Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais.
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Artigo apresentado no Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Disciplina: A formação do Contrato Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais Introdução Com o fim da 2ª Guerra Mundial e todo o desgaste nas relações internacionais por ela produzida, surgiu um novo movimento de integração nos campos econômico, social, cultural e político, à partir da criação de Organismos Internacionais, voltados a atingir aquele objetivo. No campo da economia global, temos em conta o crescimento das relações públicas e/ou privadas entre sujeitos de Estados distintos. Um aspecto importante para este desenvolvimento global pode ser atribuído ao comércio internacional. Nesse sentido, e no contexto daquela época até os dias de hoje, o crescimento da contratação internacional, representado pela compra e venda internacional, contratos de transferência de tecnologia, cooperação industrial, associação entre empresas, entre outros contratos1, foi e é peça fundamental no crescimento do cenário econômico internacional. Mais recentemente, com a globalização e o surgimento de novos meio de comunicação, as relações comerciais internacionais, antes restritas aos grandes grupos empresariais, passaram a ser praticadas, também, por empresas mais modestas, assim como por pessoas físicas, abrangendo aí outros tipos de contrato internacional, v.g., os de consumo e trabalho. Todavia, a contratação internacional, ainda que disponível a todos, se mostra bem mais complexa do que a interna, de modo que o processo para a conclusão de um contrato internacional é mais lento e requer certa cautela, além de ser um campo desconhecido para os que iniciam nesta seara. Aproveitando o ensejo do parágrafo anterior, oportuno se faz distinguir, em linhas gerais, os conceitos de contrato interno e internacional. O contrato interno, em regra, positivado no ordenamento jurídico de um Estado, consiste num acordo de manifestação de vontades, unilateral ou bilateral, atingindo um consenso sobre determinado objeto, gerador de obrigações juridicamente exequíveis, geralmente composto por dois atos, a oferta e a aceitação. Ademais, são subordinados a uma única lei. No que tange ao contrato internacional, este é inicialmente distinto do interno em razão do elemento da estraneidade, mas além, quando os “os elementos sejam vinculantes de dois ou mais sistemas jurídicos extraterritoriais, pela força do domicílio, nacionalidade, sede 1
CASELLA BORBA, Paulo. Negociação e Formação de Contratos Internacionais. São Paulo:1990, p.127
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principal dos negócios, lugar do contrato, lugar da execução, ou qualquer circunstância que exprima um liame indicativo de direito aplicável”2. Além destas especificidades, é fulcrado no princípio da autonomia privada que, no âmbito internacional privado, confere as partes uma margem de discricionariedade na confecção do contrato que não seria possível num contrato interno3, por exemplo, na escolha de uma lei aplicável àquela relação jurídica que seja totalmente estranha as partes, podendo ser a de um terceiro ordenamento jurídico ou da Lex Mercatoria4, quando houver convenção arbitral, ou no fracionamento das partes do contrato em diversas normas jurídicas5. Outro aspecto não menos importante consiste no fator econômico do contrato internacional, ou seja, as relações que tem por objeto a transferência de bens ou serviços e que movimentam a economia interna dos países. Devido a complexidade que geralmente reveste o objeto do contrato internacional em que as partes negociam, além da precaução em não finalizar um contrato de imediato, por desconhecer o ordenamento jurídico da outra parte ou pela necessidade em estudar a viabilidade do negócio, a negociação acaba sendo feita por etapas, ao que alguns doutrinadores chamam de contrato de formação progressiva6. Estas negociações podem durar meses, ou até anos. Sendo assim, tornouse praxe no comércio internacional a utilização de negócios preliminares7, objeto de estudo do presente relatório. Dito isso, no primeiro capítulo, nos dedicaremos a analisar os negócios preliminares, desde o seu surgimento até o cenário atual, num sentido amplo, abrangendo, também, os contratos preliminares, embora a ênfase seja dada aos negócios preliminares em sentido estrito, manifestamente mais utilizados na prática comercial internacional. Para isso, cumpre destacar o posicionamento adotado nos dois principais sistemas do direito, quais sejam, o common law e o civil law, tendo em vista que a problemática do tema surge a partir da divergência sobre a doutrina dos contratos de cada um destes sistemas, notadamente na sua fase précontratual. 2
