\"Nem partido, nem memória: notas sobre a escolha dos deputados nas eleições de 2014\" , 2015

June 5, 2017 | Autor: Jairo Nicolau | Categoria: Brazilian Politics, Partidos políticos, Eleições, Brazilian elections
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Nem partido, nem memória: notas sobre a escolha dos deputados nas eleições de 2014 Jairo Nicolau (professor de ciência política, UFRJ)

Resumo: O artigo explora três tópicos do voto para deputado federal e deputado estadual nas nas eleições de 2014. Com base nos resultados da pesquisa Eseb-2014, o artigo mostra que um número reduzido de eleitores se lembra em quem votou para os dois cargos; a amnésia eleitoral está associada à escolaridade, ao sexo e ao interesse pela política. O segundo tema analisado é a relação entre preferencia partidária e voto para deputado. Os números mostram que a convergência entre os dois é muito reduzida: cerca de 90% dos eleitores que preferem um partido não votam em nomes deste partido para o legislativo. Um último tópico explorado é a relação entre voto para federal e presidente. A congruência entre os dois também é reduzida: em torno de ¼ dos eleitores votam para deputado federal em partidos que pertencem à coligação do seu candidato a presidente. Os resultados são convergentes com a literatura que sustenta que as eleições para os cargos proporcionais no Brasil são, sobretudo, centradas em candidatos, com reduzida influência do partido e da disputa presidencial na escolha eleitoral.

Nas semanas que antecedem as eleições gerais no Brasil, os meios de comunicação costumam publicar pesquisas que mostram que um número expressivo de eleitores ainda não fez sua escolha para deputado federal e deputado estadual. Em contraste, o percentual de eleitores que já decidiram o voto para presidente e governador é sempre bem maior. Em 2014, uma pesquisa feita pelo Instituto Datafolha duas semanas antes do primeiro turno em todo o país mostrou que cerca de 70% dos eleitores ainda não tinham escolhido o candidato a deputado federal; já a taxa de indecisos na disputa presidencial era de apenas 7% na opção em que era mostrado o cartão com os nomes dos candidatos, e 27% na resposta em que o eleitor mencionava espontaneamente o nome em quem vai votar.1 A explicação corrente para esta disparidade é que ele derivaria da alta centralidade dos cargos do Executivo no sistema político brasileiro. Esta centralidade pode ser observada, por exemplo, em diversas dimensões das campanhas eleitorais. A cobertura feita pelos meios de comunicação é concentrada nos candidatos à Presidência da República, e em 1

menor escala, para os governos de estado, com praticamente nada sendo veiculado sobre as campanhas para o legislativo. Os recursos arrecadados pelos partidos são majoritariamente investidos nas campanhas para o Executivo. As redes de rádio e televisão promovem debates ao vivo somente entre os candidatos a governador e a presidente. Deste modo, seria natural esperar um interesse maior dos eleitores pelas campanhas para o executivo, relegando a disputa para o legislativo para um segundo plano. Os estudos eleitorais no Brasil refletem a mesma disparidade observada nas campanhas. Enquanto os trabalhos sobre as eleições presidenciais se avolumam, ainda sabemos muito pouco sobre que que fatores influem na escolha para deputado federal e estadual. Os poucos estudos específicos sobre as eleições para deputado no Brasil utilizam macro-dados e se concentram no padrão geográfico dos candidatos (CARVALHO, 2003; SILVA, 2013) e nos fatores que afetam as chances de os deputados com mandato serem reeleitos (CASTRO; NUNES, 2014; PEREIRA; RENNO, 2007). O objetivo deste texto é contribuir para o entendimento de três aspectos da escolha dos eleitores na disputa para deputado federal e deputado estadual. O primeiro deles é a memória do voto. Vimos que as pesquisas eleitorais indicam que boa parte dos eleitores deixa para escolher seu candidatos para os cargos proporcionais próximo ao dia da eleição. A ideia é avaliar o que acontece depois das eleições: os eleitores se lembram do seu voto para deputado? Que fatores estão associados a ter uma maior lembrança do voto? O segundo aspecto é a relação entre preferência partidária e o voto para deputado. A pergunta é simples, mas ainda não foi explorada pelos estudos eleitorais no Brasil: será que eleitores que preferem um determinado partido votam nos candidatos deste partido para deputado federal e estadual? O terceiro aspecto é a conexão entre voto para deputado federal e o voto para presidente. O propósito é avaliar a congruência do voto para os dois cargos. Este aspecto permite observar até que ponto os eleitores “alinham” seu voto, facilitando assim a construção da base parlamentar de apoio do presidente. Para explorar estes três tópicos utilizo os dados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb), pesquisa por amostragem, realizada com eleitores brasileiros após o segundo turno das eleições de 2014.

