NEM PLANOS SEM PROGRAMAÇÃO NEM PROGRAMAÇÃO SEM PLANO - Alcance e resiliência do plano como instrumento de eficiente regulação e desenvolvimento urbano

July 4, 2017 | Autor: Luis Grave | Categoria: Urban Planning, Landuse managment
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NEM PLANOS SEM PROGRAMAÇÃO NEM PROGRAMAÇÃO SEM PLANO - Alcance e resiliência do plano como instrumento de eficiente regulação e desenvolvimento NOT THE PLAN WITHOUT PROGRAMMING, NO PROGRAMMING WITHOUT PLAN - Scope and resilience of the plan as a tool for efficient regulation and development Luís Grave*

Sumário Nas últimas duas décadas Portugal assistiu a uma forte expansão urbana induzida por fatores diversos sem permitir a implementação de políticas e procedimentos de gestão eficiente do desenvolvimento urbano ambiental e economicamente sustentáveis. Fruto das contradições entre as políticas expansionistas e as de sustentabilidade e entre o caráter positivista rígido dos instrumentos e o caráter desregulado processos de gestão, a administração acabou por estimular um crescimento urbano com anomalias e desequilíbrios. Enquanto isso, instituía um sistema de planeamento que chegou tarde e sem uma cultura de gestão eficaz, alicerçado no plano diretor municipal que assentava na definição de um modelo territorial mas sem um modelo de gestão que sustentasse a sua execução estrategicamente controlada. A gestão territorial urbana ficou apoiada num modelo com margem de gestão aleatória orientada pela estratégia dos promotores e balizada por uma mera parametrização urbanimétrica definida a escalas inapropriadas para a gestão dos perímetros urbanos. O resultado foi um crescimento urbano extensivo, fragmentado, economicamente desarticulado e ambientalmente desqualificado, desligado das dinâmicas demográficas e a falta de consolidação onde se fez sentir a estagnação daquele crescimento. Foi o ciclo da urbanização, com plano mas sem visão, sem prévia avaliação, sem programação e sem monitorização, que deixou algumas certezas: o planeamento positivista sem caráter adaptativo não tem capacidade de articulação dinâmica e o plano deve ser sensível e adequar-se oportunamente à dinâmica presente, reajustando objetivos e metas para uma assertiva gestão do desenvolvimento urbano. Perante este quadro, surgem novas apologias afirmando que o planeamento prospetivo já não é válido face às aceleradas dinâmicas e mudanças de paradigma, defendendo o planeamento por oportunidade (Just-in-Time) e a contratualização do planeamento e da ação urbanizadora aos particulares, apenas acompanhada de fiscalização sucessiva. A comunicação procura evidenciar as contradições do sistema e as vicissitudes das práticas do planeamento vigentes e equiparáveis às novas tendências conceptuais atrás referidas para propor novos instrumentos ou reformas para um planeamento dotado de alcance e resiliência que o capacite para uma eficiente regulação e catalisação do desenvolvimento urbano. A abordagem empírica de suporte é baseada no eixo de expansão urbana (margem sul do tejo) da AML, gerada pela construção da Ponte Vasco da Gama.

Palavras-chave: gestão estratégica, planeamento participado, planeamento adaptativo, urbanismo negociado, urbanização sustentável, programação urbanística. * Arquiteto-urbanista, e-Geo – Centro de Estudos de Geografia e Planeamento Regional, FCSH/UNL, [email protected]

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1. Introdução 1.1. Introdução ao problema

Apesar de nas últimas décadas se ter assistido a uma intensa política pública na tentativa de regular o desenvolvimento urbano de forma ordenada, verificou-se um crescimento urbano desregulado, desligado das dinâmicas demográficas e desequilibrado do ponto de vista socioeconómico e económico-financeiro, estimulado pela valorização de mercado do imobiliário. A intensa dinâmica de crescimento urbano dentro das cidades e fora delas, face a um sistema de gestão territorial supostamente bem concebido no modelo teórico mas ainda imaturo nas práticas, manifesta-se num estado do ordenamento do território onde se revelou desordenamento espacial, desequilíbrios funcionais e insustentabilidade económico-financeira. O contexto recessivo entretanto instalado acentuou os desequilíbrios (já antes evidentes) e deixou no terreno situações-problema com custos ainda não avaliados quer o erário público quer para a qualidade de vida dos cidadãos. Como conceber e operacionalizar instrumentos e processos de planeamento/gestão territorial capazes de regular e gerir o desenvolvimento dos espaços urbanos de forma equilibrada e sustentável, sendo para isso necessário controlar as dinâmicas funcionais e económicas é a questão aqui em discussão. 1.2. Objetivos e metodologia

O objetivo consiste em identificar as falhas do sistema de planeamento e modelo de gestão adotados e traçar pistas inovadoras para uma gestão territorial com rumo definido mas dotada de eficiência baseada em propriedades de flexibilidade e adaptação de modo a conduzir o desenvolvimento urbano (cidade ou aglomerado urbano) com maior resiliência face às dinâmicas socioeconómicos e de transformação espacial. A reflexão tem por base a análise e confronto entre modelos de gestão municipal (instrumentos e práticas) operados em diferentes exemplos de um caso paradigmático, avaliando-os e correlacionando-os com os respetivos efeitos no ordenamento do território e na sustentabilidade ambiental e económica. O fenómeno de urbanização induzido pela construção da Ponte Vasco da Gama nos principais perímetros urbanos em redor dos seus acessos na margem sul do estuário do Tejo é o caso é caso que temos vindo a seguir e inspira a presente reflexão, observando a relação dos fenómenos de crescimento urbano com as diferentes práticas de gestão territorial e de execução urbanística ocorridos nos perímetros urbanos de Alcochete, Montijo e Pinhal Novo, procurando identificar as tendências, de planeamento, de planeamento intercalar e programação, que constituiram fator ou indutor que conduziram às anomalias sistémicas que se apresentam no estado do território ou nas circunstâncias económico-financeiras.

