Negociação de conteúdos programáticos em curso de Especialização

June 15, 2017 | Autor: Telma Gimenez | Categoria: Teaching English as a Second Language
Share Embed


Descrição do Produto

GIMENEZ, T. . Negociação de conteúdos programáticos em curso de
especialização. Boletim. Centro de Letras e Ciências Humanas (UEL),
Londrina, PR, v. 46, p. 61-84, 2004.
NEGOCIAÇÃO DE CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS EM CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO

Telma GIMENEZ[1]

ABSTRACT
Traditionally, course syllabi are designed during the planning phase
of teaching. However, the idea of introducing negotiation at this level has
gained ground in recent years with proposals that students could also
participate in this process. Among the several reasons for this change are
the greater involvement in the learning process, greater responsibility for
the outcomes of classroom activities and democratisation of pedagogical
practices with implicit lessons about power and control. This paper reports
an experience with negotiation of content in a postgraduate course in
foreign language teaching methodology. The activities carried out as a
result of such approach are reported.


1. Introdução

Raras são as oportunidades em que alunos decidem, em conjunto com
professores, sobre a organização curricular de um curso. Pela própria
maneira como este se organiza administrativamente, há uma expectativa que o
planejamento das ementas e programas esteja pronto muito antes de seu
início. No entanto, a negociação de conteúdos programáticos em curso de
nível lato sensu é possível e, neste trabalho, serão feitas considerações
sobre essa negociação. Após exposição dos conceitos subjacentes à
elaboração de um currículo processual (Breen & Littlejohn, 2000), serão
descritas as atividades realizadas como parte da disciplina "Tópicos
Especiais sobre Ensino de Línguas Estrangeiras", sob minha responsabilidade
no curso de Especialização em Ensino de Línguas Estrangeiras, ofertado
durante o ano de 2001, na Universidade Estadual de Londrina.

2. Currículo processual

É bastante comum, no mundo escolar, que os conteúdos a serem ministrados
sejam estabelecidos pelas autoridades educacionais ou coordenadores
pedagógicos. O envolvimento de professores, embora desejável, muitas vezes
se limita a sugerir os conteúdos trazidos pelo material didático adotado.
Quanto se trata de alunos, essa participação é ainda menos visível. Não
seria de se estranhar, portanto, que os alunos se sentissem à margem do
processo, com sérios questionamentos sobre a utilidade das escolhas feitas
de modo externo às suas considerações.

No entanto, nos últimos anos vem crescendo o interesse pelos conceitos de
"negociação" e "processo" no ensino de línguas. Essas idéias se originam
principalmente no reconhecido valor da aprendizagem centrada no aluno, na
aprendizagem colaborativa e autonomia na sala de aula. Essa perspectiva
explicita e traz à tona as concepções que alunos, agora com a
responsabilidade de gerenciar sua própria aprendizagem, têm sobre o que
pode levar a um processo mais eficaz. Negociação, nesse sentido, traduz o
desejo de se criar formas mais democráticas de se decidir formas de
organização do ensino/aprendizagem.

Breen e Littlejohn (2000) distinguem três formas de negociação: pessoal,
interativa e de procedimentos. A pessoal é essencialmente psicológica e se
refere aos processos mentais que acontecem quando tentamos entender os
outros e sermos entendidos. A interativa diz respeito aos passos adotados
para se indicar aos interlocutores nossa (falta de) compreensão sobre o que
está sendo dito, a fim de modificar ou reestruturar as escolhas de modo a
nos tornarmos mais claros. A negociação de procedimentos trata dos aspectos
sociais envolvidos quando se quer alcançar consenso ou acordo em situações
envolvendo tomada de decisões.

A proposta da negociação na sala de aula parte do princípio de que, em
última análise, é o professor que faz a mediação entre um currículo pré-
estabelecido e os diferentes propósitos dos alunos. De acordo com aqueles
autores:

Entretanto, o professor geralmente tem que conduzir todos os alunos a
partir de um conteúdo pré-especificado rumo a objetivos específicos [...] O
resulta daí são os conteúdos efetivamente trabalhados, um meio-termo entre
os conteúdos planejados originalmente e a capacidade do professor de estar
alerta aos aspectos dos interesses dos alunos que podem aparecer durante o
trabalho em classe (p. 9)[2].