1. A memória do voto O questionário do Eseb-2014 trouxe apenas quatro questões específicas a respeito do voto para deputado. Duas delas perguntavam em quem os respondentes tinham votado para deputado federal e deputado estadual em 2010; outras duas fizeram a mesma pergunta para 2014. Todas as quatro perguntas eram abertas, cabendo aos entrevistadores anotar a resposta. Além de não responder ou não saber, os respondentes enumeravam uma das 2

quatro escolhas possíveis que um eleitor pode efetuar na urna eletrônica: anular o voto, votar em branco, escolher um candidato ou votar apenas na legenda. Os pesquisadores realizaram duas tarefas após a coleta dos dados: observaram se o nome elencado pelos eleitores realmente concorreu, e em caso afirmativo, identificaram o nome do partido ao qual este nome pertencia. A pesquisa foi a campo entre os dias 01 e 19 de novembro. O primeiro turno, quando são escolhidos os deputados, foi realizado em 05 de outubro; portanto os eleitores foram entrevistados em até 45 dias depois do pleito. Perguntados sobre o voto para deputado federal em 2014, os entrevistados deram as seguintes respostas: 32% listaram nomes de candidatos (voto nominal) ou disseram ter votado em um partido (voto de legenda), 23% anularam ou deixaram o voto em branco e 45% não lembravam ou listaram nomes que não concorreram. Os resultados para deputado estadual (2014) são semelhantes: 24% anularam ou deixaram o voto em branco, 27% citaram um candidato ou partido e 49% não se lembravam ou citaram nomes que não disputaram. Portanto, em torno de metade dos eleitores já não lembrava em quem tinham votado para deputado federal e estadual poucas semanas depois do pleito.2 A taxa de eleitores que não soube responder ou esqueceu de sua escolha no primeiro turno para cargos majoritários é muito menor: 1% para presidente e 6% para governador. Estes números demonstram que o “esquecimento” da escolha eleitoral, pelo menos nas semanas que sucedem o pleito, é um tópico associado ao voto para deputado federal e estadual. A explicação de caráter institucionalista, que atribui à centralidade do cargos do executivo em detrimento dos do legislativo como um fator fundamental para a memória, é bastante persuasiva para explicar a diferença apontada. No único trabalho dedicado especificamente à memória do voto no Brasil, Almeida (2006) analisou a mesma questão (voto para deputado federal) no Eseb-2002. Dois meses depois do primeiro turno das eleições de 2002, 28% dos eleitores não se lembravam do voto que haviam dado para deputado federal e 30% do voto para deputado estadual. A taxa de amnésia eleitoral, como chama o autor, para os cargos do executivo foi menor: apenas 1% havia esquecido o voto para presidente e 3% esqueceram a escolha para governador. O autor mostra, por intermédio de distribuições de frequência, que a taxas de esquecimento são maiores entre as mulheres, eleitores idosos e de baixa escolaridade. Por conta deste último fator, Almeida (2006) acredita que o aumento da escolaridade média do eleitorado seria um caminho para a redução da amnésia eleitoral. Mas a comparação com os dados de 2014 mostra um resultado diferente: em pouco mais de uma década houve um crescimento expressivo dos eleitores que não se lembravam mais do seu voto para a Câmara dos Deputados e Assembleias Legislativas. 3

