Neoleitores: a possibilidade de atuação do bibliotecário com os alunos da EJA

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Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação

Fabio Luiz Machado AFONSO

NEOLEITORES: A POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO COM OS ALUNOS DA EJA

São Paulo 2015

Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação

Fabio Luiz Machado AFONSO

NEOLEITORES: A POSSIBILIDADE DE ATUAÇÃO DO BIBLIOTECÁRIO COM OS ALUNOS DA EJA

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo para obtenção do título de bacharel em Biblioteconomia.

Orientadora: Prof.ª Maria Rosa Crespo

São Paulo 2015

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação - CIP A257n Afonso, Fabio Luiz Machado. Neoleitores : a possibilidade de atuação do bibliotecário com os alunos da EJA / Fabio Luiz Machado Afonso. – São Paulo, 2015 70 f. : il. ; 30 cm Orientadora: Prof.ª. Maria Rosa Crespo. Trabalho de conclusão de curso (bacharelado) – Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. 1. Neoleitores 2. Educação de Jovens e Adultos 3. Formação de leitores 5. Ação cultural em bibliotecas 6. Bibliotecário agente cultural 7. Centro Educacional Unificado I. Crespo, Maria Rosa, orientadora II. Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Faculdade de Biblioteconomia e Ciência da Informação (São Paulo, SP) III. Título.

CDD 374

FOLHA DE APROVAÇÃO

Autor: Fabio Luiz Machado AFONSO

Título: Neoleitores: a possibilidade de atuação do bibliotecário com os alunos da EJA

Conceito:

Banca Examinadora:

Professor (a): ________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________

Professor (a): ________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________

Professor (a): ________________________________________________________ Assinatura: __________________________________________________________

Data de aprovação: ___/___/___

AGRADECIMENTOS

A Força Criadora que me mantém perseverante e acreditando em um mundo melhor e à minha família. A minha orientadora Prof.ª Maria Rosa Crespo, pela paciência, correções e incentivo. Aos professores do curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação da FESPSP, especialmente: Adriana Maria Souza, Concília Teodósio, Andréia Gonçalves Silva, Evanda Verri Paulino, Raquel Ferreira Bueno e Valéria Martins Valls. As bibliotecárias do CEU Parque São Carlos, Sonia Aparecida Luiz e Thaisa Alves Dias de Jesus, pela generosidade com que me receberam e pelas informações prestadas. Aos meus amigos, que direta ou indiretamente colaboraram e me incentivaram durante a minha graduação: Adanias Sousa Silva, Fátima Lima, Elizabete Araujo da Silva, Sonia Molina, Ercília Leme, Eriane Torres Oliveira, Paula Prucolli, Ana Paula Lombardo, Ana Paula Costa, Patrícia Verdile. Aos colegas de sala pelo apoio, generosidade e paciência: Iolanda Rodrigues, Cristiane Cuencas, Isabela Martins, Hernani Correa Medola, Michelle Teixeira, Ana Beatriz Serpeloni e Letycia Elizabeth. Agradecimento mais que especial ao Eduardo Pavan, pela paciência e incentivos constantes...sem seu apoio, nada disso seria possível!

Poetas niversitário, Poetas de Cademia, De rico vocabularo Cheio de mitologia; Se a gente canta o que pensa, Eu quero pedir licença, Pois mesmo sem português Neste livrinho apresento O prazê e o sofrimento De um poeta camponês. Eu nasci aqui no mato, Vivi sempre a trabaiá, Neste meu pobre recato, Eu não pude estuda[...] Sou um caboco rocêro, Sem letra e sem istrução; O meu verso tem o chêro Da poêra do sertão[...] (Aos Poetas Clássicos, Patativa do Assaré)

RESUMO

Apresenta levantamento histórico da Educação de Jovens e Adultos (EJA) no Brasil e sua estrutura na atualidade e define o que seria o aluno neoleitor, quais suas características e qual sua relação com a leitura. Dispõe sobre as diretrizes da International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) para a produção de materiais de leitura fácil para pessoas com deficiências físicas ou cognitivas e averigua as ações do governo brasileiro no que se refere à produção de materiais literários para neoleitores. Esclarece a tipologia das bibliotecas dos Centros Educacionais Integrados (CEUs) e apresenta o projeto desenvolvido pela biblioteca do CEU Parque São Carlos, tendo como público-alvo os alunos da EJA. Propõe uma análise sobre ações culturais em bibliotecas considerando o bibliotecário como um agente cultural para esse público.

Palavras-chave: Neoleitores. Educação de Jovens e Adultos. Formação de leitores. Ação cultural em bibliotecas. Bibliotecário agente cultural.

ABSTRACT Presents historical survey Youth and Adult Education (EJA) in Brazil and its structure today and define what would be the neoleitor student, what their characteristics and what their relationship with reading. Provides for the guidelines of the International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) to produce easy to read material for people with physical or cognitive deficiencies and investigates the brazilian government's actions with regard to the production of literary materials for neoleitores. Clarifies the types of libraries of Integrated Educational Centers (CEUs) and presents the project developed by the library of CEU Parque São Carlos, with the audience the students of the EJA. Proposes an analysis of cultural activities in libraries considering the librarian as a cultural agent for the public. Keywords: Neoleitores. Education of Youth and Adults. Reader´s formation. Cultural action in libraries. Librarian as a cultural agent.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Capa do livro Cobras em compota da Coleção Literatura para todos.......41 Figura 2 - Texto com nota explicativa.........................................................................42 Figura 3 - Ilustração do livro Cobras em compota......................................................42 Figura 4 - Capa da adaptação do livro O médico e o monstro da Coleção É só o começo.......................................................................................................................44 Figura 5 - Contracapa da adaptação para neoleitores de O médico e o monstro…..44 Figura 6 - Detalhe para a nota editorial da adaptação para neoleitores de O médico e o monstro....................................................................................................................45 Figura 7 - Resumo da obra e biografia do autor.........................................................45 Figura 8 - Descrição dos personagens.......................................................................46 Figura 9 - Localização geográfica de onde se desenvolve o enredo.........................46 Figura 10 - Texto com nota explicativa e detalhe de ilustração.................................47 Figura 11 - Sugestão de material complementar.......................................................47

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS CEI

Centro de Educação Infantil

CEUs

Centros Educacionais Integrados

CF

Constituição Federal

CNBB

Conferência Nacional dos Bispos do Brasil

CNER

Serviço Nacional de Educação Rural

CPCs

Centros Populares de Cultura

EJA

Educação de Jovens e Adultos

EMEF

Escola Municipal de Ensino Fundamental

EMEI

Escola Municipal de Educação Infantil

ETECs

Escolas Técnicas Estaduais

FESPSP Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo IFLA

Federation of Library Associations and Institutions

INAF

Indicador de Alfabetismo Funcional

INEP

Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos

LDB

Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional

MCPR

Movimento de Cultura Popular do Recife

MEB

Movimento de Educação de Base

MEC

Ministério da Educação

MOBRAL Movimento Brasileiro de Alfabetização ONU

Organização das Nações Unidas

PAS

Programa de Alfabetização Solidária

PIA

Programa de Iniciação Artística

PRONATEC Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego SEA

Serviço de Educação de Adultos

SECADI

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SI

Serviços de Informação

SME

Secretaria Municipal de Educação

TICs

Tecnologias da Informação e Comunicação

UNE

União Nacional dos Estudantes

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura UniCEUs Universidades nos CEUs

SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO ............................................................................................................................ 13

1.1 Problema da pesquisa............................................................................................................ 14 1.2 Hipótese ..................................................................................................................................... 14 2

OBJETIVO GERAL ................................................................................................................... 15

2.1 Objetivos específicos ............................................................................................................. 15 3

METODOLOGIA ........................................................................................................................ 16

4

PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL . 18

4.1 A estrutura da EJA na atualidade ....................................................................................... 24 5

NEOLEITORES ......................................................................................................................... 29

6

LEITURA FÁCIL: LITERATURA PARA NEOLEITORES .................................................. 34

6.1 Literatura para neoleitores no Brasil ................................................................................. 39 7

CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CEUS E SUAS BIBLIOTECAS .................................... 48

7.1 CEU Parque São Carlos: Projeto Sua história em suas mãos da biblioteca Barbosa Lima Sobrinho .................................................................................................................. 52 7.1.2 Projeto Sua história em suas mãos .................................................................................. 53 8

BIBLIOTECÁRIO COMO AGENTE CULTURAL ............................................................... 59

9

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................... 64 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 66 ANEXO A – Cessão gratuita de direitos de depoimento oral .................................... 69 ANEXO B – Cessão gratuita de direitos de depoimento oral .................................... 70

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1

INTRODUÇÃO

As relações do ser humano com a escrita e a leitura não são apenas desenvolvidas em tenra idade. Em muitos países como o Brasil, onde as diferenças sociais impactam em diversos setores da vida do cidadão, pode-se perceber que a precariedade da instrução na infância compromete o desenvolvimento do indivíduo na vida adulta. Muitos cidadãos, por uma diversidade de motivos, não conseguem desenvolver de maneira satisfatória sua formação educacional no período oportuno e para suprir de alguma forma essa defasagem recorrem aos cursos da Educação de Jovens e Adultos (EJA). A história da EJA no Brasil é marcada por descontinuidade de políticas públicas e falta de um planejamento consistente para que se possa oferecer a esses cidadãos uma educação satisfatória e de qualidade, educação esta, que seja capaz não só de capacitar o indivíduo com as ferramentas que a escola pode oferecer, mas sobretudo, que promova o desenvolvimento humano baseado nas experiências e vivências pessoais dos alunos. No contexto da EJA observa-se o quão importante deve ser o estímulo à leitura, pois o indivíduo após a alfabetização torna-se um leitor em potencial, mesmo que ainda não possua a capacidade plena de ler, compreender, refletir e criticar o material lido. Neste trabalho denominaremos esse leitor em potencial de neoleitor. Além de considerarmos o panorama histórico da EJA no Brasil e sua atual organização, refletiremos quem são os neoleitores e como os aspectos sociais impactam na vida desses indivíduos que podem ficar à margem da nossa sociedade letrada. Aprofundaremos a nosso trabalho realizando um levantamento baseado nas diretrizes da International Federation Library Associations and Institutions (IFLA) para o desenvolvimento de materiais de leitura fácil ou leitura adaptada que visam contemplar e inserir no mundo da leitura indivíduos com deficiências físicas ou cognitivas. Frente a isso, contextualizaremos essa questão identificando quais ações o governo brasileiro empreendeu para a criação de material literário voltado especificamente para o público neoleitor. Apresentaremos a tipologia das bibliotecas dos Centros de Educação Unificados (CEUs) na cidade de São Paulo considerando sua natureza híbrida e enriqueceremos nossa proposta apresentando o projeto Sua história em suas mãos desenvolvido pelas bibliotecárias Sonia Aparecida Luiz e Thaisa Alves Dias de Jesus do CEU Parque São Carlos, ação desenvolvida especificamente para os alunos da EJA, com foco na memória, na literatura, na leitura, na discussão e na escrita, que resultou na elaboração da autobiografia desses alunos.

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Baseado no projeto do CEU São Carlos, propomos uma reflexão acerca do trabalho que o bibliotecário pode desenvolver voltado para a área cultural, visando atender esse público específico, considerando uma diferenciação entre animação cultural, fabricação cultural e ação cultural, observando qual o perfil desejado para este profissional e se a graduação em Biblioteconomia é suficiente na preparação de profissionais que desejam atuar na área da cultura. Acreditamos que o valor desse trabalho está na abordagem de temas pouco explorados na literatura de Biblioteconomia em nosso país, refletindo sobre o trabalho com os neoleitores da EJA e atuação do bibliotecário como agente cultural. Desejamos profundamente que esta pesquisa seja um estímulo ao desenvolvimento de novos trabalhos, seja dos bibliotecários já atuantes, seja dos profissionais do futuro. Este é apenas o começo de uma longa discussão... de uma longa jornada...

1.1

Problema da pesquisa Quais são as características dos jovens e adultos que retomam sua formação

escolar no programa EJA? Quais fatores influenciam no hábito da leitura desse público? Quais ações o bibliotecário pode empreender com vistas a atender ao público neoleitor?

1.2

Hipótese Apesar de a instituição escolar ser um ambiente propício ao desenvolvimento de

novas possibilidades de aprendizagem, entre elas o hábito de ler, a defasagem educacional somada à falta de incentivo, a indisponibilidade de material literário específico para o público neoleitor e a dificuldade em se estabelecer uma comunicação efetiva entre a sala de aula (via professor) e a biblioteca (via bibliotecário), comprometem o desenvolvimento da plena capacidade de leitura e compreensão de textos literários.

