Nem calçadistas, nem mascates: os imigrantes armênios do Rio de Janeiro

June 1, 2017 | Autor: P. Bogossian Porto | Categoria: Social Anthropology, Social and Cultural Anthropology
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Nem calçadistas, nem mascates: os imigrantes armênios do Rio de Janeiro Pedro Bogossian Porto Como citar: Bogossian Porto, Pedro. "Nem calçadistas, nem mascates: os imigrantes armênios do Rio de Janeiro". In: Anais do II Encontro Internacional Fronteiras e Identidades ; Set., 2014; Pelotas, Brasil. Pelotas: Editora Gráfica Ufpel, 2014.

Introdução Este trabalho pretende discutir a narrativa corrente a respeito da inserção profissional da população armênia no Brasil, a qual é corriqueiramente definida como uma população ligada à produção de calçados. O trabalho parte da constatação de que a associação entre os armênios e o setor calçadista é fruto de uma generalização do caso dos armênios de São Paulo, que não se aplica necessariamente às demais regiões onde houve imigração dessa etnia no Brasil. O caso do Rio de Janeiro, então capital da República, parece ser um contraponto interessante, pois além de seu protagonismo político a cidade foi uma destacada porta de entrada para os imigrantes originários do Oriente Médio. Sendo assim, pretende-se aqui analisar o processo de integração profissional dos imigrantes armênios que chegaram ao Rio de Janeiro nas décadas de 1910 e 1920. Considerando que a maior parte dos armênios que chegaram ao Brasil se instalaram na cidade de São Paulo e que é nessa cidade que se localiza a maior e mais atuante comunidade armênia no país, dialogar com a narrativa referente à imigração paulista se torna absolutamente indispensável. Antes disso, porém, faz-se necessário compreender o contexto de emigração dos armênios do Oriente Médio, pois suas condições anteriores à chegada ao Brasil foram determinantes para a sua inserção social e profissional no país. A pesquisa aqui apresentada foi desenvolvida através da coleta de depoimentos orais a respeito da trajetória das famílias de armênios que se estabeleceram no Brasil, notadamente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, entre os anos de 1910 e 1930.

Origens da população armênia no Brasil

Até o início do século XX a maior parte da população mundial de origem armênia vivia no interior do Império Otomano, um Estado multiétnico e multireligioso no qual a população turca exercia hegemonia política. Os armênios, assim como cristãos melquitas, maronitas, ortodoxos, judeus e outros “povos do livro”, eram tolerados, mas desfrutavam de um estatuto jurídico diferenciado em relação aos grupos islâmicos: entre outros aspectos, eram submetidos a uma tributação exclusiva e tinham suas comunidades administradas pelos líderes religiosos, que realizavam a mediação entre suas populações e o governo imperial. Muitas dessas minorias étnicas haviam se tornado protetorados de potências mundiais, como Inglaterra, Rússia ou Estados Unidos, devido ao interesse dessas nações no comércio com aquelas populações e/ou a afinidades religiosas. Isso gerou no seio do Império Otomano uma situação considerada inaceitável pelo governo, chegando a ponto de os membros daqueles grupos gozarem do status de cidadão estrangeiro. Assim, a França, que assumiu a defesa da comunidade católica, por exemplo, poderia reivindicar que um católico fosse julgado por magistrados e segundo a legislação franceses, prerrogativa que setores da sociedade consideravam uma violação à soberania otomana. No final do século XIX, contudo, iniciou-se uma série de confrontos entre a população turca e determinadas minorias étnicas, com especial destaque para os armênios e curdos. No caso dos armênios por um lado, os turcos receavam que os ideais nacionalistas que se espalhavam na Europa motivassem movimentos separatistas, como aquele que levara à emancipação da Grécia às expensas do Império Otomano; por outro, os armênios reivindicavam que o governo lhes garantisse segurança frente às agressões cometidas por outros grupos e, não sendo atendidos, respondiam com semelhante violência. A instabilidade dentro do Império aumentava em ritmo acelerado e a inércia do governo, relativamente tolerante às agressões contra minorias nãomuçulmanas, contribuía para esse quadro. Efetivamente, as preocupações quanto à difusão de sentimentos nacionalistas dentro das comunidades étnicas não eram infundadas, uma vez que muitos intelectuais faziam parte de sua formação na Europa e voltavam influenciados por tais ideais. Os armênios, assim como os sírios, palestinos, libaneses, curdos e outros, começaram a nutrir o desejo de um Estado próprio e passaram a batalhar por isso. Ao mesmo tempo, esses sentimentos nacionalistas se propagavam também dentro da comunidade turca, a qual, em total acordo com o paradigma ocidental de

