NEOBARROCO E HIPERMODERNIDADE NA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA -MANIFESTAÇÕES DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA

Share Embed


Descrição do Produto

NEOBARROCO E HIPERMODERNIDADE NA LINGUAGEM PUBLICITÁRIA - MANIFESTAÇÕES DA SUBJETIVIDADE CONTEMPORÂNEA1 Profª. Drª. Vanessa Cardozo Brandão2 Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas RESUMO Esse trabalho apresenta de forma preliminar os pressupostos teóricos da pesquisa iniciada em 2010, que busca investigar as possíveis aproximações entre os conceitos de neobarroco (CALABRESE), hipermodernidade (LIPOVETSKY) e poética pósmodernista (HUTCHEON), observando como os aspectos estéticos descritos pelos autores podem ser observados em diversas campanhas publicitárias atuais e apontam um modelo de discurso específico da subjetividade contemporânea, em um movimento de descentramento (HALL). PALAVRAS-CHAVE: neobarroco, hipermodernidade, publicitária, subjetividade contemporânea.

publicidade,

linguagem

PRESSUPOSTOS TEÓRICOS

Impossível classificar em um grupo toda a diversidade de produção da publicidade contemporânea. Diferentes marcas, produtos, argumentos de venda. Ao mesmo tempo, é visível a existência de alguns traços comuns, identificáveis a um olhar mais atento. A linguagem publicitária contemporânea lança mão de tantos e tão diversos artifícios de construção que se torna difícil caracterizá-la sob um rótulo apenas. Alguns autores, entretanto, chamam atenção para elementos de destaque na construção deste “discurso do consumo”, nas palavras de Baudrillard (1991), que tem se configurado como recorrentes e podem ser observados em diversas campanhas publicitárias atuais. Na tentativa de observar e compreender melhor alguns destes elementos, o recorte desta pesquisa tem se voltado a campanhas de destaque pelo uso de estratégias de linguagem aqui caracterizadas como “emergentes” na publicidade contemporânea. Neste contexto,

                                                                                                                        1

Trabalho apresentado no I Pró-Pesq PP – Encontro de Pesquisadores em Publicidade e Propaganda. De 26/08 /2010 a 27/08/2010. CRP/ECA/USP. 2 Professora Adjunta da Faculdade de Comunicação e Artes da PUC Minas - Cursos de Publicidade e Propaganda, Relações Públicas e Comunicação Integrada. Membro do CEPEC – Centro de Pesquisa em Comunicação. email: [email protected]

por exemplo, uma primeira fase de estudo dedicou-se à análise da metalinguagem e da paródia como estratégias criativas da publicidade. Este primeiro estudo voltou-se para a intertextualidade como marca do discurso moderno e pós-moderno, não apenas nas artes como também na publicidade contemporânea (paródia, paráfrase e estilização), compreendendo este mecanismo como forma de diferenciação da mensagem publicitária. Esta estratégia foi utilizada de forma inédita por anunciantes que buscavam uma alternativa ao “esgotamento” de estratégias criativas no cenário do mercado atual (saturado não apenas de marcas e produtos, mas também de informação e campanhas publicitárias). Destacou-se, neste contexto, a pesquisa realizada sobre a marca italiana Diesel, em que foram analisadas várias campanhas da grife e o uso da paródia como estratégia de linguagem, com resultado parcial apresentado no GT de Publicidade e Propaganda, no congresso da Intercom em 2003. Posteriormente, colocando em destaque a “campanha pela real beleza”, de Dove, a pesquisa procurou mostrar como a publicidade contemporânea, ainda em busca da diferenciação em um mercado saturado, lança mão do argumento de “abraçar a diferença” como elemento persuasivo para conseguir a adesão de públicos variados a uma estética da marca Dove e, por consequencia, adesão a seus produtos (XXIX Congresso Intercom, 2006). Nestes dois momentos, tornou-se evidente como a publicidade atual tem buscado novas estratégias de linguagem para se diferenciar diante do excesso de discursos que povoam a mente do consumidor. A partir desta perspectiva, buscando um conceito que permitisse caracterizar a variedade de estratégias publicitárias sob um recorte teórico consistente, a pesquisa ampliou-se. Partindo da ligação entre intertextualidade e pósmodernidade, o projeto de pesquisa que ora se apresenta foi elaborado para realizar a investigação de traços do discurso pós-moderno na linguagem publicitária. Relacionando elementos de um discurso “neobarroco”, o conceito elaborado por Omar Calabrese (1988) reconhece elementos de uma determinada estética nas várias formas de discurso da sociedade de consumo contemporânea: desde as artes até os produtos da cultura de massa. Percebendo a lógica de produção acelerada e massiva da sociedade pós-moderna como equivalente a um modelo estético, Calabrese realiza uma ampla análise de diferentes