Qual seriam as consequências da falta de memória dos eleitores para o sistema representativo? Almeida (2006) chama atenção para o fato de a amnésia eleitoral afetar a accountability eleitoral: “eleitores que não lembram em quem votaram para deputado não têm os meios para avaliar o trabalho de seu representante” (ALMEIDA, 2006., pág. 35). Nicolau (2006) apresenta um argumento semelhante, acrescentando outras dimensões do sistema eleitoral que dificultariam a accountability eleitoral, tais como a transferência de voto entre os candidatos dos partidos que disputam coligados, e o fato de que um número expressivo de eleitores não elegerem um candidato específico (seja porque seu candidato ficou na suplência, seja porque ele anulou ou voto). Ainda que Almeida (2006) tenha feito menção a taxa de amnésia eleitoral em outras democracias, a comparação sistemática sobre o tema exige uma série de cuidados. Um deles é o momento em que a pesquisa é feita; a taxa de esquecimento tende a aumentar nas pesquisas realizadas muito depois do pleito. Existe ainda a dificuldade de comparar o significado do esquecimento em diferentes sistemas eleitorais. Em países que utilizam a representação proporcional de lista fechada (eleitores votam apenas em partidos), o propósito é lembrar em qual partido e não em qual nome o eleitor votou. Em países, com voto majoritário-distrital, onde a disputa é circunscrita a um número reduzido de candidatos (raramente mais de uma dezena), cada um deles disputando por um partido, a possibilidade

de

lembrança

tende

a

ser

maior,

particularmente

nos

países

parlamentaristas, nos quais o voto para a Câmara dos Deputados é de suma importância. Para além dos efeitos institucionais (centralidade do cargo, sistema eleitoral), é importante observar se algumas características dos eleitores, tais como escolaridade, sexo e lugar de moradia, estão associados ao fato de o eleitor esquecer em quem votou. Para dimensionar estas possíveis associações construí dois modelos de regressão logística, um para deputado federal e outro para deputado estadual. Como o propósito é avaliar as eventuais diferenças entre os eleitores que não se lembravam ou não sabiam em quem tinha votado para deputado, dos que lembravam, criei duas novas variáveis binárias, uma para cada cargo, que são utilizadas como variáveis dependentes dos dois modelos apresentados a seguir. Além de características sociodemográficas (gênero, escolaridade,

idade e região de

moradia) um atributo atitudinal (grau de interesse pela política) foi incluído nos dois modelos. As características dos respondentes são apresentadas na Tabela 1. A primeira coluna apresenta as estimativas, a segunda coluna mostra os intervalos de confiança (95%) de cada um delas. Os valores estão ponderados segundo os pesos definidos pela pesquisa eseb-2014. 4

Tabela 1: Características dos entrevistados, Eseb-2014. Características

%

Intervalo de confiança (95%)

Norte

7,8

6,8 / 8,9

Nordeste

25,8

24,1 / 27,5

Sudeste

44,1

42,3 / 46,0

Sul

14,5

13,2 / 15,9

Centro-Oeste

7,7

6,8 / 8,9

Fundamental incompleto

35,6

33,9 / 37,4

Fundamental completo

20,2

18,7 / 21,7

Médio completo

35,0

33,3 / 36,8

Superior completo

9,2

8,2 / 10,3

Feminino

52,3

50,4 / 54,1

Masculino

47,7

45,9 / 49,6

16-24 anos

16,7

15,4 / 18,2

25-34 anos

24,0

22,5 / 25,6

35-44 anos

19,1

17,6 / 20,6

45-64anos

29,7

28,0/31,4

Acima de 64 anos

10,5

9,4/11,7

7,3

6,3 / 8,3

Interessado

23,3

21,8 / 25,0

Pouco interessado

42,2

40,4 / 44,1

Nada Interessado

27,2

25,5 / 28,9

Região

Escolaridade

Sexo

Idade

Interesse por política Muito interessado

Nota: os dados ponderados levando em conta o peso dos estados, n= 3136.