Esse processo, geralmente oculto, encontra espaço em uma negociação
compartilhada com os alunos. Os seis princípios norteadores desse processo,
de acordo com Breen & Littlejohn (op. cit) são:
A negociação é um meio de assumir responsabilidades na sala de aula;
A negociação pode construir e refletir a aprendizagem como um processo
emancipatório;
A negociação pode ativar os recursos sociais e culturais dos
participantes;
A negociação possibilita os aprendizes exercerem sua "agência" no
processo de aprendizagem;
A negociação pode enriquecer o discurso da sala de aula como um
recurso para a aprendizagem da língua estrangeira;
A negociação pode subsidiar e expandir as estratégias pedagógicas do
professor.

Na visão daqueles autores as decisões que podem estar abertas a negociação
envolvem as seguintes questões:

Propósitos: Por que estamos aprendendo esta língua?
Quais necessidades imediatas e de longo prazo deveriam ser abordadas? O que
deveríamos almejar e ser capazes de fazer? Que objetivos específicos
poderíamos ter? etc.

Conteúdos: Qual é o foco do nosso trabalho?
The aspectos da língua? Que tópicos, temas, ou usos específicos da língua?
Que habilidades, estratégias ou competências no uso da língua? Etc.

Modos de trabalho: como a aprendizagem deveria acontecer?
Com que recursos? Que tipos de textos e materiais? Quanto tempo duraria?
Como organizar o tempo? Quem trabalha com quem? Etc.

Avaliação: Quão eficiente tem sido a aprendizagem?
Quais devem ser os resultados do nosso trabalho? Os propósitos foram
atingidos? Dos resultados esperados o que não foi aprendido e o que pode
ser aprendido? O que acontecerá com a avaliação? Etc.

Parece óbvio que a negociação em muitos contextos pode ser inviável. Muitas
dessas decisões não competem nem aos professores, quanto mais ao conjunto
de professores e alunos. Em situações onde ela foi adotada (muitas delas
relatadas no livro citado) há uma introdução gradual da negociação. Como há
vários componentes do currículo que podem ser enfocados, pode-se começar
com um deles: uma tarefa, uma seqüência de tarefas, uma série de aulas, um
curso, o currículo de uma disciplina específica, ou o currículo escolar
como um todo.

No caso do curso de Especialização ao qual me reporto, considerando que o
elenco de disciplinas e ementas já estava estabelecido, o espaço
considerado viável para negociação era a disciplina "Tópicos Especiais
sobre Ensino de Línguas". Com uma carga horária de 45 horas, a ementa da
disciplina previa a discussão de "tendências atuais no ensino de línguas
estrangeiras e questões de linguagem e ensino". Seus objetivos eram
"apresentar e discutir temas atuais no ensino de línguas estrangeiras, a
partir das necessidades dos próprios alunos e sugestões da professora
responsável, através de um processo de negociação de conteúdos, formas de
trabalho e avaliação (decisões compartilhadas)".

Embora a professora responsável tivesse alguns tópicos em mente, a decisão
final seria resultado da consulta aos alunos. Assim, logo no primeiro
momento do primeiro dia de aula, através de uma atividade de
"brainstorming" os alunos listaram os assuntos que gostariam de ver
tratados naquela disciplina. O horizonte de horas disponíveis foi levado em
conta. Após uma listagem de todos os tópicos mencionados pelo grupo, os
alunos foram divididos em grupos para escolha de 3 tópicos que gostariam de
abordar. Inicialmente em grupos de 3, os alunos foram re-agrupados em
grupos de 8 e depois 16, até que se chegou a um consenso a respeito de
quatro tópicos: cultura, língua e identidade, políticas de ensino e
parâmetros curriculares e profissionalização.

Os instrumentos de avaliação também foram objeto de negociação. Os alunos
optaram, a partir de uma lista de possibilidades dada pela professora,
pelos seguintes instrumentos: uma análise de atividade de um livro
didático, identificando a visão de cultura subjacente a ela, uma proposta
de atividade de caráter intercultural e um ensaio sobre qualquer um dos
tópicos discutidos durante a disciplina.


3. Tópicos negociados

3.1 – Cultura, língua e identidade

Dado o interesse dos alunos em discutir cultura no ensino de línguas, o
assunto foi introduzido a partir de uma discussão sobre o que cultura
significava para eles. Observou-se, então, que a noção de cultura em uma
perspectiva estética (Adaskou, Britten and Fahsi ,1990, apud McKay, 2000].
De acordo com aqueles autores, cultura pode ser entendida nos seguintes
sentidos:
1. sentido estético, no qual a língua é associada a literatura, filme,
música de um determinado país
2. sentido sociológico, no qual a língua é associada a costumes e
instituições de um país
3. sentido semântico, no qual o sistema conceitual de uma cultura se
expressa na língua
4. sentido pragmático, no qual as normas culturais influenciam que língua é
apropriada em que contextos.

