Negócios Jurídicos Processuais

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NEGÓCIOS JURÍDICOS PROCESSUAIS BRUNO GARCIA REDONDO 1. Introdução1

Os negócios jurídicos processuais são uma inovação no NCPC e, de rigor, uma novidade no direito brasileiro. Trata-se de tema muito raramente tratado pelos autores nacionais. Por causa do sabor da originalidade de que o tema se reveste, justifica-se, mesmo à luz dos propósitos deste livro, que se façam algumas (poucas) considerações teóricas, com o objetivo de contextualizá-lo.

2. “Publicismo” do Direito Processual Civil e o CPC/1973

O Direito Processual, enquanto ramo autônomo do Direito, ainda é muito recente. Ao longo dos mais recentes séculos, especialmente no que tange aos países do sistema romano-germânico e de civil law, foi possível identificar um movimento no sentido da “publicização” do Direito Processual. Esse movimento não se resume à mera identificação do Direito Processual como ramo do Direito Público, mas, a rigor, o estabelecimento de um modelo de processo que veio a ser denominado de inquisitivo (inquisitorial ou não adversarial).                                                              

Referência da publicação: REDONDO, Bruno Garcia. Negócios jurídicos processuais. In: WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Temas essenciais do novo cpc: análise das principais alterações do sistema processual civil brasileiro. São Paulo: RT, 2016, p. 227-236.  Doutorando e Mestre em Direito Processual Civil pela PUC-SP. Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela PUC-Rio. Pós-Graduado em Advocacia Pública pela UERJ (ESAP/PGERJ). Pós-Graduado em Direito Público e Direito Privado pela EMERJ (TJRJ/UNESA). Professor efetivo nas Graduações da PUC-Rio e da UFRJ e nas Pós-Graduações da PUC-Rio, da Escola da Magistratura (EMERJ), do IBMEC, do CESUSC, da ABDConst e da ABAMI. Professor convidado nas Pós-Graduações da UERJ; da Universidade Estadual de Londrina (UEL – PR); da Faculdade Baiana de Direito (FBD – BA); da Faculdade Pitágoras (Guarapari – ES); da Universidade Católica Dom Bosco (Campo Grande – MS); das Escolas do Ministério Público (AMPERJ), da Defensoria Pública (FESUDEPERJ), de Administração Judiciária (ESAJ/TJRJ), da Advocacia-Geral da União (EAGU/RJ) e da Advocacia (ESA OAB-RJ); da Rede LFG; do Damásio (CEDJ/CEPAD); do FORUM; do CERS e da ABAMI. Membro efetivo e Secretário-Geral Adjunto do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro fundador do Instituto Carioca de Processo Civil (ICPC). Membro efetivo do Instituto Iberoamericano de Derecho Procesal (IIDP) e da Academia Brasileira de Direito Processual Civil (ABDPC). Vice-Presidente da Comissão de Estudos em Processo Civil da OAB-RJ. Procurador da OAB-RJ. Procurador da UERJ. Advogado. http://lattes.cnpq.br/1463177354473407. http://www.facebook.com/profgarciaredondo. [email protected]. 1 Todos os artigos citados no texto sem referência são do NCPC.

De acordo com o modelo inquisitivo mais puro, o órgão jurisdicional assume a função de protagonista da relação processual. Rompida a inércia da jurisdição pela provocação da parte, o processo passa a se desenvolver por impulso oficial. O magistrado é quem realiza a maior parte da atividade processual, especialmente no que tange à condução, ao desenvolvimento e à instrução do processo. Permite-se ao juiz a produção de prova de ofício, bem como o indeferimento das provas que considerar desnecessárias ou irrelevantes para a solução da causa. Há preponderância dos atos escritos sobre os orais. Nesse modelo, costuma predominar o princípio inquisitivo. É por essa razão que ainda predomina a afirmação de que este modelo teria sido o adotado pelos CPCs brasileiros de 1939 e de 1973, os quais, ainda que certo modo influenciados pela estrutura liberal, teriam sofrido inegável influência europeia no sentido da consagração do publicismo e da ruptura da visão liberal do processo, tendo em vista a consagração do impulso oficial, da amplitude dos poderes instrutórios do juiz, dos poderes decisórios sobre matérias cognoscíveis ex officio e do sistema do (livre) convencimento motivado, entre outros. Era inegavelmente minoria a parcela da doutrina que defendia — a nosso ver, com razão — que o modelo compatível com o Direito Processual Civil brasileiro da atualidade seria um modelo “misto”, mais cooperativo.

