NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL: REPRESENTAÇÕES DE REVISTA VEJA EM 1990

July 19, 2017 | Autor: Ramon Vilas Boas | Categoria: Representação Da Informação E Do Conhecimento
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NEOPENTECOSTALISMO NO BRASIL: REPRESENTAÇÕES DE REVISTA VEJA EM 1990 Ramon Vilass Boas Acadêmico da Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil Introdução

Não há produção cultural que não empregue materiais impostos pela tradição, pela autoridade, ou pelo mercado e que não esteja submetida as vigilâncias e as censuras de quem tem o poder sobre as palavras e os gestos. (Chartier)1

Na seara religiosa, a produção acadêmico-midiática até a década de 80 foi muito tímida2, e ao remeter-se ao ano de 1990, mergulhamos num caldeirão de circunstâncias e acontecimentos religiosos, que não puderam passar despercebidos pelos jornalistas e pesquisadores. Os novos pentecostais emergem num momento em que o mercado editorial brasileiro ultrapassa uma fase de grandes mudanças e adaptações. Grande parte das abordagens produzidas sobre o Movimento Neopentecostal no calor da hora, gerou várias

1

CHARTIER, Roger. Indústria Cultural. pp. 99 Wander de Lara Proença, em sua tese de doutorado: “Fontes para o estudo do Neopentecostalismo: O caso da Igreja Universal do Reino de Deus” UNESP, publicada no CEDAP, V.1, n.1, 2005, p.02. Afirma que só após a década de 80 cientistas iniciaram pesquisas buscando compreender o sucesso pentecostal, sobretudo encomendadas pela Igreja Católica ou por iniciativa de pesquisadores pertencentes a outras Igrejas de tradição cristã, logo apenas ao final do anos 80 início dos 90 com mais de 13 milhões de adeptos sua vertente chamada de neopentecostalismo, tendo como sua principal expressão a Igreja Universal do Reino de Deus – tornou-se objeto de grande interesse da mídia e nas pesquisas acadêmicas. 2

polêmicas, pois diferentemente do que foi publicada, como sugere Freston3, não deve resumirse primordialmente ao campo econômico, mesmo encontrando-se o Brasil numa grande crise. Para dar conta desta compreensão analisaremos as exigências destas concepções ligadas ao contexto sócio-econômico nacional, e as implicações dos meios de informação de massa entendido por Rocha 4 como: “ um gênero de discurso significativo na compreensão da formação do imaginário social a acerca da ciência e sobre as formas de ser e agir na sociedade contemporânea”. Nosso trabalho tem como principal referência a Revista Veja, e suas publicações sobre Religião. E ao situar-se nas interfaces deste contexto já mencionado, focaremos nossa problemática, nas representações produzidas (de acordo com a proposta de Chartier), bem como na análise da produção de um discurso, ora legítimo da Igreja Católica, ora dos Neopentecostais. Com base no conceito Frankfurtiano de Indústria Cultural5, pretendemos então, compreender primeiramente qual o perfil desta mídia, e a partir desta compreensão acompanhar seu movimento nos textos das reportagens, supostamente representado pelos seus editores, jornalistas, e inclusive pelos seus leitores.

A emergência de Veja e o conceito de Indústria Cultural A revista Veja foi criada em setembro de 1968, em plena fase de afirmação da indústria cultural brasileira. Desde os anos 50, a Editora Abril firmava-se, enquanto um conglomerado, diversificando cada vez mais os produtos que editava. Assim, Veja apareceu numa fase em que o jornalismo já possuía um caráter empresarial, num momento conturbado para o mercado editorial, e sendo um dos principais produtos de rentáveis expectativas no

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FRESTON, Paul. “Pentecostalim in Latin América”. In Social Compass. Louvain: Groupe de Sciencies Sociales des Religions. Vol 45, n° 3 .(Tradução: Marionilde Dias Brepohl de Magalhães) 4 ROCHA . Célia Aparecida. Imaginário coletivo construído sobre o corpo pela mídia a partir de 1950. in: X Reunión de la Red de Popularización de la Ciencia y la Tecnología en América Latina y el Caribe (RED POP UNESCO) y IV Taller “Ciencia, Comunicación y Sociedad”San José, Costa Rica, 9 al 11 de mayo, 2007, disponível em: www.fae.ufmg.br/posgrad 5 ADORNO, T. W. A Indústria Cultural.e Sociedade.São Paulo: Paz e Terra , 2002.