nação, começava a aspirar que seu Estado coincidisse com a sua nação. Isso significava que o Estado turco deveria compreender unicamente a nação turca, e não o mosaico étnico que se observava até então. Essa política “ajuste étnico” dentro do território otomano foi empreendida pelo Comitê União e Progresso (CUP), também conhecido como Partido dos Jovens Turcos, a partir de 1908: eles derrubaram o sultão e realizaram uma série de reformas no sentido da modernização do Império. Com a eclosão da Primeira Guerra Mundial, criou-se um contexto favorável para que o governo dos jovens turcos realizasse a perseguição e o extermínio sistemático dos armênios: os aliados do Império, em especial a Alemanha, evitavam intervir nos assuntos internos, de modo a não melindrar o governo otomano, ao passo que a Tríplice Entente, formada pelas nações inimigas, não estava em condições de fazer exigência alguma. Acrescente-se a isso que, devido à guerra, possíveis observadores internacionais tinham sua circulação no interior do Império limitada drasticamente ( Power, 2003 ), o que muitas vezes os tornava meros reprodutores do discurso oficial. Os armênios não tinham, assim, qualquer voz que se levantasse em sua defesa. O que se seguiu, após 1915, foi a destruição de parcela significativa da população armênia que habitava o Império Otomano, um processo que é considerado por diversos pesquisadores como o primeiro genocídio do século XX. Estima-se que pelo menos um milhão de armênios tenha sido eliminado, o que corresponde à metade da população dessa etnia nos domínios otomanos. Aqueles que conseguiam sobreviver ao massacre via de regra fugiam da região e se exilavam em outros países. O período compreendido entre 1915 e os anos finais da década de 1920 foi, então, aquele em que a diáspora armênia teve sua maior intensidade, com uma emigração maciça para a Europa e para a América. Foi nessa época que se formaram as comunidades armênias na França, nos Estados Unidos, na Argentina e, com maior importância para este trabalho, no Brasil.

Os armênios de São Paulo A análise dos estudos acerca da população do Oriente Médio para o Brasil revela a existência de uma “narrativa mestra” a respeito da chegada e do processo de integração dessas famílias na sociedade brasileira: esses trabalhos, tais como os de Wadih Safady (1966) e Oswaldo

Truzzi (1991), descrevem a trajetória dessas famílias como uma sucessão, geração após geração, de mascataria, comércio ou indústria e Ensino Superior. De acordo com essas narrativas, assim, os imigrantes teriam chegado ao Brasil e, fazendo uso das redes de sociabilidade encontradas no país, teriam sido alocados no comércio ambulante, tornando-se mascates; a segunda geração, já nascida no Brasil, disporia então de certo capital, econômico tanto quanto simbólico, o que lhe possibilitava investir na criação de seus próprios estabelecimentos e se tornar uma geração de empresários, ocupando nichos específicos da indústria ou comércio; os filhos desses empresários, já plenamente inseridos socialmente, voltar-se-iam, por sua vez, ao Ensino Superior como forma de adquirir os conhecimentos formais necessários a uma “gestão moderna” da empresa familiar, em cursos como administração ou contabilidade. Paulo Pinto apresenta da seguinte maneira essa narrativa cristalizada em muitos estudos: De maneira geral, a 'narrativa mestra' dos estudos sobre a presença árabe no Brasil pode ser resum ida como uma saga de imigrantes que teriam fugido da pobreza, da opressão política e perseguição religiosa de um Império Otomano decadente. Esses imigrantes se radicaram nos centros urbanos brasileiros, onde iniciaram suas atividades econômicas como mascates. O capital conseguido no comércio ambulante levou-os a se estabelecerem no comércio formal, abrindo lojas. Em alguns casos, a prosperidade no comércio permitiu-lhes ou a seus descendentes entrar no setor de produção através da criação de indústrias. O capital econômico conseguido no comércio e na indústria foi convertido em capital cultural, através do investimento na educação superior dos filhos nascidos no Brasil. (2010, p. 17)