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2

OBJETIVO GERAL Investigar qual o perfil dos alunos da EJA e como o bibliotecário pode

empreender ações voltadas a esse público criando projetos para incentivar o hábito da leitura.

2.1 Objetivos específicos

1) Analisar possíveis interações entre o bibliotecário do CEU e os professores da EJA no sentido do incentivo à leitura;

2) Expor um relato de experiência de um projeto realizado em um CEU com alunos da EJA para a promoção do hábito da leitura.

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METODOLOGIA Foi realizada revisão bibliográfica consultando material disponível em bibliotecas

digitais, entre eles, artigos de periódicos, trabalhos de conclusão de curso, dissertações, teses e livros digitais. Consultamos ainda portais governamentais para consulta de legislação. Bibliotecas digitais consultadas: UNICAMP, USP, UFMG, IBICT, Portal do MEC entre outras. Consultamos também o acervo da Biblioteca da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP). O trabalho também apresenta conteúdo do site Youtube. As palavras-chave utilizadas para a busca de material foram: Neoleitores, Educação de Jovens e Adultos, Centros Educacionais Unificados, Hábitos de leitura, Formação de leitores, Ações culturais em bibliotecas, Bibliotecário agente cultural.

Procurou-se contemplar nesta revisão os seguintes temas:

a) Histórico da Educação de Jovens e Adultos no Brasil e sua estrutura e funcionamento na atualidade. Tendo sido adotado como referencial teórico os autores: Haddad e Di Pierro (2000), Aguiar (2001), Basegio e Medeiros (2005), Soares e Galvão (2005), Strelhow (2010);

b) Identificação das características do público denominado neoleitor e sua relação com a leitura. Tendo sido adotado como referencial teórico os autores: Vóvio (2007), Teixeira (2008), Tiépolo (2010), Almeida (2012);

c) Existência e características de materiais de leitura específicos para o público neoleitor. Tendo sido adotado como referencial teórico os autores: Ademartori, Maciel e Paiva (2006), Fisher (2012), IFLA (2012), Resende (2012);

d) Características da instituição municipal Centro Educacional Unificado (CEU) e identificação da tipologia da sua biblioteca. Tendo sido adotado como referencial teórico os autores: Padilha e Silva (2004), Lemos (2012), Luiz e Jesus (2015);

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e) Identificação do papel do bibliotecário como agente cultual. Tendo sido adotado como referencial teórico os autores: Almeida (1987), Cabral (1989, 1999), Milanesi (1997), Coelho Neto (2002).

Realizou-se visita a uma unidade do CEU que dispõe de biblioteca e bibliotecário para identificar ações realizadas para a promoção do hábito da leitura, voltadas especificamente para o público da EJA, além de verificar se o acervo dispõe de literatura específica para esse público e se há interação entre a biblioteca e a sala de aula.

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PANORAMA HISTÓRICO DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO BRASIL

Um levantamento histórico acerca da EJA no Brasil se faz muito importante para que possamos compreender não apenas o sistema educacional em nosso país na atualidade, mas sobretudo, serve para observar o papel dos regimes políticos, que sempre impactaram ora de forma positiva, ora de forma negativa, as políticas públicas na esfera educacional. É importante destacar inicialmente que as políticas públicas na área da educação desenvolvidas com foco na EJA foram marcadas por fragmentação e descontinuidade de programas pedagógicos, sendo sempre conduzidas de acordo com o sistema político vigente, buscando atender mais as necessidades daquilo que o governo entendia como importante, neste caso, baixar os índices do analfabetismo no país, do que considerar as reais necessidades do cidadão jovem-adulto. (SOARES; GALVÃO, 2005) Embora não possa ser entendida propriamente como uma política pública educacional, existem registros de que na época da colonização do Brasil, os padres jesuítas já desenvolviam práticas educacionais com os nativos da nova terra, tanto com crianças, como com adultos. Obviamente, essa formação estava baseada no interesse do colonizador em difundir seu pensamento cristão-europeu com interesses de dominação, facilitando assim a expansão de seus domínios. Não foram apenas os índios que sofreram a influência da educação dos jesuítas, posteriormente, negros escravos também passaram por essa formação educacional-religiosa europeia: Além de difundir o evangelho, tais educadores transmitiam normas de comportamento e ensinavam os ofícios necessários ao funcionamento da economia colonial, inicialmente aos indígenas e, posteriormente, aos escravos negros. Mais tarde, se encarregaram das escolas de humanidades para os colonizadores e seus filhos (HADDAD; DI PIERRO, 2000, p.108).

Após o período de catequese dos jesuítas, a partir de 1759, na era pombalina, surge a educação régia com aulas de latim, grego, filosofia e retórica que era destinada exclusivamente à elite masculina branca dominante, excluindo-se desse modo, grande parcela da população brasileira: índios e negros. (AGUIAR, 2001)

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Somente em 1824, através da constituição imperial que o ensino primário passa a ser considerado um direito de todos. Apesar do ato oficial, a constituição de 1824 foi considerada letra morta, ou seja, não surtiu nenhum efeito prático ou gerou algum tipo de mudança no campo educacional, principalmente no que se referia a maioria da população iletrada, pois como destaca Strelhow (2010, p.51): “Havia uma grande discussão em todo o Império de como inserir as chamadas camadas inferiores (homens e mulheres pobres livres, negros e negras escravos, livres e libertos) nos processos de formação formais”. Com o ato institucional de 1834, é transferido às províncias a responsabilidade de oferecer educação às classes menos abastadas da população, dessa forma, o império torna-se responsável apenas pela instrução da elite. Cabe neste momento destacar que a educação oferecida à grande massa da população excluída era vista como um ato de filantropia. Isso pode ser confirmado, quando os registros históricos apontam que professores que lecionavam no período diurno não receberiam nenhum pagamento adicional caso lecionassem para adultos no período noturno. O cunho filantrópico dessas ações se justificava, pois, “era preciso ‘iluminar’ as mentes que viviam nas trevas da ignorância para que houvesse progresso. A alfabetização de adultos é ainda colocada sob a égide da filantropia, da caridade, da solidariedade e não do direito” (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 261). Se anteriormente à Lei Saraiva de 1881 o direito ao voto estava intimamente ligado apenas às questões sociais e econômicas, é partir desse momento que são criados outros impedimentos para se ter direito ao voto: agora inclusive as pessoas analfabetas estavam impedidas de votar, pois eram consideradas dependentes e incompetentes. (SOARES; GALVÃO, 2005) Em 1891, com a constituição republicana, é proibido definitivamente o direito de voto das pessoas analfabetas, lembrando que nesse período a maioria da população brasileira era formada por cidadãos que não eram capazes de ler ou escrever. Já no início do século XX existiram algumas discussões acerca da erradicação do analfabetismo no Brasil, pois o contexto econômico estava paulatinamente se transformando. O Brasil deixava para trás uma economia baseada na agricultura e rumava para o modelo econômico caracterizado pela industrialização. Essa mudança

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de paradigma deu início a uma preocupação em capacitar mesmo que minimamente a mão de obra brasileira. É a partir da Constituição de 1934 que começam a se solidificar as questões referentes à educação no Brasil, incluindo nessas medidas programas específicos voltados à EJA. Em 1934 é criado o Plano Nacional de Educação, que estabelece pela primeira vez de forma clara as responsabilidades da União, estados e municípios, além da provisão de recursos específicos para a manutenção e desenvolvimento deste plano. Entre as décadas de 40 e 50 foram vários os programas desenvolvidos pelo governo brasileiro voltados especificamente para a EJA, entre eles, baseado no levantamento realizado por Strelhow (2010), podemos destacar: criação do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP) - 1938, Fundo Nacional do Ensino Primário (criado em 1942 e regulamentado em 1945 destinando 25% desse fundo para a EJA), Serviço de Educação de Adultos (SEA) – 1947, Campanha Nacional de Educação Rural (CNER) - 1952 e a Campanha Nacional de Erradicação do Analfabetismo - 1958. Destacamos aqui, que com final da Segunda Guerra Mundial, surge a Organização das Nações Unidas (ONU) que alertava os países ditos subdesenvolvidos quanto à importância da educação, para promover o desenvolvimento das nações. Muitos dos programas voltados à EJA nesta época estavam baseados nas recomendações da ONU. Novas formas de se pensar a EJA começam a surgir no final da década de 50 e tomam corpo durante os quatro primeiros anos da década de 60. O marco dessa transformação de mentalidade para se pensar a educação adulta é a realização do II Congresso Nacional de Educação de Adultos, no Rio de Janeiro. É neste momento que começa a tomar vida o método pedagógico idealizado e difundido por Paulo Freire, que considerava fundamental para a formação educacional de adultos: [...] ter por base a própria realidade dos alunos e que o trabalho educativo deveria ser feito ‘com’ o homem e não ‘para’ o homem [...] Subjacente a essas novas práticas propostas estava a concepção sobre o adulto não alfabetizado, que não poderia ser mais visto como alguém ignorante e imaturo, mas como um ser produtor de cultura e de saberes. Por isso, um dos pressupostos que baseavam a sua proposta de alfabetização era que a leitura do mundo precedia a leitura da palavra. Além disso, afirmava que o problema do analfabetismo não era o único e nem o mais grave da população: as condições de miséria

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que vivia o não alfabetizado é que deveriam ser problematizadas. (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 267-268).

Os primeiros anos da década de 60 podem ser considerados de grande transformação para a EJA. Em todo o país, e principalmente na região nordeste, surgem movimentos educacionais pautados nas concepções de Paulo Freire. Haddad e Di Pierro (2000), destacam entre esses programas, o Movimento de Educação de Base (MEB) – uma ação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) - 1961, o Movimento de Cultura Popular do Recife (MCPR) - 1961, os Centros Populares de Cultura (CPCs) ligados à União Nacional dos Estudantes (UNE), Campanha de Pé no Chão Também se Aprende a Ler (da prefeitura de Natal, RN). O clímax desse período efervescente de construção de novos paradigmas para a EJA, se deu em 1963, no Recife, com o Encontro Nacional de Alfabetização e Cultura Popular, seguido da nomeação de Paulo Freire para a elaboração do Plano Nacional de Alfabetização para o Ministério da Educação (MEC). Porém, o golpe militar de 1964 interrompeu todos esses movimentos populares. Com o regime opressor instalado no seio da sociedade, o governo militar extirpou todos os movimentos educacionais que tivessem em seu cerne mais que o propósito de ensinar a ler e escrever, sendo assim, todas as práticas de educação anteriores que propunham colocar o indivíduo como participante na construção do saber foram desmanteladas, além da prisão e exílio dos que estavam a frente dos movimentos de educação popular. Os militares lançam em 1967 sua política de governo voltada para a EJA que recebeu o nome de Movimento Brasileiro de Alfabetização (MOBRAL). Iniciando suas atividades dois anos depois de sua criação, o MOBRAL foi pensado não só como um programa educacional que instrumentalizasse jovens e adultos com a capacidade de ler e escrever, era mais que isso, toda a ideologia política da época estava inserida na proposta do programa, conforme afirmam Basegio e Borges (2009, p. 17) quando relatam que o MOBRAL servia “[...] como instrumento de divulgação e legitimação da ordem e da ideologia imposta pelos militares à sociedade brasileira”.

É curioso

observar que até o slogan do programa trazia em seu subtexto a mensagem da ditadura instalada no país, além de responsabilizar o analfabeto por seu estado de exclusão: “você também é responsável, então me ensine a escrever, eu tenho a minha mão domável” (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 270).

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Apesar do grande investimento financeiro no programa MOBRAL, não existia uma preocupação em estabelecer práticas pedagógicas consistentes e qualquer pessoa poderia ser um educador do programa: “[...] houve recrutamento de alfabetizadores sem muita exigência, rebuscando a ideia de que para educar uma pessoa adulta é necessário apenas ser alfabetizada, sem entender o método pedagógico“ (STRELHOW, 2010, p. 55). Paralelamente ao programa do MOBRAL, eram desenvolvidas de modo extraoficial atividades que visavam à educação de adultos. Essas atividades de perfil quase clandestino eram realizadas por igrejas e associações e estavam baseadas nas ideias de Paulo Freire de uma educação popular que colocava o indivíduo como peça fundamental na construção do saber (AGUIAR, 2001). Com a abertura política de 1985, o MOBRAL foi extinto, envolto em uma série de polêmicas, que iam desde alegações de desvio de dinheiro à criação de dados irreais referentes ao analfabetismo, como destaca Aguiar (2001, p. 28), “[...] sua ação foi pouco ou nada compatível com a meta inicial de chegar a 1980 com o analfabetismo erradicado”. Substituindo o MOBRAL, em 1986 é criada a Fundação Educar, que ao contrário do programa anterior, estava ligada diretamente ao MEC. Uma das principais características da Fundação Educar era que essa era definida como [...] órgão de fomento e não como executor de programas de educação básica de jovens e adultos. Os órgãos e entidades que firmassem convênios com a Fundação Educar responsabilizar-se-iam pela concepção, planejamento e execução dos projetos apoiados. (AGUIAR, 2001, p. 29).