3. Autorregramento da vontade das partes no CPC/1973

Não obstante a profícua divergência doutrinária sobre o tema, prevaleceu o entendimento de que o CPC/1973 seria fundado no modelo publicista de processo, ao conferir protagonismo à figura do juiz, reservando-lhe poderes significativamente maiores para a condução do processo em comparação aos das partes. Nas últimas décadas, difundiu-se a ideia de que o magistrado não teria, a rigor, “poderes”, mas deveres-poderes, já que a condução do processo lhe traz responsabilidade. Não obstante a ótica pela qual se enxergasse a questão — se poder, ou se verdadeiro dever-poder — fato é que o protagonismo do magistrado ainda era significativo. Por isso, a autonomia da vontade das partes (para convencionarem sobre suas situações processuais) encontrou, como regra geral, espaço bastante limitado sob a égide do CPC/1973. Realmente o CPC/1973 estabeleceu número reduzido de convenções

processuais típicas, regulando poucas situações processuais. Como exemplos de convenções típicas naquele Código, tem-se a admissibilidade de acordos sobre o foro da demanda (critério territorial relativo de competência), o ônus da prova, o adiamento da audiência de instrução e julgamento e a fixação de prazos dilatórios. Não obstante a regulamentação expressa dessas hipóteses, a própria natureza jurídica de tais convenções era controvertida na doutrina. O entendimento que prevaleceu, à luz do CPC/1973, era contrário à existência da categoria negócio jurídico processual, baseado na ótica de que a vontade não teria qualquer relevância na produção de efeitos pelo ato processual. O sentido juridicamente relevante do ato processual seria objetivo, sem qualquer relação com elementos estranhos à declaração. A vontade das partes seria, pois, irrelevante na determinação dos efeitos dos atos processuais. Aquelas situações processuais anteriormente referidas, para grande parte da doutrina, tinham natureza de meros atos processuais, e não de negócios processuais. Apesar disso, alguns processualistas já reconheciam a figura dos negócios processuais2-3. Prevaleceu a ideia de que, à luz do CPC de 1973, seriam cabíveis somente as hipóteses típicas, isto é, aquelas regulamentadas especificamente na lei. O entendimento predominante foi o de que o CPC/1973 teria sido silente quanto à possibilidade de celebração de convenções atípicas pelas partes (sem prévia regulamentação específica), levando à conclusão no sentido de sua impossibilidade. Dado curioso é que o art. 158 do CPC/1973, a nosso ver, sempre guardou um significativo potencial de interpretação no sentido de ali estar consagrada, implicitamente, uma cláusula geral de atipicidade de negócios jurídicos processuais. Esse, porém, não foi o entendimento que prevaleceu na ocasião.

4. “Inovações” do CPC/2015 no que tange aos negócios processuais

O NCPC prevê, de início, maior número de hipóteses de negócios processuais típicos (com regulamentação legal específica), permitindo, às partes, maiores poderes para condução do processo (v.g., escolha da pessoa do perito, fixação de calendário                                                              2

MOREIRA, José Carlos Barbosa. Convenções das partes sobre matéria processual. In: MOREIRA, José Carlos Barbosa. Temas de direito processual: terceira série. Saraiva, 1994, p. 91-98. 3 GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual: primeiras reflexões. Revista Eletrônica de Direito Processual, Rio de Janeiro: UERJ, a. 1, v. 1, out-dez. 2007, p. 07-28.

processual, saneamento cooperativo/compartilhado). Isto, porém, não foi o bastante para o legislador. Indo muito além e buscando a quebra daquele paradigma exacerbadamente publicista e a diminuição do excessivo protagonismo judicial, o novo Código partiu de premissa profundamente diversa, fundando-se no princípio da adequação (especialmente a negocial, isto é, pelas partes), e instituiu um modelo de processo claramente cooperativo. Assim é que os novos arts. 190, 191 e 200 passaram a consagrar não menos do que 03 (três) figuras importantíssimas, a seguir analisadas, que refletem uma ruptura radical rompem com os anteriores paradigmas.