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Figura 1 – Localização dos perímetros urbanos em análise (fonte: GoogleMaps)

Complementarmente, procedeu-se a análise qualitaiva topomorfológica com base em observação local e interpretação das imagens aéreas (cartografia fotográfica disponível na internet) e das imagens in loco (fotografias produzidas pelo autor), a partir da qual se extraíram as ilações críticas de suporte à descrição das tendências verificadas e conclusões subsequentemente retiradas. É de sublinhar que nesta comunicação, dada a limitação de espaço, não são apresentados os dados do caso analisado, ficando essa eventualidade reservada para possível artigo a elaborar na sequência desta abordagem.

2. O sistema de gestão territorial vigente e as suas contradições 2.1. Os instrumentos e as suas (in)determinações

Tendo em vista os objetivos da presente abordagem, é no âmbito da intervenção municipal que passamos a fazer um breve comentário ao sistema de gestão territorial, e que passamos a designar como sistema municipal de gestão territorial. Para esses mesmos efeitos vamos sintetizar a estrutura desse sistema municipal como a seguir se descreve. De acordo com o quadro jurídico do sistema, podemos estratificar os instrumentos de gestão territorial, no âmbito municipal, a três níveis, estruturados da seguinte forma: Ao nível estratégico: O Plano Diretor Municipal (PDM), o Plano de Urbanização (PU) e o Programa de Ação Territorial (PAT), não esquecendo o relatório do estado de ordenamento do território (REOT) enquanto instrumento de avaliação-diagnóstico;

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Ao nível da regulação operativa de execução e da programação urbanística: o regulamento municipal de urbanização e edificação (RMUE), a unidade operativa de planeamento e gestão (UOPG), o Plano de Pormenor que pode revestir formatos diversos, por razões de especificidade ou simplificação, a unidade de execução (UE), o programa de reabilitação urbana (PRU), etc., etc.; Ao nível da execução: a operação de reparcelamento (OR) e as operações urbanísticas (OU) de loteamento, de urbanização e de edificação. Para o objetivo em vista, de acordo com Grave (2009) e tendo por base o reconhecimento empírico generalizado da praxis, vamos elencar, sinteticamente, algumas contradições verificadas entre aquilo que o regime legal estabelece para os planos e aquilo que de facto acontece na prática do planeamento e da sua execução:  O sistema de gestão territorial (RJIGT) estabelece que os planos municipais devem obedecer a um quadro de referência estratégico e os instrumentos supramunicipais (PNPOT, PROT, etc.) definem orientações estratégicas ou normas orientadoras que os planos municipais devem integrar mas prevalece o facto de estes não se encontrarem, por tempo indeterminado, adequados àquele referencial e mal definirem uma visão e estratégia de desenvolvimento com objetivos concretos e bem formulados, e nem metas e indicadores de execução;  O sistema (…) determina que os planos municipais devem integrar programa de execução e financiamento mas, o próprio RJIGT, classifica-os nos elementos que acompanham o plano, como que não fazendo parte intrínseca deste, acabando, a maioria das vezes, por ter caráter proforma e ser desvalorizado pelas partes intervenientes na elaboração (entidade promotora, equipa técnica, comissão de acompanhamento) e, ainda mais, na utilização (entidade promotora, equipa de gestão), para execução do plano;  O sistema (…) centra-se nos IGT mas prevalece a produção de espaço urbano através de operação urbanística não sujeita a prévio planeamento de pormenor ou programação, pois assim é muito mais célere e processualmente menos complicado, o que é facilitado por falta de coesa articulação entre RJIGT e RJUE neste ponto, permitindo proceder a operações urbanísticas, mesmo de grande vulto ou impacto, sem o devido processo de planeamento de pormenor, e forçando a que, em muitos casos, seja estabelecido um regime de exceção aberto pelo próprio PDM.  O sistema (…) prevê o estabelecimento de unidades de execução como mecanismo de execução da urbanização programada mas não explicita concreta e objetivamente os seus requisitos de programação e a configuração documental desse instrumento, apenas estabelecendo que a UE pode ou deve ser delimitada no âmbito de UOPG, PP ou em qualquer lugar, deixando que este importante instrumento permaneça em desuso.  O sistema (…) prevê uma tipologia de fundamentos de indeferimento de pretensões de operação urbanística mas perpetua-se a sua explicitação nos planos e a gestão continua a fazer-se com base na tipologia, vaga de especificação, contida no RJUE;

