Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais.

July 13, 2017 | Autor: A. Sales de Melo | Categoria: Civil Law, Direito Civil, Common Law, Contratos, Direito Internacional Privado
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Artigo apresentado no Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas pela  Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa ­ Disciplina: A formação do  Contrato    Negócios Preliminares nos Contratos Internacionais        Introdução    Com  o fim da 2ª Guerra Mundial e todo o desgaste nas relações internacionais por ela  produzida,  surgiu  um  novo  movimento  de  integração  nos  campos  econômico,  social,  cultural  e  político,  à  partir  da  criação  de  Organismos  Internacionais,  voltados a atingir aquele objetivo. No  campo  da  economia  global,  temos  em  conta  o  crescimento  das  relações  públicas  e/ou  privadas  entre sujeitos de Estados distintos.    Um  aspecto  importante  para  este  desenvolvimento  global  pode  ser  atribuído  ao  comércio  internacional.  Nesse  sentido,  e  no  contexto  daquela  época  até  os  dias  de  hoje,  o  crescimento  da  contratação  internacional,  representado  pela  compra  e  venda  internacional,  contratos  de  transferência  de  tecnologia,  cooperação  industrial,  associação  entre empresas, entre  outros contratos1, foi e é peça fundamental no crescimento do cenário econômico internacional.     Mais  recentemente,  com  a  globalização  e  o  surgimento  de  novos  meio  de  comunicação,  as  relações  comerciais  internacionais,  antes  restritas  aos  grandes  grupos  empresariais,  passaram  a  ser  praticadas,  também,  por  empresas  mais  modestas,  assim  como  por  pessoas  físicas,  abrangendo  aí  outros  tipos  de  contrato  internacional,  v.g.,  os  de  consumo  e  trabalho.    Todavia,  a  contratação  internacional,  ainda  que  disponível  a  todos,  se  mostra  bem  mais  complexa  do  que  a  interna,  de  modo  que  o  processo  para  a  conclusão  de  um  contrato  internacional  é  mais  lento  e  requer  certa  cautela,  além  de  ser  um  campo  desconhecido  para  os  que iniciam nesta seara.     Aproveitando  o  ensejo  do  parágrafo  anterior,  oportuno  se  faz  distinguir,  em  linhas  gerais,  os  conceitos  de  contrato  interno  e  internacional.  O  contrato  interno,  em regra, positivado  no  ordenamento  jurídico  de  um  Estado,  consiste  num  acordo  de  manifestação  de  vontades,  unilateral  ou  bilateral,  atingindo  um  consenso  sobre  determinado  objeto,  gerador  de  obrigações  juridicamente  exequíveis,  geralmente  composto  por  dois  atos,  a  oferta  e  a  aceitação.  Ademais,  são subordinados a uma única lei.    No  que  tange  ao  contrato  internacional,  este  é  inicialmente  distinto  do  interno  em  razão  do  elemento  da  estraneidade,  mas  além,  quando  os  “os  elementos  sejam  vinculantes  de  dois  ou  mais  sistemas  jurídicos  extraterritoriais,  pela  força  do  domicílio,  nacionalidade,  sede  1

 CASELLA BORBA, Paulo. Negociação e Formação de Contratos Internacionais. São Paulo:1990, p.127 

 