produtos culturais. Literatura, programas de televisão, publicidade, filmes, arquitetura, entre outros: as manifestações do neobarroco como estética pós-moderna são diversas. Assim, o operador conceitual de Calabrese torna-se importante para a pesquisa em Publicidade que agora se inicia. Caracterizando o neobarroco como linguagem contemporânea (com o objetivo de distanciar-se do termo “pós-moderno”), Calabrese percebe nele alguns elementos que podem ser identificados na publicidade atual. Por exemplo, uma linguagem que dá destaque ao jogo entre parte e todo, pelo uso do pormenor e do fragmento. Outro elemento que nos interessa destacar é a tendência ao paradoxal ou à oscilação entre extremos, que revela uma lógica de alternância entre opostos no uso de uma linguagem que ora tende ao excesso, ora ao minimalismo das formas. Estes aspectos, que podem ser vistos em campanhas publicitárias e aqui relacionamos a uma “estética publicitária contemporânea” (na alternância entre signos que remetem ao exagero e à concisão), podem ainda ser relacionados ao conceito de hipermodernidade em Lipovetsky (2004). Este crítico da Publicidade também apresenta uma relação íntima entre o tempo que chama de “hipermoderno” e a tendência ao excesso e ao paradoxo. Em Lipovetsky, uma das características mais marcantes do que o autor caracteriza como era do hiperconsumo é a própria manifestação do paradoxal: nunca se desejou tanto a moderação para a saúde e o bem-estar do corpo, ao mesmo tempo em que se valoriza a satisfação de todos desejos e sentidos. Estimula-se o máximo de consumo, enquanto a sociedade busca soluções urgentes para o problema dos resíduos gerados pelo excesso do próprio consumo. A pesquisa que se inicia pretende, então, apontar na publicidade contemporânea traços discursivos de uma estética da “idade neobarroca”, correspondente a um modelo econômico e cultural da ordem capitalista em seu estágio atual (o da “hipermodernidade” de Lipovetsky), marcando os pontos que a aproximam ou distanciam de uma “poética da pós-modernidade” (nos termos de Linda Hutcheon). Percebendo em diversas campanhas publicitárias alguns destes aspectos de uma “poética pós-modenista” (HUTCHEON, 2003 - como a retomada tempo e linguagens passadas, a metalinguagem que coloca à mostra o próprio procedimento persuasivo publicitário, o uso da paródia), pretende-se relacionar esta estética a um tempo “póshipermoderno”, que corresponde ainda a um novo modelo de subjetividade

contemporânea (HALL), em que o consumidor se constitui como um sujeito em processo - não mais pronto e massificado -, mas em construção a partir de uma identidade negociada entre as várias tribos/grupos sociais em que se insere. Assim, o indivíduo-consumidor aparece como público de campanhas cada vez mais segmentadas e por vezes individualizadas, refletindo valores de grupo, em uma lógica que não mais se orienta do coletivo cerceando a construção do individual, mas antes do indivíduo negociando seus valores na coletividade, através do consumo e da publicidade (LIPOVETSKY, 1989).