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 O sistema (…) determina a implementação de sistemas de indicadores e de monitorização do estado do território (REOT, observatórios em rede, etc.), imprescindível a um planeamento mais preventivo e oportuno, mas prevalece a sua omissão ou desvalorização e não existe o registo e difusão pública deste instrumento. 2.2. As tendências verificadas no caso de estudo, relativas à produção do espaço urbano

Perante as evidências identificadas nos exemplos analisados, conforme se apresenta em anexo, passamos a sistematizar as tendências aí verificadas no desempenho da gestão territorial. As tendências no planeamento e produção do espaço urbano  Planeamento com frágil suporte em visão e ponderação estratégica;  Espaço urbanizável sobredimensionado, em detrimento da reabilitação e colmatação dos espaços urbanizados – desqualificação, fragmentação, dispersão;  Prevalece a ausência de planos de pormenor e outras formas de programação urbanística;  Quando se recorre parcialmente a PP, como acontece num dos exemplos analisados, denotam-se contrastes na qualidade e coerência entre espaços desenvolvidos de modo distinto;  Negligência generalizada face aos planos de financiamento nos IGT, mais exigível em especial nos PU e PP, geralmente omissos em avaliação da sua viabilidade económica;  Escassez de execução do solo urbanizável, inferior a 50%, passados mais de 15 anos de aprovação dos PDM;  O crescimento urbano foi tanto maior quanto mais próximo da mesma (igual tendência no abrandamento do ritmo de construção); As tendências de efeito inerentes às práticas de gestão e controlo  Reduzida utilização de mecanismos de programação e concertação urbanística;  Reduzida utilização de metodologias de gestão e dispositivos de controlo de operações urbanísticas;  Ausência de ponderação das externalidades relacionadas com as tendências de mercado de solos e dos produtos de imobiliário urbano  Forma urbana fragmentada por tempo indeterminado;  Anomalias estruturais na dotação de equipamentos e espaços públicos;  Excedentes de infraestruturas, sem utilizadores, por tempo indeterminado; As tendências consequentes das práticas de gestão económico-financeira  Ausência de avaliação preventiva de viabilidade económica do planeamento municipal em geral, dos planos e das operações urbanísticas;  Fraca ou ausente articulação entre o orçamento/investimento municipal e os planos municipais de ordenamento do território;

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 Desajustamento entre a estrutura da contabilidade municipal (POCAL) e a estrutura do sistema de gestão territorial/setorial do desenvolvimento urbano, dificultando a gestão e controlo financeiro/orçamental;  Défice orçamental crónico, com uma dinâmica cíclica correlacionada com os mandatos autárquicos, motivado por regulação orçamental sistematizada;  Dificuldades de dotação orçamental destinada ao desenvolvimento do espaço urbano, na concorrência com outros setores da ação municipal, na repartição financeira do plano de atividades e orçamento municipal. As tendências consequentes das externalidades  Estagnação da urbanização e edificação;  Excedentes: parque habitacional devoluto, oferta de lotes urbanos, terrenos de solo urbano expectantes e subsequentes produtos de espaço urbanizado;  Infraestruturas e obras de urbanização em geral construídas ou em construção, sem utilização ou sem conclusão por tempo indeterminado;  Desequilíbrios estruturais no dimensionamento de equipamentos e funções ou serviços de utilização coletiva – em certas áreas urbanas não consolidadas os equipamentos construídos ficam sobredimensionados face às necessidades, por tempo indeterminado, outras acabam por ficar desprovidas desses equipamentos por insuficiência de justificação da construção dos equipamentos previstos.

3. O que falhou e porquê? 3.1. Breve análise crítica aos resultados do caso estudado

Face às tendências enunciadas na secção anterior, passamos a extrair conclusões do que terá falhado, tentando avançar com explicações prováveis, especialmente quando se trata de tendências contraditórias com os supostos objetivos das políticas públicas de ordenamento do território e do sistema formal de gestão territorial. Falharam as políticas de ordenamento do território e de sustentabilidade ambiental, designadamente no ordenamento do espaço urbano onde se verificou fragmentação e incoerência estrutural bem como o excesso de consumo de solos e impactos ambientais, em espaço consolidado e não executado, por um lado, e por outro, a consequente desqualificação das estruturas e do ambiente urbanos bem como a descoordenação e desequilíbrios das funções ou serviços de utilização coletiva. Falharam as políticas sociais de alojamento e de serviços à comunidade pois a fragilidade de controlo do desenvolvimento urbano deixa vulneráveis algumas das próprias garantias constitucionais como o direito à habitação pois o acesso à mesma fica dificultado ou mesmo impossíbilitado para uma parte significativa da população face à carestia e falta de soluções no lugar certo que o processo urbanizador e o mercado não promovem; à saúde e à educação pois fica dificultada a adequada dotação dos respetivos