principal  dos  negócios,  lugar  do  contrato,  lugar  da  execução,  ou  qualquer  circunstância  que  exprima um liame indicativo de direito aplicável”2.     Além  destas  especificidades,  é  fulcrado  no  princípio  da  autonomia  privada  que,  no  âmbito  internacional  privado,  confere  as  partes  uma  margem de discricionariedade na confecção  do  contrato  que  não  seria  possível  num  contrato  interno3,  por  exemplo,  na  escolha  de  uma  lei  aplicável  àquela  relação  jurídica  que  seja  totalmente  estranha  as  partes,  podendo  ser  a  de  um  terceiro  ordenamento  jurídico  ou  da  Lex  Mercatoria4,  quando  houver  convenção  arbitral,  ou  no  fracionamento das partes do contrato em diversas normas jurídicas5.     Outro  aspecto  não  menos  importante  consiste  no  fator  econômico  do  contrato  internacional,  ou  seja,  as  relações  que  tem  por  objeto  a  transferência  de  bens  ou  serviços  e  que  movimentam a economia interna dos países.     Devido  a  complexidade  que geralmente reveste o objeto do contrato internacional em  que  as  partes  negociam,  além  da  precaução  em  não  finalizar  um  contrato  de  imediato,  por  desconhecer  o  ordenamento  jurídico  da  outra  parte  ou  pela necessidade em estudar a viabilidade  do  negócio,  a  negociação  acaba  sendo  feita  por  etapas,  ao  que  alguns  doutrinadores  chamam de  contrato  de  formação  progressiva6.  Estas  negociações  podem  durar  meses,  ou  até  anos.  Sendo  assim,  tornou­se  praxe  no  comércio  internacional  a  utilização  de  negócios  preliminares7,  objeto  de estudo do presente relatório.    Dito  isso,  no  primeiro  capítulo,  nos  dedicaremos  a analisar os negócios preliminares,  desde  o  seu  surgimento  até  o  cenário  atual,  num  sentido  amplo,  abrangendo,  também,  os  contratos  preliminares,  embora  a  ênfase  seja  dada  aos  negócios  preliminares  em  sentido  estrito,  manifestamente mais utilizados na prática comercial internacional.     Para  isso,  cumpre  destacar  o  posicionamento  adotado nos dois principais sistemas do  direito,  quais  sejam,  o  common  law  e  o  civil  law,  tendo  em  vista  que  a  problemática  do  tema  surge  a  partir  da  divergência  sobre  a  doutrina  dos  contratos  de  cada  um  destes  sistemas,  notadamente na sua fase pré­contratual.      2

 Definição de STRENGER, Irineu. In:Contratos Internacionais, São Paulo, 2011, p.26.   JACQUET, Jean­Michel. Droit du Commerce International. 2nd. Edition, Paris:2010, p.199.  4   Consiste  nos  usos  e  costumes  da  praxe  comercial  internacional  e  se  materializa  por  meio   de  cláusulas­tipo,  jurisprudência  arbitral,  princípios  gerais  às  legislações  nacionais  e  regulamentações  elaboradas  por  associações  internacionais.  VASQUES,  Enzo.  Princípios  básicos  do   Direito   Comercial  Internacional.  In:  Manual  Prático   de  Comércio Exterior. 2ª Ed. São Paulo, 2007, p.251.  5   Nos  Contratos  Internacionais,  as  partes  podem  optar  por  aplicar  mais  de  uma  lei  ao   contrato.  Este  fenônemo   contratual denomina­se dépeçage.   6   BORTOLOTTI,  Manual  di  Diritto…,  Vol.I,  p.165,  2002   e  MENEZES  LEITÃO,  Negociações  e  Responsabilidade…, 2001, p.769.  7   Na  doutrina  portuguesa,  há  quem  utilize  a  terminologia  “acordos  intermédios”,  como   é  o   caso   de  SANTOS  JÚNIOR  ou   “contratação   mitigada”  denominação   de  MENEZES  CORDEIRO.  Na  doutrina  francesa,  ao   instituto   é  atribuído   a  expressão   ‘pourparlers’’,  enquanto   na  italiana  “trattative”.  No   que  tange  aos  países do  Common  Law,  atribui­se o termo “in­between agreements”.   3

 