MANIFESTAÇÕES DA PÓS E HIPERMODERNIDADE NA PUBLICIDADE Sendo uma das mais importantes características do tempo pós-moderno o borrar de fronteiras e a coexistência de gêneros discursivos antes afastados (como arte erudita e cultura de massa), a perspectiva deste trabalho parte deste pressuposto para aproximarse de uma linha interdisciplinar, trazendo colaboração de teorias de linguagem, arte e literatura para o campo de teorias da comunicação, em especial do estudo da cultura pós-moderna e da Publicidade neste contexto. Analisando em especial os processos de produção, circulação, mediação e interação de sentidos em campanhas publicitárias de diversas mídias, este estudo compreende a publicidade como discurso que exerce papel importante na estruturação de realidades culturais e simbólicas na sociedade contemporânea. Assim, a publicidade passa a ser um objeto de estudo fundamental para diversos autores, pois é uma importante manifestação de todo um sistema econômico e cultural da era em que vivemos. Ela reflete não apenas a estética, mas a ética da pós(hiper)modernidade: uma lógica sócio-cultural que se ordena a partir da nova fase do capitalismo, vivida a partir das últimas décadas do século XX. Como o Lipovetsky aponta (1989), nesta mais recente face do capitalismo, acontecem algumas transformações importantes que, apesar de não indicarem uma ruptura radical com a perspectiva do modernismo, indicam novos caminhos para a organização social. Destaca-se aqui a visão do autor sobre a mudança operada na subjetividade: para Lipovetsky, é possível perceber como a lógica do consumo se alterou. Se antes o consumo era a instância de inserção em um grupo, e o indivíduo consumia para ser aceito na sociedade, hoje o consumo passa a ser um lugar da afirmação do sujeito, de

sua identidade e singularidades. Na perspectiva de Lipovetsky, o consumo é menos uma forma de legitimidade social (de pertencimento a uma massa), mas o lugar da satisfação de interesses pessoais e afirmação do indivíduo (de sua diferença). A esta mudança no modelo de subjetividade equivale uma transformação na organização do discurso da propaganda: se antes ele era orientado do coletivo para o individual, em campanhas massificadas que apelavam para o consumo como lugar do status, hoje se volta para a afirmação dos valores de tribos cada vez menores, mostrando as escolhas do indivíduo através dos produtos que o mesmo consome. Nesta nova fase, que Lipovetsky caracteriza como “tempo hipermoderno”, o prefixo “hiper” simboliza a tendência aos extremos: excesso de consumo, excesso de individualismo. Mas esta época do “hiper” é também a do “hipo”: condições mínimas de acesso ao consumo para muitos consumidores; busca da diminuição do excedente gerado pelo próprio consumismo exacerbado. Também Hutcheon observa como, ao refletir sobre o pós-moderno, diversos autores percebem neste tempo um combate às forças totalizantes que haviam o precedido no modernismo (como Lyotard), em desafio à cultura de massa. Desafio, mas não negação: a afirmação das diferenças emerge no lugar da identidade homogênea dando espaço às diferenças múltiplas e provisórias, negociadas agora através da liberdade de consumo. Assim, a autora assinala as contradições do pós-moderno, a começar pela própria dualidade do termo, em relação dupla com a modernidade: Em outras palavras, o pós-modernismo não pode ser utilizado como simples sinônimo para o contemporâneo (cf. Kroker e Cook 1986). E ele realmente não descreve um fenômeno cultural internacional, pois é basicamente europeu e (norte- e sul-) americano. Embora o conceito de modernismo seja, em grande parte, anglo-americano (Suleiman 1986), isso não deve restringir a essa cultura a poética do pós-modernismo, sobretudo porque aqueles que defendem tal opinião costumam ser os mesmos que encontram espaço para introduzir, de forma sorrateira, o nouveau roman francês (A. Wilde 1981; Brooke-Rose 1981; Lodge 1977). E quase todos (e.g. Barth 1980) fazem questão de incluir o que Severo Sarduy (1974) classificou não como pós-moderno, mas como “neobarroco”, numa cultura espanhola em que o “modernismo” tem um sentido bastante diferente. Assim, em vez disso, ofereço um ponto de partida específico, embora polêmico, a partir do qual se possa trabalhar: como uma atividade cultural que pode ser detectada na maioria das formas de arte e em muitas correntes de pensamento atuais, aquilo a que quero chamar de pós-modernismo é fundamentalmente contraditório, deliberadamente histórico e inevitavelmente político. Suas contradições podem muito bem ser as mesmas da sociedade governada pelo capitalismo recente, mas, seja qual for o motivo, sem dúvida essas contradições se manifestam no importante conceito pós-moderno de

“presença no passado”. Esse foi o título dado á Bienal de Veneza de 1980, que assinalou o reconhecimento institucional do pós-modernismo na arquitetura. A análise do arquiteto italiano Paolo Portoguesi (1983) sobre as 20 fachadas da “Strada Novissima” – cuja novidade propriamente dita estava, de forma paradoxal, em sua paródia histórica – mostra como a arquitetura tem repensado o rompimento purista do modernismo com a história. Não é um retorno nostálgico; é uma reavaliação histórica, um diálogo irônico com o passado da arte e da sociedade, a ressurreição de um vocabulário de formas arquitetônicas criticamente compartilhado. (HUTCHEON, 1991, p. 20 e 21).    