A tarefa que provocou uma discussão sobre definições foi:

Qual dessas definições se encaixa melhor com o que você pensa?

A. Cultura se refere a modos de agir, crer e pensar compartilhados por
membros de uma comunidade (grupo social) e que são transmitidos para as
gerações seguintes. Uma cultura é dinâmica e aberta a mudanças como
resultado de mudança nas condições de vida ou através de contato com outras
culturas.

B. Cultura compreende produtos (e.g. literatura, folclore), comportamentos
(e.g. costumes, vestuário, comida) e idéias (crenças, valores e
instituições).

C. a cultura é um conjunto organizado de padrões, compartilhado por membros
de um grupo humano para perceber, crer, agir e avaliar as ações de outros).

D. A cultura é subjacente aos modos como a linguagem é usada para criar
textos ou nas interações entre indivíduos.

Em seguida foi feita análise de uma atividade proposta em um livro para
ensino de cultura (Cultural awareness, de Barry Tomalin e Susan Stempleski,
1993), para enquadramento em uma das 4 visões acima.

Atividade: Cruzamentos

Objetivo: aumentar a conscientização sobre estereótipos culturais, expandir
vocabulário relativo a descrição.
Materiais: uma fotografia grande de alguém
Tempo: 10 a 15 minutos
Nível: intermediário e acima
Preparação: escolha uma foto mostrando alguém que você conheça bem, cercada
de pessoas e objetos, em um espaço aberto ou fechado. Devem haver detalhes
suficientes para os alunos fazerem conjecturas sobre a pessoa.

Em sala:
1 Explique que irá mostrar a foto de uma pessoa, que eles devem estudá-la
por um minuto
2 Mostre a foto. Os alunos observam.
3 Divida a classe em grupos de 3 ou 4. Peça aos grupos que discutam sobre a
foto para tirar conclusões sobre a pessoa, nas seguintes categorias:
- nome
- idade
- ocupação
- tipo de família
- background

4 Escreva as categorias no quadro
5 Quando os grupos estiverem prontos, peça para relatarem para o grupo todo
tudo que acham que aprenderam sobre a pessoa, dando os motivos de suas
pressuposições.
6 Em seguida, diga à classe quem é a pessoa, e dê informações não
confidenciais sobre a pessoa.
7 Faça uma discussão com toda a classe sobre as seguintes questões: Quais
as diferenças entre o que você observou e os fatos reais? Quais
características da foto o levaram a diferentes conclusões?

Esse entendimento foi complementado com a visão de Lo Bianco Crozet, e
Liddicoat (1999) que distinguem quatro abordagens no ensino de cultura:
a) Abordagem tradicional
A cultura é associada com a literatura, a comunicação é voltada para
falantes nativos e o entendimento é que a cultura reside no texto.

b) Estudos culturais
A competência cultural é entendida como conhecimento sobre o país, como
parte do conhecimento que o falante nativo deve ter. É menos focalizado na
elite educada que abordagem tradicional, mas ainda se relaciona com o
conhecimento escolarizado.

c) Cultura como prática social
A cultura é vista como um modo de agir coletivo através da linguagem. As
culturas são vistas como favorecendo modos diretos ou indiretos de falar,
de organizar textos de modos específicos. Esta visão de competência
cultural deixa o aluno com seu próprio paradigma cultural, observando e
interpretando palavras e ações de seu interlocutor a partir de um outro
paradigma cultural. A competência cultural é entendida como o conhecimento
sobre um determinado grupo cultural e o entendimento dos valores culturais
subjacentes a determinadas formas de agir.

d) Ensino intercultural de línguas

A ligação entre língua e cultura se dá em uma esfera de interculturalidade
(Kramsch, 1993), em que se incluem reflexões sobre a cultura nativa (C1) e
cultura-alvo(C2). Nessa perspectiva, o ensino da cultura é visto como um
processo interpessoal, em que a apresentação/prescrição de fatos culturais
e comportamentos é substituída pelo entendimento do que seja "ser
estrangeiro" ou o "outro".

Nessa forma de se relacionar língua e cultura, esta é vista como diferença
e não como características nacionais. Superando a visão de estereótipos,
são considerados fatores importantes a idade, gênero, background étnico e
classe social.