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equipamentos no lugar, com a capacidade e no momento certos; enfim ao bom ambiente e qualidade de vida urbano face a um desordenamento, “clima de estaleiro” e desqualificação dos espaços residenciais e de trabalho onde as pessoas vivem boa parte do seu tempo. Falharam, também, as políticas económico-financeiras inerentes ao desenvolvimento urbano, gerando-se situações permanentes ou cíclicas de deseconomia e desequilíbrio quer do ponto de vista do desempenho funcional quer do ponto de vista orçamental e financeiro. As razões fundamentais que concluímos estarem na base destas falhas de desempenho do sistema de gestão territorial podem ser sintetizadas do seguinte modo:  Crença da autoridade reguladora da Administração Pública Central em que a urbanização se faz através dos IGT quando, na verdade, a maioria se faz por operação urbanística direta, sem prévia programação urbanística.  Reduzida a utilização dos IGT de pormenor e de programação operativa, por se acreditar que os planos diretores municipais seriam suficientes, sem uma estratégia com alcance preventivo e prospetivo e sem uma programação que contemple técnicas de gestão e controlo do processo de construção do espaço urbano.  Apesar do sistema de gestão territorial estabelecer o exercício da avaliação regular do estado do território e um sistema de indicadores de execução dos planos, tal só acontece raramente. Por outro lado é notória a falta de uma avaliação crítica ao desempenho do próprio sistema de gestão territorial, especialmente onde a complexidade dos sistemas urbanos exige maior sofisticação de gestão, as cidades. No entanto, com base nas mesmas políticas públicas e no mesmo sistema de gestão territorial, têm-se observado casos que revelam resultados aparentemente positivos e que se tornam em exemplos de referência, porventura na sequência de boas práticas de gestão territorial mas também contando com a ajuda de circunstâncias favoráveis. Em todo o caso convirá conhecer bem e difundir esses casos pois eles demonstram que o sistema formal será, então, suscetível às estratégias ou atitudes dos atores ou seja, carece de ser complementado de modo a constituir um guião seguro que reduza a margem de aleatoriedade nas práticas de gestão territorial. Talvez a crise que atravessamos faça despertar a cultura do ordenamento do território e do exercício do planeamento em Portugal, que estavam ainda bastante imaturos, para um novo paradigma. 3.2. Breve análise crítica às práticas de gestão dominantes

Na tradição das práticas de planeamento e gestão urbanísticos, os planos têm-se limitado, na generalidade, a uma ação de mera classificação e qualificação do solo urbano, seguida da ação policiadora do uso e ocupação dos solos segundo parâmetros urbanísticos fixados em PDM, não preconizando procedimentos de programação sistemática do desenvolvimento urbano bem como formas de monitorização preventiva

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e controlo da concretização do mesmo. Esta dificuldade enraíza-se fundamentalmente no divórcio entre as disposições que regulam os planos e as subjacentes a uma política de solos e a uma gestão territorial proativa e previamente avaliada do ponto de vista económico-financeiro. Contudo, embora o planeamento de pormenor traduza as propostas urbanísticas de forma mais concreta e objetiva, proporcionando a prévia avaliação ambiental e participação pública, a sua típica demora, rigidez e grau de vínculo remete-o para uma forte rejeição, atribuindo-lhe um caráter assistemático ou mesmo de raridade, apenas sendo adotado, na maioria das vezes, para enquadrar a construção de um grande equipamento ou mesmo um grande empreendimento urbanístico ou indústria de iniciativa particular, por necessidade de alterar o PDM. Deste modo, a ação de planeamento, quase exclusivamente através do PDM, apenas tem servido, fundamentalmente, para abrir/classificar novas áreas urbanizáveis mas de forma não ponderada e ajustada às necessidades, não interferindo, através da programação da execução progressiva dos mesmos, e ficando na dependência da iniciativa dos promotores. Mas, passada a vaga de elaboração e de execução dos PDM da primeira geração, que acabou por suster, ainda que involuntariamente, a elaboração de planos de urbanização e de pormenor, constata-se agora, perante a realidade no terreno, que o PDM não é adequado ou suficiente para a gestão territorial e urbanística. De facto, relacionando a dinâmica e volume de produção de espaço urbanizado por iniciativa particular com a diminuta existência de planos urbanísticos municipais, pode presumir-se que raramente o desenvolvimento urbano se processa de forma concertada e coesa. Deste modo, o desenvolvimento das redes de infraestruturas e de equipamentos faz-se através de fragmentos desconexos no espaço e no tempo e destituído de termos de referência, conduzindo à incoerência ou mesmo incompatibilização estrutural dos sistemas setoriais e do sistema urbano visto integradamente. Porém, assiste-se ainda a intervenções sem fio condutor, ao sabor de pressões conjunturais do mercado ou iniciativa privada. Quanto maior a dependência desta, maior a desarticulação. A inexistência de articulação ou coordenação leva a ausência de sinergias, resultando em desperdício de recursos, não apenas materiais, mas duplamente de tempo, o tempo gasto e o tempo de atraso. Efetivamente, como já referia Gonçalves (1984) e ainda hoje se verifica, ao contrário do estabelecido nas políticas públicas, institucionalizou-se na gestão municipal uma prática onde os eleitos vão interpretando as necessidades e aspirações da população por um lado e por outro as expectativas dos proprietários e pretensões dos promotores, e mais numa perspetiva paternalista do que numa perspetiva de desenvolvimento integrado, vão intuitivamente presumindo que as pretensões dos promotores correspondem às dinâmicas de mercado e aos objetivos de desenvolvimento dominantes, procurando, espontânea e casuisticamente, as estratégias operativas para os