5

A Figura 1 apresenta as estimativas geradas pelos dos dois modelos de regressão logística (deputado federal e deputado estadual). As categorias selecionadas como base para comparação estão excluídas do gráfico. São elas: 16-24 (idade); masculino (sexo); ensino superior (escolaridade); sudeste (região); muito interessado (interesse por política). Em cada linha do gráfico podemos observar as razões de chance de cada categoria, comparativamente a categoria de referência. Por exemplo, um eleitor que não complementou o ensino fundamental tem 0.85 mais chances de esquecer ou não saber em quem votou, do que um eleitor que cursou o ensino superior. As abas ao lado das estimativas mostram o intervalo de confiança de 95% para cada estimativa. Os valores à direita da linha vertical que corta cada gráfico mostram o aumento de chances daquele fator, enquanto os da esquerda revelam a diminuição. Como um fator não pode simultaneamente aumentar e diminuir as chances de que outro ocorra, as estimativas que cortam o eixo zero devem ser interpretadas como não significantes em termos estatísticos. Um aspecto que chama a atenção nos dois modelos é o impacto da escolaridade e do interesse pela política. Indivíduos que não terminaram o ensino fundamental têm maiores chances de a esquecer em quem eles votaram para deputado federal (+.43) e estadual ( +.85) quando comparados àqueles que acabaram o curso superior. Para deputado estadual observamos ainda o efeito positivo entre os

eleitores que concluíram o ensino

fundamental ( +. 44). Comparativamente aos que se interessam muito por política, existe um crescimento das chances de esquecimento em todas as categorias. Vale destacar ainda o fato de as mulheres terem uma chance maior de esquecimento do voto , com aumento de 0.13 para deputado federal (embora as estimativas ultrapassem levemente a linha 0 vertical) e 0.34 para deputado estadual. Os dados dos dois modelos deixam claro, que além da influência do cargo e disputa na memória do voto (o voto para o executivo é mais lembrado do que para o legislativo), existe uma influência de fatores sociodemográficos e atitudinais no esquecimento. Em 2014, a escolaridade, o gênero e o interesse pela política também tiveram impacto na capacidade de os eleitores lembrarem de seu voto para deputado estadual e deputado federal.

6

Figura 1: Razões de chance associadas a não lembrar ou não saber em quem votou para deputado federal e estadual. Modelos de regressão logística.

Deputado federal, 2010

Deputado estadual, 2014

-.13

25-34

-.33

-.14

35-44

-.2

.0031

45-64

-.068 .22

+ de 64

.095

.13

Feminino

.34 .43

fundamental inc.

.85

.084

fundamental comp.

.44

-.0053

medio

.25 .34

Norte

.22

-.23

Nordeste

-.17

-.18

Sul

-.33

.0015

Centro - Oeste

.018 .42

interessado

.44 .69

pouco interessado

.62

.55

nada interessado -.5

0

.5

.37

1

-.5

0

.5

1

Nota: Os dois gráficos apresentam as razões de chance de cada estimativa (circulo), com os respectivos intervalos de confiança (abas).

2. Partidos e voto para deputado federal e estadual Estudos sobre as eleições presidenciais brasileiras têm mostrado que a preferência dos eleitores pelo PT e PSDB está associada ao voto para presidente (AMARAL; RIBEIRO, 2015; PEIXOTO; RENNÓ, 2011). Um eleitor que prefere o PT tem alta probabilidade de votar nos candidatos da legenda e não votar em nomes do PSDB. E vice-versa. Em 2010, por exemplo, a probabilidade predita de um eleitor petista votar em Dilma e de um eleitor tucano votar em Serra era de cerca de 80% (NICOLAU, 2014). É importante assinalar que a associação é encontrada apenas no voto dos dois únicos partidos que apresentaram candidatos em todas as eleições presidenciais e disputaram entre si quatro vezes o segundo turno. O que ainda não sabemos é até que ponto o voto para deputado federal e estadual está associado a preferência por determinados partidos. Será que eleitores que preferem uma legenda votam em nomes desta legenda para deputado? 7