Definição de STRENGER, Irineu. In:Contratos Internacionais, São Paulo, 2011, p.26. JACQUET, JeanMichel. Droit du Commerce International. 2nd. Edition, Paris:2010, p.199. 4 Consiste nos usos e costumes da praxe comercial internacional e se materializa por meio de cláusulastipo, jurisprudência arbitral, princípios gerais às legislações nacionais e regulamentações elaboradas por associações internacionais. VASQUES, Enzo. Princípios básicos do Direito Comercial Internacional. In: Manual Prático de Comércio Exterior. 2ª Ed. São Paulo, 2007, p.251. 5 Nos Contratos Internacionais, as partes podem optar por aplicar mais de uma lei ao contrato. Este fenônemo contratual denominase dépeçage. 6 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, p.165, 2002 e MENEZES LEITÃO, Negociações e Responsabilidade…, 2001, p.769. 7 Na doutrina portuguesa, há quem utilize a terminologia “acordos intermédios”, como é o caso de SANTOS JÚNIOR ou “contratação mitigada” denominação de MENEZES CORDEIRO. Na doutrina francesa, ao instituto é atribuído a expressão ‘pourparlers’’, enquanto na italiana “trattative”. No que tange aos países do Common Law, atribuise o termo “inbetween agreements”. 3
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Ademais, mostrase pertinente analisar de forma autônoma cada um dos principais instrumentos preliminares, de modo que, ao fim, seja possível fazer uma sistematização. Além disso, trataremos nesse tópico o problema central deste estudo que consiste em saber se há eficácia jurídica ou não nestes acordos preliminares, para, caso haja ruptura injustificada, configurarse a responsabilidade contratual ou précontratual. No capítulo seguinte, a atenção será voltada aos instrumentos de regulação de direito material, no âmbito internacional, os Princípios UNIDROIT, e no âmbito comunitário europeu, o Draft Common Frame of Reference. Por fim, no último capítulo, dedicaremos atenção a determinação do direito aplicável a formação, a validade substancial, aos efeitos e as consequências do incumprimento dos negócios preliminares, à partir dos ordenamentos Português e Brasileiro. Ainda neste tópico, trataremos do direito de Conflitos aplicável pelos tribunais estaduais, Português e Brasileiro, como também pela lei de arbitragem transnacional dos respectivos ordenamentos. Embora o trabalho tenha um enfoque na formação do contrato internacional, não nos debruçaremos sobre a questão da oferta e aceitação, mas no período considerado anterior à esta fase final da negociação. Além disto, devemos ressaltar que pelo espaço que nos fora concedido, não será possível exaurir a matéria em questão devido a sua amplitude, nem nos aprofundar nos debates doutrinários sobre os principais posicionamentos. Contudo, faremos uma análise a ponto de estabelecer os problemas que derivam da utilização dos negócios preliminares, embasandose nos direitos português e brasileiro, mas, ocasionalmente, citando outras doutrinas que contribuíram para o desenvolvimento do tema ao longo dos anos. 1 Os Negócios Preliminares Hodiernamente, a formação clássica do contrato se mostra insuficiente para as relações no campo da contratação internacional, e até mesmo nas relações internas quando se trata de um contrato de grande porte ou complexidade. Ao invés, as partes optam por adiar, tanto quanto possível, a conclusão de um contrato. Conforme fora dito acima, os contratos passaram a ser feitos por etapas, de modo que ,na fase de negociações, as partes dedicamse a longas conversas envolvendo estudos preparatórios de mercado, redação de relatórios detalhados, combinação de dados extrajurídicos com dados jurídicos, a contratação de especialistas para emissão de pareceres, gastos com viagens, envolvimento dos quadros superiores das respectivas empresas e muito mais, antes que venham a tomar uma posição definitiva. Nesse sentido, as partes que não querem logo vincularse àquele contrato definitivo, mas também não querem desperdiçar todo o tempo gasto e os investimentos feitos naquelas conversações, acabam por firmar negócios preliminares, que podem ter inúmeras finalidades.