Ademais,  mostra­se  pertinente  analisar  de  forma  autônoma  cada  um  dos  principais  instrumentos preliminares, de modo que, ao fim, seja possível fazer uma sistematização.    Além  disso,  trataremos  nesse  tópico  o  problema central deste estudo que consiste em  saber  se  há  eficácia  jurídica  ou  não  nestes  acordos  preliminares,  para,  caso  haja  ruptura  injustificada, configurar­se a responsabilidade contratual ou pré­contratual.     No  capítulo  seguinte,  a  atenção  será  voltada aos instrumentos de regulação de direito  material,  no  âmbito internacional, os Princípios UNIDROIT, e no âmbito comunitário europeu, o  Draft Common Frame of Reference.    Por  fim,  no  último  capítulo,  dedicaremos atenção a determinação do direito aplicável  a  formação,  a  validade  substancial,  aos  efeitos  e  as  consequências  do  incumprimento  dos  negócios  preliminares,  à  partir  dos  ordenamentos  Português  e  Brasileiro.  Ainda  neste  tópico,  trataremos  do  direito  de  Conflitos  aplicável  pelos  tribunais  estaduais,  Português  e  Brasileiro,  como também pela lei de arbitragem transnacional dos respectivos ordenamentos.    Embora  o  trabalho  tenha  um  enfoque  na  formação do contrato internacional, não nos  debruçaremos  sobre  a  questão  da  oferta  e  aceitação,  mas  no  período  considerado  anterior  à  esta  fase  final  da  negociação.  Além  disto,  devemos ressaltar que pelo espaço que nos fora concedido,  não  será  possível  exaurir  a  matéria  em  questão  devido  a  sua  amplitude, nem nos aprofundar nos  debates  doutrinários  sobre  os  principais  posicionamentos. Contudo, faremos uma análise a ponto  de  estabelecer  os  problemas  que  derivam  da utilização dos negócios preliminares, embasando­se  nos  direitos  português  e  brasileiro,  mas,  ocasionalmente,  citando  outras  doutrinas  que  contribuíram para o desenvolvimento do tema ao longo dos anos.    1 ­ Os Negócios Preliminares      Hodiernamente,  a  formação  clássica  do  contrato  se  mostra  insuficiente  para  as  relações  no  campo  da  contratação  internacional,  e  até  mesmo  nas  relações  internas  quando  se  trata  de  um  contrato  de grande porte ou complexidade. Ao invés, as partes optam por adiar, tanto  quanto possível, a conclusão de um contrato.     Conforme  fora  dito acima, os contratos passaram a ser feitos por etapas, de modo que  ,na  fase  de  negociações,  as  partes  dedicam­se  a  longas  conversas  envolvendo  estudos  preparatórios  de  mercado,  redação  de  relatórios  detalhados,  combinação  de  dados  extrajurídicos  com  dados  jurídicos,  a  contratação  de  especialistas  para  emissão  de  pareceres,  gastos  com  viagens,  envolvimento  dos  quadros  superiores  das  respectivas  empresas  e  muito mais, antes que  venham a tomar uma posição definitiva.    Nesse  sentido,  as  partes  que  não  querem  logo  vincular­se  àquele  contrato  definitivo,  mas  também  não  querem  desperdiçar  todo  o  tempo  gasto  e  os  investimentos  feitos  naquelas  conversações, acabam por firmar negócios preliminares, que podem ter inúmeras finalidades.     



Estes  negócios  podem  ser  acordos  preliminares(strictu  sensu)  ou  contratos  preliminares(lato sensu).     1.1 ­ Os Acordos Preliminares (Preliminary Agreements)    Criados  através  da  prática  comercial  nos  E.U.A  e  desenvolvidos  pela  jurisprudência  deste  ordenamento8  ,  estes  instrumentos  surgiram  a  partir  da  necessidade  das  partes  estabelecerem  limites  reguladores,  na  fase  das  negociações,  através  de acordos, sem a obrigação  de  se  vincularem.  Isto  porque, conforme se extrai do sistema anglo­saxónico, designadamente da  doutrina  do  all  or  nothing9,  as  partes  são  livres  para  contratar(freedom  of  contract),  ou  seja,  podem  entrar  e  sair  das  negociações  sem  a  mínima  atenção  ao  princípio  geral  consagrado  no  Civil  law,  o  da  boa­fé,  nem  seus  deveres  subjacentes,  o  da  veracidade,  proteção  e  confidencialidade.     A  utilização  destes instrumentos se mostrava como uma garantia de proteção contra a  arbitrariedade  de  uma  parte  em  sair  das  negociações  injustificadamente  num  estágio  em  que  a  outra  já  tinha  criado  certa  expectativa.  Mais  além,  de  uma  parte  negociar  com  a  outra e, no fim,  firmar  contrato  com  um  terceiro  ou  aquela  parte  pudesse se prevalecer das informações trocadas  com esta.     Nos  países  do  civil  law,  designadamente  os  ordenamentos  jurídicos  em  estudo10,  tal  precaução  mostra­se  irrelevante  já  que  este  sistema  adota  a  teoria  da  culpa  in  contrahendo,  de  JHERING11, que consiste na responsabilidade pré­contratual pela falta ao dever de boa fé.     Temos  que  ter  em  conta  que estes instrumentos se situam entre o início e o termo das  negociações  e  sua  utilização  vai  bem  mais  além  do  que  o mero estabelecimento de dever de boa  fé  naquela  relação.  Além  disso,  a  utilização  destas  ferramentas  não  implica  na  obrigação  de  celebrar um contrato final, mas, tão somente, uma forma de regular o processo negocial.  8

