: NPIs e PPIs com efeitos de

de intensificação

minimalizadores e maximizadores

Intensificar

a proposição Recursos ilocucionários de intensificação

Ex.: sentenças exclamativas e pseudo-exclamativas

RÓTULO Foco Destaque Ênfase Exclamação

3. Nada não-argumental e ênfase Proposta: [Neg VP Neg] não é negação enfática, mas há outra construção de negação enfática no PB. Nada em função argumental: (26) a. Eu não vi nada.

(argumento interno e complemento verbal)

b. Nada aconteceu.

(argumento interno do verbo e sujeito sentencial)

c. Nada causaria esse defeito na máquina.

(argumento externo e sujeito sentencial)

d. Eu não perderia isso por nada.

(argumento interno e complemento da preposição)

Nada em função não-argumental: (27) A: — Ele fez o trabalho que eu pedi? B: — Fez (o trabalho) nada!

(não-argumental)

(28) A: — Você fala muito palavrão! B: — Falo (palavrão) nada!

(não-argumental)

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Características: i) o nada é não-argumental. ii) o nada é o único item negativo da sentença. iii) a negação não é discursivamente neutra, mas anafórica (negação de uma proposição previamente ativada. iv) propriedade adicional: soa intuitivamente como enfática, mais expressiva (a definir). Hipótese de análise: o nada não-argumental como núcleo funcional projetado em uma categoria do sistema CP, de modo semelhante ao não pós-VP (cf. Cavalcante 2009: 73-77). (29) Derivação do nada enfático (1ª versão) a. Fez o trabalho nada! b. [X’ nada [ ... [CP/TP fez o trabalho ] ] ] c. [XP [CP/TP fez o trabalho ] [X’ nada [ ... tCP/TP ] ] Vantagem: (29) capta uma interessante generalização sobre as estruturas de negação anafórica com partícula finais. Argumentos: distribução do nada (i) em contextos encaixados e (ii) em função do tipo ilocucionário da sentença. I) Sentenças com o nada enfático não podem ocorrer em sentenças encaixadas (cf. Martins 2010: 571 e Pinto 2010: 19), em um comportamento idêntico ao da estrutura [VP Neg] e quase idêntico ao de [Neg VP Neg]. II) O não/sim inicial e o não final pode servir de réplica a sentenças declarativas, imperativas e interrogativas polares, mas não como réplicas a interrogativas QU. O nada enfático tem o mesmo comportamento. (30) Nada enfático, partículas assertivas e não final em réplica a declarativas A: Finalmente terminei a tese! a. B: Não, você ainda num terminou. Ainda falta um capítulo. b. B: Terminou não. Ainda falta um capítulo. c. B: Terminou nada! Ainda falta um capítulo. d. B: (Que) nada! Ainda falta um capítulo. (31) Nada enfático, partículas assertivas e não final em réplica a imperativas A: Vá lavar a louça! a. B: Não, eu num vou. Vá você!

b. B; Vou não. Vá você!

c. B: Vou nada! Vá você!

d. B: (Que) nada! Vá você!

(32) Nada enfático, partículas assertivas e não final em réplica a interrogativas polares A: Teve aula hoje? a. B: Não, num teve.

b. B: Teve aula não!

c. B: Teve aula nada!

d. B: (Que) nada!

Nada enfático, partículas assertivas e não final em réplica a interrogativas QU (33) A: O que / quem você viu ontem? a. # Não.

b. # Vi não.

c. # Vi nada!

d. # (Que) nada!

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(34) A: Quem apagou a luz? a. # Não, João.

b. # Apagou não.

c. # Apagou nada!

d. # (Que) nada!

Diferença: o nada enfático só pode ocorrer em declarativas, mas não imperativas nem em perguntas. (35) a. (Num) convide ele não!

b. * Convide ele nada!

(36) a. (Num) teve aula hoje não?

b. * (Num) teve aula hoje nada?