Como já foi assinalado, a pergunta sobre voto para deputado (“em quem o senhor (a) votou para deputado...”) não pedia para o eleitor especificar a legenda do nome citado. A tarefa de identificar o partido de cada candidato foi realizada posteriormente pelos pesquisadores do Eseb-2014. Além dos nomes, um contingente reduzido de respondentes disse ter votado na legenda: 2,0 % para deputado federal, com apenas sete legendas citadas; 2,2% para deputado estadual, com dez legendas citadas. Estes números são bem menores do que efetivamente registrados nas eleições, mesmo se levarmos em conta as margens de erro das estimativas.3 Calculados sobre o total de eleitores que compareceram às urnas o total de votos de legenda foi o seguinte: 7,1% para deputado federal e de 9,0% para deputado estadual. É preciso avaliar com mais cuidado a razão para esta discrepância, mas eles sugerem que a interpretação que associa o voto de legenda à identificação partidária não se sustenta para 2014. Afinal, que vínculo partidário é esse, que eleitores que votaram na legenda de um partido esquecem que o fizeram? Por outro lado, as interpretações que associam o voto de legenda à mobilização circunstancial de campanha, particularmente a visibilidade da sigla dos candidatos à presidência e aos governos de estado, ganham força. Outro aspecto pouco explorado que pode ter algum impacto na memória dos eleitores é que a propaganda eleitoral faz um apelo para o eleitor memorizar o número dos candidatos e legendas e não seus respectivos nomes. Um eleitor “dilmista”, por exemplo, que foi incentivado a votar no número 13 para deputado, poderia não associar diretamente este voto como sendo da legenda do PT. 4 Para conhecer a preferência dos eleitores pelos partidos, o Eseb-2014 fez a seguinte pergunta direta: “Existe algum partido político que o (a) sr(a) goste mais que os outros?”. Para os que respondiam positivamente, era pedido que citassem o partido. Um número expressivo de eleitores (67%) disse não ter predileção por qualquer dos partidos. Entre os partidos citados, apenas três ultrapassaram 1% de menções: PT (18%), PSDB (7%) e PMDB (3%); as outras legendas somadas obtiveram apenas 4% das citações.5 Seguindo um padrão já verificado em eleições anteriores, a identificação partidária no Brasil de 2014 foi relevante apenas para o PT. Já sabemos que cerca de 1/3 dos eleitores declararam gostar de um determinado partido em 2014. O próximo passo é avaliar se estes eleitores votaram em candidatos (ou na legenda) deste mesmo partido. A tabela 2 apresenta um quadro geral da relação da preferência por um partido e o voto para deputado federal e deputado estadual. Os valores para os dois cargos é muito semelhante. Cerca de 2/3 dos eleitores não tem preferência por 8

qualquer legenda. O volume de eleitores que preferem um determinado partido e votam neste partido para deputado federal ou deputado estadual é de cerca de 5% do total; somente o PT e o PSDB

alcançaram mais de 1% das citações. Já os eleitores

que

declararam preferir um partido, mas não votaram neste partido é de 27%. Portanto, 89% (29.0 dividido por 32.6) dos que preferem um partido, não votaram neste partido para deputado federal, e

91% (30.0 dividido por 32.9) dos que preferem um partido, não

votaram neste partido para deputado estadual. Tabela 2: Voto para deputado federal e partido político nas eleições de 2014, Eseb_2014 Escolha do eleitor

Não tem preferência por partido político Prefere o PT e vota em nomes/legenda

%

Intervalo de

%

Intervalo de

deputado

Confiança

deputado

Confiança

federal

95%

estadual

95%

Deputado

Deputado

federal

federal

67.4

65,5 / 69.2

67,1

65,4 /68,9

2,1

1,6 / 2,8

3,0

2,8 / 3,2

0,7

0,5 / 1,1

1,0

0,4 / 1,9

0,8

0,5 / 1,2

0,6

0,7/1,5

29.0

27,2 / 30,1

30,0

28,1 /31, 8

do PT Prefere o PSDB e vota em nomes/legenda do PSDB Prefere um dos outros partidos, e vota em nomes/legenda deste partido Prefere um dos outros partidos, mas não votou em candidato/legenda deste partido Nota: Nota: os dados ponderados levando em conta o peso dos estados; n= 2707 ( deputado estadual), n = 2748 (deputado federal).