O caso dos armênios não é diferente.Conforme analisa detidamente Roberto Grün (

1992),

as trajetórias familiares armênias passam também pela mascataria, comércio e universidade, com ä especificidade de que a segunda e a terceira etapas dessa trajetória estão, via de regra, ligadas à indústria calçadista. A partir dos depoimentos de membros da comunidade armênia de São Paulo, o autor investiga a tal “vocação calçadista” dessa população de imigrantes, tentando perceber o seu papel na conformação de determinada identidade étnica. Os casos observados por Grün reforçam a “narrativa mestra” encontrada para outras populações do Levante e por vezes inclusive acentuam ou aceleram a “evolução profissional” do imigrante. Assim, se é verdade que os imigrantes contavam com as redes de solidariedade de seus conterrâneos, Grün ressalta que “é interpretação corrente na colônia que 'o armênio não serve para ser empregado', sendo essa condição um mero momento na sua carreira social, que se encaminha naturalmente para a sapataria própria” ( 1992, p. 46 ). Isso significa que a etapa da mascataria é superada ainda na geração dos imigrantes e não na primeira geração de nascidos no Brasil.

A participação de armênios no setor de calçados é, de fato, inquestionável. Heitor Loureiro, ao analisar a edição comemorativa de dez anos da Sociedade Recreativa Marachá, que era um dos principais veículos informativos da comunidade armênia de São Paulo,

constata que mais da

metade da publicação é preenchida por anúncios de fabricantes ou comerciantes de calçados (2011, p. 7) . Não se trata, evidentemente, de supor que todas as famílias armênias seriam industriais ou comerciantes de sapatos, mas é notória a importância relativa desse segmento para a economia da comunidade armênia. Roberto Grün ensaia uma possível explicação para essa vocação calçadista dos armênios na cidade, justificativa oferecida pelos próprios entrevistados: como a comunidade armênia de São Paulo teria sido formada majoritariamente por emigrantes de Marach, um importante polo calçadista na “Armênia histórica”, os recém-chegados apenas teriam dado continuidade à atividade de seus antepassados. No entanto, com base no argumento de

que os produtos

armênios teriam qualidade assumidamente inferior à de seus congêneres italianos, o próprio autor questiona aquela justificativa, colocando em xeque a suposta tradição milenar dos imigrantes (1992, p. 40). Talvez ainda mais relevante para o questionamento da explicação apresentada pela comunidade seja observar dois fatos, revelados pela pesquisa empírica: primeiramente, que a comunidade armênia de São Paulo não é formada majoritariamente por imigrantes originários de Marach, e sim de centenas de cidades, cada uma com determinada vocação econômica; em segundo lugar, que a maior parte dos imigrantes não trabalhava com calçados em sua terra natal, mas exercia uma série de outras atividades. Parcela significativa dos imigrantes atuava no comércio ou em outros campos do artesanato, como a joalheria e a ourivesaria; alguns possuiam mesmo uma formação superior, certificada, por exemplo, pela Universidade Americana de Beirute. Nesse sentido, o discurso de que a comunidade armênia em São Paulo é um comunidade calçadista deve ser compreendido como uma narrativa mítica – não porque não seja necessariamente verdade, mas porque serve menos à caracterização dessa coletividade do que à criação de um sentimento de unidade entre os seus membros. Assim, o fato de que os armênios de São Paulo se veem como intimamente ligados à indústria de sapatos é, por si só, um dado relevante a ser analisado, ainda que isso não corresponda aos resultados de possíveis pesquisas quantitativas.

A constatação do caráter mítico da “narrativa mestra” a repseito do processo de formação da comunidade armênia no Brasil vai ao encontro de outras pesquisas recentes sobre a população do Império Otomano, notadamente o trabalho de Paulo Pinto. Em seu livro

Árabes no Rio de

Janeiro o autor demonstra que a descrição padrão para a constituição dessas coletividades – como uma sucessão de mascataria, indústria ou comércio e Ensino Superior – serve antes ao discurso identitário do que como recurso analítico propriamente dito. Isso significa que conquanto revele bastante a respeito da imagem que as populações árabes constroem de si, esse percurso não deve ser tomado como regra para compreender a instalação dessas populações no Brasil. Se existe, portanto, espaço para questionar a vocação calçadista dos armênios de São Paulo, cabe observar a inserção profissional dos armênios do Rio de Janeiro, uma população significativamente menor do que sua congênere paulista e cujas redes de socialização se estabeleceram a partir de outros fundamentos.

