Negócio jurídico processual | Anotações informais acerca do novo processo civil | Nota n. 07

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Anotações informais acerca do novo processo  Nota 07

S U M Á R I O : 1. A contratualização das relações sociais; 2. Autonomia privada no âmbito processual; 3. Conceito e classificações; 4. Negócios jurídico processuais atípicos; 4.1. Existência, validade e eficácia; 4.1.1. Capacidade; 4.1.2. Objeto; 5. Brevíssimas anotações sobre o calendário processual (case manegement); 6. Críticas conclusivas.

1. Os sistemas marcados pela ineficiência da justiça civil, na esperança de superar essa crise, rendem-se, cada vez mais, às técnicas alternativas de resolução de conflitos (no ordenamento estadunidense, as chamadas Alternative Dispute Resolution – ADR’s), enquanto opção ao sistema jurisdicional tradicional (cf., para uma visão crítica acerca da crença cega nesses meios, CHASE. Direito, cultura e ritual. Marcial Pons, 2014, p. 137). É o caso do Brasil, em que por meio de um modelo multiportas de resolução de conflitos (sobre o tema, cf. KESSLER-FINKELSTEIN. The Evolution of a Multi-Door Courthouse, 37 Cath. U. L. Rev. 577, 1988), espalhado pelo Código de 2015, busca-se aliviar o maquinário oficial da justiça civil, enriquecendo e diversificando a oferta de meios de tutela jurisdicional (cf.,

NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL no direito comparado, VARANO-SIMONI. Italian national report. Civil Procedure in Cross-Cultural Dialogue. University of California, n. 2013-119, p. 42 e s.). Entre as mudanças perpetradas no novo Código, no afã de melhor prestar a jurisdição, encontra-se o acolhimento aberto de uma cláusula geral de negociação processual (cf. 190 do CPC/2015). Não que o Código anterior não permitisse a feitura de negócios jurídicos processuais. De fato, ele permitia. No entanto, o modelo adotado era o da tipicidade, razão pela qual as partes ficariam cingidas aos negócios jurídicos processuais autorizados pela lei. Aliter, o novo Código consagra uma cláusula aberta de negociação processual, e a consequente alforria das amarras da tipicidade legal. Acompanha-se uma tendência teórica que já se apresentava na cultura jurídica processual mundial, começando na Inglaterra e nos Estados Unidos, chegando na Alemanha, na França e na Itália (cf. CAPONI. Autonomia privata..., Civil Procedure Review, v.1, n.2, jul./set., 2010, p. 44-7; CADIET. Los acuerdos..., Civil Procedure Review, v.3, n.3, aug./dec., 2012, passim; THEODORO JR.-NUNES-BAHIA-PEDRON. Novo CPC…, Forense, 2015, item 5.2.2). Conforme alerta com propriedade CADIET, quando comenta o tema à luz do ordenamento francês, os negócios jurídicos processuais se inscrevem dentro de uma tendência muito clara: a contratualização contemporânea das relações sociais. Este fenômeno liga-se, de um lado, à própria decadência do centralismo estatal e do legicentrismo e, de outro, à visão pós-moderna de ordem jurídica negociada pelos atores sociais (cf. CADIET. Los acuerdos..., Civil Procedure Review, v.3, n.3, aug./dec., 2012, p. 4-6). 2. A tensão por muito tempo – e ainda hoje – existente entre os negócios jurídicos e o processo, cuja moldura geral remonta à própria crise entre a autonomia privada e a ideia de cogência das

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 normas jurídicas processuais, obstaculizou o desenvolvimento acadêmico do tema. Como efeito, a equilibrada extensão da incidência da autonomia privada dentro do âmbito processual ficou prejudicada pelo desinteresse acadêmico no assunto e pelo preconceito advindo do pensamento jurídico estatista que colocava o processo civil, por completo, na indisponibilidade dada ao ius publicum (cf. CAPONI. Autonomia privata...,Civil Procedure Review, v.1, n.2, jul./set., 2010, p. 44; TARELLO. Dottrine…, Il Mulino, p. 37). No Brasil, não poucos doutrinadores do mais alto nível advogaram a inexistência da categoria dos negócios jurídicos processuais, calcados, em muito, nas considerações sobrescritas (v. g., DINAMARCO, GRECO FILHO, MITIDIERO, CÂMARA, entre outros – cf., para uma análise esmiuçada e ampla citação de nomes e obras, THEODORO JR.-NUNES-BAHIA-PEDRON. Novo CPC…, Forense, 2015, ítem 5.2.2). O Código de 2015 sepulta qualquer dúvida com relação à possibilidade de incidência da autonomia privada no âmbito processual. Entendimento contrário aos negócios jurídicos processuais, hoje, será tido como contra literam legis. Nem por isso, no entanto, a questão amansa-se, pois, agora se fará mister a boa delimitação dos limites da autonomia privada no processo, que, a toda a evidência, não são os mesmos das relações civis materiais. É curial ter em mente que, nem mesmo no âmbito eminentemente privado, a autonomia é vista hoje em dia como era no passado. Se antes era ela um “cheque em branco” dado pelo legislador à auto-regulamentação individual do sujeito; hoje, a autonomia privada deve se dirigir à realização de interesses e de funções que merecem tutela porque são socialmente úteis. E, na precisa pena de PERLINGIERI, “na utilidade social existe sempre a exigência de que atos e atividades não contrastem com a segurança, a liberdade e a dignidade humana (cf. Perfis..., Renovar, 1997, p. 19).