Dessa forma, cabia aos estados e município implantarem e executarem os programas voltados à EJA. Apesar da Constituição Federal (CF) de 1988 garantir o direito à educação para quem não tivesse frequentado ou concluído o ensino fundamental, em 1990, durante o governo do presidente Fernando Collor de Mello, as atividades da Fundação Educar foram encerradas. Alguns programas voltados à EJA foram idealizados nos primeiros anos da década de 90, mas destacamos aqui a criação em 1996 do Programa de Alfabetização Solidária (PAS). De acordo com Soares e Galvão (2005, p. 272), este programa [...] causou polêmica entre os estudiosos da área por reeditar práticas consideradas superadas. Com duração e 6 meses, sendo um mês para

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‘treinamento’ dos alfabetizadores e 5 meses para desenvolver a alfabetização, o PAS propunha uma ação conjunta entre governo federal, empresas, administrações municipais e universidades.

Apesar de ter sido implantado quase no século XXI, o PAS, em alguns aspectos, parecia apenas reeditar algumas práticas desenvolvidas pelo MOBRAL na ditadura militar, entre elas colocava o indivíduo analfabeto como um ser incapaz e dependente. Em 2003, durante o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva, foi criado o Programa Brasil Alfabetizado. Este programa também valorizava o trabalho voluntário e foi visto mais uma vez como uma repetição de programas já desenvolvidos: [...] o programa previa erradicar o analfabetismo em 4 anos atuando sobre 20 milhões de brasileiros. Previa-se um mês de preparação do alfabetizador e 5 meses de ação direta de alfabetização. Em 2004, com a mudança de ministros, o programa foi redefinido em alguns pontos: retirou-se a meta de erradicar o analfabetismo em 4 anos e a duração dos projetos de alfabetização foi ampliada de 6 para 8 meses. (SOARES; GALVÃO, 2005, p. 273)

Através desse levantamento histórico, podemos identificar que dois fatores aparecem sempre recorrentes nas políticas públicas voltas à EJA no Brasil: ações fragmentadas e uma visão do adulto analfabeto como um ser incapaz, sempre a mercê da caridade alheia. Os programas de governo na área da educação, parecem sempre estar mais preocupados em baixar os índices de analfabetismo, do que realmente estabelecer uma política pública duradoura, a longo prazo, que promova novas experiências, e assim, resulte em uma reformulação profunda da EJA no Brasil. Além das políticas educacionais serem descontinuadas, é importante destacar que essas, além de ineficientes, só foram desenvolvidas por conta da pressão de órgãos internacionais e da própria sociedade civil, que muitas vezes assumiu a responsabilidade em educar jovens e adultos das classes menos favorecidas. As experiências mais frutíferas da EJA sempre resultaram de processos educacionais que colocavam o indivíduo analfabeto como um ser rico em experiências de vida, e que toda essa riqueza deveria ser trabalhada a fundo em sala de aula. O simples ato mecanizado de ler e escrever não dá ao indivíduo a capacidade de tornarse um ser crítico e pensante. É só através da problematização de sua realidade, que

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o cidadão pode de fato avaliar seu passado, ser crítico no seu presente e criar melhores possibilidades de futuro. E para que isso realmente aconteça, o valor dado à EJA no Brasil deve ser repensado.

4.1

A estrutura da EJA na atualidade

A realidade social, econômica e cultural sempre foram fatores que impactaram fortemente nas políticas públicas do Brasil, e por serem estes aspectos oscilantes se refletem na educação do país. Com a instituição de um Estado democrático, através da CF de 1988, as políticas públicas para a educação são revistas, oficializadas e garantidas: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1988) A CF também estende esse direito aos brasileiros jovens e adultos que por algum motivo não puderam usufruir do seu direito à educação, conforme previsto no art. 208, inciso I1: “educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 2009). É importante destacar que até 1996, a educação para EJA consistia basicamente em um modo de ensino supletivo, como destacam Basegio e Medeiros (2009, p. 25): O país empregava o sistema de supletivo, no qual o aluno normalmente ingressava a partir dos 18 anos de idade. Na maioria dos casos, esse aluno teve que interromper os estudos devido às carências e às necessidades sociais e econômicas com as quais se deparava, tendo assim que trabalhar.

A estrutura estabelecida para o sistema de supletivo permitia que o aluno pudesse cursar as séries em módulos de seis meses, por exemplo: um aluno poderia

1

Alterado pela Emenda Constitucional nº 59 de 11 de novembro de 2009.

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cursar a 5ª e a 6ª série no período de um ano, e assim, sucessivamente. A regra estabelecida para o ensino fundamental também valia para o segundo grau. A partir de 1996, com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB 9.394/96), o sistema de supletivo é superado e o Estado assume o seu dever em relação à EJA, quando na redação da Lei, no título III, art. 4º, inciso VII se compromete com a: “oferta de educação escolar regular para jovens e adultos, com características e modalidades adequadas às suas necessidades e disponibilidades, garantindo-se aos que forem trabalhadores as condições de acesso e permanência na escola” (BRASIL, 1996). O Brasil, por conta de suas características continentais e por sua pluralidade, não define um padrão para a EJA, desse modo, cada estado e município organizam esse programa conforme suas características e necessidades. Essa característica, que a priori parece negativa, com ares de desorganização e descaso, pode ser justificada nas palavras de Basegio e Medeiros (2009, p. 33): “[...] é importante que os Estados e Municípios e suas Secretarias de Educação tenham autonomia e também possam dar essa autonomia para as escolas se organizarem da melhor forma que lhes convenha”. A responsabilidade pelo programa da EJA está a cargo do MEC através da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) e da Diretoria de Políticas de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos. No ano 2000 foram instituídas as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação de Jovens e Adultos através da resolução CNE/CEB nº 1/2000 e conforme destaca Brasil (2002, p. 18), a EJA apresenta as seguintes funções: 

Função reparadora: não se refere apenas à entrada dos jovens e adultos no âmbito dos direitos civis, pela restauração de um direito a eles negado -, mas também ao reconhecimento da igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano de ter acesso a um bem real, social e simbolicamente importante. Mas não se pode confundir a noção de reparação com a de suprimento. Para tanto, é indispensável um modelo educacional que crie situações pedagógicas satisfatórias para atender às necessidades de aprendizagem específicas de alunos jovens e adultos;



Função equalizadora: relaciona-se à igualdade de oportunidades, que possibilite oferecer aos indivíduos novas inserções no mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e nos canais de participação. A equidade é a forma pela qual os bens sociais são distribuídos tendo em vista maior igualdade, dentro de situações específicas. Nessa linha, a EJA representa uma possibilidade de efetivar um caminho de desenvolvimento a todas as

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pessoas, de todas as idades, permitindo que jovens e adultos atualizem seus conhecimentos, mostrem habilidades, troquem experiências e tenham acesso a novas formas de trabalho e cultura; 

Função qualificadora: refere-se à educação permanente, com base no caráter incompleto do ser humano, cujo caráter potencial de desenvolvimento e adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não-escolares. Mais que uma função, é o próprio sentido da educação de jovens e adultos.

É importante, nesse momento destacarmos algumas diretrizes que regem a estruturação da EJA, baseadas nos dispositivos legais. Abaixo elencamos uma relação de perguntas e respostas sobre a organização da EJA2:

a) Qual a idade para o ingresso nos cursos da EJA? Conforme Parecer 06/2010, art. 5º, obedecidos o disposto no art. 4º, inciso I e VII, da Lei nº 9.394/96 (LDB) e a regra da prioridade para o atendimento da escolarização obrigatória, será considerada idade mínima para os cursos de EJA e para a realização de exames de conclusão do Ensino Fundamental a de 15 (quinze) anos completos. No art. 6º observado o disposto no artigo 4º, inciso VII, da Lei 9.394/96 (LDB), a idade mínima para matrícula em cursos de EJA de Ensino Médio e inscrição e realização de exames de conclusão de EJA do Ensino Médio é de 18 (dezoito) anos completos.

b) Como é organizada a duração dos cursos de EJA e como matricular os alunos que não têm comprovação de sua escolaridade?

Conforme o art. 23 da Lei 9.394/96 (LDB), a educação básica poderá organizarse em séries anuais, períodos semestrais, ciclos, alternância regular de períodos de estudos, grupos não-seriados, com base na idade, na competência e em outros

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Adaptado a partir do documento intitulado Princípios da Educação de Jovens e Adultos, do MEC SECADI, 2011.

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critérios, ou por forma diversa de organização, sempre que o interesse do processo assim o recomendar. Os sistemas de ensino poderão aplicar uma avaliação e inserir o aluno na série correspondente conforme suas competências.

c) Qual carga horária para os cursos da EJA? Conforme o Parecer 06/2010, art. 4º, Inciso I, para os anos iniciais do Ensino Fundamental, a duração deve ficar a critério dos sistemas de ensino. Para os anos finais do Ensino Fundamental, a duração mínima deve ser de 1.600 (mil e seiscentas horas) e para o Ensino Médio, a duração mínima deve ser de 1.200 (mil e duzentas horas).

d) Quais são os componentes curriculares para a EJA? A EJA segue os mesmos componentes curriculares do ensino Fundamental e Médio regular, conforme os arts. 26, 27, 28, 35 e 36 da Lei 9.394/96 (LDB).

e) Qual o percentual de frequência exigida nos cursos de EJA? Segundo a Lei 9.394/2006 (LDB) no art. 24, inciso VI, o controle de frequência fica a cargo da escola, conforme disposto em seu regimento e nas normas do respectivo sistema de ensino, exigida frequência mínima de 75 (setenta e cinco) por cento do total de horas letivas para aprovação.

f) Nas instituições de ensino os alunos da EJA têm acesso à biblioteca, podendo inclusive realizar empréstimo de livros? Sim, pois a EJA é uma modalidade de Educação Básica, portanto, tem direitos iguais.

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Até o momento procuramos traçar um perfil básico da história da EJA no Brasil e sua respectiva organização de acordo com os dispositivos legais que a regem. Tal levantamento é de extrema importância para a compreensão dessa modalidade de ensino. A seguir, procuraremos compreender o sujeito neoleitor adulto, aluno da EJA e as características que o definem.