Existe uma extensa literatura sobre a identificação partidária no Brasil (PAIVA; TAROUCO, 2011; SPECK; BRAGA, 2014; VEIGA, 2007). Estes estudos mostram as mudanças das preferências ao longo tempo, as eventuais associações com o voto para presidente, a predileção do eleitorado pelo PT e o perfil dos eleitores que tem preferência por um partido. O que ainda não foi detalhadamente explorado é o quanto este vinculo 9

subjetivo com as legendas, se traduz em comportamento efetivo em relação a estas mesmas legenda, particularmente no momento do voto par deputado. O reduzido número de eleitores partidários, ou seja que votaram para deputado no partido de sua preferência em 2014 é um forte indicativo de que este vinculo não ocorreu. Por outro lado, estes números convergem com a expectativa de outros estudos sobre os efeitos da representação proporcional de lista aberta (CAREY; SHUGART, 1995; GALLAGHER, 2005; KARVONEN, 2004). As campanhas seriam concentradas na reputação dos candidatos e na capacidade destes de atender certos territórios ou representar interesse de segmentos específicos do eleitorado. Ainda que alguns eleitores votem partidariamente, este número é mínimo diante daqueles para os quais o partido não importa. Esta constatação da reduzida importância do voto dos eleitores não significa dizer que os partidos não importam na arena eleitoral. No Brasil existem alguns mecanismos que conferem poder aos partidos: para ser candidato em uma eleição é preciso estar filiado a um deles; nas eleições, os dirigentes partidários têm a liberdade de concentrar recursos, como dinheiro e tempo de televisão em determinados candidatos que de alguma maneira são os “preferidos” da

direção partidária; na computação dos votos nas eleições

proporcionais nomes do mesmo partido são agregados para fins de distribuição de cadeira. Obviamente, partidos importam na arena eleitoral. O que os números do Eseb-2014 demonstram é que eles não importam como fator decisivo da escolha eleitoral, nem mesmo para aqueles eleitores que dizem ter preferência por um determinado partido.

3. Alinhamento de voto: presidente e deputado federal Um desafio fundamental para o funcionamento do presidencialismo brasileiro é a montagem de uma base de sustentação no legislativo (AMORIM NETO, 2000; FIGUEIREDO; LIMONGI, 1999). Por conta da alta fragmentação partidária, todos os presidentes eleitos a partir de 1989 tiveram que fazer amplas coalizões no legislativo, que envolveram o seu próprio partido e os que pertencem à coligação eleitoral, bem como partidos que se agregaram após o pleito. Muitos estudos têm se dedicado a descrever as coalizões organizadas pelo presidente, mas sabemos pouco até que ponto este fator é importante na escolha dos eleitores. Será que o eleitor escolhe para deputado federal um candidato do mesmo partido ou coligação do presidente? A Tabela 3 apresenta o resultado da combinação de voto para deputado federal e presidente.

Na tabela estão incluídas apenas as respostas dos eleitores que tinham 10

lembrança do seu voto; portanto, aqueles que votaram em um candidato ou legenda, ou anularam ou deixaram o voto em branco foram consideradas. A tabela apresenta ainda o intervalo de confiança de cada estimativa. Chamo de congruentes os eleitores que votaram em um candidato de um partido para deputado federal e no mesmo partido (ou outro partido que fazia parte da coligação presidencial) para presidente; por exemplo, um eleitor que votou em um nome do PR e para Dilma é congruente, já que os dois partidos se coligaram na disputa presidencial. Cerca de ¼ dos eleitores foram congruentes, com a seguinte distribuição: 19% votaram em candidatos de um dos partidos da coligação que apoiou Dilma, 6% em um dos partidos que apoiou Aécio e apenas 1% apoiaram Marina e nomes de menores legendas. Os eleitores incongruentes são aqueles que votaram em um partido para deputado federal que não pertencia à coligação de seu a presidente; um eleitor, por exemplo, que votou para deputado federal no PSDB e para presidente em Marina Silva. O total de votos incongruentes foi de 34%. Além desses, 40% anularam o voto ou deixaram o voto em branco para deputado federal.