Os armênios do Rio de Janeiro Menos numerosos do que a população armênia de São Paulo e sem dispor de instituições próprias, os armênios do Rio de Janeiro não têm hoje em dia espaços de socialização estabelecidos, o que faz com que não haja organicidade nessa população e com que o pertencimento identitário se manifeste exclusivamente no âmbito individual ou familiar. Não causa surpresa, portanto, que não exista entre eles uma narrativa própria a respeito de sua inserção na sociedade brasileira, de modo que frequentemente eles acabam sendo assimilados pela narrativa produzida pela comunidade de São Paulo em um discurso genérico acerca dos armênios no Brasil. Se apenas com restrições o discurso da tradição calçadista dos armênios no Brasil se aplica em São Paulo, no caso do Rio de Janeiro ele perde completamente o seu potencial explicativo: entre as diversas famílias pesquisadas, não houve sequer uma ligada ao ramo de sapatos. A maior parte dos armênios que chegavam à então capital brasileira eram incorporados no comércio varejista, notadamente no chamado comércio de

secos e molhados ou em armarinhos; alguns

poucos, que chegavam já com formação superior, conseguiam se estabelecer como profissionais liberais.

A que se deve essa inserção diferenciada no Rio de Janeiro? Certamente as estratégias de socialização, que variavam conforme o contexto local, tiveram importância decisiva. Na cidade do Rio de Janeiro havia já uma população originária do Império Otomano estabelecida e, por força da conjuntura local, foi a ela que os armênios se associaram, em um processo distinto do que ocorrera em São Paulo, onde a população armênia preferiu demarcar as suas diferenças face aos outros grupos levantinos. Outro elemento que contribuiu com essa diferença de percursos foi a atuação do mecenas Riskallah Jorge, que, segundo Roberto Grün, teria patrocinado a fixação de muitos imigrantes no ramo dos calçados, através do fornecimento de insumos e do financiamento para a aquisição das propriedades e dos instrumentos de trabalho ( 1992, p. 49). Dessa maneira, os imigrantes armênios que chegavam em São Paulo encontravam uma trajetória estabelecida previamente e lhes cabia apenas segui-la para conseguir se estabelecer. Os armênios que chegavam à capital da República, por sua vez, não dispunham de tal rede de solidariedade, e precisavam buscar junto aos demais grupos levantinos as oportunidades para a sua inserção profissional. Contudo, apesar da forte presença que, conforme demonstra Paulo Pinto ( 2010, p. 70 ), a mascataria exercia entre os árabes, não foi esse o caminho seguido pela maior parte das trajetórias registradas ao longo desta pesquisa. Embora a grande maioria de imigrantes, segundo os relatos de seus filhos, tenha se engajado imediatamente no comércio, não existem na memória coletiva dessas famílias referências ao trabalho de mascate. É possível até que esses imigrantes tenham se dedicado por algum tempo ao comércio ambulante, mas a categoria de mascate não se tornou um elemento definidor da identidade, seja a do o recémchegado, seja a de sua família – o que pode ter diversas explicações, como um período excessivamente curto desempenhando essa atividade, um desejo de se associar a outras referências profissionais, entre outras. O fato de que, ao chegar, os armênios se relacionavam ou procuravam se relacionar com outros grupos étnicos vindos do Oriente Médio não constituía exatamente um fato novo para essa população. Pelo contrário, dessa maneira se reconstituía no Brasil uma situação semelhante àquela observada antes da imigração, visto que o Império Otomano, de onde todos esses grupos haviam emigrado, era um Estado multiétnico, onde as diferentes populações conviviam lado a lado, frequentemente nas mesmas cidades e falando a mesma língua. As fronteiras entre armênios e sírios, por exemplo, eram muito mais tênues do que aquelas que apartavam os sírios de espanhois ou portugueses.