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NEOLEITORES

Antes de elencarmos as características que definem o neoleitor, faz-se necessário destacar que o ato da leitura está marcado por condições que vão além do ato mecânico da decodificação. Fatores sociais, culturais e econômicos, historicamente influenciaram o hábito da leitura, onde a sociedade burguesa sempre foi privilegiada no consumo dos bens culturais, tendo maior acesso à aquisição de livros, jornais, revistas; e por outro lado, a camada menos favorecida da sociedade brasileira, com baixo nível educacional, sempre esteve à margem das possibilidades de usufruir desses bens. Dentro dessa visão excludente, só pode ser considerado um verdadeiro leitor, o sujeito que lê determinados materiais e que apresenta determinadas características: Persistem em nossos dias discursos nos mais variados âmbitos que apregoam que o leitor é aquele que lê o livro e alguns gêneros literários e de divulgação científica, sendo esses materiais os maiores representantes do patrimônio cultural ou da Cultura a que todos deveriam ter acesso, seguidos dos jornais e revistas. Proclamam ainda que são leitores aqueles que gostam e apresentam uma disposição positiva frente a certos gêneros, os literários preferencialmente, que têm o hábito e leem com certa frequência e praticam certos tipos de consumo cultural. (VÓVIO, 2007, p.86)

Se por um lado temos uma sociedade letrada e consumidora dos mais variados tipos de publicações, do outro temos a questão do analfabetismo. De acordo com o alemão Enzensberger (1995), o conceito do analfabetismo apareceu pela primeira vez em uma publicação na Inglaterra no ano de 1876 e depois espalhou-se pela Europa. No cenário nacional, apesar dos esforços governamentais para criar políticas públicas voltadas para a EJA e das melhorias apresentadas pelo Indicador de Alfabetismo Funcional (INAF), o país ainda enfrenta um enorme desafio quando o assunto é o alfabetismo. O INAF conceitua quatro níveis de alfabetismo, que abrange a faixa etária de brasileiros entre 15 e 64 anos, residentes nas zonas urbanas e rurais do território brasileiro: 

Analfabetismo: corresponde à condição dos que não conseguem realizar tarefas simples que envolvem a leitura de palavras e frases ainda que uma parcela destes consiga ler números familiares (números de telefone, preços, etc.);



Alfabetismo nível rudimentar: corresponde à capacidade de localizar uma informação explícita em textos curtos e familiares (como, por exemplo, um anúncio ou pequena carta), ler e escrever números usuais e realizar operações

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simples, como manusear dinheiro para o pagamento de pequenas quantias ou fazer medidas de comprimento usando a fita métrica; 

Alfabetismo nível básico: as pessoas classificadas neste nível podem ser consideradas funcionalmente alfabetizadas, pois já leem e compreendem textos de média extensão, localizam informações mesmo que seja necessário realizar pequenas inferências, leem números na casa dos milhões, resolvem problemas envolvendo uma sequência simples de operações e têm noção de proporcionalidade. Mostram, no entanto, limitações quando as operações requeridas envolvem maior número de elementos, etapas ou relações;



Alfabetismo nível pleno: classificadas nesse nível estão as pessoas cujas habilidades não mais impõem restrições para compreender e interpretar textos em situações usuais: leem textos mais longos, analisando e relacionando suas partes, comparam e avaliam informações, distinguem fato de opinião, realizam inferências e sínteses. Quanto à matemática, resolvem problemas que exigem maior planejamento e controle, envolvendo percentuais, proporções e cálculo de área, além de interpretar tabelas de dupla entrada, mapas e gráficos. (AÇÃO EDUCATIVA, 2011, p. 4)

O neoleitor, considerado no corpus deste trabalho como sendo o jovem ou adulto aluno da EJA a partir dos 15 anos, encontra-se incluído no alfabetismo de nível básico. Almeida (2012, p. 9) nos apresenta uma breve definição do que seria o público denominado neoleitor: “refere-se a grosso modo, aos leitores recém-formados, aqueles que acabam de sair de um processo de alfabetização, sejam eles crianças e adultos”. Tiepolo (2010, p.7) aprofunda a análise desse sujeito, onde destaca suas características de ordem social e econômica: São aqueles que, oriundos de programas de alfabetização, estão recémalfabetizados e iniciam sua caminhada de leitores. Podemos esboçar algumas de suas características: vindos das classes populares em busca da escrita, os alfabetizandos e alfabetizandas, mesmo que morando na zona urbana, trazem consigo uma história bastante vinculada ao mundo rural; além disso, sobrevivem em subempregos em que os baixos salários e a subserviência prevalecem; cada vez mais, os idosos têm buscado alfabetizar-se; as mulheres são em maior número, muitas vezes motivadas pela necessidade de ajudar os filhos nas tarefas escolares [...]

A figura do neoleitor vem contaminada com os traços de todo o tipo de exclusão social. Esse sujeito, seja ele adolescente ou adulto, evadiu-se da escola em algum momento por questões diversas, seja pela não adaptação à vida escolar, seja por necessidades econômicas, como por exemplo, começar a vida do trabalho muito cedo para ajudar na subsistência familiar. Em dado momento, ele retorna ao ambiente educacional, pois sente a necessidade de adquirir ou aperfeiçoar os instrumentos de que dispõe para circular em nossa sociedade grafocêntrica. Mesmo com os temores

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desse retorno, muitos dos neoleitores o fazem por acreditar que a continuidade da educação poderá proporcionar mudança em suas vidas, incluindo ascensão social e econômica como destaca Teixeira (2008, p.178): Ao nos depararmos com alunos e alunas, jovens e adultos, trabalhadores em sua quase maioria, que após um dia inteiro de trabalho, buscam a escola na expectativa de crescimento, seja ele social, cultural ou econômico, muitos são os conflitos que se colocam em nossas mentes.

No que se refere à alfabetização e consequentemente ao ato da leitura, Tiepolo (2010, p.7) destaca que “[...] o processo de alfabetização pelo qual passam ainda se baseia, de um modo geral, em atividades de memorização, que os leva à ideia de que ler é decodificar”. Diante disso, é impossível não estabelecer um diálogo com as experiências realizadas por Paulo Freire sobre a questão do ato de ler, quando o educador destaca que [...] o ato de ler não se esgota na decodificação pura da palavra ou da linguagem escrita, mas que se antecipa e se alonga na inteligência do mundo. A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada por sua leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto . (FREIRE, 1989, p. 9)

A abordagem freiriana acerca da iniciação do jovem ou adulto no mundo da leitura não considera apenas a mecânica da leitura, antes de mais nada ela considera o indivíduo como ser social e todo o imbricado de suas relações. O neoleitor traz para a vivência da leitura uma carga de experiências cheias de significado que devem fazer parte da construção do ato de ler: as relações familiares, o mundo do trabalho, são alguns fatores basilares para o desenvolvimento da competência leitora, pois criam uma leitura da realidade que antecede a leitura propriamente dita. Enzewenberger dá especial destaque à questão da oralidade quando o assunto é leitura; nessa perspectiva podemos dizer que há uma similaridade entre os apontamentos de Freire e Enzewenberger: o jovem/adulto através das relações sociais proporcionadas pela oralidade lê o seu próprio mundo antes da alfabetização: [...] foi o analfabeto que inventou a literatura. Suas formas elementares, do mito a canção de ninar, do conto de fadas ao canto, da oração à

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charada, são todas mais antigas que a escrita. Sem a tradição oral não existiria a poesia, e sem analfabetos não haveria livros. (ENZEWENBERGER, 1995, p. 44)

Em concordância com o autor alemão, Tiepolo (2009, p. 129) destaca a importância da oralidade: [...] são muitas as experiências de leitura dos neoleitores, proporcionadas pela tradição oral: causos, trovas, parlendas, histórias de cordel, músicas tocadas nas rádios ou por violeiros, narrativas veiculadas pela televisão, histórias da Bíblia que acompanham os cultos, lendas, canções de ninar, adivinhações, provérbios, fábulas, entre outras. Essa vivência contém informações, experiências, valores e gostos. Trata-se de um arsenal de informações vindas da cultura popular.

Além da oralidade, não podemos deixar de considerar que no mundo moderno as tecnologias também impactam o modo de viver desses indivíduos, proporcionando novos modos de leitura de mundo. Hoje a facilidade de acesso às Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) insere esses jovens e adultos em um mundo repleto de informação, mas que por vezes acabam tornando-se vazias, pois o simples ato da decodificação não agrega qualquer tipo de valor à sua realidade. Dessa forma, a ato da leitura deve ser construído baseado em uma postura crítica, que questiona a realidade, distanciando-se de uma ação mecanizada, por vezes tida como enfadonha: Insuficiente se torna, desse modo a aquisição de um alfabetismo mecânico. É preciso levar esses jovens e adultos a um alfabetismo crítico no domínio da aprendizagem da leitura e da escrita, seja através de textos da cultura popular, seja através de textos da cultura erudita. Para tal, é preciso levar à apreensão de habilidades de desconstrução que possibilitem entender como os diferentes textos escritos, falados e transmitidos pela mídia funcionam, produzindo significados, influenciando e moldando nossas ações, pensamentos e estilos de vida (TEIXEIRA, 2008, p. 183).

Para o desenvolvimento de leitores críticos e conscientes de seu papel na sociedade, a autora Tiepolo (2009) traz luz sobre a figura do mediador. Dentro do campo da EJA, poderíamos pensar em um primeiro momento na figura do professor como mediador. E por que não a figura do bibliotecário como mediador? Tiepolo sublinha a importância da mediação e destaca que só a oferta de livros é insuficiente para a promoção da leitura:

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[...] nas ações voltadas para a formação do leitor, é necessário prever, sempre, a mediação, isto porque somente a presença do livro por si só não promove a leitura. Se assim fosse, já teríamos avançado muito em termos de formação de leitores, tendo em vista os diversos programas de distribuição de livro – bons livros- pelos quais eles chegam, mas leitura não (TIEPOLO, 2009, p. 129).

Até aqui constatamos que vários elementos devem ser considerados para o desenvolvimento do hábito da leitura para o público neoleitor: valorizar sua história e as relações sociais, incentivar a leitura crítica em contraposição à leitura mecânica e considerar a importância de um mediador. A seguir, trataremos de ações que buscam o desenvolvimento de materiais voltados especificamente ao público neoleitor, tanto no Brasil, como no exterior.

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6

LEITURA FÁCIL: LITERATURA PARA NEOLEITORES

Neste capítulo procuraremos identificar ações de apoio à elaboração de material literário especificamente para o público neoleitor. Observaremos o que a International Federation of Library Associations and Institutions (IFLA) tem feito para que a literatura seja acessível à públicos com necessidades especiais, e posteriormente apreciaremos quais ações o governo brasileiro empreendeu nesse sentido. Antes de pontuarmos especificamente a questão dos materiais da leitura fácil (lectura fácil, em espanhol ou easy to read, em inglês), baseada nas diretrizes da IFLA, acreditamos ser importante uma reflexão sobre as dificuldades do cenário literário para o público neoleitor. Em entrevista disponível no site Youtube3, a escritora Maria Valéria Rezende, reflete sobre as peculiaridades para a produção de literatura acessível ao público adulto que retoma os estudos. Para Rezende (2012), sempre existiu uma modalidade de Literatura (com “L” maiúsculo) voltada especificamente para um público adulto que tinha uma prática leitora bem desenvolvida. Por outro lado, tínhamos uma literatura, considerada menor, especificamente para o público infantojuvenil (livros paradidáticos). A autora segue sua reflexão apontando ainda um tipo de literatura muito comum no Brasil, a literatura de cordel, e assinala sua importância quando destaca que o cordel sempre esteve disponível às camadas mais pobres e menos letradas da nossa sociedade. O cordel possibilitava ao adulto pouco letrado uma rica experiência com a leitura, mesmo que o leitor tivesse alguma dificuldade com o ato de ler, o conteúdo das histórias poderia ser compartilhado. Mas a literatura de cordel seria a única alternativa para os neoleitores? Rezende (2012) fala sobre a dificuldade em oferecer literatura para este público e apresenta uma alternativa para a questão: há uma complicação em ofertar literatura adulta para o neoleitor devido à dificuldade estrutural desses textos; a complicação não está na questão referente ao conteúdo, pois o neoleitor é perfeitamente capaz de compreender a mensagem através de uma leitura mediada; o leitor adulto que está

3

Link da entrevista: https://www.youtube.com/watch?v=9gtIQcV5EvM

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sendo introduzido no mundo da leitura precisa de um período de adaptação, para dominar toda mecânica exigida pela leitura, pois segundo a opinião da autora, ler não é uma ato natural e requer a ação de diversos mecanismos neurológicos e neuromotores extremamente complexos. Rezende (2012) ainda elabora uma crítica quanto à oferta de literatura infantil para os neoleitores. A literatura infantil apresenta atualmente vários níveis de dificuldade de acordo com o desenvolvimento da criança. A autora alerta para a questão da infantilização do neoleitor quando exposto à literatura infantil, pois o adulto já é dotado de uma experiência de vida, devido ao mundo do trabalho, suas relações sociais e é detentor de um vasto vocabulário adquirido durante sua caminhada como cidadão, sendo assim, a literatura infantil não seria uma boa opção para o neoleitor. Em sua conclusão, a autora destaca a experiência iniciada pelo governo brasileiro com o Concurso Literatura para todos, que veremos adiante, e propõe como alternativa o desenvolvimento de material literário específico e de qualidade para os neoleitores. A IFLA demonstrou sua preocupação com a questão de leitura adaptada para públicos especiais, quando em 1997 edita a primeira edição do documento Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil, com sua segunda edição já disponível em inglês, espanhol, árabe e japonês.4 As diretrizes foram baseadas em outros documentos que defendem a questão da democracia e acessibilidade de pessoas portadoras de qualquer tipo de deficiência, seja ela de ordem física ou cognitiva: Convenção da ONU sobre os direitos das pessoas com deficiências (2006), Normas uniformes das Nações Unidas (1993), Manifesto da biblioteca pública (1994, IFLA; UNESCO), Manifesto da biblioteca escolar (1999, IFLA; UNESCO) e Carta para o leitor (1992, Associação Internacional de Editores; Comissão Internacional do Livro). Os três principais propósitos das Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil (IFLA, 2012, p. 5, tradução nossa) são: a) Descrever a natureza e necessidade de publicações de leitura fácil; b) Identificar os principais grupos-alvo dessas publicações;

4

Para este trabalho utilizados a segunda edição em castelhano lançada em 2012.