4.1. Princípio da adequação processual

De início, foi claramente estabelecido o princípio da adequação — decorrente das garantias constitucionais do devido processo de direito (art. 5º, LIV, da CF/1988), do acesso à justiça (art. 5º, XXXV, da CF/1988) e da tempestividade da tutela jurisdicional (art. 5º, LXXVIII, da CF/1988) —, que impõe que os procedimentos sejam os mais adequados possíveis (às peculiaridades da causa, às necessidades do direito material, às pessoas dos litigantes, etc.) para que, mediante prestação jurisdicional eficiente, a tutela jurisdicional possa ser realmente efetiva. Para que o procedimento possa ser efetivamente adequado, forçoso reconhecer que tanto o juiz quanto as partes, são dotados de poderes para promover adaptações no procedimento (denominada de adequação negocial).

4.2. Cláusula geral de atipicidade de negócios processuais

Foi também consagrada uma verdadeira cláusula geral de atipicidade de negócios processuais (arts. 190 e 200), sendo ampla a liberdade das partes para celebração de convenções processuais. A autorização legal é atípica porque inexiste prévia estipulação das adequações que podem ser efetuadas no procedimento, como também não há específica identificação do objeto das convenções das partes em matéria processual (quais direitos, quais ônus, quais faculdades e quais deveres podem ser convencionados), nem do alcance e dos limites desses negócios processuais (isto é, qual o espectro dessas disposições).

4.3. Princípio do respeito ao autorregramento da vontade

Foi positivado, finalmente, o princípio do respeito ao autorregramento da vontade das partes no processo (art. 200). Dito princípio estabelece que a vontade das partes deve ser observada pelo juiz como regra geral, uma vez que a eficácia dos negócios processuais é imediata e independente de homologação judicial, sendo possível o controle judicial somente a posteriori e apenas para o reconhecimento de defeitos relacionados aos planos da existência ou da validade da convenção.

5. Rompimento radical com o anterior sistema: necessidade de mudança de paradigma para a adequada interpretação da inovação

O sistema do NCPC é baseado, portanto, em premissas profundamente diferentes das que imperaram durante a égide do CPC/1973: ampliação dos poderes das partes para adequação do procedimento e preponderância da vontade das partes, sobre a do juiz, no que tange à disposição sobre seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Ditas novidades romperam com o sistema do CPC/1973, ao se basearem em mudança de paradigma que deve gerar, obrigatoriamente, consequências e conclusões diversas daquelas com as quais o operador do Direito estava acostumado até então. É absolutamente essencial que o intérprete altere, inteiramente, suas premissas, sob pena de esvaziar o potencial e o alcance dessa nova sistemática, o que resultaria em interpretação claramente contra legem. Para a adequada aplicação da nova sistemática processual, é necessário partirse de uma nova premissa. O objetivo do processo é a tutela do direito material, cujos titulares são as partes. Por essa razão, deve-se reconhecer que os titulares de determinadas situações processuais são as próprias partes, e não o juiz ou o Estado. E, sendo as partes as titulares, deve ser garantida, às mesmas, liberdade maior no sentido da disposição (lato sensu) sobre determinadas situações processuais. Sempre que o direito material permitir autocomposição, é licito as partes disporem livremente sobre o mesmo, inclusive para o próprio “prejuízo”. Condutas relacionadas ao plano material e, até mesmo, ao plano processual, podem influenciar, diretamente, na tutela do direito material: é possível o não ajuizamento de demanda, a não apresentação de resposta, o reconhecimento da procedência do pedido, a renúncia