Deve-se ter em conta a polêmica dos conceitos de moderno e pós-moderno e o impacto da distinção destes conceitos na crítica cultural. Mostrando como o moderno e pósmoderno não se encontram em oposição, mas antes em uma relação de interdependência, a visão de Hutcheon torna-se particularmente interessante para a análise da linguagem publicitária que se desenvolve. Torna-se possível, então, traçar paralelos entre as visões da “idade neobarroca”, “tempo hipermoderno” e “poética pós-modernista”: seja através da descrição de uma idade marcada pelos contrastes (Calabrese), pelo paradoxo (Lipovetsky) ou pela lógica de afirmação/negação do passado (Hutcheon), nesses autores a perspectiva adotada parece apontar para o modo como, na sociedade contemporânea, emergem elementos de uma estética de oscilação entre pólos opostos que parece corresponder a um modelo de subjetividade em descentramento. É o próprio sujeito contemporâneo quem se encontra partido, perdido entre referências opostas diante de uma sociedade em que o sentido de coletivo perde-se cada vez mais. Esta é a “condição pós-moderna” (LYOTARD, 2002), em que se perdeu a identidade de grupo, de nação: cada indivíduo está entregue a si mesmo. O indivíduo é, pois, o centro desta ordem social, mas não está isolado; é tomado numa textura de relações mais complexas e mais móveis do que nunca. Está sempre colocado sobre o “nós” dos circuitos de comunicação, por ínfimos que sejam. Simultaneamente à queda da perspectiva social e coletiva, Lyotard observa a ascensão de uma perspectiva mercadológica: quando todas as referências se perdem, é o consumo que assume o lugar de afirmação e negociação das identidades em fluxo: daí a importância fundamental da comunicação neste contexto. Também para Bauman (1998), a identidade é um elemento em constante mobilidade na pós-modernidade:

O aspecto novo, caracteristicamente pós-moderno e possivelmente inaudito, da diversidade dos nossos dias é a fraca, lenta e ineficiente institucionalização das diferenças e sua resultante intangibilidade, maleabilidade e curto período de vida. Se desde a época do ‘desencaixe’ e ao longo da era moderna, dos ‘projetos de vida’, o ‘problema’ da identidade era a questão de como construir a própria identidade, como construí-la coerentemente e como dota-la de uma forma universalmente reconhecível – atualmente, o problema da identidade resulta principalmente da dificuldade de se manter fiel a qualquer identidade por muito tempo, da virtual impossibilidade de achar uma forma de expressão da identidade que tenha boa probabilidade de reconhecimento vitalício, e a resultante necessidade de não adotar nenhuma identidade com excessiva firmeza, a fim de poder abandona-la de uma hora para outra, se for preciso. (BAUMAN, 1998, p. 155)

O indivíduo contemporâneo está em constante construção identitária e, mais do que isso, Bauman destaca como o processo de construção acontece prioritariamente no mundo do consumo. Atualmente, os indivíduos são ‘socialmente empenhados’ através de seu papel como consumidores, não produtores: o estímulo de novos desejos toma o lugar da regulamentação normativa, a publicidade toma o lugar da coerção, e a sedução torna redundantes ou invisíveis as pressões da necessidade”. (BAUMAN, 1998, p. 185)

Assim, a publicidade torna-se um importante lugar de a orientação da construção do indivíduo e negociação de sua identidade no contexto social. Paradoxalmente, a pósmodernidade é a era de maior liberdade individual e de afirmação das diferenças: mas esta liberdade acontece no mundo do consumo, novamente aprisionando o sujeito no universo das construções simbólicas da comunicação.