  SANTOS  JÚNIOR,  Eduardo.  Acordos  Intermédios(...).  R.O.A,  1997,  p.572   e  MENEZES  CORDEIRO, Tratado  de  Direito Civil Vol.II, 311,, 2014.  9

  A  doutrina  do   all  or  nothing   estabelece  que  as  partes  ou   têm  vinculo   contratual,  contraídos  na  celebração   do   contrato,  ou   não   tem  vínculo   algum, de modo  que as relações pré­contratuais não  ensejarão  qualquer vinculação  às  partes.  Neste  sentido:  “The  doctrine  of  freedom  of contract demands that the performer be treated  as a  ‘risk­taker’  and   receive  no   protection   in   the  general  ‘free­for­all’  preceding   contract”,  GILIKER,  in:  Pre­Contractual  Liability in English and French Law, 2002, p.32.  10

  Em  Portugal,  o   Código   Civil  no   seu   art.227,  estabelece,  tanto   nos  preliminares  quanto   na  formação,  o   dever  de  boa­fé.  Já  no   Brasil,  o   art.422   preconiza  os  princípios  da  probidade  e  boa­fé,  tanto   na  conclusão   quanto   na  execução   do   contrato.  Contudo, entende­se na doutrina que a boa­fé na fase pré­contratual seria subjetiva, de modo   que,  para  operar  a  culpa   in   contrahendo,  deve  a  parte  agir  de  má­fé.  Cfr.  SÁ  RIBEIRO,  Batalha   de  formas…,  In:  Contratos Internacionais, 2002, p.264­265.   11   Esta  teoria  surgiu   em  1861,  a  partir  de  estudo   feito   po   Rudolf  Von   Jhering   que  deparando­se  com  grandes  injustiças  e  visando   alcançar soluções justas na fase précontratual, preencheu  a lacuna existente nesta fase negocial  com  o   princípio   da  boa  fé.  Disso   resultou   a imputação  de danos à parte que interrompe as negociações sem que um  motivo   justo  lhe revista, após a contraparte ter criado  confiança na conclusão  do  contrato. Esta teoria foi fortemente  recepcionada  pelos  ordenamentos  do   civil  law,à  exemplo   de  Portugal,  Brasil,  Itália,  Alemanha  e França. Contudo,  não houve aceitação desta teoria no sistema anglo­saxónico. 

 



  Todavia,  o  maior  problema  referente  aos  acordos  consiste  em  delimitar  sua  natureza  jurídica, já que uns acordos, apesar da nomenclatura, constituem verdadeiros contratos.    Tais  instrumentos  tem  inúmeras  utilidades,  tais  como,  convite  para  uma  negociação,  reduzir à escrita o simples fato de estarem em negociação, estabelecer regras(a exemplo de impor  um  dever  de  sigilo),  fornecer  garantias,  estabelecer  prazos  para  debater  e  acordar  sobre  determinados  pontos,  fixar os pontos já convencionados nas tratativas e dar sequência aos pontos  ainda  em  aberto,  servir  de  documento  para  obtenção  de  financiamento  ou  autorização  de  um  terceiro,  retratar  o  fim  das  negociações  sujeitando  o  acordo  a  uma  condição  suspensiva,  entre  outras.    No  que  tange  a  sua  denominação,  acordos  preliminares,  intermédios  ou  contratação  minitigada,  no  português,  assim  como  os  in­between  agreements  ou preliminary agreements, no  inglês,  ou  pourparles  e  trattative,  no  francês  e intaliano, respectivamente, caracterizam o gênero  destes instrumentos.     Conforme  já  fora  dito,  em  razão  da  origem  dos  instrumentos  serem  nos  países  do  common  law,  a  terminologia  em  inglês  é  mais  comum,  embora  países  do  civil  law  tenham  importado  os  termos  e  traduzido­os.  Todavia,  como  estamos  na  seara  da  contratação  internacional  e  o  inglês  é  hoje  a  língua  mais  utilizada,  daremos, sempre que possível, relevância  ao termo neste idioma.    Os  instrumentos  mais  comuns  neste  âmbito  são  as  cartas  de  inteção(letter  of  intent),  reconhecidamente  presente  em  todas  as  doutrinas  pesquisadas  para  a  composição deste relatório  e  instrumento  mais  comumente  utilizado,  os  acordos  de  negociação(agreement  to  negotiate),  os  acordos  parciais(agreement  with  open  terms),  os  acordos­quadro,  os  acordos  com  a  cláusula  subjet  to  contract(de  condição  suspensiva),  a  cláusula  de  instruction  to  proceed(execução  antecipada  do  contrato),  sendo  estas  apenas  algumas  das  denominações.  Cumpre  destacar  que  estes  acordos  têm  natureza  híbrida, ou seja, um único instrumento pode ter várias denominações,  ao passo que vários instrumentos podem ser resumidos a uma única denominação12.    No  tópico  seguinte  dedicaremos  atenção  a  definir  cada  um  destes  acordos,  além  de  citar outros que também são frequentes na praxe internacional.     1.1.1 ­ Tipos mais comuns    a) Cartas de Intenção (Letter of Intent)   