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Estes negócios podem ser acordos preliminares(strictu sensu) ou contratos preliminares(lato sensu). 1.1 Os Acordos Preliminares (Preliminary Agreements) Criados através da prática comercial nos E.U.A e desenvolvidos pela jurisprudência deste ordenamento8 , estes instrumentos surgiram a partir da necessidade das partes estabelecerem limites reguladores, na fase das negociações, através de acordos, sem a obrigação de se vincularem. Isto porque, conforme se extrai do sistema anglosaxónico, designadamente da doutrina do all or nothing9, as partes são livres para contratar(freedom of contract), ou seja, podem entrar e sair das negociações sem a mínima atenção ao princípio geral consagrado no Civil law, o da boafé, nem seus deveres subjacentes, o da veracidade, proteção e confidencialidade. A utilização destes instrumentos se mostrava como uma garantia de proteção contra a arbitrariedade de uma parte em sair das negociações injustificadamente num estágio em que a outra já tinha criado certa expectativa. Mais além, de uma parte negociar com a outra e, no fim, firmar contrato com um terceiro ou aquela parte pudesse se prevalecer das informações trocadas com esta. Nos países do civil law, designadamente os ordenamentos jurídicos em estudo10, tal precaução mostrase irrelevante já que este sistema adota a teoria da culpa in contrahendo, de JHERING11, que consiste na responsabilidade précontratual pela falta ao dever de boa fé. Temos que ter em conta que estes instrumentos se situam entre o início e o termo das negociações e sua utilização vai bem mais além do que o mero estabelecimento de dever de boa fé naquela relação. Além disso, a utilização destas ferramentas não implica na obrigação de celebrar um contrato final, mas, tão somente, uma forma de regular o processo negocial. 8
SANTOS JÚNIOR, Eduardo. Acordos Intermédios(...). R.O.A, 1997, p.572 e MENEZES CORDEIRO, Tratado de Direito Civil Vol.II, 311,, 2014. 9
A doutrina do all or nothing estabelece que as partes ou têm vinculo contratual, contraídos na celebração do contrato, ou não tem vínculo algum, de modo que as relações précontratuais não ensejarão qualquer vinculação às partes. Neste sentido: “The doctrine of freedom of contract demands that the performer be treated as a ‘risktaker’ and receive no protection in the general ‘freeforall’ preceding contract”, GILIKER, in: PreContractual Liability in English and French Law, 2002, p.32. 10
Em Portugal, o Código Civil no seu art.227, estabelece, tanto nos preliminares quanto na formação, o dever de boafé. Já no Brasil, o art.422 preconiza os princípios da probidade e boafé, tanto na conclusão quanto na execução do contrato. Contudo, entendese na doutrina que a boafé na fase précontratual seria subjetiva, de modo que, para operar a culpa in contrahendo, deve a parte agir de máfé. Cfr. SÁ RIBEIRO, Batalha de formas…, In: Contratos Internacionais, 2002, p.264265. 11 Esta teoria surgiu em 1861, a partir de estudo feito po Rudolf Von Jhering que deparandose com grandes injustiças e visando alcançar soluções justas na fase précontratual, preencheu a lacuna existente nesta fase negocial com o princípio da boa fé. Disso resultou a imputação de danos à parte que interrompe as negociações sem que um motivo justo lhe revista, após a contraparte ter criado confiança na conclusão do contrato. Esta teoria foi fortemente recepcionada pelos ordenamentos do civil law,à exemplo de Portugal, Brasil, Itália, Alemanha e França. Contudo, não houve aceitação desta teoria no sistema anglosaxónico.
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Todavia, o maior problema referente aos acordos consiste em delimitar sua natureza jurídica, já que uns acordos, apesar da nomenclatura, constituem verdadeiros contratos. Tais instrumentos tem inúmeras utilidades, tais como, convite para uma negociação, reduzir à escrita o simples fato de estarem em negociação, estabelecer regras(a exemplo de impor um dever de sigilo), fornecer garantias, estabelecer prazos para debater e acordar sobre determinados pontos, fixar os pontos já convencionados nas tratativas e dar sequência aos pontos ainda em aberto, servir de documento para obtenção de financiamento ou autorização de um terceiro, retratar o fim das negociações sujeitando o acordo a uma condição suspensiva, entre outras. No que tange a sua denominação, acordos preliminares, intermédios ou contratação minitigada, no português, assim como os inbetween agreements ou preliminary agreements, no inglês, ou pourparles e trattative, no francês e intaliano, respectivamente, caracterizam o gênero destes instrumentos. Conforme já fora dito, em razão da origem dos instrumentos serem nos países do common law, a terminologia em inglês é mais comum, embora países do civil law tenham importado os termos e traduzidoos. Todavia, como estamos na seara da contratação internacional e o inglês é hoje a língua mais utilizada, daremos, sempre que possível, relevância ao termo neste idioma. Os instrumentos mais comuns neste âmbito são as cartas de inteção(letter of intent), reconhecidamente presente em todas as doutrinas pesquisadas para a composição deste relatório e instrumento mais comumente utilizado, os acordos de negociação(agreement to negotiate), os acordos parciais(agreement with open terms), os acordosquadro, os acordos com a cláusula subjet to contract(de condição suspensiva), a cláusula de instruction to proceed(execução antecipada do contrato), sendo estas apenas algumas das denominações. Cumpre destacar que estes acordos têm natureza híbrida, ou seja, um único instrumento pode ter várias denominações, ao passo que vários instrumentos podem ser resumidos a uma única denominação12. No tópico seguinte dedicaremos atenção a definir cada um destes acordos, além de citar outros que também são frequentes na praxe internacional. 1.1.1 Tipos mais comuns a) Cartas de Intenção (Letter of Intent)
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No inglês, as letter of intent também podem ser chamadas de memoranda of understanding, agreements in principle ou heads of agreement. Na outra mão, a depender da doutrina, os diversos instrumentos preliminares podem se resumir as cartas de intenção, vide classificação de COSTA, Ruptuta de negociações précontratuais e cartas de intenção. Coimbra Editora, 2011.