FRONTEIRAS APAGADAS: LINGUAGEM PUBLICITÁRIA E HIBRIDISMO Este universo dos contrastes, do paradoxo, do poder de afirmação e escolha do indivíduo versus poder de consumo, pode ser visto na linguagem publicitária. Tomando o discurso da propaganda como manifestação das oposições e do dilaceramento do sujeito, este trabalho procura perceber indícios de uma estética do pós(hiper)moderno em campanhas publicitárias. Uma das maiores marcas deste universo de contrastes está no borrar de fronteiras entre a linguagem publicitária e outras linguagens. Aqui, ressalta-se o uso que a publicidade vem fazendo não apenas do discurso literário e artístico (com a apropriação e recontextualização da

linguagem poética, das técnicas de narração e do cinema), mas ainda do próprio discurso midiático, através da apropriação de técnicas do jornalismo. Como Carrascoza (2004) destaca em seu estudo, há uma tendência de uso da narração como estratégia de criação publicitária que vem se manifestando de forma mais clara desde o fim do século XX, em campanhas. Em oposição ao tradicional discurso persuasivo, o narrativo parte de uma ficcionalização do cotidiano e “romanceia” o texto publicitário, transformando-o em lugar de uma linguagem que, apesar de ter o objetivo persuasivo, por vezes simula a linguagem poética. Nesta nova configuração, produto/marca aparecem de forma contextual dentro de uma história contada, normalmente a partir do universo do público da campanha: no lugar da tradicional argumentação de benefícios, entra em cena uma nova forma retórica, oblíqua, subjetiva. Na leitura de Carrascoza, destaca-se o uso mais constante desta estratégia narrativa no texto publicitário contemporâneo. Neste trabalho, interessa-nos mostrar como, não apenas a narração, mas também outras formas de apropriação de outros discursos estão cada vez mais freqüentes na publicidade atual. Além dos anúncios narrativos, que misturam a linguagem da prosa à da publicidade, neste trabalho destaca-se o uso de uma linguagem narrativa cada vez mais frequente em campanhas atuais. A seguir, procuraremos destacar formas como esta con(fusão) de estéticas pode ser vista em especial na relação da publicidade com a narrativa de cinema:

A) Campanha BMW short films (2001) - série 'The Hire' ('O Contrato'). Em 2001, a BMW e a agência de propaganda Fallon Interactive combinaram as idéias de produção de uma série de curta-metragens e o uso da Internet em uma campanha de propaganda. Foram realizados oito filmes curtos e exclusivos para Internet, todos seguindo uma mesma estrutura, onde um personagem principal (o ator Clive Owen) ajudava pessoas que passavam por circunstâncias difíceis usando técnicas "arrojadas" de direção a bordo de um BMW. Junto com a agência, a BMW selecionou uma lista de grandes diretores de cinema como Ang Lee, David Fincher, Ridley e Tony Scott, John Frankenheimer, Wong Kar-Wai, Guy Ritchie, Alejandro González Iñárritu, John Woo e Joe Carnahan. O resultado é uma série de curtas com uma estética que simula os bons filmes de ação, com as técnicas e linguagem características dos melhores diretores em roteiros que destacam a potência e estilo que são marcas da BMW.

Algumas características deste projeto refletem a relação que pretendemos mostrar entre estética neobarroca e linguagem pós-moderna. A começar pela total diluição de fronteiras no formato da mensagem: é uma campanha de publicidade, mas também é um filme. No entanto, mesmo como filme, marca sua diferença ao ser veiculado fora do espaço dos cinemas e ter sido desenvolvido para ser assistido na web. Apesar disso, preserva as características de linguagem do cinema: até o formato é o da tela de cinema. Além da seleção especial de diretores, os atores selecionados são famosos por atuar na indústria do cinema. Os roteiros desenvolvidos em tudo simulam a estética dos filmes de ação: uma situação de risco iminente, uma vítima, bandidos, um herói (convenientemente ao volante de uma BMW) – e um final feliz depois de muita adrenalina. As tomadas são curtas, a edição imprime um ritmo acelerado que completa a sensação de “paráfrase” dos filmes de ação.

B) Campanha Chanel nº 5: Her kiss, her smile, her perfum.