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atingir. Por outro lado, quando se confrontam com forte pressão urbanística, não dispondo de informação, sobre o estado do território ou sobre metas objetivas a cumprir, que apoie decisões ponderadas e reconhecendo a ineficácia do modelo de planeamento positivista, burocratizado e impositivo, tendem a iludir-se nas virtudes de uma cooperação com a iniciativa privada no processo de urbanização, acabando, muitas vezes, por cair mesmo na subserviência àquela. A par, os técnicos, fruto de formação monodisciplinar deficitária, que penaliza a visão global dos problemas, refugiam-se num planeamento tecnocrático e redutor, cujo diálogo com a ótica política se torna quase ininteligível, concorrendo para a fragilização do planeamento municipal. A questão económico-financeira Todos os sintomas referenciados no atrás exposto indiciam que por detrás dos mesmos se coloca a questão fundamental económico-financeira de incidência territorial quer na ótica da iniciativa privada quer da iniciativa pública, porém, aqui importa-nos relevar a ótica de iniciativa pública e ao nível municipal, pois é de gestão municipal do território que aqui estamos a discutir. De facto a matéria respeitante à gestão e dinâmicas territoriais e em particular à economia urbana tem estado arredada discussão académica e mesmo da praxis da gestão territorial. Tal deve-se a múltiplas razões, tendo as mais diretas a ver com ausência ou opacidade de informação (dados) que permita a sua análise estruturada e as mais profundas a ver com as estratégias dos agentes intervenientes ou reguladores pois, o condicionalismo orçamental constrange a liberdade de ação dos atores segundo os interesses que os movem, isto em plena conformidade com a ordem neoliberal em que nos integramos. Contudo o contexto de crise atual e que, em grande parte decorre de uma filosofia de tendencial desregulação económica e de crença numa permanente dinâmica de crescimento, faz emergir o tão propalado princípio da sustentabilidade económica. A tarefa não é fácil dada a indisponibilidade de informação sistematizada para o efeito, contudo, através da recolha possível de dados provenientes de orçamentos e de relatórios de execução orçamental municipais, que sejam de incidência territorial e de modo a que se consiga formar indicadores tendenciais, foi elaborado o gráfico que apresenta a evolução da despesa e da receita líquida de incidência territorial, em termos médios, com base em dados de vários relatórios de exercício orçamental municipais na AML, com as necessárias adaptações, dado que o modo como geralmente estão estruturadas as contas em obediência ao Plano Oficial de Contabilidade da Administração Local (POCAL) não é compaginável com o âmbito de incidência territorial que aqui se pretende (Figura 2). Os dados utilizados para gerar o gráfico referido têm por base a Composição da receita exclusivamente de incidência territorial (impostos municipais, taxas urbanísticas municipais, fundos municipais, comparticipações financeiras, multas ou coimas e

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rendimentos de propriedade) e a Composição da despesa (em recursos naturais e funções ecológicas, espaços de valor cultural e de lazer, habitação social, equipamentos e serviços à população, mobilidade, redes infraestruturais e reabilitação urbana. Passamos a fazer uma breve análise do que reflete o gráfico da Figura 2, tendo em consideração as práticas generalizadamente reconhecidas no domínio da gestão orçamental municipal, das quais decorrem evidências do conhecimento público, tais como o crescente e crónico endividamento dos municípios, o recorrente relato de notório desfasamento entre a estimativa da receita e da despesa e entre o orçamento e execução do mesmo bem como a reconhecida ausência de integração dos investimentos inerentes às propostas dos planos territoriais nos orçamentos municipais.

Despesa

Receita

Figura 3 – Gráfico da tendência orçamental média de incidência territorial, na AML 2002-2011 (fonte: compilação do autor)

Observando a evolução orçamental média de incidência territorial, amostragem considerada com base em dados recolhidos relativos à Área Metropolitana de Lisboa, no período entre 2002 e 2011, constatam-se as seguintes tendências ou sinais: Evolução do valor da despesa, ao longo do tempo, predominantemente superior à receita, tendo como efeito o défice orçamental crónico; tendência de evolução crescente, com redução drástica em 2006, que se repete com menos acentuação em 2011, sinalizando a tentativa de reequilíbrio orçamental, sendo que, os anos em que se verifica essa redução correspondem ao início de mandatos políticos. Entre as razões generalizadamente reconhecidas que facilitam estas tendências ou ciclos estão: a sistemática falta de avaliação preventiva de viabilidade económica dos investimentos municipais em geral e dos investimentos consignados pelos planos em particular; a falta de utilização de metodologias de gestão e controlo que assegurem um equilibrado desempenho económico-financeiro, designadamente uma abordagem prospetiva de planeamento de atividades e orçamento que tem de contar com informação de qualidade e com suficiente certeza e onde a articulação com o planeamento de incidência territorial tem de estar presente; finalmente, para que as

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condições atrás descritas se possam concretizar, haverá que encontrar forma de articular ou adequar a estrutura de contabilidade municipal, condicionada ao POCAL, à forma como o sistema e setores de gestão territorial se estruturam. Um trabalho de avaliação sistematizada às práticas de planeamento territorial local no Reino Unido (DEPARTMENT FOR COMMUNITIES AND LOCAL GOVERNMENT, Spacial Plans in Pratice: Supporting the reform of local planning – Final Report, London, 2008), demonstrou esta ideia e dele extraímos algumas das suas conclusões mais pertinentes à presente abordagem: - Maior necessidade de planos como instrumentos para gerir a mudança e por uma abordagem estratégica de longo prazo; - Maior necessidade de que os planos sejam elaborados e posteriormente geridos com base em avaliação comprovada por dados e provas; - Os planos elaborados em parceria são úteis para o maior envolvimento das organizações e atores prestadores de serviços que intervêm em diversos setores na mesma área territorial; - As habilitações dos profissionais do planeamento (dados, análise, criatividade e facilitação, gestão de projetos, implementação e avaliação) não foram as competências enfatizadas na formação para a profissão nas duas últimas décadas, podendo reduzir-se esse défice com formação profissional e com novo recrutamento para a profissão; - A responsabilidade de elaboração dos planos espaciais não deve ser atribuída a um departamento mas a uma equipa multidisciplinar colocada numa posição central na autoridade local.