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NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL Por essas razões, “não se poderia reconhecer à autonomia da vontade, no campo processual, atuação tão ampla como a que se lhe abre o terreno privatístico” (BARBOSA MOREIRA. Convenções..., Temas..., 3.ª série, Saraiva, 1984, p. 91). A necessidade de salvaguardar os valores segurança, previsibilidade e justiça, impõem uma regulação mais aguda da autonomia privada, sem, contudo, extirpá-la. Embora teoricamente essas afirmações sejam remansosas na doutrina (cf. GRECO. Os atos de disposição..., REDP, 2007, out./dez., passim; DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 379; GAJARDONI. Teoria geral..., Método, 2015, coment. art. 190; MEDINA. Novo CPC, RT, 2015, coment. arts. 188 e 190); é grande a curiosidade para se saber como tais percepções se colmatarão na prática. 3. No direito civil, o negócio jurídico (Rechtesgeschäft) é um ato finalista, cuja nota essencial é intenção de produzir consequências jurídicas (cf. ASCENSÃO. Direito civil..., v.2, Saraiva, 2010, p. 66). Em sua estrutura, a vontade encontra-se tanto no suporte fático quanto no estabelecimento dos efeitos jurídicos, razão pela qual a doutrina afirma que ele é fruto direto da autonomia privada (cf. AMARAL. Introdução..., Renovar, 2008, p. 385). Entre os processualistas, a definição não muda muito: “negócio processual é o ato jurídico em cujo suporte fático está conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentro dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais” (NOGUEIRA. Breves comentários..., RT, 2015, p. 591). O seu fundamento é a tutela efetiva dos direitos, decorrendo da própria adoção de um modelo cooperativo de processo. Com esta técnica, busca-se uma organização programada do processo, através de um “governo de tempos”, hábil – ao menos em tese – a reduzir a duração do processo (cf., com amplos apontamentos à jurisprudência italiana, MEDINA. O novo CPC, RT, 2015, coment. art.

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 191). A doutrina classifica os negócios jurídico processuais das mais variadas formas. Quanto ao seu objeto, dizem-se negócios sobre o procedimento ou negócios sobre situações jurídicas processuais. Quanto à previsão legal, dizem-se negócios típicos ou negócios atípicos. Quanto ao número de sujeitos envolvidos, dizem-se unilaterais, bilaterais ou plurilaterais. Quanto ao direcionamento das vontades, dizem-se contratos (quando as vontades são contrapostas) ou acordos (quando as vontades são convergentes). Quanto à manifestação de vontade, dizem-se expressos ou tácitos, estes últimos oriundos de atos comissivos ou omissivos. Quanto ao espaço de autonomia, os negócios se dividem entre os que precisam de homologação (que são a exceção) e os que prescindem dela. Por fim, quanto ao momento, são os negócios pré-processuais ou incidentais, estes quando a negociação se dá no curso de demanda pendente (cf., para uma análise detalhada, CAPONI. Autonomia privata...,Civil Procedure Review, v.1, n.2, jul./set., 2010, p. 45-6; DIDIER JR. Curso…, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 376-80). Embora todas as variadas classificações sejam dignas de cotejo, quanto mais diante ascensão de uma nova codificação, o que demanda a solidificação de conceitos e institutos, para os fins deste escrito optou-se por fazer um corte analítico: analisar-se-á tão só as duas principais inovações trazidas no novel diploma, quais sejam, os negócios jurídicos atípicos e o calendário processual. 4. O art. 190 do CPC/2015, como se viu, acolhe abertamente a cláusula geral da negociação processual, fonte dos negócios jurídicos processuais atípicos. O mesmo artigo autoriza às partes negociação sobre o procedimento, possibilitando a modificação do iter procedimental para o melhor ajuste às especificidades da causa (flexibilização voluntária do procedimento). Trata-se de importante previsão que serve ao valor efetividade, fazendo valer o princípio da