ao direito, a transação, a não interposição de recurso, a não instauração de execução, a desistência da execução, etc. Por essa razão, é evidente que as partes também podem dispor sobre o plano processual (seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais), mesmo quando a convenção vier, em tese, a favorecer uma parte em detrimento da outra. Inexistindo defeitos relativos aos planos da existência ou da validade do negócio processual, não há como negar a possibilidade de celebração de convenções processuais sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes. São possíveis não apenas negócios bilaterais, como também unilaterais (consistentes, v.g., em renúncias, individuais ou recíprocas). Como a possibilidade de celebração de negócios processuais atípicos veio consagrada mediante o estabelecimento de uma cláusula geral, não há limites previamente estabelecidos pelo legislador de modo claro, pormenorizado e específico. O art. 190, ao empregar o pronome possessivo seus, indica apenas que o objeto dos negócios processuais deve ser ônus, poderes, faculdades e deveres das partes. Não há identificação, porém, sobre quem é o titular de cada situação ou ato processual lato sensu, se são exclusivamente as partes, ou se o seriam terceiros (julgador, órgão jurisdicional, terceiros interessados, etc.). O NCPC torna necessária a identificação sobre o titular de cada uma das centenas de situações processuais possíveis, tais como: (direito de) ação, demanda, legitimação, contraditório, fundamentação, publicidade, espécies de intervenção de terceiros, respostas, prazo para a prática de ato processual, meio de prova pericial, meios de comunicação dos atos processuais, admissão de prova ilícita, número máximo de testemunhas por parte, valoração das provas, honorários de sucumbência, despesas processuais, duplo grau, efeitos dos recursos, poderes do relator, impenhorabilidade de bem, coisa julgada (formação, limites subjetivos e objetivos, desconsideração, etc.). Inúmeras situações surgirão para que o intérprete analise se o objeto da convenção é lícito, isto é, se versa sobre ônus, poderes, faculdades e deveres das partes ou, ao contrário, de terceiros (o que tornaria nula a convenção). Se o intérprete mantiver a mentalidade e a ótica que adotava durante a égide do CPC/1973, provavelmente sua conclusão será sempre no sentido da impossibilidade de celebração do negócio processual, por considerar que o objeto não estaria ao alcance exclusivo das partes, por ser “indisponível” ou pertencente (também ou exclusivamente) ao juiz, ao Estado ou à sociedade.

Não temos a pretensão de responder, neste breve ensaio, às indagações acima. A identificação sobre a licitude de cada possível objeto de negócio jurídico processual exige reflexão aprofundada, amadurecimento do tema, diálogo doutrinário e maior pesquisa pelos processualistas brasileiros. Essa é uma das importantes missões que os Professores de Direito Processual e os operadores do Direito (advogados, magistrados, promotores, defensores, etc.) terão ao longo dos próximos anos. Se, por um lado, ainda não há como se ter, no presente momento, consenso da comunidade jurídica sobre em quais hipóteses pode haver negócio processual ou sobre detalhes precisos e específicos de cada negócio processual atípico em espécie, por outro lado já é possível se ter certeza quanto a um aspecto fundamental: a necessidade de mudança, urgente e profunda, de paradigmas, principalmente nesse especial momento de transição do CPC/1973 para o NCPC. É absolutamente essencial o rompimento com o anterior sistema, para que as novas premissas em que o NCPC se baseou possam ser observadas e, com isso, os novos institutos possam desfrutar do alcance e da amplitude que efetivamente merecem. O novo Código deve ser lido com novos olhos. Não há como caminhar para frente mirando-se o retrovisor. Um Estado Democrático de Direito se consolida não com arbítrios e condutas contra legem, mas com a aplicação das normas expressamente positivadas pelo legislador. Ignorar-se a redação dos arts. 190 e 200 do NCPC, ou interpretar ditos dispositivos de forma a inviabilizar ou a restringir indevidamente a sua aplicação, será mais do que ilegal e inconstitucional: será antidemocrático.

6. Existência e validade dos negócios jurídicos processuais

São inúmeros os pressupostos de existência e os requisitos de validade dos negócios jurídicos processuais. Para facilitar sua identificação, iremos enumerar todos os pressupostos e requisitos para, em seguida, explicá-los pormenorizadamente. São 5 (cinco) os pressupostos de existência dos negócios processuais: a) agente (capacidade de ser parte); b) vontade; c) autorregramento da vontade; d) objeto; e e) forma. Por seu turno, são 7 (sete) os requisitos de validade dos negócios: a) capacidade processual (e postulatória, quando o negócio for judicial); b) liberdade (da vontade); c) equilíbrio