4. Propostas para um novo planeamento e gestão do espaço urbano 4.1. Alguns pressupostos teóricos

As políticas de ordenamento do território visam um território que integra sistemas urbanos segundo uma ordem de sustentabilidade e coesão. Vejamos alguns desígnios que a Nova Carta de Atenas 2003 consagra para as cidades que correspondem aos aglomerados urbanos que aqui nos preocupam. “A Cidade Coerente integra um conjunto variado de mecanismos de coerência e de interligação que atuam a diferentes escalas; incluem tanto os elementos de coerência visual e material das construções, como os mecanismos de coerência entre as diversas funções urbanas, as redes de infraestruturas e a utilização das novas tecnologias de informação e comunicação.” O “objetivo de coerência, para a cidade, consiste em assegurar o respeito pelos interesses da sociedade como um todo, tendo em conta as necessidades, os direitos e os deveres dos diversos grupos e dos cidadãos individualmente; (…) Os serviços urbanos e a habitação deverão estar adaptados à evolução muito rápida das necessidades e da disponibilidade de meios dos residentes; a sua programação deverá ser flexível e

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adaptada aos novos modelos de utilização da cidade que forem surgindo; (…) devem procurar um desenvolvimento competitivo no quadro da economia global, adaptando-se continuamente às mudanças internas e externas; (…) deve capitalizar os seus atributos identitários e oferecer um quadro de vida e de trabalho agradáveis para se manterem atrativas em resposta às exigências crescentes solicitadas pelas pessoas e pelas atividades económicas” (adaptado de CEU, 2003, 8-16). A multifuncionalidade urbana assenta numa relação de causa-efeito recíproco entre a sua estrutura topo-morfológica e a natureza dos serviços a prestar. Para tudo isso é imprescindível a eficiência e o rigor de gestão na governança territorial. A concentração demográfica obriga a rigoroso planeamento e execução de políticas públicas que garantam a qualidade de vida e a preservação do ambiente, sob pena de se cair no caos urbanístico e deseconomia de recursos. A sofisticação da estrutura e do desenvolvimento territorial conduziu à necessidade de se proceder ao planeamento, ato de conceber e programar no espaço e no tempo ações de efeitos físicos com desempenho funcional e sustentável num quadro de interdependências em que se procura pensar hoje a realidade de amanhã mas dependendo esta sempre da realidade atual, e se constitui num processo contínuo e interativo, portanto de carácter dinâmico. Porém, como atrás fica claro, o ato de conceber um modelo territorial e programar as ações para o construir, somente, já não está consentâneo com as dinâmicas, incertezas e surpresas, também de incidência territorial, que vão ocorrendo nas cidades. Diversas abordagens metodológicas se podem colocar. Tomando como adquirido que o planeamento positivista está ultrapassado pois “o planeamento não é o conhecimento nem a antevisão de um fenómeno, mas uma componente que faz parte do fenómeno” (Pardal et all, 2000), há os que defendem, já, que o planeamento prospetivo já não é válido na atualidade face às aceleradas dinâmicas e mudanças de paradigma, defendendo o planeamento por oportunidade (Just-in-Time) face às tendências. Em contraste com aquela abordagem, temos a designada abordagem push/fordista relativa ao planeamento e gestão (Just-in-Case), sendo nesta caso o planeamento de longo prazo que desempenha papel ativo no processo. Enquanto JIT se baseia numa hierarquia mais horizontal que consiste numa forte iniciativa, cooperação e interação entre os agentes, trabalho em equipa e multifuncionalidade, o JIC significa a estrutura hierárquica rígida, vertical, que exige a especialização e a segregação funcional dos agentes comandados, provocando, antagonismo e concorrência entre eles (Alfasi, Portugali 2004). Mas, “O futuro não está escrito, está por fazer” (Godet 1996), por isso defende-se que, não sendo possível prever o futuro, na incerteza da exatidão do mesmo, é preciso antever (cenários) as dinâmicas das tendências e descrever o desejável. Propõe-se, então, o exercício de prospetiva, onde não se encara o futuro como um prolongamento

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do passado, pois está sujeito a contingências e vontades, mas visualiza futuros possíveis, múltiplos, indeterminados, face ao grau de liberdade da ação humana. Por outro lado, o planeamento ou a gestão dos sistemas urbanos tem de fazer-se a diferentes escalas, espaciais e temporais, e a diferentes níveis de atuação, quer na conceção do futuro desejado quer na definição dos meios reais para lá chegar ou seja, consiste em nos dotarmos de uma estratégia, um conjunto de regras de conduta que permitam atingir os objetivos da política. Temos assim que o planeamento estratégico (plano visão de desenvolvimento) fixa os objetivos que comprometem a longo prazo enquanto o planeamento operacional visa selecionar e aplicar, a curto prazo, os meios necessários para chegar a esses objetivos (plano de ação).