O nada enfático pode rejeitar uma pergunta ou uma ordem, mas ainda assim a sentença é declarativa. (37) a. A: Convide João para a festa! b. B: Num sei... c. C: “Convide ele” nada! Depois do que ele aprontou com você? (38) a. A: Você pegou a carteira? b. B: Não... c. C: “Você pegou a carteira” nada! Ele não é ladrão. 3.1. Análise do nada enfático Drozd (2001): negação pré-sentencial no inglês infantil. (39) a. No the sun shinning.

b. No mommy doing.

c. No Leila have a turn.

d. No I see truck. (Drozd 2001: 49)

Drozd (2001): esse fenômeno corresponde, na linguagem adulta, a sentenças com expressões idiomáticas em posição inicial, veiculando uma interpretação de negação enfática. (40) a. No way I love you!

b. My eyes Bruno broke a finger.

c. Like hell he had a drink — that was a Shirley Temple. (Drozd 2001: 52, 55, 56) Drozd (2001) propõe que são casos de usos exclamativos da negação metalingüística. O no não é gerado em NegP, mas em Cº. (Drozd (2001) não fala sobre a estrutura das sentenças como as expressões idiomáticas como no way, like hell, the hell, my eye, etc. Proponho: uma vez que expressões idiomáticas se comportam como unidades lexicais indissolúveis, elas podem ser consideradas núcleos da mesma forma que o marcador no da linguagem infantil). Proposta: o no enfático do inglês infantil, expressões idiomáticas do inglês adulto e o nada enfático do PB são gerados em uma posição de núcleo do sistema CP, codificando negação anafórica e enfática. Possibilidade de

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implementação número 1: o nada ser gerado diretamente em Astº, como o não pós-VP. (41) Derivação do nada enfático (2ª versão) [AstP [CP/TP fez o trabalho ] [Ast’ nada / não [ ... tCP/TP ] ] Argumento: o nada enfático e o não final parecem não poder co-ocorrer na mesma sentença. (42) a. A: Ele fez o trabalho que eu pedi? b. B: * Fez (o trabalho) nada não!

c. B: * Fez (o trabalho) não nada!

No entanto: Marcelo Ferreira (comunicação pessoal): (43) a. A: Você num trabalhou! b. B: Trabalhei sim! c. A: Trabalhou nada não!

/ * Trabalhou não nada!

Possibilidade de implementação (2): nada é gerado em um núcleo Xº acima de Astº e o movimento da sentença tem como posição de pouso, não o especificador de AstP , mas o especificador da categoria Xº mais alta. (44) Derivação do nada enfático (3ª versão) [XP [CP/TP trabalhei ] [X’ nada [AstP (tCP/TP) [Ast’ não [ ... tCP/TP ] ] Possibilidade de implementação (3): nada é gerado em um núcleo Xº abaixo de Astº. A ordem [nada não] é gerada pelo movimento do marcador nada para Astº, adjungindo-se à partícula não. (45) Derivação do nada enfático

(4ª versão)

[AstP [CP/TP trabalhei ] [Ast’ nada (não) [XP [X’ tnada [ ... tCP/TP ] ] 3.2. O nada “enfático” é mesmo enfático? Sentenças com o nada não-argumental funcionando como um marcador negativo são claramente mais expressivas do que aquelas com [Não VP], [Não VP não] e [VP não]. Mas em que sentido? Não são casos de focalização morfossintática, nem de destaque (stress sobre um constituinte). Hipóteses: (i) o nada codifica ênfase no sentido definido por Israel (1996, 1998, 2001); (ii) codifica negação exclamativa.

O nada não argumental como minimalizador? (46) a. A: Quando ele soube das irregularidades, ele denunciou o fiscal à polícia? b. B: Denunciou nada! Ele ficou foi calado, com medo. (47) Eu não ganhei nada. (48) a. Eu não ganhei um centavo furado. b. I didn’t earn a red cent.

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Dificuldade: qual é a escala introduzida por nada? O nada não-argumental codifica negação exclamativa? Mesma objeção vale: exclamativas também introduzem escalas (e ampliam a escala) e o nada não o faz. (49) a. What he does to impress his friends!

b. The things he does to impress his friends!

Outras objeções: a) Exclamativas não podem servir como respostas a perguntas e esta é a função prototípica as sentenças com o marcador nada. b) Exclamativas podem ser afetadas pela negação? (50) a. O que eu não faço por você! b. As coisas que eu faço por você! Villalba (2004: 2): (51) a. ¡Cuántos libros no pudiste leer jamás! b. ¡Caramba, la de cosas que no compró nadie! Dilema: o marcador nada têm claramente uma maior expressividade em relação às outras negativas; é intuitivamente enfático, mas o tipo de ênfase não pode ser identifica como os casos de ênfase codificada por implicaturas escalares (i.e. sentenças com maximizadores e minimizadores e as sentenças exclamativas). Solução: diferença apontada por Hübler (1983) entre dois tipos de atenuação: hedge e understatement. Understatement:

minimalização

do

conteúdo

expresso

pela

proposição.