Além do idioma, outro elemento que aproximava os armênios dos demais grupos oriundos do Império Otomano era a religião, uma vez que parcela significativa dos que chegavam seguia alguma Igreja cristã oriental. Assim, diante da inexistência de Igrejas armênias no Rio de Janeiro, os membros dessa etnia frequentavam a Igreja Maronita, que atendia predominantemente a população libanesa – e o mesmo ocorria com a formação escolar, posto que também não havia escolas armênias na cidade. A participação em outras comunidades religiosas não significa, todavia, que os vínculos com a identidade religiosa armênia houvesse se perdido: como observam alguns descendentes dos imigrantes, era frequente que o padre que atuava na Igreja Apostólica Armênia de São Paulo fosse convidado para realizar cerimônias para a comunidade do Rio de Janeiro – algumas das pessoas entrevistadas se orgulham, inclusive, de terem se casado segundo a tradição e com um sacerdote armênios. Os armênios do Rio de Janeiro, portanto, não se inseriram no ramo de calçados e tampouco assimilaram a mascataria como um aspecto relevante de sua identidade, mas há ainda outras divergências em relação à “narrativa mestra” mascataria – empresariado – formação superior . Ainda que a maior parte dos armênios tenham efetivamente se inserido no setor comercial logo de sua chegada, foram poucos os casos de famílias que se mantiveram nessa área nas gerações subsequentes. Uma parcela significativa da segunda geração de armênios – a primeira dos nascidos no Brasil – passou direto ao Ensino Superior, sem que isso significasse sua inserção nos negócios da família: no lugar de adquirir os “instrumentos” necessários à gestão da empresa de seus pais, como seria o caso das formações em administração ou contabilidade, essas pessoas se tornaram engenheiros, funcionários públicos, enfermeiros, sociólogos, artistas; apenas uma minoria assumiu o comércio ou a indústria de seus familiares. A relativamente precoce ruptura com o ofício familiar revela que esses indivíduos já não se percebiam como uma população de imigrantes, à margem da sociedade e aos quais caberia preservar certo isolamento; pelo contrário, eles se veem socialmente integrados e autorizados a transitar pelos mais diferentes ramos profissionais Essa imagem de si, que destaca mais a integração com a sociedade brasileira do que a fronteira que dela separa os armênios e seus descendentes, está diretamente ligada à baixa representatividade das instituições armênias, o que gera um movimento que se retroalimenta. Por um lado, as famílias não têm disponível um espaço no qual possam manifestar publicamente o seu pertencimento étnico, que acaba se tornando um elemento presente primordialmente no

ambiente privado; por outro, como a referência a essa identidade étnica se dilui, as famílias tendem a se afastar dos ambientes em que seria possível estabelecer relações com outros armênios. De modo geral, portanto, é possível perceber que a história dos armênios no Rio de Janeiro é marcada por uma espécie de porosidade da fronteira que os delimita, tanto em relação aos demais grupos provenientes do Oriente Médio quanto em relação à própria sociedade brasileira. Essa porosidade, que existe em qualquer fronteira, se mostrou mais significativa no Rio de Janeiro e foi o que permitiu, mais do que no caso da comunidade armênia de São Paulo, a troca de elementos culturais e o fluxo das pessoas, que transitaram ora como

armênios, ora como

cristãos orientais com relativa desenvoltura.

Conclusão A comparação entre as coletividades armênias nas duas cidades indica que a falta de instituições tipicamente armênias favoreceu no Rio de Janeiro a integração dessa população com as demais populações do Oriente Médio, um processo que em São Paulo foi dificultado pela demarcação de fronteiras realizada pelas Igrejas, pelas escolas e pelos clubes armênios. É importante ressaltar, porém, que essa integração, observada mais claramente no Rio de Janeiro, foi facilitada pois os armênios não apenas viam com familiaridade os outros grupos subjugados pelo Império Otomano, com os quais compartilhavam hábitos e valores, mas também possuíam em relação a eles um mesmo referencial político, uma vez que não existiam ainda os Estados armênio, sírio, libanês, palestino, etc.. Da integração com outras etnias levantinas, os armênios passaram se relacionar mais intensamente com o restante da sociedade carioca, o que se percebe, por exemplo, com a dispersão espacial dentro da cidade: foi quando eles abandonaram a região da Rua da Alfândega, no Centro da Cidade, e se dirigiram aos bairros da Zona Norte e da Zona Sul. Esse fenômeno social, de suavização das fronteiras étnicas, teve manifestações tanto no campo econômico, com o “abandono” dos negócios familiares, quanto no campo cultural, com a construção de uma identidade étnica que permaneceu restrita aos espaços privados. Com isso, a despeito de

preservarem diversos hábitos, especialmente alimentares, de seus antepassados, os armênios do Rio de Janeiro não têm suas relações sociais pautadas pela identidade étnica.

Referências bibliográficas: GRÜN, Roberto. Negócios e Famílias. Armênios em São Paulo. São Paulo: Sumaré, 1992. LOUREIRO, Heitor de Andrade Carvalho. Mascates, sapateiros e empresários. Um estudo da imigração armênia em São Paulo. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História / ANPUH. São Paulo: ANPUH, v. 1, 2011, pp. 1-15. PINTO, Paulo Gabriel Hilu da Rocha. Árabes no Rio de Janeiro. Uma Identidade Plural . Rio de Janeiro: Cidade Viva, 2010. POWER, Samantha. Genocídio. A Retórica Americana em Questão. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. SAFADY, Wadih. Cenas e cenários dos caminhos de minha vida . Belo Horizonte: Santa Maria, 1966. TRUZZI, Oswaldo. De mascates a doutores . Sírios e libaneses em São Paulo. São Paulo: Sumaré, 1991

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