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NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL adaptação procedimental (cf. ALVARO DE OLIVEIRA. Do formalismo..., Saraiva, 2011, p. 110-15 e 159-65). Na mesma toada, o art. 190 prevê a possibilidade ajuste das partes quanto situações jurídicas processuais que envolvem seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Os negócios jurídicos atípicos, segundo GAJARDONI, necessariamente serão bilaterais (cf. Teoria geral..., Método, 2015, coment. art. 190, n. 4.2). Não há, porém, como dar total razão ao jurista, na medida em que nada obsta, por exemplo, a negociação entre as partes e o juiz no que concerne a uma execução negociada de sentença (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 383); situação em que ter-se-á um negócio processual atípico plurilateral (autorréu-juiz). No mais, é importante saber que as regras gerais de negociação processual se encontram nos arts. 190 e 200 do CPC/2015, o que leva a doutrina a defender que tais dispositivos compõem o “microssistema” de negociação processual (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 382). 4.1. Assim como no direito material, os negócios jurídicos processuais devem ser analisados em três planos distintos, concernentes à sua existência, validade e eficácia (cf., neste sentido, YARSHELL. Convenções..., Negócios processuais, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 63-79; THEODORO JR.-NUNES-BAHIA-PEDRON. Novo CPC…, Forense, 2015, item 5.2.3). Compõem o plano da existência a forma, o objeto, o agente, o lugar e o tempo (cf. YARSHELL. Convenções..., Negócios processuais, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 67-8). A forma deverá ser necessariamente escrita (redução a termo em audiência ou prévio ajustamento contratual), forte no contraditório e na publicidade. Já o objeto é a regulação da relação processual, vale dizer: a convenção sobre o procedimento ou sobre os ônus, poderes, faculdades e deveres. Os agentes

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 são as partes. No que se refere ao lugar, explica YARSHELL que a sua alusão precisa ser entendida corretamente: o lugar se refere à localidade em que se deve (ou pode) praticar o ato, e não necessariamente à competência. Enfim, o critério tempo é avaliado quanto ao momento em que se fez o negócio processual, isto é, antes ou durante o processo. Vencida análise do plano da existência, passa-se ao plano da validade. Nesta etapa, há que se perquirir a licitude do objeto; a natureza transacionável do objeto; a observância ao devido processo legal; a capacidade processual da parte; a presença do advogado; e o respeito à autonomia da privada (cf. YARSHELL. Convenções..., Negócios processuais, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 68-76). Por fim, verificada a existência e validade do negócio jurídico, impende verificar o quadro da eficácia. Este é composto pelos seguintes elementos: condição, termo, encargo e consequências do inadimplemento integral (juros, multas, perdas e danos). É de se destacar que a possibilidade de estabelecer condições e termos aos negócios processuais não é por todos aceita (cf. LENT. Diritto..., Morano, 1959, p. 123; BARBOSA MOREIRA. Convenções..., Temas..., 3.ª série, Saraiva, 1984, p. 95). Milita melhor argumento, porém, em favor da tese que admite tais estipulações. Ora, não há como olvidar, por exemplo, da possibilidade de pacto acerca da suspensão do processo, um verdadeiro negócio jurídico sujeito a termo (cf., mais densamente, THEODORO JR.-NUNES-BAHIA-PEDRON. Novo CPC…, Forense, 2015, item 5.2.3). Os dois pontos mais delicados na análise dos planos do negócio jurídico processual relacionam-se à capacidade e ao objeto. Por esse motivo, reservar-se-á a tais assuntos um espaço de apuração mais detalhado. 4.1.1. O art. 190 do CPC/2015 prevê a possibilidade de negociação às partes plenamente capazes, mas não estabelece a qual