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c) Fornecer sugestões para editores de materiais de leitura fácil e às organizações e agências que apoiam pessoas com deficiências para ler. A IFLA (2012, p. 6, tradução nossa) apresenta duas definições para o termo leitura fácil: Uma significa adaptação linguística de um texto que facilita mais a leitura que um texto médio, mas não facilita a compreensão; a outra definição é a adaptação que torna mais fácil tanto a leitura como a compreensão. O objetivo das publicações de leitura fácil é apresentar textos claros e fáceis de compreender apropriados para diferentes grupos etários. Para alcançar tais produtos, o escritor/editor deve considerar o conteúdo, linguagem, ilustrações e layout.

A IFLA (2012) indica que os grupos que podem ser beneficiados com materiais de leitura fácil podem ser divididos em faixas etárias de crianças jovens e adultos, e ainda: Pessoas com uma deficiência: que têm uma necessidade permanente de produtos de leitura fácil; e Leitores com competência linguística ou leitora limitada: que durante um período de tempo podem encontrar utilidade nesse tipo de material. Para essas pessoas, as publicações de leitura fácil podem abrir portas e ser um recurso de informação útil. Esses materiais podem criar interesses e ser uma ferramenta para melhorar as habilidades leitoras. (IFLA, 2012, p. 10, tradução nossa)

Identificamos nas diretrizes da IFLA (2012) o público que pode compor esses dois grupos distintos, a saber: a) Pessoas com deficiência que apresentam: dislexia e outras dificuldades

leitoras,

neuropsiquiátrica

deficiência

(transtorno

por

intelectual, déficit

de

deficiência

atenção

com

hiperatividade, autismo, síndrome de Asperger e síndrome de Tourette), surdez congênita ou pré-lingual, surdo-cegas, afasia, demência (Alzheimer);

b) Leitores com competência linguística ou leitora limitada: crianças, imigrantes recentes e outros falantes não nativos de uma língua, pessoas com baixa alfabetização.

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Podemos identificar os neoleitores no segundo grupo citado, pois podem ser caracterizados como pessoas com baixa alfabetização: O analfabetismo funcional pode ser o resultado de múltiplos fatores como, por exemplo, carência de educação, problemas sociais [...]. As pessoas analfabetas funcionais são incapazes de ler e compreender textos de um grau necessário para se desenvolver em uma sociedade moderna. Os materiais de leitura fácil podem ser de grande valor para essas pessoas. (IFLA, 2012, p.16, tradução nossa)

A IFLA (2012) relata que não há ainda um consenso sobre a edição dos materiais de leitura fácil, pois não há um entendimento se uma uniformização desses materiais seja útil para os indivíduos que dela fazem uso, por conta de suas particularidades. Frente a isso, a indicação orienta para que essas publicações sejam editadas levando em conta os interesses e experiências desses leitores. Quanto ao trabalho editorial, as diretrizes destacam que os materiais de leitura fácil podem apresentar as seguintes características:

Quadro 1 - Características de uma publicação bibliográfica de leitura fácil A escrita deve ter linguagem concreta, evitando a linguagem abstrata; A ação dentro do texto deve seguir um único fio condutor com continuidade lógica; A ação deve ser direta e simples, sem uma introdução

longa

e

sem

demasiados

personagens; Linguagem e conteúdo

Utilizar linguagem simbólica (metáforas) de forma moderada, pois alguns leitores podem não compreendê-la; O texto deve ser conciso, evitando várias ações em uma única oração; Evitar o uso de palavras difíceis, mas mantendo uma linguagem adulta. As palavras pouco

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comuns devem ser explicadas através de pistas contextuais (notas explicativas); Relações complicadas devem ser explicadas e descritas de uma forma concreta e lógica, onde os eventos tenham lugar em um marco lógico e cronológico; Não impor muitas dificuldades para autores, ilustradores e outros profissionais que produzirão material bibliográfico de leitura fácil. O livro deve antes de tudo ser um convite à leitura e buscar sempre a atenção do leitor. Porém deve-se ter cuidado para não transformar um texto de leitura fácil em um texto pobre e banal. A ilustração deve representar o texto escrito, e deve se dar preferência pelo uso de imagens que Ilustrações

representem o mundo concreto, ao invés da utilização de imagens abstratas que podem gerar uma confusão de interpretação no leitor. O layout de um livro de leitura fácil deve ser atrativo,

Layout

com

margens

largas

e

espaços

generosos. A capa deve criar uma ligação imediata com o conteúdo. O papel deve ser de qualidade. Deve-se optar pelo uso preferencialmente de letras em tamanho

Papel, tipografia e impressão

grande, primando ainda pelo contraste do fundo de página com as letras e ilustrações. Os materiais de leitura fácil devem contar com uma indicação (ícone ou marca) para informar o

Logotipo e sinopse

tipo de conteúdo presente naquela publicação. É importante ainda uma sinopse descrevendo o conteúdo e o grau de dificuldade do material. É interessante que os materiais de leitura fácil apresentem graus de dificuldades variados para

Grau de dificuldade

que

possam

atender

as

necessidades

e

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particularidades de todos os indivíduos que deles façam uso. Fonte: Adaptado a partir do texto das Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil – IFLA (2012)

Gostaríamos de destacar que no quadro acima elencamos algumas características de material de leitura fácil que se referem ao livro impresso. Contudo, não podemos deixar de mencionar que em alguns países, sobretudo da Europa, com destaque para Suécia, Finlândia e Noruega, existe uma gama variada de material de leitura fácil, seja em suporte físico ou digital: livros, revistas, jornais, páginas da web, documentos governamentais, áudio-livros e áudio-periódicos, além de programas especialmente desenvolvidos para o público consumidor de leitura fácil. Uma iniciativa muito interessante no campo da leitura fácil é o blog Easy-toRead-Network5 (Rede de Leitura Fácil, numa tradução para o português). O Easy-toRead Network iniciou suas atividades em 2005 em uma reunião na cidade de Barcelona, Espanha. Qualquer pessoa interessada na questão da leitura fácil pode participar dessa rede internacional: editores, escritores, ilustradores, fotógrafos, bibliotecários ou outras organizações. O principal objetivo da rede é promover a democracia, acessibilidade e participação, através da troca de informações sobre leitura fácil entre membros do mundo todo, sejam eles organizações ou pessoas físicas, e ainda, promover pesquisas e financiamentos para projetos engajados com a questão da leitura fácil. A rede conta hoje com cerca de 70 membros em 30 países. (LINDMAN, AnnMarie, 20-?)

6.1

Literatura para neoleitores no Brasil

O ano de 2005 é marcado por uma iniciativa do governo brasileiro para a produção de material literário especificamente voltado para o público neoleitor, através da abertura do I Concurso Literatura para todos, que originou posteriormente a 5

Link do blog Easy-to-Read-Network: http://wordpress.easytoread-network.org/

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Coleção Literatura para todos, composta por 10 obras literárias de variados gêneros: poesia, conto, novela, crônica, tradição oral, biografia e peça teatral. O projeto foi uma ação do MEC através da SECADI, que recebeu cerca de 2.100 inscrições para o concurso e teve uma comissão avaliadora composta por variados profissionais da área de livro e leitura. O concurso aconteceu ainda nos anos de 2007, 2009 e 2010. A motivação para a criação do concurso e posteriormente a edição de obras literárias para neoleitores da EJA é justificada pelo MEC (2006, p. 10) na Carta ao leitor presente em uma das obras da coleção6: O Ministério acredita que o acesso ao livro e à leitura é um direito de todos. Nós todos temos o direito de ler e ter acesso a livros da mesma forma que a Constituição Federal nos garante o direito à educação. Por isso, em 2003, o governo criou o Programa Brasil Alfabetizado, para garantir, aos jovens e adultos que nunca tiveram esse direito, a oportunidade de aprender a ler, escrever e fazer operações matemáticas básicas. Acima de tudo, o Ministério foi motivado por acreditar que o acesso ao livro e a criação do hábito da leitura são essenciais para fortalecer a nossa cidadania e também como alicerce para outras aprendizagens. A leitura nos permite entender melhor o mundo a nossa volta e conhecer melhor também quem somos nós. Por meio da leitura, ganhamos acesso a outras informações e novos conhecimentos.

Apesar de não haver nenhuma menção, podemos estabelecer uma relação de objetivos entre essa ação do governo brasileiro com as Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil da IFLA, principalmente no que tange à questão de democratização e acesso à leitura. Juntamente com os livros da Coleção Literatura para todos, em 2006 o governo brasileiro disponibilizou o livro Literatura para todos: conversa com educadores, que segundo Cademartori, Maciel e Paiva (2006) pretende apresentar a coleção e fornecer auxílio para o uso dos livros na educação de jovens e adultos, além de explicar como as obras foram escolhidas, respectivos resumos e informações sobre os autores. No que se refere ao conteúdo e linguagem, ilustrações, layout, papel, tipografia e impressão, os livros da Coleção Literatura para Todos apresentam várias características propostas pelas diretrizes da IFLA: As capas, as ilustrações e até o formato das obras da coleção foram escolhidos de modo que os livros ficassem não só mais bonitos, como 6

A citação direta foi retirada da Carta ao leitor, presente na obra Cobras em compota, de Índigo, que faz parte da Coleção Literatura para Todos.

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também mais práticos e cômodos para os leitores. A maneira como o texto está disposto nas páginas foi pensada para tornar a leitura a mais agradável possível. O tipo, o estilo e o tamanho das letras também não foram escolhidos por acaso [...] a quantidade de letras por página e o espaço entre uma linha e outra podem fazer com que um livro seja mais fácil de ler [...]. As ilustrações são muitas e de estilo bem variado. Alguns artistas pintaram com aquarela, outros usaram grafite, xilogravura ou fotografias, escolhendo a técnica que mais tivesse a ver com o assunto e a história de cada obra [...] foram tomados cuidados para que os livros fossem bem resistentes e para que as páginas não se soltassem. Outro detalhe: sempre que surge uma palavra menos conhecida ou um assunto que exige uma explicação, uma notinha ao lado do texto esclarece o leitor [...]. Essas notas foram preparadas com a ajuda dos dicionários Houaiss e Aurélio da língua portuguesa, de enciclopédias, e com informações oferecidas pelos próprios autores das obras da coleção. (CADEMARTORI; MACIEL; PAIVA, 2006, p. 19)

Ao contrário das Diretrizes para Materiais de Leitura fácil da IFLA, que dedica parte de seu documento a orientar o trabalho das bibliotecas e consequentemente dos bibliotecários com a questão de leitura adaptada para públicos especiais, não identificamos nas orientações para o uso da Coleção Literatura para Todos, nenhuma menção quanto à importância das bibliotecas e bibliotecários para o desenvolvimento do hábito de leitura junto ao público neoleitor. Abaixo reproduzimos a capa e o miolo de uma das 10 obras lançadas em 2006 da Coleção Literatura para todos

Figura 1 - Capa do livro Cobras em compota da Coleção Literatura para todos

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Figura 2 - Texto com nota explicativa

Figura 3 - Ilustração do livro Cobras em compota

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Outra ação interessante voltada à publicação de obras para neoleitores é a Coleção É só o começo da editora L&PM, que na contracapa das obras sintetiza o objetivo da coleção: “Os livros da coleção É só o começo foram pensados e criados para homens e mulheres, jovens ou não, que estão começando a vida de leitor. Foram escolhidas histórias importantes, e a linguagem foi adaptada para facilitar a leitura”7. De acordo com Fisher (2012), através de depoimento em vídeo disponível no site Youtube8, no primeiro mandato do presidente Lula, o então ministro da Educação, Cristóvão Buarque, procurou a editora L&PM para verificar se havia material disponível para o público de neoleitores. Foi assim que nasceu a coleção É só o começo. Vale frisar que a editora L&PM só adapta textos clássicos narrativos. Ainda segundo Fisher (2012), a adaptação para neoleitores realizada pela editora L&PM é constituída por 3 fases: a) Redução do tamanho do texto aos limites necessários editorialmente; b) Reprocessamento da adaptação com uma revisão rigorosa feita por especialistas com a preocupação de simplificar o vocabulário; c) É importante que haja um resumo da obra, biografia do autor, lista de personagens, mapas e notas explicativas. Abaixo apresentamos algumas imagens de uma das obras da coleção da editora L&PM. É interessante observar que há um grande cuidado editorial, onde podemos identificar vários elementos elencados nas Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil da IFLA, no que se refere à edição de livros para públicos com necessidades especiais:

7

A citação foi retirada da contracapa da obra O médico e o monstro, de Robert Louis Stevenson, adaptada para neoleitores, parte da Coleção É só o começo, da Editora L&PM. 8

Link do depoimento: https://www.youtube.com/watch?v=gjWV1_dElY4

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Figura 12 - Capa da adaptação do livro O médico e o monstro da Coleção É só o começo

Figura 5 - Contracapa da adaptação para neoleitores de O médico e o monstro

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Figura 13 - Detalhe para a nota editorial da adaptação para neoleitores de O médico e o monstro

Figura 7- Resumo da obra e biografia do autor

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Figura 8 - Descrição dos personagens

Figura 9 - Localização geográfica de onde se desenvolve o enredo

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Figura 10 - Texto com nota explicativa e detalhe de ilustração

Figura 14 - Sugestão de material complementar

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CONSIDERAÇÕES SOBRE OS CEUS E SUAS BIBLIOTECAS

Além de toda a revisão bibliográfica pensada para este trabalho sobre a EJA e neoleitores, desde o início consideramos que a apresentação de uma ação promovida por bibliotecários com foco voltado ao público adulto que retoma os estudos, poderia ser de grande contribuição para o entendimento do tema. Dessa forma, em nosso item 7.1 apresentamos um projeto desenvolvido pelas bibliotecárias da biblioteca Barbosa Lima Sobrinho do CEU Parque São Carlos especificamente para este público. A ideia inicial era buscar uma escola pública que tivesse uma biblioteca (com bibliotecário) e que tivesse desenvolvido ou desenvolvesse algum trabalho voltado aos alunos da EJA. A dificuldade se apresentou quando constatamos que boa parte das escolas públicas (considerando a cidade onde resido, Cajamar – SP) dispõem apenas de salas de leitura, ou quando apresentam um espaço denominado biblioteca, esta não conta com o bibliotecário: é apenas um espaço com livros, muitas vezes não organizados e que de longe pode ser considerada um Serviço de Informação (SI). Assim, passamos a considerar as bibliotecas dos CEUs da cidade de São Paulo um campo propício para nossa pesquisa. Vejamos um dos principais objetivos desses equipamentos públicos: [...] propiciar à população o acesso à biblioteca, centros culturais e esportivos integrados aos centros de educação infantil (CEIs), às escolas municipais de educação infantil (EMEIs) e às escolas municipais de ensino fundamental (EMEFs) num mesmo complexo que seja alegre, prazeroso e que permita ressignificar o espaço escolar, onde aquele que ensina também aprende e aquele que aprende, também ensina. (PADILHA; SILVA, 2004, p. 27)

Ou ainda como aprofunda Lemos (2012, p. 44) O CEU é uma praça de equipamentos públicos em lugares onde não havia praças tradicionais, onde os serviços públicos voltados para a cultura, a informação, o esporte e o lazer eram escassos. Um espaço de construção de sujeitos e de participação democrática numa cidade hostil e desigual. Sua principal missão: regenerar a cidade transformando-a numa cidade que educa, que humaniza. Tendo, todavia, que lidar com a complexidade de interesses de todos os atores envolvidos: públicos, educadores, políticos, artistas, urbanistas, terceiro setor, imprensa, intelectuais.

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Padilha e Silva (2004, p. 27) ainda acentuam a questão da integração de vários equipamentos dentro de um único complexo quando esclarece: O projeto arquitetônico apresenta uma logística que favorece a integração das diversas unidades educacionais, culturais e esportivas, reunidas em um mesmo espaço, facilitando a comunicação interna e com a comunidade local.

Por se tratar de um projeto complexo, não iremos nos aprofundar em questões históricas e organizacionais dos CEUs, pois já existem alguns trabalhos extremamente valorosos sobre o assunto e que foram usados para compor esse capítulo, com destaque para Padilha e Silva (2004) e Lemos (2012). Nos atentaremos principalmente ao perfil das bibliotecas dos CEUs, baseadas na literatura existente, na entrevista e material gentilmente disponibilizado pelas profissionais da biblioteca Barbosa Lima Sobrinho do CEU Parque São Carlos. Os primeiros 21 CEUs foram entregues no ano de 2003 (LEMOS, 2012) e em sua estrutura contam com quadra poliesportiva, teatro, playground, piscinas, biblioteca, Telecentro e espaços para oficinas, ateliês e reuniões9. Atualmente a cidade de São Paulo conta com 46 CEUs, que, dependendo da sua configuração, oferecem: a) Centro de Educação Infantil (CEI) – para crianças de 0 a 3 anos; b) Escola Municipal de Educação Infantil (EMEI) – para alunos de 4 e 5 anos; c) Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF), que também oferece o programa EJA; d) Universidades nos CEUs (UniCEUs); e) Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC); f) Escolas Técnicas Estaduais (ETECs); g) Projeto Guri; h) Programa Vocacional; i) Programa de Iniciação Artística (PIA).

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A maioria das informações do presente capítulo, referentes à estrutura dos CEUS estão em uma apresentação no formato PPT gentilmente cedida pelas bibliotecárias da biblioteca Barbosa Lima Sobrinho do CEU Parque São Carlos, a quem damos os créditos: Sonia Aparecida Luiz e Thaisa Alves Dias de Jesus.

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As bibliotecas dos CEUs são ligadas à Secretaria Municipal de Educação (SME) da cidade de São Paulo e, dentro desse complexo multidisciplinar, estão localizadas no denominado bloco cultural. Conforme os slides fornecidos pelas bibliotecárias do CEU Parque São Carlos, os objetivos desses SI são: a) Atender à comunidade em geral; b) Apoiar a educação formal, atuando de maneira integrada à proposta pedagógica do CEU; c) Apoiar a educação não formal; d) Atuar em consonância com o princípio da educação para a informação voltada para a busca da independência do sujeito, com vistas a torná-lo autônomo no circuito informacional; e) Possibilitar o acesso à informação e a cultural local e universal, proporcionando a inclusão sociocultural dos leitores; f) Desenvolver atividades de mediação de leitura e informação; g) Valorizar a literatura e demais manifestações artísticas dirigidas às crianças, jovens e adultos, como recursos necessários à inserção sociocultural. Além dos serviços tradicionais oferecidos, como empréstimo de livros, as bibliotecas dos CEUs desenvolvem diversos projetos que em parte estão em consonância com os objetivos acima mencionados. Nossa ideia inicial era que, por estarem inseridas em um ambiente com a presença de escolas, as bibliotecas dos CEUs pudessem ser configuradas como bibliotecas escolares. Porém, revisando a literatura e principalmente, através da entrevista realizada com as bibliotecárias do CEU Parque São Carlos, identificamos que o perfil desses SI ainda está em formação. Isso se deve ao fato de que, além do público escolar, as bibliotecas dos CEUs atendem também os moradores da comunidade do entorno. Desse modo, apresentam um perfil que combina características tanto de biblioteca escolar, como de biblioteca pública, e podem ser denominadas bibliotecas híbridas:

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[...] as bibliotecas dos CEUs nasciam como espaços multidisciplinares e de aprendizagem, com a incumbência de cumprir a missão da biblioteca pública e da biblioteca escolar, o que lhe rendeu o codinome de biblioteca híbrida. Os objetivos, a missão e a finalidade das bibliotecas públicas e escolares se complementam e se somam, como pode ser conferido nos Manifestos IFLA/Unesco para Bibliotecas Públicas e Escolares. (LEMOS, 2012, p.88, grifo nosso)

Por conta desse perfil tão peculiar, que pode em determinados momentos ser um campo rico para a atuação dos bibliotecários, ainda existem muitos impasses e discussões no sentido de definir o perfil da biblioteca dos CEUs e como os bibliotecários podem atuar de maneira mais efetiva para colaborar para o desenvolvimento dos indivíduos que fazem uso dos serviços desses SI. Tendo como base as observações realizadas por Lemos (2012) elencaremos alguns pontos que ainda geram debates acerca das bibliotecas dos CEUs: a) Diversidade de público: que se refere tanto ao atendimento do público das unidades escolares dentro do complexo CEU, como também o atendimento da comunidade do entorno. Aqui o embate: biblioteca escolar ou pública? b) Flexibilidade do espaço: em algumas unidades, por conta de sua configuração física, há uma concorrência pelo uso do espaço. A quem atender: o público das unidades escolares ou a comunidade do entorno? c) A presença de salas de leitura: as unidades escolares dos CEUs contam com salas de leitura que estão intimamente ligadas ao conteúdo pedagógico proposto. Por outro lado, as bibliotecas desenvolvem diversos projetos, mas que não estão em consonância com a proposta pedagógica das unidades escolares. As bibliotecas dos CEUs seriam complementares ou concorrentes das salas de leitura? Frente a essas e a outras questões, é o bibliotecário que acaba por definir como será realizado seu trabalho e como a biblioteca poderá abarcar toda essa diversidade: Pelo fato de no CEU ainda não existir uma proposta integrada consistente que oriente ações, é a atuação bibliotecária que acaba por determinar a lógica da biblioteca e as práticas culturais e informacionais; mas apesar de uma atuação heroica diante de muitos problemas estruturais (que ultrapassam as barreiras da atuação profissional) tal ação sofre com a confusão a que o hibridismo não intencional a condenou: pública e/ou escolar? Eis a questão! (LEMOS, 2012, p. 89)

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Observamos nesse capítulo o grande desafio que se apresenta para a atuação do profissional a frente de uma biblioteca do CEU. Apesar de todos os impasses, percebemos através de nossa entrevista com as bibliotecárias do CEU Parque São Carlos, que a iniciativa das profissionais desse SI na formulação de projetos diversificados é um bom exemplo a ser seguido pelos bibliotecários.

7.1

CEU Parque São Carlos: Projeto Sua história em suas mãos da biblioteca Barbosa Lima Sobrinho

Após a decisão em buscar alguma biblioteca que fizesse parte do complexo do CEU, iniciamos o contato com algumas unidades para verificar se havia salas de aula da EJA e se havia algum projeto desenvolvido ou em desenvolvimento para este público específico. Inicialmente contatamos por telefone as bibliotecas dos CEUs nos bairros de Perus, Jaraguá e Pirituba, porém, ou não havia nenhum projeto específico ou já não estava mais em desenvolvimento. Por indicação da professora do curso de Biblioteconomia e Ciência da Informação, da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), Adriana Maria Souza, contatamos a biblioteca Barbosa Lima Sobrinho do CEU Parque São Carlos. A bibliotecária Sonia Aparecida Luiz, que identificaremos doravante como bibliotecária A nos informou sobre um projeto muito interessante desenvolvido com os alunos da EJA, que relataremos a seguir. A outra bibliotecária que nos prestou valiosas informações foi Thaisa Alves Dias de Jesus, que identificaremos como bibliotecária B. O CEU Parque São Carlos foi inaugurado em dezembro de 2003 e está encravado em uma comunidade carente no extremo da zona leste da cidade de São Paulo. Esta unidade faz parte do primeiro grupo de CEUs implantados nas regiões carentes da cidade e dispõe de vários equipamentos dispostos em um único local como já indicamos anteriormente. Os principais objetivos dessa entrevista era identificarmos alguns pontos, a saber:

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a) Se havia algum projeto desenvolvido ou em desenvolvimento especificamente para os alunos da EJA; b) Se havia uma relação estabelecida entre os professores e os bibliotecários do CEU; c) Se havia material literário específico para os alunos da EJA (neoleitores); d) Como os bibliotecários viam a atuação dos profissionais da informação dentro desse SI. Realizamos uma entrevista in loco, semiestruturada, com o auxílio de um gravador de voz. Tínhamos algumas perguntas prontas, que oportunamente serão mencionadas, mas optamos por deixar as entrevistadas seguirem o relato de forma livre, fazendo pequenas interferências quando necessário. Não elencaremos esse relato no formato pergunta-resposta. Optamos por realizar uma narrativa baseada nas informações prestadas. Solicitamos às bibliotecárias autorização para o uso das informações através de formulários que fazem parte dos anexos desse trabalho. Além da entrevista gravada, quando necessário, usamos como referência as informações disponíveis em um blog específico do projeto.10