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Este é, sem dúvida, o acordo preliminar mais utilizado na praxe internacional, como também, é o mais estudado e desenvolvido. Seu conceito e classificação varia de doutrina à doutrina. Conceituar esse instrumento se mostra um pouco difícil, em razão de cada doutrinador estabelecer uma definição própria, por vezes englobando quase todos os outros tipos de instrumentos preliminares, por outras, sendo mais restrito. Ao nosso ver, na acepção da expressão, as cartas de intenção traduzemse em declarações unilaterais, no qual, uma parte informa à outra seu desejo de dar início ou continuar nas negociações visando um futuro contrato, embora afirme expressamente que não deseja se criar expectativas e obrigações quanto a celebração deste contrato13. Contudo, na prática comercial internacional, esta carta pode representar uma bilateralidade de vontades, onde as partes almejam prosseguir nas negociações, entretanto, sem que desse conteúdo resulte qualquer acordo ou responsabilidade. Para isso, geralmente, as partes redigem estes instrumentos utilizando expressões vagas e imprecisas, com a reserva mental de obrigar a contraparte, sem se obrigar14. Geralmente redigidas por experts jurídicos, comum se faz constatar expressões em que as partes conservam nitidamente a sua liberdade de contratar, como, por exemplo, “este acordo não possui qualquer eficácia jurídica, nem, tampouco, gera responsabilidade à parte que o redigiu”15. Essas expressões tem maior relevância nos sistemas do commonlaw, já que a liberdade de contratar sobrepõese ao princípio da boafé. No civil law, a depender do estágio das negociações, não obstante os termos do acordo, surgirão obrigações. Quanto à classificação, os estudos efetuados pelas mais diversas doutrinas não mostram qualquer semelhança sistemática. Em Portugal, damos atenção as classificações de COSTA16, que distingue as diversas modalidades de carta de intenção em função da sua finalidade e natureza jurídica(nesta classificação a autora acaba por abranger todos os outros tipos de acordos preliminares na carta de intenção), RAQUEL REI, que utiliza como critério a estrutura destes acordos, e MENEZES CORDEIRO, que retira do relatório produzido pelo Working Group on International Contracts, quatro categorias principais, quais sejam, as cartas que consistem em contratos definitivos com variações particulares, as que representam estados 13
Nesse sentido, é comum a inserção de cláusulas do tipo: “This letter of intent does not constitute or create, and shall not be deemed to constitute or create, any legally binding or enforceable obligation on the party of either party to this letter of intent(...)”. Em tradução livre, “Esta carta de intenção não constitui ou cria, nem deverá ser considerada por criar qualquer vínculo legal ou obrigação executável sobre qualquer das partes desta carta de intenção(...).” Texto extraído de http://www.entrepreneur.com/formnet/form/1026(onde se encontram modelos dos mais diversos acordos preliminares). 14 BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168 15 Embora a utilização destas expressões vise atualmente desvincular as partes em qualquer obrigação, ad initio estes instrumentos eram utilizados pelas partes como meio de vinculação no período précontratual. 16 COSTA, Mariana Fontes da. Ruptuta de negociações précontratuais e cartas de intenção. 2011, p.83 e ss.; RAQUEL REI, O contrato quadro, 1998, p.17 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p.312 e ss..