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  No   inglês,  as  letter  of  intent  também  podem  ser  chamadas  de  memoranda   of  understanding,  agreements  in   principle  ou   heads  of  agreement.  Na  outra  mão,  a  depender  da  doutrina,  os  diversos  instrumentos  preliminares  podem  se  resumir  as  cartas  de  intenção,  vide  classificação   de  COSTA,  Ruptuta   de  negociações  pré­contratuais  e  cartas de intenção. Coimbra Editora, 2011.  

 



Este  é,  sem  dúvida,  o  acordo  preliminar  mais  utilizado  na  praxe  internacional, como  também,  é  o  mais  estudado  e  desenvolvido.  Seu  conceito  e  classificação  varia  de  doutrina  à  doutrina.    Conceituar  esse  instrumento  se  mostra  um  pouco  difícil,  em  razão  de  cada  doutrinador  estabelecer  uma  definição  própria,  por vezes englobando quase todos os outros tipos  de instrumentos preliminares, por outras, sendo mais restrito.    Ao  nosso  ver,  na  acepção  da  expressão,  as  cartas  de  intenção  traduzem­se  em  declarações  unilaterais,  no  qual,  uma  parte  informa  à  outra  seu  desejo de dar início ou continuar  nas  negociações  visando  um  futuro  contrato,  embora  afirme  expressamente  que  não  deseja  se  criar expectativas e obrigações quanto a celebração deste contrato13.    Contudo,  na  prática  comercial  internacional,  esta  carta  pode  representar  uma  bilateralidade  de  vontades,  onde  as  partes  almejam  prosseguir  nas  negociações,  entretanto,  sem  que desse conteúdo resulte qualquer acordo ou responsabilidade.    Para  isso,  geralmente,  as  partes  redigem  estes  instrumentos  utilizando  expressões  vagas  e  imprecisas,  com  a  reserva  mental  de  obrigar  a contraparte, sem se obrigar14. Geralmente  redigidas  por  experts  jurídicos,  comum  se  faz  constatar  expressões  em  que  as  partes  conservam  nitidamente  a  sua  liberdade  de  contratar,  como,  por  exemplo,  “este  acordo  não  possui  qualquer  eficácia jurídica, nem, tampouco, gera responsabilidade à parte que o redigiu”15.    Essas  expressões  tem  maior  relevância  nos  sistemas  do  common­law,  já  que  a  liberdade de contratar sobrepõe­se ao princípio da boa­fé. No civil law, a depender do estágio das  negociações, não obstante os termos do acordo, surgirão obrigações.    Quanto  à  classificação,  os  estudos  efetuados  pelas  mais  diversas  doutrinas  não  mostram  qualquer  semelhança  sistemática.  Em  Portugal,  damos  atenção  as  classificações  de  COSTA16,  que  distingue  as  diversas  modalidades  de  carta  de  intenção  em  função  da  sua  finalidade  e  natureza  jurídica(nesta  classificação  a  autora  acaba  por  abranger  todos  os  outros  tipos  de  acordos  preliminares  na  carta  de  intenção),  RAQUEL  REI,  que  utiliza  como  critério  a  estrutura  destes  acordos,  e  MENEZES  CORDEIRO,  que  retira  do  relatório  produzido  pelo  Working  Group  on  International  Contracts,  quatro  categorias  principais,  quais  sejam,  as  cartas  que  consistem  em  contratos  definitivos  com  variações  particulares,  as  que  representam  estados  13