Tabela 3: Congruência entre voto para deputado federal e presidente. Eseb, 2014. % sobre o total

Intervalo de confiança (95%)

19,2

17,1 / 21,4

6,3

5,1 / 7,7

0.6

0.3 /1,2

0.4

0,2 / 0.9

Votos incongruentes

33.7

31.2 / 36.3

Votos Brancos e nulos para deputado federal

39.8

37.2 /42.4

Votos congruentes (coligação de apoio à Dilma Rousseff) Votos congruentes (coligação de apoio à Aécio Neves) Votos congruentes (coligação de apoio à Marina Silva) Votos congruentes (coligações de apoio a outros candidatos)

* Os eleitores congruentes são os que votaram para deputado federal em um dos partidos da coligação de seu candidato a presidente. Os eleitores incongruentes são os que votam para deputado federal em um partido que não fazia parte da coligação do seu candidato à presidente. Nota: os dados excluem os respondentes que não lembram ou não sabiam em quem tinham votado para deputado federal (n= 1507).

11

Apesar da importância da obtenção de uma base de sustentação para o presidente no legislativo, os números apresentados pela pesquisa Eseb-2014 demonstram que esta não é uma preocupação para cerca de ¾ dos eleitores. Que fatores podem explicar este descolamento entre voto para presidente e deputado federal? Minha sugestão é que devemos buscá-los nos diferentes incentivos que os eleitores têm ao votar para estes dois cargos. Na seção anterior vimos que o contingente de voto partidário (eleitores que votam no partido que preferem para deputado) em 2014 foi muito reduzido. Portanto, as motivações para o voto para deputado seriam outras. É um desafio fazer um inventário das motivações que levariam os eleitores a escolher determinados candidatos nas eleições para deputado federal. De qualquer modo, identifico cinco tipos de motivação além do voto partidário. A primeira é decorrente de determinados atributos pessoais do candidato (carisma, competência, liderança) revelada na carreira política ou em um campo específico de atuação. Aqui incluiria também, as celebridades do mundo artístico e esportivo, comunicadores de rádio e televisão. A segunda seria fruto de um voto de identidade, quando o eleitor vota em um nome que pertence ao mesmo segmento que o seu: vota no pastor porque ele é da mesma igreja, no líder do seu sindicato, no presidente da sua associação de moradores. O terceiro é o vínculo territorial, “eu voto no candidato X, porque ele vai representar a minha cidade, a minha região”. A quarta é a proximidade ideológica do candidato, particularmente ao fato de ele pertencer ao mesmo campo político (esquerda ou direita). Por fim, haveria a motivação clientelística; o eleitor vota em um candidato que lhe prestou algum benefício para si (ou família), ou atendeu especificamente um determinado grupo ao qual ele pertence. Infelizmente, não temos pesquisas sobre que fatores os eleitores privilegiam no momento de escolher seus candidatos para o legislativo. E os tipos apresentados acima não são excludentes; vota-se em um candidato da cidade que também é competente; no líder sindical, que pertence ao mesmo campo político. De qualquer modo, a reduzida taxa de eleitores que alinharam seu voto para presidente e deputado federal em 2014 é convergente com a literatura que sustenta que as eleições para a Câmara dos Deputados são centrada nos candidatos (CARVALHO, 2003; NICOLAU, 2006), com exceção - não confirmada em 2014 - do voto dos petistas (SAMUELS, 1997).

12

Assim, teríamos uma possível explicação para a baixa congruência entre o voto para deputado federal e presidente. Os eleitores seriam movidos por lógicas diferentes. Para presidente, aspectos como situação da economia, avaliação do governo, políticas públicas, polarização entre PT e PSDB seriam decisivas. Já para deputado federal, o eleitor votaria seguindo uma série de motivações diferentes, quase todas ligadas a atributos, identidades e serviços realizados pelo candidato.