(inexistência

de

vulnerabilidade

ou

hipossuficiência);

d)

licitude,

possibilidade e determinabilidade do objeto; e) direito substancial (res in iudicium deducta)

passível

de

autocomposição;

f)

adequação

(da

forma);

e

g)

proporcionalidade/razoabilidade do conteúdo convencionado (ato, instituto ou medida). O primeiro conjunto de pressupostos/requisitos exige a presença de agente dotado de capacidades. Para o plano da existência essencial que exista um agente emissor de vontade, que ele seja dotado de capacidade de ser parte (tenha personalidade judiciária, isto é, aptidão para, em tese, ser sujeito da relação jurídica processual ou assumir uma situação processual) e de capacidade processual (aptidão para praticar os atos processuais, pessoalmente ou mediante pessoas indicadas por lei). Se o negócio for celebrado em sede judicial/processual, a nosso ver, deve haver, ainda, capacidade postulatória (agente dotado de ius postulandi, sendo desnecessários poderes especiais para tanto, devido à ausência de tal exigência no art. 105 do NCPC). Sujeitos especiais podem celebrar negócios processuais, tais como a Fazenda Pública e o Ministério Público. O

segundo

grupo

de

pressupostos/requisitos

exige

vontade

livre

e

autorregramento da vontade. Deve haver vontade (manifestação por ação ou omissão, de forma expressa ou tácita), liberdade dessa vontade (inexistência de qualquer vício ou mácula na emissão da vontade, v.g., vício do consentimento) e autorregramento dessa manifestação (relativo à negociação, à criação, à estipulação ou à vinculação, consiste em um complexo de poderes que podem ser exercidos em níveis de amplitude variada, conforme o ordenamento jurídico, dos quais, após seu exercício e a incidência da norma jurídica, resultam situações jurídicas). Como terceiro conjunto de pressupostos/requisitos, tem-se o equilíbrio, isto é, a exigência de que inexista, no momento da celebração do negócio processual, qualquer vulnerabilidade ou hipossuficiência do agente que emite sua vontade. Como exemplo de indício de vulnerabilidade, pode-se vislumbrar a celebração de negócio sem assistência técnico-jurídica. Apresenta-se como quarto pressuposto/requisito um dos elementos mais polêmicos, que é o objeto lícito, possível e determinado ou determinável. É essencial que o negócio processual refira-se a um objeto (situação processual lato sensu), que deve ser determinado ou determinável (passível de precisão, identificação ou individualização), possível (possibilidade fática de estipulação de vontade a seu respeito) e, principalmente, lícito (possibilidade jurídica de negociação sobre ele). Será lícito, a princípio, negócio processual que tenha por objeto algum aspecto relativo ao

processo ou ao procedimento, ou então a ônus, poder, faculdade ou dever processual da parte. O pronome “seus”, referido no art. 190, impõe que o ônus, o poder, a faculdade ou o dever processual seja de titularidade exclusiva ou primordial da parte celebrante, e não de outros sujeitos processuais alheios ao negócio (v.g., juiz, auxiliares da justiça, órgão jurisdicional, Poder Judiciário, etc.). Quando o negócio disser respeito a instituto com natureza processual ou procedimental (variando conforme o conceito que o intérprete tenha desses institutos), é fundamental que ele diga respeito a interesse preponderantemente privado ou das partes, sendo vedada estipulação relativa a interesse preponderantemente público. Nessa linha, por razões de coerência, entendemos que cabe convenção, inclusive, sobre direitos/garantias processuais fundamentais, desde que tenham, como destinatário principal, a parte (norma que tutele interesse preponderantemente privado, v.g., ação, contraditório, ampla defesa, prova, recurso, etc.), e não o Estado ou a sociedade (norma que tutele interesse preponderantemente público, e.g., publicidade e fundamentação). Finalmente, nos termos do parágrafo único do art. 190, deve o juiz, de ofício ou a requerimento, controlar a validade dos negócios processuais, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade, inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade. O quinto conjunto de pressupostos/requisitos exige que a res in iudicium deducta refira-se a um direito substancial passível de autocomposição. Importante notar que o termo autocomposição é mais amplo do que a expressão direito disponível. Afinal, admitem autocomposição todos os direitos disponíveis e alguns direitos indisponíveis (v.g., direito à percepção de alimentos, desde que inexista renúncia integral, dano considerável ou prejuízo significativo ao direito indisponível). O requisito exigido para a convenção é que a demanda verse sobre direito que admita autocomposição, razão pela qual a mera indisponibilidade do direito substancial não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual (Enunciado 135 do FPPC), da mesma forma que é plenamente possível a celebração de convenção processual coletiva (Enunciado 255 do FPPC). Enquadra-se como sexto grupo de pressupostos/requisitos a exigência de forma adequada, isto é, que a vontade se expresse através de algum meio (oral, escrito, formal, informal, privado, público, oficial, oficioso, judicial, extrajudicial, etc.) que seja adequado (prescrito ou não defeso em lei).