Hedge:

minimalização

do

comprometimento do falante com o conteúdo da proposição veiculada. (52) a. Stella is very clever. b. Stella is fairly clever.

(understatement)

c. I guess Stella is clever.

(hedge)

Proposta: assim como há dois tipos de estratégias de atenuação, há dois tipos de intensificação ou ênfase: intensificação do conteúdo da proposição ou do comprometimento do falante para com esse conteúdo. Em suma: minimalizadores ligado ao sistema VP expressam uma ênfase “informacional”, aumentando a expressividade do conteúdo proposicional (negativo); marcadores enfáticos relacionados ao CP/AstP: expressam uma ênfase ilocucionária (retórica/enunciativa/exclamativa?), aumentando o comprometimento do falante com o ato de denegação. Sentenças com [VP nada]: sentenças pseudo-exclamativas.

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Sentenças pseudo-exclamativas: sentenças de tipos ilocucionários não-exclamativo, mas que recebem prosódia exclamativa e veiculam uma intensificação da enunciação, entendida como a expressão de um grau acima do esperado no comprometimento do falante com a proposição enuncidada9. Casos de afirmação enfática de Chomsky (1957) e Laka (1990: 86-106) seriam pseudo-exclamativas. (53) a. John does arrive.

(Chomsky 1957: 65)

b. I do love you.

Negativas exclamativas: sentenças pseudo-exclamativas que têm estrutura declarativa e codificam negação anafórica, expressando um maior grau de comprometimento ou certeza quanto à denegação. 4. Nada enfático em espanhol platense e no PB 4.1. Características do nada enfático no espanhol platense segundo Di Tullio (2008) (a) não ocupa posição argumental. (54) a. No voy nada! b. No se lo dijo nada! (b) pode se juntar a predicados transitivos ou intransitivos, indistintamente. (c) ao contrário nada pronominal, o nada enfático não admite expansão ou modificação por determinantes, modificadores adjetivais ou orações relativas. (55) a. No le dijo nada de lo que habia pensado!

(pronome)

b. No se lo dijo nada {* de eso / parecido / de lo que habia pensado} (enfático) (d) O nada enfático nunca ocorre em posição pré-verbal, mas sempre pós-verbal, à direita do elemento negado. (56) a. * Nada voy. b. * Nada se lo dijo. (e) Ao contrário da versão pronominal, o nada enfático não pode ocorrer como resposta isolada. (57) a.

A: ¿Qué le dijiste? B: Nada.

b.

(pronome)

A: ¿Se lo dijiste? B: * Nada. (enfático)

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Tais sentenças não devem ser confundidas com a expressão da evidencialidade, que diz respeito à explicitação do tipo de evidência que sustenta uma afirmação factual e não ao grau de certeza do falante.

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4.2. Semelhanças entre o nada enfático no espanhol platense e no PB (Cavalcante 2009: 73-77): (a) o nada enfático no PB não ocupa a posição de argumento. (58) A: — Ele fez o trabalho que eu pedi? B: — Fez (o trabalho) nada! (59) A: — Você fala muito palavrão! B: — Falo (palavrão) nada! (b) No PB, o nada enfático também ocorre com verbos intransitivos. (60) A: Você trabalhou até tarde ontem, não foi? B: Trabalhei nada! Não consegui por causa da dor de cabeça... (c) Na função argumental, o nada pode sofrer modificação, mas, na função enfática, não pode. (61) Nada argumental a. Ele não comprou nada que eu pedi.

b. Ela não comprou nada azul.

(62) Nada enfático — Você comprou muita coisa que eu não pedi! — * Comprei nada que você não pediu! (63) — Você comprou muita coisa azul! — * Comprei nada azul! 4.2. Diferençasentre o nada enfático no espanhol platense e no PB (Cavalcante 2009: 73-77): (i) No espanhol platense, o nada enfático só pode ocorrer na presença de outro elemento negativo. No PB, o nada pode dispensar a presença de itens negativos pré-V como o marcador não/num, e é até mais freqüente sem eles. (64) a. * Voy nada.

b. * Se lo dijo nada.