7.1.2 Projeto Sua história em suas mãos

Iniciamos a entrevista questionando com base em quais necessidades surgiu o projeto. Antes de pontuarmos especificamente a ação, a bibliotecária A informou que as duas bibliotecárias atuam na unidade desde o ano de 2008. Inicialmente, o horário de atendimento da unidade era das 08h00 às 17h00, porém em novembro de 2008 foi criada uma portaria que estabelecia que a biblioteca deveria funcionar em consonância com o horário das atividades do CEU, ou seja, das 07h00 às 23h00, incluindo sábados e domingos. A biblioteca contava em seu quadro de funcionários apenas com as duas bibliotecárias, que realizavam as tarefas cotidianas da unidade, além dos projetos culturais. Com o quadro reduzido de funcionários, não era possível abrir a biblioteca todas as noites, assim, foi solicitado às bibliotecárias que disponibilizassem pelo menos um dia da semana para o atendimento no horário

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O blog está disponível no endereço: http://suahistoriaemsuasmaos.blogspot.com.br/

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noturno para os alunos da EJA e que fosse elaborado um projeto específico para este público. O embrião do Projeto Sua história em suas mãos nasceu quando a bibliotecária A participou de um curso no Museu da Pessoa intitulado Memórias da Literatura Infantojuvenil, que trabalhava com a memória da pessoa desconhecida, através do contato com a vida e obra de alguns escritores brasileiros, entre eles, Ricardo Azevedo, Ana Maria Machado e Heloísa Prieto. Através do curso, a bibliotecária A entrou em contato com a metodologia da Roda de Histórias que consistia em reunir grupos de pessoas para extrair e compartilhar informações sobre suas histórias de vida. Ao final do curso, a bibliotecária teve que elaborar um projeto utilizando-se da metodologia aprendida, sendo que seu público-alvo neste momento eram as pessoas da melhor idade. Aproveitando a necessidade de um projeto voltado para a EJA, as bibliotecárias do CEU Parque São Carlos, adaptaram o projeto desenvolvido pela bibliotecária A durante o curso no Museu da Pessoa e criaram o Projeto Sua história em suas mãos. Citamos o objetivo geral do projeto, conforme é apresentado em seu blog: “Propiciar a valorização da vida de cidadãos anônimos que iniciaram seu processo de escolarização tardiamente, trabalhando o reencontro com a memória de vida de alunos da educação de jovens e adultos (EJA) do CEU Parque São Carlos”. Pontuamos ainda os objetivos específicos: Incentivar a leitura por meio da biografia de diversos autores da literatura brasileira, assim como por meio de textos de diversos gêneros literários; incentivar a produção textual através da elaboração da autobiografia de cada participante.

O projeto teve início no ano de 2009 e acontecia às quartas-feiras quando os professores disponibilizavam seus horários de aula para o desenvolvimento da ação; destacamos que a faixa etária atendida era de alunos entre 16 e 65 anos que estavam completando a quarta etapa do curso da EJA. No ano de 2009, 4 salas da EJA foram atendidas. O projeto aconteceu nos anos de 2009 a 2012, contemplando 11 turmas da EJA, tendo como produto final a elaboração de cerca de 15 autobiografias por turma.

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A primeira etapa do processo consistia no convite aos alunos para a participação na ação, e posteriormente, as bibliotecárias apresentavam o espaço da biblioteca esclarecendo para os discentes o que era uma biblioteca, qual seu objetivo e quem eram os profissionais que ali atuavam. Com base na metodologia do curso do Museu da Pessoa, durante os encontros posteriores as bibliotecárias desenvolviam rodas de conversa, rodas de história e faziam uso de textos literários e biografias de autores, além de utilizarem mídias em variados suportes. Identificamos que a literatura usada durante o projeto não era adaptada para neoleitores, mas sim textos literários tradicionais, incluindo letras de músicas. A discussão para a elaboração da autobiografia dos alunos era pautada de acordo com etapas de suas vidas, divididas em infância, adolescência e vida adulta, onde cada texto trabalhado estava intimamente ligado à essas fases, através de temas característicos de cada uma delas: infância (o local de nascimento, as brincadeiras, os brinquedos), adolescência (conflitos, namoros), vida adulta (família, trabalho). Para cada fase eram realizados de dois a três encontros. Além da leitura de textos e das discussões, o projeto contemplava também a parte escrita e cada aluno redigia sua autobiografia dentro do espaço da biblioteca, sempre auxiliados pelas bibliotecárias. Em outro momento, os alunos ainda recebiam informações sobre editoração referentes às partes de um livro: capa, folha de rosto, agradecimentos etc. Após a redação final dos textos, as bibliotecárias contaram com o auxílio de uma professora de Língua Portuguesa para a revisão e correção final dos textos. Os alunos podiam ilustrar suas obras autobiográficas com fotografias das diversas fases de sua vida e em seguida os textos eram encadernados. Gostaríamos de registrar aqui o relato das bibliotecárias, que durante este projeto trabalharam com um aluno portador de deficiência visual. Toda sua autobiografia foi gravada, transcrita pelas bibliotecárias e posteriormente o livro foi impresso em braile.

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A conclusão do projeto consistia na realização de um evento para a entrega dos livros, que reunia os alunos da EJA, além de seus familiares, amigos e moradores do entorno. Questionamos se o material desenvolvido ficava disponível no acervo da biblioteca. As bibliotecárias nos esclareceram que devido ao seu teor altamente pessoal, o material não ficava disponível para terceiros, o acesso ao conteúdo era exclusivo de seus autores. Outra indagação que fizemos foi sobre o uso da biblioteca por esses alunos após a conclusão do projeto. As bibliotecárias comentaram que os alunos ocasionalmente utilizavam os serviços da biblioteca. Elas complementaram esclarecendo que por conta do trabalho e a migração desses alunos para outras escolas após a conclusão do curso da EJA, muitos não voltaram a utilizar os serviços da biblioteca. Com base no levantamento realizado no subcapítulo anterior acerca do perfil híbrido das bibliotecas dos CEUs, questionamos as bibliotecárias sobre a relação da unidade escolar com a biblioteca. As bibliotecárias apontaram que o relacionamento sempre foi muito tranquilo e que os professores nunca interferiram nas ações da biblioteca, pelo contrário, relatam ainda o caso de um professor de matemática que era muito presente no projeto desenvolvido junto aos alunos da EJA. Apesar de não haver uma ligação direta entre os projetos da biblioteca e o conteúdo pedagógico da unidade escolar, não há conflitos, há sim uma complementação entre eles. Mesmo assim, as bibliotecárias pensam que seria interessante que as abordagens feitas na biblioteca fossem ampliadas nas salas de aula, mas ressaltam que as relações entre o núcleo escolar e a biblioteca no CEU estão ainda se estabelecendo, estão em construção. Um fator considerado pelas bibliotecárias foi o fato de haver sala de leitura com professor na unidade escolar do CEU que trabalha de forma integrada com a proposta pedagógica de ensino. Finalizando, perguntamos às bibliotecárias como elas entendiam o papel do profissional da informação na atualidade e principalmente o bibliotecário atuando em um ambiente tão peculiar como as bibliotecas dos CEUs. As bibliotecárias falaram sobre o bibliotecário como mediador e da importância do desenvolvimento de projetos culturais de incentivo à leitura:

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Bibliotecária A: “[...] Nós somos profissionais da informação aqui, nós desempenhamos um papel educativo essencialmente e nós somos mediadores. Eu acho que é preciso ter consciência que você media informação, de que você media diferentes gêneros textuais, diferentes fontes de informação, então nós somos por excelência um mediador de toda informação acumulada da humanidade, dentro do recorte que nós queremos fazer para esse usuário, pra que ele se aproprie, ele gere conhecimento [...] A pergunta é: como eu medio esse tipo de leitura? Como eu medio esse gênero discursivo? Como eu medio essa temática para os diversos públicos que nós temos com diversas necessidades? [...] O que é disseminação da informação dentro de uma biblioteca de CEU? Ah, os livros estão lá, as prateleiras estão impecáveis, muito bem! E daí? [...] eu vou desenvolver projetos de medição de leitura e culturais pra trazer esse público, a biblioteca é sua, tá aqui prá você. Aí a gente recorta: um mês é quadrinhos? Um mês é terror? Então o que é o mediar de leitura no CEU? É elaborar projetos, o CEU é movido por projetos [...] Bibliotecária B: “[...] Não adianta eu pegar um recorte do meu acervo e fazer uma exposição, nós fazemos isso também, mas se eu não tiver um projeto que aproxime esse usuário desses livros, não adianta [...] A gente faz uma exposição sobre os livros de terror, ótimo, tá lá a exposição. Agora se nós não tivéssemos feito essa ação, falando sobre o que é o terror? O que é o horror? O que é o Drácula? Quando ele surgiu? O que é o Médico e o Monstro? Quem escreveu? Qual é o conteúdo dessa obra? Eu preciso apresentar o conteúdo dessa obra [...]” Bibliotecária A: [...] A informação está lá parada, quando ela vai ter significado e valor pro meu usuário? Quando eu colocar um holofote nessa informação e isso é feito por meio de projeto [...] Finalizando a bibliotecária A, levanta uma questão: [...] A Universidade está formando bons mediadores? [...]

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Considerando a importância e as características apresentadas pelo projeto desenvolvido pelas bibliotecárias do CEU Parque Carlos, optamos por considerar a atuação do bibliotecário como um agente cultural: aquele que conhece a comunidade do entorno, sabe de suas necessidades culturais, propõe o desenvolvimento de projetos e o mais importante: coloca o público-alvo como protagonista da ação cultural e não um mero espectador.

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BIBLIOTECÁRIO COMO AGENTE CULTURAL

Após o desenvolvimento de todo esse trabalho buscando compreender a história e a organização da EJA no Brasil e o perfil do público neoleitor, além de identificar a preocupação do mercado editorial na produção de material para esse público tão diferenciado, sem dúvida alguma, foi o projeto Sua história em suas mãos, que nos orientou no sentido de identificar um campo de atuação para o bibliotecário, que por vezes se mostra desconhecido ou mesmo ignorado pelos profissionais da informação: a área cultural. Durante o curso de graduação em Biblioteconomia e Ciência da Informação, os discentes são apresentados às mais variadas possibilidades de atuação do bibliotecário no mercado de trabalho, com grande incentivo para a atuação dentro de nichos que estão ligados diretamente às áreas tecnológicas. Talvez por conta do histórico da falta de valorização da área da cultura no Brasil e pela baixa produção de literatura sobre o assunto na área da Biblioteconomia (CABRAL, 1999), a ação cultural em bibliotecas, sejam elas públicas ou escolares, pode apresentar-se como um tema um tanto nebuloso e por conta disso, gerar alguns equívocos em seu entendimento. De acordo com Cabral (1999), até a década de 70, as bibliotecas brasileiras, principalmente as públicas, ainda apresentavam o perfil de um espaço unicamente destinado a guarda de suportes de informação, se abstendo do envolvimento com as questões político-culturais, e privilegiavam o atendimento da burguesia, colocando à margem a população mais carente. É a partir dos anos 70 que se inicia uma ressignificação do papel das bibliotecas e consequentemente dos profissionais que nelas atuavam, com a criação das bibliotecas populares. Destacamos, ainda que, muito do que se empreendeu e continua se empreendendo para tirar as bibliotecas das sombras do esquecimento, partiu da ação dos próprios bibliotecários, conforme atesta Milanesi (1997, p. 209): [...] as bibliotecas brasileiras, lentamente e como exceção, ampliam as suas atividades, indo além de sua rotina milenar. As mudanças são vagarosas e localizadas nas áreas mais desenvolvidas do país. Isso não está ocorrendo por decreto governamental, mas como uma decorrência do tempo e pela ação dos bibliotecários (mas nem todos) que, numa cidadezinha ou nos bairros periféricos, sentem a

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necessidade de ultrapassar a velha prática de abrir a loja e colocar a mercadoria à disposição do freguês (quem nem sempre existe).