Finalmente,

o

sétimo

elemento

relativo

à

análise

conjunta

de

pressupostos/requisitos é a proporcionalidade/razoabilidade (art. 8º) do negócio processual. Em outras palavras, deve o negócio processual apresentar conteúdo (ato, instituto ou medida) que seja adequado (compatibilidade entre meios e fins), necessário (o menos gravoso possível aos direitos em aparente conflito) e proporcional em sentido estrito (os efeitos colaterais negativos decorrentes do negócio não podem ser desproporcionais em relação às vantagens que enseje).

7. Eficácia dos negócios processuais

O plano da eficácia dos negócios processuais é de mais fácil compreensão, sendo possível identificar seus reflexos objetivos subjetivos.

7.1. Eficácia objetiva dos negócios

O art. 200 do NCPC repete a regra que já constava do art. 158 do CPC/1973, consagrando a eficácia imediata, como regra geral, dos negócios jurídicos processuais. As manifestações de vontade das partes produzem efeitos de imediato, salvo quando a lei exigir prévia homologação judicial. Como se vê, a homologação pelo juiz tem natureza excepcional e se faz necessária somente quando houver regra clara e específica a exigi-la. Nesse sentido, inclusive, tem-se os Enunciados 133 e 261 do FPPC. A eficácia imediata dos negócios processuais é confirmada, ainda, pelo parágrafo único do art. 190, que revela que o controle das convenções processuais pelo juiz é sempre a posteriori e limitado aos vícios de inexistência ou de invalidade. O juiz somente pode negar aplicação a negócio processual se estiver presente alguma invalidade (vício relativo aos planos da existência ou da validade, abusividade de cláusula ou vulnerabilidade de parte), sendo-lhe vedado negar aplicação a convenção processual por qualquer outro motivo (v.g., por não ser de seu maior agrado o conteúdo do negócio). No Direito Civil é assente o entendimento de que existem elementos (acidentais) que se relacionam ao plano da eficácia, “modulando” os efeitos dos negócios jurídicos: condição (evento futuro e incerto), termo (evento futuro e certo) e encargo ou modo (ônus relacionado a uma liberalidade), regulados nos arts. 121 a 137 do Código Civil. Nada impede, portanto, que as partes optem por celebrar negócios processuais

sujeitos a condição voluntária (e.g., ajuste para dispensa de testemunha, caso a perícia venha a esclarecer determinado fato, ou renúncia a recurso condicionada à inexistência de defeito processual na sentença) ou a termo voluntário (v.g., acordo de suspensão do processo pelo prazo que as partes estipularem, até o limite de seis meses).

6.2. Eficácia subjetiva dos negócios

Ainda no que tange ao plano da eficácia, é importante destacar a eficácia subjetiva (limites subjetivos) dos negócios processuais. É evidente que a convenção tem eficácia somente em relação aos sujeitos participantes, não podendo prejudicar terceiros (analogia ao art. 506 do NCPC). Se o negócio processual tiver como objeto situação processual de terceiro — juiz (v.g., calendário processual, previsto no art. 191) ou terceiros (v.g., advogados das partes, em negócio relativo aos honorários advocatícios) — é necessário que este integre o negócio, dele participando para que o conteúdo negociado lhe seja oponível e vinculante4.

                                                             4

A doutrina diverge sobre se o juiz é ou não parte no negócio jurídico processual. Defendendo que o juiz é parte do negócio jurídico processual: DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil. 17. ed. Salvador: JusPodivm, 2015. v. 1, p. 150, 370 e 378. Contrário à participação do juiz como sujeito processual de negócio processual: CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais: entre publicismo e privatismo. Tese de Livre-Docência. São Paulo, USP, 2015, p. 236-239.

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