  Nesse  sentido,  é  comum  a  inserção   de  cláusulas  do   tipo:  “This  letter of intent does not constitute or create, and   shall  not  be  deemed   to   constitute  or  create,  any  legally  binding   or  enforceable  obligation   on   the  party  of  either  party  to   this  letter  of  intent(...)”.  Em  tradução   livre,  “Esta  carta  de  intenção   não   constitui  ou   cria,  nem  deverá  ser  considerada  por  criar  qualquer  vínculo   legal  ou   obrigação   executável  sobre  qualquer  das  partes  desta  carta  de  intenção(...).”  Texto   extraído   de  http://www.entrepreneur.com/formnet/form/1026(onde  se  encontram  modelos  dos  mais diversos acordos preliminares).  14  BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168  15   Embora  a  utilização   destas  expressões  vise  atualmente  desvincular  as  partes  em  qualquer  obrigação,  ad   initio   estes instrumentos eram utilizados pelas partes como meio de vinculação no período pré­contratual.  16   COSTA,  Mariana  Fontes  da.  Ruptuta   de  negociações  pré­contratuais  e  cartas  de  intenção.  2011,  p.83   e  ss.;  RAQUEL REI, O contrato quadro, 1998, p.17 e ss.; MENEZES CORDEIRO, Tratado…, p.312 e ss.. 

 



de  negociações,  as  que  têm  efeito  vinculativo  e  excluem  responsabilidade  e,  por  último,  as  que  representam acordos firmes sobre aspectos particulares17.    Já  no  Brasil,  apesar  da  variedade  de  instrumentos,  apenas  as  cartas  de  intenção  têm  sido  objeto  de  estudo pela doutrina. Segundo BAPTISTA, estas podem ser divididas em típicas e  atípicas.  As  primeiras  seriam  os  acordos  em  sentido  estrito  que,  essencialmente,  servem  para  estabelecer  as  regras  de  negociação(acordos  de  negociação  e  acordos  parciais),  além  da  classificação  sugerida  por  BASSO,  que  determina  dez  tipos  de cartas, abrangendo as finalidades  dos  outros  instrumentos  comumente  utilizados.  Já  as  cartas  de  intenção  atípicas  constituem  os  contratos preliminares que receberão devida atenção em tópico infra.      Na  doutrina  italiana18,  as  cartas  de  intenção  desempenham  papel  exclusivo  nas  negociações  preliminares,  abrangendo  as  mais  diversas  finalidades,  desde  o  simples  convite  a  negociar  até  o  acordo  sobre  todos  os pontos, sujeito a condição futura. Segundo BORTOLOTTI,  as  cartas  de  intenção  se  dividem  em:  a)  situações  em  que  claramente não envolvem assunção de  obrigações  contratuais;  b)  situações  relacionadas  a  um  verdadeiro  contrato;  e,  por  último,  c)  situações  intermédias,  que  se  traduzem  em  acordos  sobre  elementos  essenciais.  Por  outro  lado,  FRIGNANI  classifica  as  cartas  de  intenção  em  quatro  tipos:  a)  a  que  revela  conteúdo  organizatório;  b)  a  de  conteúdo  declaratório;  c)  acordo  com  compromissos  pré­contratuais;  e,  por fim, d) as cartas que são verdadeiros contratos, mas sujeitos a condições diversas.    Não  obstante  a  falta  de  uniformidade  no  desenvolvimento,  o  que  podemos  ter  em  conta  é  que  as  mais  diversas  classificações  de  cartas  de  intenção  têm  em  comum  um  critério:  interpretar  a vontade real das partes. À partir desta interpretação, poderemos definir o sentido das  cartas,  podendo  ser  um  mero  convite  a  negociação  ou  um  acordo  sobre  todos  os  pontos  essenciais do contrato.    Feita  esta  interpretação,  poderemos  determinar  a  eficácia  jurídica  da  carta  de  intenção:  se  ela  gera  obrigações  ou  não  as  partes.  E,  caso  gere,  saber  se  se  trata  de  obrigação  contratual ou précontratual. Abordaremos este assunto em tópico infra.    b) Acordo de negociação(agreement to negotiate)    Assim  como  as  cartas  de  intenção,  este  acordo  tem  mais  de  uma  finalidade.  Podem  ser  utilizados  no  início  das  tratativas,  quando  as  partes,  desde  já,  pretendem  estabelecer  parâmetros  para  o  decurso  da  negociação,  ou,  quanto  após  atingido  certo  estágio  negocial,  as  partes  se  obrigam  a  empenhar  esforços  para  chegar  a  conclusão  do  contrato,  embora  isto  não  implique na obrigação de contratar.    Deste  acordo,  extraímos  dois  tipos  de  conteúdo:  um  necessário,  que  implica  num  dever  positivo,  e  um  eventual,  que  resultará  num dever negativo19. Do dever positivo, nascem às  17