Conclusão O objetivo deste artigo foi explorar três aspectos específicos da escolha dos eleitores para deputado federal e estadual em 2014. O primeiro deles é memória do voto. Poucas semanas depois das eleições, metade dos eleitores já não lembravam como tinham votado para deputado federal ou estadual. Estes números são bem maiores do que esquecem da escolha que fizeram para governador e presidente. Mas para além desta diferença institucional, observamos que alguns atributos dos eleitores estão associados ao esquecimento, particularmente a escolaridade, o sexo e o interesse pela política. O segundo tópico analisado é a relação entre preferência por um partido e voto para deputado federal e estadual. O número de total de eleitores partidários (que votam no mesmo partido que preferem) é de cerca 5% para os dois cargos. Se considerarmos apenas os eleitores que têm preferência observamos que em torno de 90% dos eleitores que preferem um determinado partido não votaram para deputado federal ou deputado estadual nos candidatos deste partido em 2014. A pergunta óbvia é: que preferencia é essa que não se traduz em voto para os candidatos do partido preferido? Embora circunscrita a uma única eleição, os dados são muito fortes e reforçam a literatura sobre a reduzida importância dos partidos na escolha para as eleições parlamentares no Brasil. Um último tema explorado é convergência entre voto para deputado federal e voto para presidente. O total de eleitores congruentes, que votaram para um candidato para deputado federal pertencente a coligação do presidente é de cerca de 25% do eleitorado total, a maioria desses, votou em candidatos da coligação que apoiou Dilma. Cerca de 1/3 dos eleitores fez escolhas incongruentes, ou sejam votaram em candidatos para deputado federal de partidos que não compunham a coligação presidencial. Minha hipótese é que a o deslocamento entre o voto para os dois cargos derivaria da existência de lógicas diferentes; uma orientada para discussões de temas mais gerais como políticas de governo e conflitos entre forças políticas (presidente), e outra orientada por questões centradas no 13

candidato. Em linhas gerais, esta hipótese converge com os achados da literatura comparada, que apontou os diferentes efeitos associados aos dois sistemas eleitorais utilizados no Brasil ( maioria absoluta para presidente; proporcional com lista aberta para deputado federal). Embora circunscritos a uma única eleição, os dados sugerem uma discussão mais aprofundada sobre a representação política no Brasil. Termino com algumas indagações que

podem

ser

melhor

aprofundadas

em

futuras

pesquisas:

Como

controlar

representantes, quando 50% esquecem de sua decisão nas urnas? Qual é o sentido da identificação com os partidos, se apenas 5% dos eleitores foram considerados partidários? Por que um número tão reduzido de eleitores escolhem deputados que participarão da base de sustentação do candidato a presidente escolhido?

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Notas 1 A pesquisa do Instituto Datafolha foi realizada no dias 17 e 18 de setembro. Ver:

http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/blog/eleicao-em-numeros/post/sete-de-cadadez-eleitores-nao-tem-voto-para-deputado-diz-datafolha.html 2 Ao longo do artigo apresento o intervalo de confiança de cada uma das estimativas apresentadas, já ponderadas segundo a ponderação sugerida pelo Eseb-2014. Para a memória do voto para deputado é a seguinte: não lembram ou listaram nomes que não concorreram (43,8 / 47,8), listaram nomes de candidatos ou legendas (30,9 / 34,6), anularam ou deixaram o voto em branco (20 /23,2). Já para deputado estadual: não lembram ou listaram nomes que não concorreram (47,2 / 51,2), listaram nomes de candidatos ou legendas (27,1 / 30,7 ), anularam ou deixaram o voto em branco (20,3 / 23, 6 ). Já para deputado estadual: 3 O intervalo de confiança da estimativa (95%) é o seguinte : deputado federal (1,4/3,7); deputado estadual ( 1,4/3,8) 4 Existem evidências de que nas eleições de 1998, uma parte dos eleitores, que não estavam familiarizados com a urna eletrônica teriam errado o primeiro voto, o que “inflacionou” o voto de legenda nas cidades que utilizaram a nova modalidade. (ZUCCO JR.; NICOLAU, 2015) É difícil saber se a eventual confusão no momento de votar, ainda tem algum impacto significativo sobre o total de votos de legenda. 5 O intervalo de confiança da estimativa (95%), em percentual é o seguinte: não tem partido (58,0/77,0), PT (16,8 /19,7), PSDB (5,8 / 7,7), PMDB ( 2,6 /4,0), outros partidos ( 3,3/ 4,8).

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