Os procedimentos para esse ensino são por ela apontados:
i) reconstruir o contexto de produção e recepção do texto na cultura
estrangeira (C2 e percepções de C2)
ii) construir com os alunos seu próprio contexto de recepção, i.e.
encontrar um fenômeno equivalente em C1 e construir o fenômeno na C1 com
suas próprias redes de significado
iii) examinar o modo como as percepções de C1 e C2 em parte determinam as
percepções que estrangeiros têm delas, i.e. o modo como cada cultura vê a
outra
iv) preparar o terreno para um diálogo que poderia levar à mudança de
percepções.

Para exemplificação dessa proposta, foi trazido um texto em inglês sobre o
"rodízio" de churrasco. O texto foi extraído do livro How to be a carioca,
publicado em 1992. O livro traz dicas bem humoradas para estrangeiros que
queiram sobreviver no Rio de Janeiro. Trata-se de uma visão do estrangeiro
sobre um costume gastronômico brasileiro.

The churrascaria rodízio
A favorite among the meat-loving cariocas, these round robin steak houses
offer you the unique opportunity of eating all the meat you can stuff
inside yourself for one set price. It´s traditional not to eat for the
entire day, and then go to a rodízio and gorge. A word of caution: waiters
make their rounds with lightning speed, and before you can say "linguiça"
(sausage), the waiter will be offering you another cut of beef.

Em uma primeira etapa é preciso identificar o contexto de produção. Quem
escreveu o texto, para quem, com que propósito? (contexto de produção e
recepção na C2).

Em seguida, analisar o contexto de recepção: Que elementos revelam que se
trata de um olhar estrangeiro? Quais os pressupostos do autor?Você concorda
com a descrição acima do que seja uma churrascaria rodízio? Como você
reescreveria o texto?

Na terceira etapa, foram discutidas as interpretações do texto na C1 e C2
Como se tratava de um grupo misto de professores de várias línguas, foi
também apresentado um texto em espanhol, retirado do site das Abuelas de la
Plaza de Mayo, procurando seguir as mesmas etapas acima.

O tópico seguinte foi identidade cultural e a tarefa proposta foi a
seguinte.

1. Se tivesse que se descrever como alguém pertencente a uma nacionalidade,
grupo religioso ou étnico, qual seria? Por quê?
2. Que experiências aumentaram seu senso de pertencimento a esse grupo em
particular?
3. Qual tipo de experiências já teve com pessoas de diferentes culturas?
a. amigos
b. relacionamentos sociais
c. relacionamentos de trabalho
d. contatos de viagem
e. exposição à mídia (TV, filme, etc.)
4. Você já vivenciou algum problema de comunicação devido a diferenças
culturais? Como foi?
5. De que modo ser falante de uma outra língua influencia sua percepção de
identidade cultural?

Foram exemplificadas algumas das tarefas tratadas nesse tópico. Estas eram
preparadas pela professora e serviram de ponto de partida para discussões.
Foram também realizadas leituras de textos em língua portuguesa constantes
da bibliografia (Barbieri Durão, 1999 e Pereira, 2000). Duas propostas de
avaliação estiveram vinculadas a este tópico: uma análise de livros
didáticos procurando detectar a visão de cultura subjacente às atividades e
uma proposta de atividade de caráter intercultural que refletisse a
preocupação com a criação de um espaço intermediário, de acordo com a
proposta de Kramsch (1993) e Lo Bianco, Liddicoat e Crozet (1999).

A perspectiva intercultural no ensino de línguas remete, naturalmente, à
discussão dos objetivos para seu ensino. Considerar que a aprendizagem de
uma língua estrangeira leva a maior compreensão do que seja cultura
significa abordá-la com fins educacionais, mais do que pragmáticos. Por
isso, o tópico seguinte abordou esta questão.

3.2 – Políticas de ensino e parâmetros curriculares

Tendo em vista as mudanças propostas para o ensino de línguas estrangeiras
para o ensino fundamental e médio, foi proposto que a disciplina abordasse
este tópico. O fato de o grupo ser composto por professores de diferentes
línguas propiciou que se discutisse a hegemonia da língua inglesa na
sociedade brasileira hoje e os significados que esta adquire no currículo
escolar. Para isso, foram apresentados os objetivos de seu ensino de acordo
com os PCN para ensino fundamental e médio.

Em grupos, os alunos participaram de uma "dramatização" com situações-
problema, como segue:

Situação 1
A. Você trabalha em uma escola pública, como professor de uma língua
estrangeira. O diretor da escola o/a convoca para uma reunião, na qual
expõe que, a partir do próximo ano, a língua estrangeira será substituída
por aulas de filosofia, pois esta disciplina entrará no vestibular. As
aulas de línguas estrangeiras serão opcionais para os alunos, já que muitos
já estão fazendo cursos em institutos de línguas.