O comercial, primeiramente veiculado em 2004, tem todas as características dos filmes de romance de Hollywood. Com orçamento milionário, a direção de Baz Luhrmann (de Moulin Rouge, de onde a estética do comercial “importa” sua estética) e a presença da estrela Nicole Kidman, o comercial apresenta-se como um “mini-filme”, condensando em três minutos a história de uma atriz que foge de fotógrafos em uma première e termina nos braços de um estranho escritor. Tudo para dizer que o Chanel Nº 5 é inesquecível, assim como "seu beijo, seu sorriso, seu perfume".

Com estas duas campanhas, pretendemos começar a apontar a forma como a publicidade, cada vez mais, tem se apropriado do formato narrativo para atrair o olhar do público. Mas desejamos ainda mostrar que a diluição de fronteiras entre narrativas e linguagem publicitária ocorre ainda de muitas outras formas. Cabe destacar o uso que as séries de televisão e o cinema tem feito da publicidade de marcas na própria construção das suas narrativas: o caso da série americana Sex and The City é emblemático. Na série, as marcas aparecem de forma tão ostensiva nos episódios (com a estratégia de merchandising de product placement) que torna-se possível dizer que as marcas são, elas mesmas, personagens da trama. A narrativa, de fato, está amarrada pela presença das marcas, em especial as de produtos de moda que servem para caracterizar as personagens. Em casos extremos, a narrativa torna-se mesmo uma “narrativa da marca” (como no episódio em que a Vodka Absolut torna-se elemento central ao ser anunciada pelo namorado de umas das personagens da série). A série é ainda exemplar ao tornar-se uma sequencia de dois filmes de sucesso nos cinemas, também marcados pela presença ostensiva de marcas, sinalizando para a lógica de “multimídia” apontada por Lipovetsky como traço do discurso da sociedade de consumo hipermoderna. Outra importante manifestação de hibridismo entre publicidade e narrativa está na presença, cada vez mais corrente, de programas de entretenimento “patrocinados” e assinados pela marca. Programas como o “Oi Mundo Afora”, que apresentam formato e conteúdo editorial, são produzidos e veiculados em canais de televisão a cabo como parte da programação mas também carregam junto da narrativa o nome da marca. Não são “publicidade” no sentido tradicional: outra demonstração de um gênero híbrido no discurso publicitário. Programa jornalístico que enfoca o turismo pelo mundo, mas também publicidade de marca que fortalece o elo entre a Oi e seus públicos. Mais do que apontar o uso da narrativa, queremos destacar como a linguagem “capturada” pela publicidade sinaliza para a diluição das demarcações entre gêneros narrativos, fazendo coexistir publicidade, cinema, literatura, jornalismo, entre diversas outras linguagens. Este “borrar de fronteiras” é o que desejamos destacar, no contexto da leitura aqui realizada, como a marca apontada não apenas por Hutcheon como traço de uma poética pós-modernista, mas ainda importante elemento para caracterizar a idade neobarroca de Calabrese. Em outros trabalhos, seguiremos mostrando outras estratégias e campanhas publicitárias que colocam em foco esta diluição de fronteiras entre publicidade e discurso das mídias.

REFERÊNCIAS BAUDRILLARD, Jean. A sociedade de consumo. Lisboa: Ed. 70, 1991. BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar da pós-modernidade. Trad.: Mauro Gama, Cláudia Martinelli Gama. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998. BRANDÃO, V. C. A paródia como estratégia de criação publicitária - um estudo de caso da marca Diesel. In: INTERCOM 2003, 2003, Belo Horizonte. Anais dos GT´s do Congresso Intercom 2003, 2003. BRANDÃO, V. C. Realidade e simulação na linguagem publicitária: a Campanha pela Real Beleza de Dove. In: XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Intercom 2006, 2006, Brasília. Anais do XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação - Estado e Comunicação. CALABRESE, Omar. A idade neobarroca. Lisboa: Edições 70, 1987. CARRASCOZA, João Anzanello. Razão e sensibilidade no texto publicitário. São Paulo: Futura, 2004. EAGLETON, Terry. As ilusões do pós-modernismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad.: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. HUTCHEON, Linda. Poética da pós-modernidade. Rio de Janeiro: Imago, 2003. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal - ensaios sobre a sociedade do hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004. LYOTARD, Jean-François. A condição pós-moderna. Trad.:Ricardo Corrêa Barbosa, Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 2002.

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.