 FONTAINE, Marcel. Drafting International Contracts, 2009.   BORTOLOTTI, Manual di Diritto…, Vol.I, 2002, p.168 ss.; FRIGNANI, Il contratto internazionale, 156 ss.,  1990.  19  PINTO OLIVEIRA, Princípios de Direito dos Contratos, 2011, p.252.  18

 



partes  a  obrigação  de  negociar  com  base  nos  ditames  da boa fé. A consequência desta obrigação  é  que  as  partes  não  podem  interromper  as  negociações injustificadamente, ou, caso se justifique,  por  motivos  vagos.  Já  no  dever  negativo,  este  consiste  no  direito  de  exclusividade,  em  outras  palavras, a proibição em negociar com terceiros20.   É  quase  pacífico  na  doutrina21  que  este  acordo  resulta  na  obrigação  de negociar com  boa­fé,  onde  as  partes  devem  se  esforçar  ao  máximo  para  chegar  a  um  consenso.  Além,  implicitamente  a  este  acordo,  surgem  às  partes  os  deveres  de  veracidade,  tendo  em  vista  que  a  fase  de  negociações  consiste  em  troca  de  informações  e,  sendo  assim,  uma  omissão  pode  prejudicar  todo  este  processo,  além  de  acarretar  responsabilidade  à  outra  parte,  e  o  dever  de  sigilo,  no  qual  as  partes  devem  manter  em  segredo  todas  as  informações  trocadas  durante  as  negociações,  como  também  a  proibição  de  utilização  destas  com  terceiros22,  subjacentes  ao  princípio da boa fé.    Tal  instrumento,  quando  utilizado com o escopo de obrigar as partes a negociarem de  boa  fé não tem muito sentido no sistema romano­germânico, isto porque, conforme já fora dito, o  dever  de  boa  fé  é  presente  na  fase  negocial.  Por  outro  lado,  a  sua  aplicação  no  sistema  anglo­saxão exerce maior utilidade.    Uma  questão  que  surge  no  common  law  consiste  em  saber  se  o  agreement  to  negotiate  impõe,  além  do  dever  de  boa  fé,  um  dever  de  exclusividade.  SANTOS  JÚNIOR,  em  seu  estudo23  esclarece  a  questão,  afirmando  que  este  dever  vai  contra  a  prática  do  comércio,  a  livre  concorrência  para  obtenção  de  um  melhor  negócio.  Sendo  assim,  caso  as  partes  queiram  exclusividade,  devem  celebrar  um  acordo  de  negociação  exclusiva(lock­out  agreement),  onde  estas,  durante  um  lapso  temporal,  não  poderão  negociar  com  terceiro  a  aquisição  de  objetos  similares  ao  objeto  da  negociação  com  a  parte.  Deriva  daí  uma obrigação de não fazer24. Do seu  incumprimento surge responsabilização.    Relativamente  ao  acordo  de  negociações,  estes  estabelecem  deveres  às  partes,  dos  quais,  o  mínimo  será  o  respeito  à  boa  fé.  Desse  incumprimento,  surgirá  responsabilidade.  Resta  saber se será précontratual ou contratual.     c) Acordos Parciais (Agreement with open terms)    20

  No   common   law,  esses  deveres  dão   ensejo   a  acordos  preliminares  específicos.  No   que  tange  à  boa­fé,  é  comum  entre  as  partes  a  celebração   de  lock­in   agreements.  Quanto   ao   acordo   de exclusividade, a denominação  utilizada é  de lock­out agreements.   21   No   direito   inglês,  o   entendimento   é  de  não   reconhecer  uma  obrigação   de  boa  fé  neste  tipo   de  acordo
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