B. Você é o diretor de uma escola e, em reunião, comunica aos professores a
decisão de substituir as aulas de línguas estrangeiras por filosofia, que
cairá no vestibular.

Situação 2:
A: Você é dono/a de uma escola de inglês e vê diariamente alunos procurarem
sua escola para aprender uma segunda língua estrangeira. No entanto, faltam
professores qualificados e você hesita entre não atender a uma demanda do
mercado e lucrar com o interesse dos usuários.

B: Você é o pai/mãe de um adolescente e quer que seu filho estude uma outra
língua além do inglês.

Situação 3:
A: O diretor da escola lhe chama para comunicar que a partir do próximo
semestre as aulas de língua estrangeira serão terceirizadas. Você é contra.

B: Você é diretor/a de uma escola e decide terceirizar as aulas de língua
estrangeira. Justifique sua decisão.

A situação 1 exigia que os participantes apresentassem argumentos
favoráveis/desfavoráveis à manutenção da língua estrangeira no currículo.
Esta atividade permitia que os pressupostos sobre as razões para se ensinar
uma língua estrangeira viessem à tona.

A situação 2 abordava a questão da relação da língua inglesa com as demais
línguas e permitia que os participantes verbalizassem como viam essa
relação.

A situação 3 dava margem à que os objetivos da inserção da língua na grade
curricular e sua oferta em centros de línguas fossem ventilados a partir
das visões dos alunos.

Esta atividade permitiu que esses diversos entendimentos fossem comparados
e contrastados com aspectos dos PCN a respeito de objetivos e critérios de
escolha das línguas a serem ensinadas. Diretamente vinculado a este assunto
está a questão da política de ensino de línguas. Os alunos tiveram acesso
ao documento síntese do II Encontro Nacional sobre Política de Ensino de
Línguas Estrangeiras, também denominado "Carta de Pelotas", disponível no
site da ALAB – Associação de Lingüística Aplicada do Brasil
(www.alab.org.br), e que é reproduzida abaixo:
Os participantes do II Encontro Nacional sobre Política de Ensino de
Línguas Estrangeiras – II ENPLE, realizado na Universidade Católica de
Pelotas, RS, de 4, a 6 de setembro de 2000, compreendendo professores do
ensino fundamental, médio, pós-médio, universitário, autoridades
educacionais e representantes de associações de professores de línguas,
após analisar, em assembléia, os problemas do ensino de línguas no Brasil,
reiteram documento elaborado durante o I ENPLE, realizado em novembro de
1996, em Florianópolis, SC, e consideram que: 
· todo cidadão brasileiro tem direito de ser preparado para o
mundo multicultural e plurilíngüe por meio da aprendizagem de línguas
estrangeiras;
· há um anseio da sociedade contemporânea em adquirir o
conhecimento lingüístico necessário para interagir com o mundo intra e
além fronteiras;
· a sociedade brasileira não deseja o monopólio de um idioma
estrangeiro;
· a aprendizagem de línguas não visa apenas a objetivos
instrumentais, mas faz parte da formação integral do aluno;
· o aluno tem direito a um ensino de línguas de qualidade;
· o ensino regular não tem sido capaz de garantir o direito à
aprendizagem de línguas, direito esse que acaba sendo usufruído apenas
pela camada mais afluente da população;
· a falta de professores e a falta de capacitação de muitos
professores não têm permitido atender às necessidades do país em
termos de uma aprendizagem de línguas de qualidade;
· há direitos e deveres na formação contínua de professores para
que reflitam e eventualmente reconstruam sua própria ação pedagógica;
· a Lingüística Aplicada, concebida como área de domínio próprio
que visa ao estudo de aspectos sociais relevantes da linguagem
colocadas na prática (relações sociais mediadas pela linguagem, ensino
das línguas, tradução e lexicografia/terminologia);
· as autoridades educacionais e governamentais não compreendem e
nem reconhecem a complexidade e a importância do ensino de línguas na
educação;
· há profissionais e especialistas no país no ensino de línguas
com competência para conceber e implementar projetos regionais e
nacionais de inovação curricular ou de formação profissional.
 
