Negociar com Londres ou ceder a Londres

June 8, 2017 | Autor: João Pedro Dias | Categoria: Brexit
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Negociar com Londres ou ceder a Londres? João Pedro Simões Dias – 2016.02.16

O Conselho Europeu desta semana irá ter em cima da mesa um tema controverso e polémico – a manutenção do Reino Unido na União Europeia, na sequência de um referendo que David Cameron prometeu realizar até final do próximo ano. Sabemos como as coisas começaram: por razões de política interna, quando Cameron ascendeu ao poder no RU comprometeu-se com a realização de um referendo sobre a presença do Reino na UE para segurar a ala eurocética do seu partido, seduzida com o discurso de Nigel Farage, serenar o lib-dem seu parceiro de governo e tranquilizar os próprios trabalhistas. Não sabemos como as coisas vão acabar: depois de alguma incredulidade inicial, Bruxelas admitiu que o assunto podia ser sério e dispôs-se a encetar conversações com o governo de Londres, para Cameron poder fazer campanha pelo sim no referendo à manutenção do Reino na União. Dessas conversações conhecemos as quatro principais medidas que o Presidente Donald Tusk, secundado por Jean-Claude Juncker, se predispuseram a ceder a ceder a Cameron. Em primeiro lugar, atribuir ao Reino Unido de um “travão de segurança” que poderá ser usado quando se produza um fluxo de trabalhadores de outros Estados membros, de magnitude excecional e duração prolongada. Nestas situações, Londres poderá negar a esses cidadãos comunitários prestações sociais relativas ao emprego. Em segundo lugar, conceder a Londres uma cláusula de salvaguarda para as

situações em que o aprofundamento de medidas adotadas no âmbito da zona euro sejam suscetíveis de prejudicar o Reino Unido ou a City londrina enquanto centro financeiro mundial. Em terceiro lugar, consagrar o “cartão vermelho” que permitirá a 16 dos 28 Parlamentos nacionais bloquear definitivamente iniciativas legislativas europeias que considerem atentar contra os seus interesses nacionais. Finalmente, admitir que o Reino Unido deixará de estar vinculado ao objetivo geral consagrado no Tratado da União Europeia de esta avançar rumo a uma união cada vez mais estreita, assumindo-se que tal objetivo afeta a soberania do Reino Unido. Tusk e Juncker já ofereceram isto; Cameron já se disse satisfeito mas acrescentou que ainda não chega. O Conselho Europeu dos próximos dias 18 e 19 ajudará a esclarecer. Sem embargo, são muitas as questões que se colocam neste processo. Desde logo, tentar perceber em que quadro jurídico este processo decorre. Saber se estamos a atuar no quadro dum processo de revisão formal dos tratados ou noutro qualquer quadro de duvidosa legitimidade. Da mesma forma, será curioso saber se, à luz do princípio da igualdade dos Estados membros, doravante qualquer outro dos 27 Estados da União Europeia poderá rever e reescrever a forma como se vincula à União, como lê e interpreta os seus compromissos para com o projeto europeu ou se isso é privilégio de Londres. É que, se estes aspetos não forem muito bem esclarecidos, corre-se o incontornável risco de, para evitar a saída do Reino Unido da União Europeia, acentuar o princípio da desigualdade entre os Estados membros da União; transmutar definitivamente a natureza da União

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Europeia; questionar dois dos seus pilares fundamentais (o princípio da liberdade de circulação de pessoas e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade); hipotecar definitivamente a possibilidade da UE avançar para uma efetiva união política; consagrar e institucionalizar a Europa a várias velocidades. O que, convenhamos, constituiria, quiçá, a última e definitiva machadada na essência desse projeto europeu corporizado pela atual União Europeia. É certo que Londres sempre beneficiou de um estatuto muito próprio face a Bruxelas: acordos especiais, cláusulas de optingout próprias, regimes jurídicos particulares – e nunca escondeu essas prerrogativas, antes, sempre as achou absolutamente normais e naturais, vá lá saber-se porquê. Elevar esses benefícios ao patamar que agora se pretende alcançar, supera quase tudo do que anteriormente se alcançou. Ou se cedeu. Daí que, com naturalidade, nos interroguemos igualmente sobre o processo em curso é um processo negocial ou um verdadeiro processo de cedência de que Bruxelas dá mostras. Ceder em tudo o que Londres pretender desde que, com isso, se consiga manter a presença do Reino na União. O que é tão mais contraditório ou contraproducente sabendo-se que esse processo nunca se traduzirá num reforço da União mas, sempre, num enfraquecimento dessa mesma União Europeia. Isto é, quanto mais a União ceder a Londres, mais fraca fica a própria União Europeia. O que significa que chegará o dia em que, necessariamente, terá de se colocar a questão de saber se a presença do Reino Unido no quadro da União Europeia é um fator de reforço ou de enfraquecimento desta mesma União Europeia. Pode suceder é que, nesse dia, a resposta à questão formulada já seja indiferente e pouco importe, por o projeto europeu já ter soçobrado e definitivamente definhado. 3

Uma coisa sabemos, de ciência certa – não é nem nunca será com o contributo britânico que a União Europeia evoluirá e se aprofundará no plano político, em vista de alcançar um estatuto político proporcional ao seu peso económico no mundo. Continuará a ser aquele gigante económico que não passará de um anão político. Donde, negociar com Londres, como parece acontecer atualmente, possa não ser mais do que ceder a Londres. Post-scriptum: A Bósnia-Herzegovina acaba de pedir a sua adesão à União Europeia. Sim, à União Europeia. Percebo que o pequeno Estado balcânico se queira juntar a esta União Europeia. Decerto Sarajevo não sabe onde se irá meter. Espanta-me, porém, é que a responsável pela política externa da União, a senhora Federica Mogherini tenha saudado o pedido e, sobretudo, o tenha feito nos termos em que o fez. Ensaiando mais uma fuga para a frente. Há momentos em que é preciso saber parar para (tentar) arrumar a casa. Continuar a admitir convidados com a casa desarrumada só vai aumentar a confusão e a desarrumação. Parece que a União não aprendeu nada com a mega-asneira de 2004 no que foi chamado de mega-alargamento a dez novos Estados, antes de se ter organizado. Com a Bósnia as questões que se levantam são tanto do lado da UE (com os problemas conhecidos) como do lado da Bósnia - totalmente impreparada para aderir à União: um Estado com um Presidente da República que roda de oito em oito meses (entre um representante bósnio-muçulmano, um croata e um sérvio) que possui no seu seio pelo menos três nações (bósnios, sérvios e croatas) e duas entidades politicamente autónomas, a Federação da Bósnia e Herzegovina e a República Sérvia, que aspiram a ser independentes. Um Estado onde as discriminações em razão da nacionalidade e origem étnica são a regra e em que muitos outros fundamentos básicos do direito comunitário são permanentemente violados. Para a Babel em que transfor-

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mou a UE ser perfeita só faltava, mesmo, concretizar-se a adesão da Bósnia-Herzegovina.

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