(ii) Uma outra diferença com relação à sua contraparte no espanhol é o fato de que, no PB, o nada enfático pode ocorrer como resposta isolada, como em (48). (65) — A encomenda já chegou? — (Que) nada! (iii) No PB, o nada enfático pode negar constituintes não-oracionais, como DPs, APs e PPs, como mostram os exemplos em (49)-(51). (66) A: Foi Paulo que convidou Angelina pra festa? B: Paulo nada, foi Jenniffer. (67) A: A ordem para o lançamento veio do general B: Do general nada, do presidente! (68) A: Ele comprou um carro muito econômico. B: Econômico nada, valorizado.

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(iv) No espanhol, o nada enfático ocorre em posição imediatamente posterior ao verbo, antes dos complementos. No PB, o nada enfático ocorre em posição final de VP ou de sentença. Assumindo que o verbo se move para Iº em ambas as línguas, podemos dizer que o nada enfático é pós-Iº no espanhol platense, mas pós-VP no PB. (69) a. No se lo dijo nada a Luisa. b. * No se lo dijo a Luisa nada. (70) A: Ele fez o trabalho que eu pedi? B: * Fez nada o trabalho! (71) A: Ele fez o trabalho que eu pedi? B: Fez o trabalho nada! Análise de Di Tullio (2008): o nada enfático ocorrer no especificador do Foco baixo (abaixo do TP). (72) a. No voy nada! b. [CP [ΣP [Σº no [TP [Tº voyi [FocoP nada [VP ti ] ] ] ] ] ] ] A análise de Di Tullio (2008) é inadequada para o PB por causa da diferença de ordem. Minha análise, repetida aqui: (73) a. Fez o trabalho nada! b. [X’ nada [ ... [CP/TP fez o trabalho ] ] ] c. [XP [CP/TP fez o trabalho ] [X’ nada [ ... tCP/TP ] ] 5. Nada enfático do PE versus do PB e do espanhol Pinto (2010): quantificador nada no PE em função não-argumental como o nada do PB; para Pinto (2010), é caso de negação metalingüística, mas o sentido do termo é (parcialmente) semelhante ao meu conceito de negação anafórica e não distingue [(Não) VP não] de [VP nada]. Principal diferença: o nada do PE ocorre posição imediatamente posterior ao verbo (i.e. [V nada compl./adj], como em posição final de sentença (i.e. [VP nada], como no PB. Mas o padrão pós-Iº é o default. Padrão pós-VP soa como deslocamento à direita do complemento. (74)

A: O Pedro deu um relógio à Maria.

(PE)

B: a. Deu nada um relógio à Maria! Deu-lhe um vestido!

(PE)

(Pinto 2010: 1) (75)

A: Amanhã vou à praia, quer queiras, quer não! (PE) a. B: Vais nada à praia!

(PE)

b. B: Vais à praia, nada!

(PE) (Pinto 2010: 35)

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Quadro 2: propriedades do nada enfático do PE, PB e espanhol platense Espanhol

Propriedades

PB

PE

Ordem [V nada Compl]



X

X

Ordem [VP nada]

X





Ocorrência em posição isolada

X





Obrigatoriamente do marcador pré-verbal





X

platense

Nada enfático do PE tem propriedades mistas, mas quanto à ordem se comporta como o nada enfático do espanhl platense. Pinto (2010) analisa o nada enfático do PE como gerado como núcleo de Cº. A ordem [V nada compl/adj], como a do espanhol platense, é gerada pelo movimento do verbo para um núcleo Cº, com fusão morfológica entre V e nada. (76) a. Comprou nada um Ferrari. b. [CP [C’ comprou ]i [C’ nada [CP pro [VP comprou um Ferrari ] ] ] ]

(131) [CP [C’ [C comproui nada] [IP pro [I’ comproui [VP comproui um Ferrari]]]] Já a ordem [VP nada], como no PB, é gerada pelo nada na mesma posição de Cº, mas com topicalização de toda a sentença. (77) a. O Pedro disse a verdade nada. b. [CP [IP O Pedro disse a verdade ]i [CP [C’ nada [IP O Pedro disse a verdade]i ]]] Proposta: a análise de Pinto (2010) para [V nada compl/adj] pode ser estendida para o espanhol plantense de modo a obtermos uma análise uniforme. Já a análise de Pinto (2010) para [VP nada] é equivalente à minha análise.

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