Propõem que:
 
· sejam elaborados planos de ação para garantir ao aluno o
acesso ao estudo de línguas estrangeiras, proporcionado através de
um ensino de qualidade;
· seja incentivado o estudo de mais de uma língua estrangeira;
· a língua estrangeira tenha o mesmo status das disciplinas do
núcleo comum;
· o estudo da língua estrangeira seja gradualmente estendido às
séries iniciais do ensino fundamental;
· as línguas estrangeiras a serem incluídas no currículo sejam
definidas pela comunidade na qual se insere a escola;
· se criem e se mantenham centros de ensino público de línguas
sem prejuízo da inserção já garantida das línguas estrangeiras nas
grades curriculares das escolas;
· haja pluralidade de oferta de línguas nos processos de acesso
ao ensino superior;
· sejam valorizados os conhecimentos especializados produzidos
por pesquisadores brasileiros na concepção e execução de projetos
regionais e nacionais;
· se aprofundem estudos, publicações e ações nas áreas de novas
tecnologias e ensino a distância;
· se explicite, através de ampla discussão dentro na ALAB, a
constituição de um perfil do profissional de ensino de línguas;
· sejam incluídos nos currículos dos cursos de Letras conteúdos
que contemplem com destaque as áreas de Lingüística Aplicada e
Ensino de Português como Língua Estrangeira;
· se constituam no âmbito da Associação de Lingüística Aplicada
do Brasil, Comissões para discutir a avaliação de línguas
estrangeiras e interferir na política de implementação dos exames
nacionais de ensino básico e superior e na política de criação e
avaliação de Cursos de Letras nos níveis de graduação e de pós-
graduação;
· as autoridades brasileiras que atuam junto ao Mercosul exijam
reciprocidade para o ensino do Português como Língua Estrangeira no
mesmo nível das iniciativas do ensino do Espanhol no Brasil;
· sejam oferecidas oportunidades para o ensino bilíngüe em
comunidades cujos membros façam uso constante de outras línguas que
não o Português;
· sejam criados planos e projetos para a qualificação e
formação contínua de professores no âmbito dos estados e
municípios;
· sejam elaborados projetos de integração entre as escolas,
Secretarias de Educação e Universidades para a educação contínua de
professores;
· sejam garantidas soluções que permitam o afastamento
temporário do professor da sala de aula ou redução de carga horária
para a formação contínua, inclusive para a participação em eventos;


· a profissão seja exercida exclusivamente por pessoas
legalmente habilitadas, incluindo a contratação de professores
pelos cursos particulares de línguas;
· haja prova específica de proficiência no uso da língua em
concursos para admissão de professores de línguas;
· as Secretarias Estaduais e Municipais de Educação fiscalizem
e coíbam a terceirização do ensino de línguas estrangeiras nas
escolas públicas e particulares de ensino regular;
· os professores das diferentes línguas dinamizem as atividades
das associações já existentes e incentivem a criação de novas
associações, no âmbito dos estados, que representem os
profissionais e promovam sua formação contínua.
· se promova a melhoria salarial do professor.
A ausência de políticas efetivas para promoção de línguas estrangeiras no
país faz com que muitas das propostas da Carta de Pelotas sejam ainda
consideradas utópicas. Um dos aspectos levantados com destaque pelo
documento é a situação do professor de língua estrangeira, que constituiu o
tópico seguinte da disciplina.

3.3 - Profissionalização

Considerando que em muitas situações o simples fato de ser um bom falante
da língua é suficiente para sua atuação como professor, faz com que a
profissionalização na área de línguas estrangeiras não seja ainda
consensual. Em muitos casos, ser professor de línguas é uma ocupação. No
cerne da profissionalização está a base de conhecimentos necessária ao seu
exercício. Embora geralmente se faça uma distinção entre conteúdo e
metodologia (ou pedagogia), Shulman (1987) distingue sete tipos de
conhecimentos necessários, todos entrelaçados entre si:

- conhecimento de conteúdo
- conhecimento pedagógico
- conhecimento curricular
- conhecimento pedagógico de conteúdo
- conhecimento dos alunos e suas características
- conhecimento do contexto educacional
- conhecimento dos fins educacionais, propostas, valores, suas filosofias e
fundamentos históricos

A divisão dos conhecimentos nas diversas categorias permite, por um lado,
identificar as especificidades da profissionalização de professores e, por
outro lado, compreender a complexidade de sua formação.