Plano Diretor Municipal / PDM; avaliação da execução do PDM e do estado do ordenamento do território Planeamento de pormenor e programação urbanística; monitorização da execução urbanística Intervenção e desenvolvimento; participação pública; operações urbanísticas

Figura 4 – Hierarquização

do planeamento (adaptado de Ferreira, 2011)

Mas as metodologias de planeamento territorial já passaram “das abordagens descritivas às viradas para a ação/decisão (Ferreira, 2011), entre a ótica interpretativa e a crítica e já se passou da visão racionalista à abordagem colaborativa (Pereira, 2011). Não é novidade que um produto decorre de um processo de produção e que, portanto, as qualidades desse produto são reflexo da boa dinâmica e das boas opções no decorrer desse processo ou seja, informação, método, instrumentos, determinação e rigor no cumprimento da estratégia que não enjeita inovação e oportunidades. Este é um princípio que se coloca, também, à produção do espaço urbano, a qual terá de decorrer de um processo regulado por uma gestão coordenada e atenta tanto a fatores internos como externos. Esses fatores articulam-se e interagem segundo uma hipercomplexidade dinâmica que instrumentos de mediação, avaliação e regulação pouco ou nada praticados até aqui no domínio do urbanismo. Queremos com isto dizer que, face a esta nova realidade, impõe-se uma forma de planeamento interativo com essa realidade dinâmica, com capacidade auto-adaptável ou auto-reativa às dinâmicas de contexto a cada momento. A coordenada e eficaz gestão do território e do urbanismo, especialmente das cidades, é o principal fator que assegura a qualidade do espaço urbano. Por isso acreditamos que, a qualidade e sustentabilidade do espaço urbano terá de ser assegurada por um planeamento que passe á condição de uma gestão estratégica e interativa com as dinâmicas de contexto e externalidades.

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Quer isto dizer, um processo de planeamento constantemente regulado, a montante, por um quadro de referência estratégico, orientado para objetivos de desenvolvimento e metas de execução mas resiliente às dinâmicas de contexto e às externalidades, mediante uma atenta e constante monitorização e análise estruturada. Por outro lado, a Cidade para cumprir os desígnios expostos, constitui-se num território ou sistema onde se desenvolvem dinâmicas de procura e ofertada, segundo lógicas de mercado. Assim, a construção e desenvolvimento das estruturas espaciais ou físicas desse sistema carecem de ser geridos como um complexo empreendimento, com recurso a técnicas de pura gestão empresarial estratégica que têm de se guiar por uma visão do mercado global onde operam e assegurar condições de eficiência, resiliência, sustentabilidade e competitividade. Porém, com uma distinção fundamental, enquanto a gestão empresarial tem o lucro material – financeiro como objetivo fundamental, a gestão territorial urbana tem como desígnio fundamental a satisfação dos interesses da sociedade, particularmente a representada na comunidade que vive e trabalha em cada cidade. Assim, dispondo da necessária informação, e tendo a missão de regular a execução da estratégia municipal, cabe ao município exercer a conveniente gestão e controlo do desenvolvimento urbano, contando com a participação dos atores destinatários do planeamento e gestão, não só para contribuírem para as decisões como para se comprometerem com o processo de execução material da estratégia definida. 4.2. Inovação dos mecanismos de gestão de ótica económico-financeira - propostas

Impõe-se a necessidade de reformar profundamente o planeamento positivista de introduzir novos instrumentos ou mecanismos de gestão territorial urbana com novos alcances instrumentais e com novas propriedades adaptativas às tendências verificadas a cada momento e oportunidade e em espacial na ótica da questão económico-financeira que, aqui, centramos as nossas propostas. Nesse sentido sistematizamos algumas medidas, direta ou indiretamente envolvidas na ótica económico-financeira, estruturadas por instrumentos, segundo os níveis de planeamento: Ao nível estratégico – o planeamento estratégico, corporizado no PDM, contempla uma visão de desenvolvimento traduzida numa estratégia, sustentada numa prévia avaliação do estado do território e da potencial interação deste com as tendências da envolvente externa, que constitui o guião de objetivos e metas através dos quais se pondera e concebe o planeamento intercalar operativo:  Reformular o PDM, adotando caráter mais estratégico e menos regulamentar pois não é ele que determina as dinâmicas de crescimento ou que define a forma urbana mas determina as condições fundamentais em que o mesmo deve ocorrer e programa os tipos de IGT necessários em cada área, de caráter distinto, dos perímetros/espaços urbanos;  O regulamento deve contemplar, para além da regulação do modelo territorial (classificação e qualificação do solo, condicionantes, etc.), o modelo de gestão