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de negociações, as que têm efeito vinculativo e excluem responsabilidade e, por último, as que representam acordos firmes sobre aspectos particulares17. Já no Brasil, apesar da variedade de instrumentos, apenas as cartas de intenção têm sido objeto de estudo pela doutrina. Segundo BAPTISTA, estas podem ser divididas em típicas e atípicas. As primeiras seriam os acordos em sentido estrito que, essencialmente, servem para estabelecer as regras de negociação(acordos de negociação e acordos parciais), além da classificação sugerida por BASSO, que determina dez tipos de cartas, abrangendo as finalidades dos outros instrumentos comumente utilizados. Já as cartas de intenção atípicas constituem os contratos preliminares que receberão devida atenção em tópico infra. Na doutrina italiana18, as cartas de intenção desempenham papel exclusivo nas negociações preliminares, abrangendo as mais diversas finalidades, desde o simples convite a negociar até o acordo sobre todos os pontos, sujeito a condição futura. Segundo BORTOLOTTI, as cartas de intenção se dividem em: a) situações em que claramente não envolvem assunção de obrigações contratuais; b) situações relacionadas a um verdadeiro contrato; e, por último, c) situações intermédias, que se traduzem em acordos sobre elementos essenciais. Por outro lado, FRIGNANI classifica as cartas de intenção em quatro tipos: a) a que revela conteúdo organizatório; b) a de conteúdo declaratório; c) acordo com compromissos précontratuais; e, por fim, d) as cartas que são verdadeiros contratos, mas sujeitos a condições diversas. Não obstante a falta de uniformidade no desenvolvimento, o que podemos ter em conta é que as mais diversas classificações de cartas de intenção têm em comum um critério: interpretar a vontade real das partes. À partir desta interpretação, poderemos definir o sentido das cartas, podendo ser um mero convite a negociação ou um acordo sobre todos os pontos essenciais do contrato. Feita esta interpretação, poderemos determinar a eficácia jurídica da carta de intenção: se ela gera obrigações ou não as partes. E, caso gere, saber se se trata de obrigação contratual ou précontratual. Abordaremos este assunto em tópico infra. b) Acordo de negociação(agreement to negotiate) Assim como as cartas de intenção, este acordo tem mais de uma finalidade. Podem ser utilizados no início das tratativas, quando as partes, desde já, pretendem estabelecer parâmetros para o decurso da negociação, ou, quanto após atingido certo estágio negocial, as partes se obrigam a empenhar esforços para chegar a conclusão do contrato, embora isto não implique na obrigação de contratar. Deste acordo, extraímos dois tipos de conteúdo: um necessário, que implica num dever positivo, e um eventual, que resultará num dever negativo19. Do dever positivo, nascem às 17
FONTAINE, Marcel. Drafting International Contracts, 2009. BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168 ss.; FRIGNANI, Il contratto internazionale, 156 ss., 1990. 19 PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, p.252. 18
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partes a obrigação de negociar com base nos ditames da boa fé. A consequência desta obrigação é que as partes não podem interromper as negociações injustificadamente, ou, caso se justifique, por motivos vagos. Já no dever negativo, este consiste no direito de exclusividade, em outras palavras, a proibição em negociar com terceiros20. É quase pacífico na doutrina21 que este acordo resulta na obrigação de negociar com boafé, onde as partes devem se esforçar ao máximo para chegar a um consenso. Além, implicitamente a este acordo, surgem às partes os deveres de veracidade, tendo em vista que a fase de negociações consiste em troca de informações e, sendo assim, uma omissão pode prejudicar todo este processo, além de acarretar responsabilidade à outra parte, e o dever de sigilo, no qual as partes devem manter em segredo todas as informações trocadas durante as negociações, como também a proibição de utilização destas com terceiros22, subjacentes ao princípio da boa fé. Tal instrumento, quando utilizado com o escopo de obrigar as partes a negociarem de boa fé não tem muito sentido no sistema romanogermânico, isto porque, conforme já fora dito, o dever de boa fé é presente na fase negocial. Por outro lado, a sua aplicação no sistema anglosaxão exerce maior utilidade. Uma questão que surge no common law consiste em saber se o agreement to negotiate impõe, além do dever de boa fé, um dever de exclusividade. SANTOS JÚNIOR, em seu estudo23 esclarece a questão, afirmando que este dever vai contra a prática do comércio, a livre concorrência para obtenção de um melhor negócio. Sendo assim, caso as partes queiram exclusividade, devem celebrar um acordo de negociação exclusiva(lockout agreement), onde estas, durante um lapso temporal, não poderão negociar com terceiro a aquisição de objetos similares ao objeto da negociação com a parte. Deriva daí uma obrigação de não fazer24. Do seu incumprimento surge responsabilização. Relativamente ao acordo de negociações, estes estabelecem deveres às partes, dos quais, o mínimo será o respeito à boa fé. Desse incumprimento, surgirá responsabilidade. Resta saber se será précontratual ou contratual. c) Acordos Parciais (Agreement with open terms) 20
No common law, esses deveres dão ensejo a acordos preliminares específicos. No que tange à boafé, é comum entre as partes a celebração de lockin agreements. Quanto ao acordo de exclusividade, a denominação utilizada é de lockout agreements. 21 No direito inglês, o entendimento é de não reconhecer uma obrigação de boa fé neste tipo de acordo
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