A educação do professor de línguas foi discutida, especialmente com relação
aos cursos de Letras. Foram analisadas as diretrizes curriculares para os
cursos de graduação em Letras, cujo perfil profissional é o segue[3]:

O objetivo do Curso de Letras é formar profissionais interculturalmente
competentes, capazes de lidar, de forma crítica, com as linguagens,
especialmente a verbal, nos contextos oral e escrito, e conscientes de sua
inserção na sociedade e das relações com o outro. Independentemente da
modalidade escolhida, o profissional em Letras deve ter domínio do uso da
língua ou das línguas que sejam objeto de seus estudos, em termos de sua
estrutura, funcionamento e manifestações culturais, além de ter consciência
das variedades lingüísticas e culturais. Deve ser capaz de refletir
teoricamente sobre a linguagem, de fazer uso de novas tecnologias e de
compreender sua formação profissional como processo contínuo, autônomo e
permanente. A pesquisa e a extensão, além do ensino, devem articular-se
neste processo. O profissional deve, ainda, ter capacidade de reflexão
crítica sobre temas e questões relativas aos conhecimentos lingüísticos e
literários.
Nesse sentido, visando à formação de profissionais que demandem o domínio
da língua estudada e suas culturas para atuar como professores,
pesquisadores, críticos literários, tradutores, intérpretes, revisores de
textos, roteiristas, secretários, assessores culturais, entre outras
atividades, o curso de Letras deve contribuir para o desenvolvimento das
seguintes competências e habilidades:
domínio do uso da língua portuguesa ou de uma língua estrangeira, nas
suas manifestações oral e escrita, em termos de recepção e produção de
textos;
reflexão analítica e crítica sobre a linguagem como fenômeno psicológico,
educacional, social, histórico, cultural, político e ideológico;
visão crítica das perspectivas teóricas adotadas nas investigações
lingüísticas e literárias, que fundamentam sua formação profissional;
preparação profissional atualizada, de acordo com a dinâmica do mercado
de trabalho;
percepção de diferentes contextos interculturais;
utilização dos recursos da informática;
domínio dos conteúdos básicos que são objeto dos processos de ensino e
aprendizagem no ensino fundamental e médio;
domínio dos métodos e técnicas pedagógicas que permitam a transposição
dos conhecimentos para os diferentes níveis de ensino.

Para a formação dos professores, devem ainda ser levadas em conta as
diretrizes para formação de professores, além das de Letras. Os paradigmas
atuais de formação de professores foram apresentados aos alunos, mediante
os modelos "artesanal", "de aplicação da ciência" e o "reflexivo". O modelo
reflexivo, de acordo com Wallace (1991) pretende combinar os dois modelos
anteriores, dando peso tanto à experiência quanto à base científica da
profissão, aproveitando os pontos fortes dos dois modelos. Com fundamento
na noção do profissional reflexivo, de Schön (1987), Wallace propõe a
reflexão sobre a prática como forma de desenvolver conhecimento
profissional. Este modelo, no entanto, ainda é raro. Segundo, Magalhães
(1997):
Dentro desse quadro, o perfil do professor de línguas,
quer na escola pública como em escolas de ensino de língua, vem sendo
o de um profissional aplicador de técnicas e receitas cuja ação está
embasada no livro didático e em receitas recomendadas por pesquisas,
que tinham por objetivo relacionar o processo do professor e o produto
do aluno.
[...]
Essa dificuldade em relacionar os conceitos teóricos –
saber que- e o conhecimento prático – saber na ação, saber como agir,
deve-se, segundo formadores de professores, a um modelo hierárquico de
formação com ênfase na transmissão de conhecimento, em que a teoria e
a prática do professor são dissociados. Isto é, primeiro o professor
"aprende" o conteúdo e depois deve usá-lo, aplicá-lo em sua sala. O
professor é um "aplicador de técnicas" (p. 2).

A superação da visão do professor como técnico depende, naturalmente, do
comprometimento dos profissionais formadores, cujas abordagens de ensino
direcionam, com grande parcela de responsabilidade, a identidade
profissional dos professores de línguas. Essa identidade estará mais
fortemente associada ao tipo de conhecimento valorizado, e.g. se o
conhecimento de conteúdo tiver maior valoração, o professor passará a
avaliar suas práticas a partir do critério do que seja ser um bom usuário
da língua.

Nesse ponto foram abordados aspectos de que domínio de conteúdo seriam
considerados minimamente necessários a um professor de línguas. O tópico,
sugerido pelos alunos no processo de negociação, revela a preocupação com
os conhecimentos desejáveis para um professor de línguas.


Interessante também observar que muitos dos alunos do curso são formados em
outras áreas e faziam a Especialização exatamente porque buscavam
conhecimentos outros que complementassem sua formação. Neste tópico puderam
olhar mais criticamente para suas próprias visões sobre o que seja ser um
bom professor de línguas e enquadrar suas respostas nas categorias
elencadas por Shulman (op.cit). Proporcionou também uma visão de língua e
para que seja, que nos remeteu de volta à questão da interculturalidade.