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municipal do território, estabelecendo, em articulação com o programa de execução, a estrutura de instrumentos de planeamento e gestão setoriais e os instrumentos de planeamento e gestão intercalares e operativos, bem como o sistema de monitorização de execução do plano e seus indicadores. A administração das operações urbanísticas em perímetros urbanos deixa de ser possível com base no PDM;  O programa de execução e plano de financiamento passam a integrar os elementos do plano propriamente dito e é publicado em DR e divulgado publicamente;  O relatório do estado do ordenamento do território passa a ser obrigatório, efetivamente, cumprindo uma norma de modelo de dados, sendo registado e integrado em rede nacional de observatório territorial e publicitado publicamente;  Analisar regularmente o desempenho do sistema municipal de gestão territorial e é desenvolvida a melhoria das respetivas técnicas e metodologias. Ao nível do planeamento intercalar operativo – Os planos e gestão articulam-se num processo iterativo e dinâmico, tendo por guião a estratégia traçada no PDM mas, dispondo de informação territorial aberta e inteligível, sendo ponderada por mecanismos de avaliação preventiva de metas e externalidades, procurando a concertação de soluções, envolvendo a ampla participação de todos os agentes:  Tornar obrigatório o plano de urbanização ou esquema diretor de urbanização para os perímetros urbanos relevantes, através dos quais é estabelecido o regime de planeamento operativo, programação urbanística e sua avaliação económico-financeira;  Flexibilizar os planos de escala intermédia, tornando o plano de pormenor uma exceção apenas aplicável a situações que exijam maior imposição administrativa, generalizando a figura do projeto urbano como instrumento definidor da forma urbana e de concertação das soluções (unidades de execução) para a coesão da forma urbana;  Os planos de escala intermédia integram avaliação de viabilidade económica e fundamentação do ponto de vista económico-financeiro a curto, médio e longo prazo;  O controlo da execução dos planos de escala intermédia é permanente, envolvendo a permanente reavaliação estratégica (relatórios anuais de monitorização e propostas de alteração) com participação dos agentes;  A elaboração e a gestão dos planos de escala intermédia são asseguradas por uma equipa multidisciplinar (que inclui obrigatoriamente a disciplina de economia e gestão) e interdepartamental (todos os serviços envolvidos na gestão e execução do plano – do financeiro, à qualificação ambiental e ao licenciamento urbanístico). Ao nível da gestão de execução – Implementar uma panóplia de mecanismos de operacionalização da gestão auxiliares à avaliação preventiva, à informação dos agentes, à concertação de interesses e à execução dos projetos urbanos que promovam qualidade e sustentabilidade ambiental, social e económica tendo por alcance a gestão/autorização das operações urbanísticas de iniciativa pública ou particular, monitorização do desenvolvimento urbano e o controlo da execução orçamental:

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 Desenvolver plataformas de informação e colaboração destinadas aos agentes do mercado urbanístico (proprietários, promotores, utilizadores/consumidores);  Criar o fundo municipal de compensação e execução urbanística, destinado a constituir a bolsa de solos e de fundos financeiros inerentes à gestão e execução dos planos urbanísticos;  Desenvolver e manter o cadastro predial articulado com base de dados urbanimétricos georreferenciada;  Criar dispositivo de análise orçamental que faça a articulação entre a contabilidade municipal, segundo o POCAL, e a estrutura de custos e receitas de incidência territorial;  Remodelar a estruturação orgânica e de competências funcionais dos serviços municipais, reformando as conceções tradicionais e dotando-os de competências técnicas ajustadas ao novo paradigma de gestão municipal.

5. Conclusões: Nem planos sem programa, nem programação sem planos

A definição e o cumprimento de um modelo territorial, enquanto objetivo que se pretenda alcançar e sustentar duradouramente, qualquer que seja a escala, deve obedecer a um quadro de referência estratégico e à definição do caminho seguro para lá chegar.  O quadro de referência faz-se de uma visão de desenvolvimento futuro mas equacionada face ao indispensável diagnóstico do contexto da situação e das suas externalidades, portanto: o plano, estrategicamente falando, não pode estar ausente.  O caminho seguro faz-se de concertação de interesses e soluções para a estruturação urbana qualificada e em condições de controlado equilíbrio ambiental e económico, portanto: a programação, ou melhor, a gestão tem de estar presente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALFASI, Nurit; PORTUGALI, Juval (2004) – Planning Just-in-Time versus planning Just-in-Case, Cities, Vol.21, nº 1, p. 29-30. FERREIRA, Maria Júlia - «Evolução das metodologias em Geografia e Planeamento Territorial: das abordagens descritivas às metodologias viradas para a ação/decisão», Lisboa, aula doutoral, UNL, 2011. GODET, M. – Manual de Prospetiva Estratégica, Lisboa, Círculo de Leitores, 1996. GONÇALVES, Fernando - O Lugar do Município num Sistema de Planeamento Descentralizado, Lisboa: LNEC, 1984. GRAVE, Luís – Política de Solos e a Qualidade do Espaço Urbano – suas inter-relações, Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa (tese de mestrado em Planeamento Regional e Urbano), 2000. PARDAL, Sidónio; LOBO, Manuel C.; CORREIA, Paulo - “O conceito de planeamento”, in Normas Urbanísticas – Planeamento Integrado do Território, Vol. IV, UTL/ DGOTDU, 1-22, Lisboa, 2000. PEREIRA, Margarida (2009) - «Desafios contemporâneos do ordenamento do território: para uma governabilidade inteligente do(s) território(s)», Prospectiva e Planeamento, Vol. 16, DPP, Lisboa, pp.77-102. RJIGT – Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial, MAOT, em vigor.

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