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NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL capacidade se refere. Ademais, estabelece no parágrafo único do mesmo artigo a invalidade das negociações processuais em que presente parte vulnerável. Dada a omissão, a doutrina dividiu-se: uns, apontam tratar-se da capacidade de fato regulada pelo direito material (cf. GAJARDONI. Teoria geral..., Método, 2015, coment. 190, n. 5); outros, pensam que aos negócios celebrados antes da propositura da demanda, a capacidade exigida é a do direito material e, aos negócios celebrados durante a litispendência, a capacidade exigida é a processual e a postulatória (cf. ALMEIDA. Das convenções...UERJ, 2014, p. 120-121); por fim, tem-se os que advogam tratar-se sempre de uma capacidade processual negocial, que pressupõe a capacidade processual e postulatória, mas não se restringe a elas, pois a vulnerabilidade configuraria caso de incapacidade processual negocial (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 385). A última posição parece ser a que melhor explica o instituto. A uma, porque tem êxito em aclarar a capacidade negocial dos entes despersonalizados, desprovidos de capacidade de fato (arts. 2.º, 3.º e 4.º do CC), mas que possuem personalidade judiciária (art. 75 do CPC/2015). A duas, pois não soçobra ante as hipóteses em que o sujeito é capaz processualmente, mas incapaz negocialmente porque é vulnerável (v. g., um consumidor é capaz processualmente, malgrado seja um incapaz processual negocial, dada sua vulnerabilidade presumida). 4.1.2. Já o objeto do negócio processual, conforme advertiu com muita propriedade DIDIER JR., constitui “o ponto mais sensível e indefinido na dogmática do negócio processual atípico” (Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 387). No afã de buscar padrões dogmáticos seguros para o exame do objeto dos negócios processuais é de bom alvitre lançar mão de algumas diretrizes básicas ao estudo e aplicação do tema.

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 A primeira diretriz consiste no critério do in dubio pro libertate, proposto por PETER SCHLOSSER (apud CAPONI. Autonomia privata...,Civil Procedure Review, v.1, n.2, jul./set., 2010, p. 45). Assim, ressalvada regra expressa em contrário, deve-se dar interpretação extensiva à cláusula geral de negociação processual. Outra máxima aplicável diz respeito ao diálogo de fontes com o direito civil. Na carência de disciplina especial, as normas gerais e específicas dispostas no direito civil acerca dos negócios jurídicos devem ser aplicadas aos negócios processuais. Assim, todo o regramento acerca da ilicitude de objeto, dos defeitos do negócio jurídico, dos princípios da boa-fé, equilíbrio contratual, função social do contrato etc., devem ser aplicados também aos negócios processuais. A terceira proposição-base diz respeito à natureza transacionável da causa. Com efeito, ao estabelecer que a negociação processual terá campo nos processos sobre direitos que admitam autocomposição (cf. art. 190 do CPC/2015), não quis o legislador estabelecer que só os direitos disponíveis fossem objeto de negociação. Nada obsta, à evidência, que o direito em litígio seja indisponível e mesmo assim comporte solução por autocomposição: é o caso dos processos que envolvem direitos coletivos ou alimentares, por exemplo (cf. DIDIER JR. Curso..., v.1, JusPODIVM, 2015, p. 387; GAJARDONI. Teoria geral..., Método, 2015, coment. 190, n. 9). De todo modo, algumas questões não são transacionáveis. Segundo YARSHELL, não podem ser objeto de negociação processual as seguintes questões: (i) intervenção do MP; (ii) incompetência absoluta; (iii) organização judiciária; (iv) lealdade processual; (v) ampliação rol de condutas de má-fé; (vi) criação recursos; (vii) criação de hipóteses de ação rescisória; (viii) dispensa do requisito do interesse processual (necessidade, utilidade e adequação), dentre outros.

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NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL Daí decorre mais uma diretriz: não se admite negócio processual que tenha por objeto afastar regra processual que sirva à proteção de direito indisponível. Nessa senda, apresenta-se uma interessantíssima questão: a verdade negociada. Esse problema foi bem levantado por TARUFFO, quando o insigne jurista italiano demonstrou o perigo subjacente à tendência há muito alastrada nos países que vivenciam uma “crise da justiça civil” em deixar com que os fatos que devem ser apurados em juízo sejam determinados em função do comportamento das partes (cf. Uma simples verdade. Marcial Pons, 2012, p. 146-158). Partindo da premissa de que a apuração da verdade dos fatos configura-se como uma condição necessária de justiça da decisão, TARUFFO explica que qualquer derrogação ou limitação que se faça a tal apuração determina inevitavelmente um deficit na descoberta da verdade e, desta forma, um deficit na legalidade e na justiça da decisão (cf. Uma simples verdade. Marcial Pons, 2012, p. 147-8). Por isso, por exemplo, não se poderia convencionar a limitação dos poderes instrutórios do juiz no processo, pois, tal ajuste implicaria na eliminação do dever do Estado-juiz de alcançar a verdade. Na doutrina brasileira, o tema é polêmico. Embora seja preferível o entendimento que abraça as lições do autor italiano (cf., nesse sentido, GAJARDONI. Teoria geral..., Método, 2015, coment. 190, n. 23), é muito frequente – e com também sólidos argumentos – a exposição de opinião diversa, admitindo a negociação da verdade no processo (cf. BECLAUTE OLIVEIRA SILVA. Verdade..., Negócios processuais, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 383-404; Enunciado 21 do FPPC). 5. A fixação do calendário processual também é interessante possibilidade de convenção processual. Segundo o art. 191 do