Dessa forma, fechou-se o círculo dos tópicos, em que a professora procurou
relacionar os assuntos tratados de modo a mostrar as inter-relações entre
os aspectos escolhidos pelos alunos.

4. Considerações finais

Neste artigo procurou-se exemplificar a negociação de conteúdos em um curso
em nível de especialização, através de uma disciplina que dava margem à
essa prática. Isto requereu que, após listar e priorizar os temas, estes
fossem seqüenciados de modo a se articularem. Assim, a interculturalidade,
apresentada de início, levou à consideração dos objetivos para o ensino de
línguas que, por sua vez, se vincularam às políticas de ensino, que traziam
necessariamente uma discussão sobre profissionalização. Deste modo, os
temas sugeridos pelos alunos foram acomodados de modo a fazer sentido.

Embora esta seja uma experiência ainda bastante limitada na medida em que
apenas os tópicos e a forma de avaliação foram negociados, pode-se dizer
que foi uma iniciativa bem sucedida, a julgar pelas avaliações finais da
disciplina feitas pelos alunos. Foi sensível a reação positiva ao
engajamento dos mesmos na definição dos tópicos. Dada a configuração de
oferta do curso (em bloco, com carga horária diária de 8 horas), a
negociação de tarefas não foi possível. Certamente em uma outra
oportunidade esse tipo de negociação deverá trazer outras contribuições
para se avaliar os efeitos da negociação em sala de aula como um modo de
tornar mais visível o ensino centrado no aluno.

Referências:

BARBIERI DURÃO, A.A. B. A importância da explicitação de matizes culturais
particulares no ensino de língua estrangeira. Signum, Londrina, v. 2, p.
139-154, 1999.
BREEN, M.; LITTLEJOHN, A. Classroom decision-making – negotiation and
process syllabuses in practice. Cambridge: Cambridge University Press,
2000.
CROZET, C. , LIDDICOAT, A Teaching culture as an integrated part of
language: implications for the aims, approaches and pedagogies of language
teaching. In: LIDDICOAT, A.; CROZET, C. (orgs) Teaching languages,
teaching cultures. Melbourne: Applied Linguistics Association of Austrália,
2000, p. 1-18.
GIMENEZ, T. Modelos de formação de professores de língua estrangeira. In:
BARBIERI DURÃO, A. A. B.; ANDRADE, O.G (orgs) Problemas de
ensino/aprendizagem de brasileiros estudantes de Espanhol. Londrina,
Editora UEL, 2000.
GOSLIN, P. A. How to be a carioca. Rio: Livros Twocan, 1992.
KRAMSCH, C. Context and culture in language teaching. Oxford: Oxford
University Press, 1993.
MAGALHÃES, M. C. O professor de línguas: um profissional reflexivo. Boletim
APLIEPAR, Londrina, n. 31, p. 2-3.1997.
MCKAY, S. L. Teaching English as an International language: implications
for cultural materials in the classroom. TESOL Journal, Washington, Winter
2000.
PEREIRA, A L O O eurocentrismo nos livros didáticos de língua inglesa.
Trabalhos em Lingüística Aplicada, Campinas, v.35, p. 7-19, jan/jun 2000.
SCHÖN, D. A. The reflective practitioner: how professionals think in
action. New York: Basic Books, 1983.
SHULMAN, L. Knowledge and teaching: foundations of the new reform. Harvard
Education Review, Cambridge, v. 57, n.1, p.1-22, 1987.
TOMALIN, B. , STEMPLESKI, S. Cultural awareness.Oxford: Oxford University
Press, 1993
WALLACE, M. Training foreign language teachers – a reflective approach.
Cambridge, Cambridge University Press, 1991.



GIMENEZ, T. . Negociação de conteúdos programáticos em curso de
especialização. Boletim. Centro de Letras e Ciências Humanas (UEL),
Londrina, PR, v. 46, p. 61-84, 2004.
-----------------------
[1] Pesquisadora CNPq
[2] However, the teacher often has to navigate all the students through a
set syllabus towards specific objectives. [...] The result is the actual
syllabus of the classroom which is an unfolding compromise between the
original pre-designed syllabus and the individual teacher´s alertness to
those aspects of learner agendas that may be revealed during classroom
work.

[3] Texto retirado da página do MEC: www.mec.gov.br
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.