Bibliotecários iniciaram sua caminhada dentro do cenário cultural promovendo diversas ações, porém sem um norteamento conceitual muito claro, o gerou e continua gerando confusão no entendimento de alguns jargões próprios da área. Assim, é importante neste momento, a título de esclarecimento, apresentarmos três conceitos distintos da área cultural, para auxiliar o bibliotecário em sua compreensão, evitando assim, erros de interpretação. Identificamos na literatura três termos ligados à área do fazer cultural e que podem estar diretamente ligados às ações em bibliotecas, principalmente escolares e públicas: animação cultural, fabricação cultural e ação cultural. Quanto à animação cultural Almeida (1987, p. 33) aponta que esta se refere “[...] à animação institucionalizada, voltada para o consumo, utilitária e alienante [...]” e “[...] o que se fazia – e ainda se faz – nas bibliotecas públicas era ‘animação’, eram atividades com o objetivo de se consumir o livro, fazer o marketing da biblioteca”. Coelho Neto (2002, p. 16), aprofunda a definição do termo animação cultural, esclarecendo que: É uma expressão inadequada, viciada, que revela desde logo sua ideologia: o agente cultural é, aqui, um animador, é dele que parte a ação - nessa terminologia teológica, é ele o criador. É ele o sujeito, o grande sujeito. Os outros são meros objetos nos quais, como na lenda clássica, ele sopra a alma, anima. Não apenas pelo sentido que carrega, como pelas práticas por ela recobertas durante longo tempo (práticas diversionistas, mais voltadas para o lazer - quer dizer, para o esquecimento do tempo e da vida, para o divertimento inócuo que deve rechear as horas mortas, mortas para o trabalho, para a produção economicamente rentável), deve ser uma expressão recusada, junto com todo seu arsenal de truques que nunca levaram a nada além da alienação e do conformismo tingido de ‘atividade cultural’.

A definição de fabricação cultural é entendida quando: “[...] o sujeito produz um objeto, assim como o marceneiro produz um pé torneado. Na ação, o agente gera um processo, não um objeto. O objeto pode até resultar de todo o processo, mas não se pensou nele quando se deu início ao processo [...]” (COELHO NETO, 2002, p. 12).

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Talvez a ideia mais valiosa (e por isso mesmo, mais complexa) para a criação de projetos dentro de uma biblioteca esteja alinha à definição de ação cultural, de acordo com as considerações pontuadas por Almeida (1987, p. 33): A ação cultural vai mais fundo. Busca a expressão e a criatividade dos indivíduos no grupo e na comunidade. Está ligada à ideia de transformação, de emancipação a partir da expressão. Diz respeito não apenas a produtos culturais acabados, como também às condições que levem à capacidade criativa, à produção cultural. Relaciona-se, por outro lado, ao processo de educação coletiva, atividades práticas e em que abre espaço no momento em que desenvolve para a troca de informações e a discussão sobre temas de interesse do grupo. É a educação "lato sensu", paradoxalmente anti-escola.

Não podemos deixar de destacar que existem várias concepções e definições para o termo cultura, e que para a elaboração de qualquer ação nessa área é necessário que haja um entendimento norteador conceitual. Ou seja, qual conceito de cultura se alinhará às práticas culturais propostas pelo agente cultural? Assim, acreditamos que uma ação cultural, que é aquela que coloca o indivíduo ou uma comunidade como protagonista, diferindo grandemente do conceito de animação cultural, está intimamente ligada à concepção de cultura na dimensão antropológica: Na dimensão antropológica, a cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas. Desta forma, cada indivíduo ergue à sua volta, e em função de determinações de tipo diverso, pequenos mundos de sentido que lhe permitem uma relativa estabilidade. (BOTELHO 2001 apud CARVALHO, 2014, p. 7)

Diante dos conceitos propostos até aqui, acreditamos o bibliotecário, dentro das possibilidades, deva dar prioridade ao desenvolvimento da ação cultural: Na ação cultural o agente prepara as condições e fornece os recursos que propiciem o desenrolar e o avanço da produção cultural, deixando que os membros dos grupos exerçam o papel de sujeitos do processo de criação. Nela o indivíduo é o CRIADOR, e tem autonomia para escolher com ampla liberdade os meios e técnicas que prefere utilizar no ato criativo [...] a ação cultural interessa tão somente o desenvolvimento da subjetividade humana e o auto aperfeiçoamento dos sujeitos. Assim sendo, a ação cultural se realiza dentro dos princípios da prática da arte, de caráter libertário e questionador, que não se restringe a trabalhar com o já estabelecido, mas, ao contrário, procura incessantemente o “vir-a-ser”. (CABRAL, 1999, p.40)

Porém, por conta da complexidade da ação cultural, o bibliotecário pode considerar a questão da fabricação cultural, considerando-se suas particularidades,

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que visam um projeto pré-determinado, com início, meio e fim, onde o agente cultural determina as ações com um objetivo final, que pode ser a fabricação de um produto. Diante de todas essas considerações, (Cabral 1989, p. 27) faz alguns apontamentos para o desenvolvimento de ações culturais valorosas: a) Que os indivíduos não sejam apenas receptores, mas sujeitos da criação cultural; b) A elaboração da cultura com o povo e não para o povo; c) Facilitar a utilização de instrumentos adequados ao desenvolvimento da capacidade criadora dos indivíduos; d) A desalienação da cultura e a busca de uma identidade cultural; e) A democratização da cultura.

A informação é um dos principais insumos para o desenvolvimento de qualquer projeto cultural em uma biblioteca. Porém não estamos nos referindo à informação contida em suportes, a ideia de informação aqui vai além: quando o conteúdo faz sentido ao sujeito ou à sua comunidade, que leva não só à leitura mecânica, mas propõe reflexões, questionamentos, ou seja, quando o insumo informacional se transforma em conhecimento. Acerca dessa questão, Almeida (1987, p. 34) nos alerta para a diferença entre disseminar informação e dar acesso à esta, considerando a questão de desenvolvimento de projetos culturais em bibliotecas: O bibliotecário precisa compreender que disseminar informação é diferente de dar acesso. Disseminar está mais voltado ao consumo; é papel da animação. Funciona como instrumento de estímulo ao obrigatoriamente, consumo da informação mas não envolve, reflexão sobre o significado dessa informação no contexto social, nem discute as implicações da posse dessa informação. Dar acesso é parte da ação sócio-cultural, do processo de desenvolvimento de uma comunidade. Implica fornecer todos os meios para que a comunidade se aproprie da informação, encarada essa apropriação como o resultado de um processo dentro do ciclo informação-reflexão-expressão (ação/criação).

Frente a isso, podemos considerar que o trabalho de mediação realizado pelo Bibliotecário Agente Cultural é extremamente complexo e requer desse profissional um engajamento na causa que transpõe apenas o desejo de ser um ator capaz de

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causar transformações no tecido social. Desse modo, nos questionamos se os cursos de Biblioteconomia estão aptos de formar profissionais com esse perfil multifacetado. Acerca dessa questão, consideramos a reflexão de Almeida (1987) que avalia que o bibliotecário não deve ser o profissional que sabe só de biblioteca, que está apto através de várias ferramentas trabalhar com a informação, o bibliotecário deve buscar formas para que essa informação seja poderosamente transformadora para o seu público e completa: “É também indispensável que ele conheça seu usuário real e potencial, saiba de suas relações com a informação, com a biblioteca e com as outras pessoas, E isso não se aprende no Curso de Biblioteconomia [...]” (ALMEIDA, 1987, p.36). Acreditamos ser imprescindível para o bibliotecário que deseja atuar na área cultural, que considere constantemente a formação continuada, ou seja, durante e após a sua graduação busque formas para promover a sua atualização enquanto profissional, considerando que: Não se espera do agente cultural bibliotecário que seja uma pessoa com várias especializações, habilidades e qualidades excepcionais; o que se requer é um profissional versátil e com uma visão abrangente de cultura, alguém que tenha uma aguda consciência dos valores culturais e, sobretudo, um compromisso social com a profissão [...] (CABRAL, 1999, p. 43).

Além de todas as questões aqui elencadas, é de suma importância que o bibliotecário desenvolva um trabalho integrado com profissionais de outras áreas, buscando parcerias e primando por uma relação horizontal, com foco na comunidade do seu entorno, não importando a tipologia de sua biblioteca: se pública, escolar, universitária ou uma biblioteca do CEU. O que bibliotecário deve se conscientizar de seu papel como agente promotor de transformação da realidade, considerando que o seu público-alvo sempre deve ser o protagonista de qualquer ação cultural proposta.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Através do desenvolvimento deste trabalho pudemos entrar em contato com a riqueza de possibilidades que se descortinam para a atuação do bibliotecário junto ao público da EJA. Todo o panorama histórico apresentado acerca da educação com foco no público jovem e adulto, ilustra que as políticas educacionais em nosso país passaram por diversas fases até iniciar uma verdadeira compreensão do indivíduo que retoma seus estudos tardiamente: não basta alfabetizar, não basta decodificar, é necessário considerar que esses indivíduos são seres sociais complexos e que toda sua história de vida deve ser considerada para a construção de cidadãos críticos, pois só assim há esperanças para a transformação de suas vidas. No que se refere à leitura, constatamos que o simples ato de oferecer livros aos neoleitores não é suficiente para formarmos leitores completos, deve-se refletir sobre a possibilidade de ir além, ou seja, não basta simplesmente o ato da leitura, esses cidadãos devem compreender, refletir e criticar; assim, consideramos de suma importância a presença de um mediador, que pode ser o professor e por que não o bibliotecário? O que averiguamos em nossa pesquisa é que o hábito da leitura muitas vezes é proposto simplesmente como uma atividade encerrada nas paredes da sala de aula, nos parece que é só uma ação que deve ser desenvolvida pelo professor. Na prática, observamos através de nossa visita à biblioteca do CEU Parque São Carlos, que o bibliotecário é peça-chave em propor ações que não só estimulem a leitura como uma ação obrigatória, mas pode através de estratégias criativas aproximar o público da EJA, propondo projetos culturais que considere a realidade de vida desses indivíduos. Nos surpreendemos ao constatar que instituições como a IFLA, de longa data já se preocupam com a questão de oferecer materiais adequados à pessoas com algum tipo de deficiência, e que em alguns países, há uma profunda preocupação com o tema, que não se limita na distribuição de livros adaptados: há programas estrategicamente

desenvolvidos

para

atender

essa

demanda,

através

de

desenvolvimento de sites, jornais online, catálogos de literatura adaptada, além de um amplo envolvimento de instituições que apoiam escritores, ilustradores e outros profissionais do mercado editorial com o objetivo de facilitar o acesso e a democratização de acesso de conteúdo adaptado. No Brasil, apesar de algumas

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iniciativas como a Coleção Literatura para todos e a Coleção É só o começo, percebemos que as iniciativas são tímidas e ainda estão baseadas na publicação e distribuição de materiais impressos. Se considerarmos o desenvolvimento das TICs e a grande explosão informacional da atualidade, veremos que ainda estamos muito atrasados no que se refere à inclusão dos neoleitores ou qualquer outro grupo de cidadãos que precisam de material informacional adaptado. A IFLA ainda destaca em suas Diretrizes para Materiais de Leitura Fácil a importância das bibliotecas e dos bibliotecários como agentes facilitadores do acesso aos materiais de leitura adaptada. No Brasil, apesar do governo federal realizar a distribuição de kits com os livros da Coleção Literatura para todos para as bibliotecas públicas em 2007, a ação ficou limitada apenas na distribuição desse material e nada mais. Sem dúvida, uma das experiências mais positivas no desenvolvimento deste trabalho foi conhecermos uma biblioteca do CEU. Nossa ideia inicial era de que, uma biblioteca do CEU era apenas uma biblioteca escolar. Contudo, ficamos surpresos ao constatar a riqueza desses SI, com seu perfil tão abrangente de caráter híbrido, que por vezes pode ser uma biblioteca pública, e em outros momentos assume as responsabilidades de uma biblioteca escolar. A biblioteca do CEU é o epicentro dessas comunidades carentes, é o local onde se pode ler, compreender, refletir, criar; são pequenos centros culturais onde o bibliotecário pode e deve atuar para além do disseminar informação, ele pode dar acesso à um mundo sem fim de possibilidades quando assume o papel de um bibliotecário agente cultural, quando ele toma consciência de que é um mediador que possibilita a significação das informações existentes nessas bibliotecas através de uma relação dialógica com sua comunidade. Pudemos constatar a necessidade de um perfil multifacetado para os profissionais que atuam nessas bibliotecas, eles devem estar em um contínuo processo de aprimoramento não só profissional, mas sobretudo aprimoramento humano! Devem estar atentos ao seu entorno, atentos às necessidades de sua clientela que é geralmente composta de um público carente...carente de informação, carente de relações humanas baseadas na confiança, carente de propostas que os coloquem como protagonistas de seu ambiente social. Um bibliotecário consciente da importância de sua atuação pode através do seu trabalho possibilitar que os adultos da EJA se tornem definitivamente neoleitores do mundo!

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ANEXO A – Cessão gratuita de direitos de depoimento oral

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ANEXO B – Cessão gratuita de direitos de depoimento oral

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