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 CPC/2015, de comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso (negócio processual plurilateral). Este calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados. Ademais, dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário (art. 191, §§ 1.º e 2.º, do CPC/2015). O dispositivo busca inspiração no case management inglês e americano. O grande objetivo da norma é estabelecer uma feição individualizada a cada necessidade, escapando de uma “vala comum legal”, o que supostamente propiciaria ganhos de economia processual (cf. THEODORO JR.-NUNES-BAHIA-PEDRON. Novo CPC…, Forense, 2015, item 5.2.3). A adequação do procedimento às vicissitudes do caso é deveras interessante. Porém, o espectro de relações em que, de fato, tenha-se garantia de real autonomia da vontade (tomada a ideia na subjetividade que lhe é inerente – cf. AMARAL. Introdução..., Renovar, 2008, p. 77), é escasso. Não raras vezes, o poder (jurídico, econômico, social etc.) de uma parte imporá à outra os destinos do processo, conforme melhor lhe aprouver. A forma como Judiciário lidará com esse nível de customização dos processos é uma incógnita, notadamente, ante a massificação dos processos. Nesse ambiente, é inegável o risco de se criarem processos de primeira e segunda classe: os primeiros, fruto da técnica dos advogados mais preparados, customizados e mais fáceis de deslindar, razão pela qual ganharão “preferência” de julgamentos; os segundos, oriundos de demandas de massa, padronizadas e vez ou outra desprovidas da melhor técnica, razão pela qual a “classe” se verá subjugada. O contrário também pode ocorrer: os processos customizados seriam vistos

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NEGÓCIO JURÍDICO PROCESSUAL como “diferentes”, fugindo daquilo que habitualmente é visto no judicium, e, por isso, preteridos no julgamento; já os processos massificados, mais habituais e de fácil resolução, ganhariam a prelação judicial. 6. As duas grandes novidades trazidas pelo Código de 2015 no que se refere à negociação processual são os negócios processuais atípicos e o calendário processual. Ambas, entregues à sorte. Como informa GAJARDONI, o Judiciário brasileiro, com as suas 100 milhões de demandas, necessitaria de uma rotina, simples e padronizada, a fim de trabalhar e dar vazão às causas pendentes. Ainda conforme o autor, esse padrão fordiano (a rigor, talvez seria mais correto falar em taylorismo, dada especialização das serventias, a ausência de auxílio da “máquina” – caractere padrão do fordismo – e a evidente alienação mental dos integrantes do sistema) de trabalho tende a permitir a aceleração no cumprimento e desenvolvimento dos processos (cf. Teoria geral..., Método, 2015, coment. art. 190, n. 27). Os comentários do autor supracitado são deveras interessantes e pertinentes, quanto mais pelo fato de quem escrevê-los ser um juiz de direito. Pode-se concluir que nada do que se traz de novo no seio do Código de 2015 será suficiente se não se fizer acompanhar de uma mudança de mentalidade por parte de todos os envolvidos na prestação jurisdicional (autor, réu, advogados, juízes, serventuários, peritos, terceiros etc.). Exige-se uma percepção séria da jurisdição, que imbui os litigantes a não litigar, senão quando efetivamente necessário; o Judiciário a não procrastinar, nem desrespeitar as garantias das partes; os advogados a defenderem prioritariamente os interesses das partes, e não os seus próprios, sempre com boa-fé e lealdade; assim por diante. Como bem obtempera YARSHELL, o sucesso ou o fracasso das novas disposições depende do empenho e boa vontade

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ANOTAÇÕES INFORMAIS ACERCA DO NOVO PROCESSO CIVIL | Nota 07 de todos os envolvidos, pois, “[s]ó então saberemos se caminhamos, de fato, para uma nova era” (cf. Convenções..., Negócios processuais, v.1, JusPODIVM, 2015, p. 80). LUCAS DE OLIVEIRA Juiz de Fora, Minas Gerais, 13 de março de 2016.

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