mercado, vale ressaltar que suas relações com o governo militar da época era baseado na censura, portanto este periódico semanal é analisado baseado nos estudos de Gazzotti : “Em duas perspectivas que vão nortear suas relações com o governo militar e a produção de sua mensagem: a indústria cultural e a censura. De acordo com esta perspectiva, na produção das matérias estavam presentes, tanto a constante busca de um número maior de leitores, como um posicionamento político que refletia, ainda que em última instância, as visões de seus proprietários.” 6

No Regime Militar, período que foi de 1964 á 1980, a imprensa era rigorosamente controlada pelo Estado, pois o mesmo a mantinha refém usando de incentivos, materializados através das concessões de publicidade, facilidades na importação de equipamentos gráficos para órgãos que se mostravam parceiros, incentivando assim de maneira indireta a quebra daqueles que não atendiam suas exigências, com o objetivo de manter uma imagem não conflituosa para a sociedade. A imprensa era uma área de fundamental importância para manter o seu poder e difundir seus interesses. Inserindo-se então em um contexto de Indústria Cultural, no qual era grande a importância das relações econômicas. Veja nasceu como uma representante da modernização da imprensa no país, baseada nos elementos visuais importados dos Estados Unidos. Ela começou dirigida pelo jornalista Mino Carta. Segundo dados de Gazzoti7, quem idealizou a revista foi Roberto Civita (proprietário da Editora Abril). Veja seria um semanário semelhante a Time, Look ou Life e terminou editada com um projeto gráfico inspirado em Newsweek. As características dos semanários que inspiraram seu surgimento foram a grande quantidade de anúncios e propagandas, responsáveis pela receita da revista e uma variedade de informações para abarcar um número amplo de leitores, ou seja, um ecletismo destinado a atingir um público heterogêneo.8 6

GAZZOTTI, Juliana. (Dissertação de mestrado) Imprensa e ditadura: A Revista Veja e os Governos Militares, UFSC, São Carlos, 1998 7 GAZZOTTI, Juliana. (Dissertação de mestrado) Imprensa e ditadura: : A Revista Veja e os Governos Militares, UFSC, São Carlos, 1998 8 “A história secreta de Veja”, in: Imprensa , São Paulo, setembro de 1998, p. 78

Com a estrutura gráfica já montada, e um Departamento de Documentação, a Editora Abril, resolveu materializar o projeto editorial da revista Veja, após o sucesso da revista Realidade. Este projeto inicial previa uma tiragem de mais de 200.000 exemplares com 25 páginas de publicidade, o seu primeiro número vendeu aproximadamente 650.000 exemplares, porém o segundo número vendeu 250.000, decrescendo vertiginosamente atingindo uma tiragem abaixo de 40.000, com um prejuízo de 1 milhão de dólares ao ano, só depois de 2 anos de existência é que a Veja deixou de dar prejuízos segundo dados de Gazzotti9. Só a partir de 1971, as vendagens começaram a crescer e foi implantado o sistema de assinaturas. Passando a ter um lugar especial na Editora Abril, Veja então, começou a se destacar no mercado brasileiro. Diante de tais acontecimentos, percebemos o caráter mercadológico deste veículo de informação. Logo as expectativas do leitor eram consideradas importantes, a intenção era vender, investia-se na diversidade de reportagens formadas por variadas seções tratando de diferentes assuntos, aumentavam suas chances de abarcar maior número de consumidores. Segundo teoria da Escola de Frankfurt na Indústria Cultural, a busca da integração vertical de seus consumidores, não apenas adapta seus produtos ao consumo. Adorno afirma: “a indústria cultural é a integração deliberada, a partir do alto, de seus consumidores, (...) Uma ordem objetivamente válida que se quer impingir aos homens porque eles estão privados dela, não tem nenhum direito, se ela não se fundamenta em si mesma e no confronto com os homens; e é precisamente isto o que todo produto da indústria cultural rejeita. As idéias de ordem que ela inculca são sempre a do status quo”10

Dessa forma delinearemos o perfil da mídia a qual estamos analisando, e antes de trabalhar suas representações na constituição do imaginário social com base nos conceitos de

9

GAZZOTTI, Juliana. (Dissertação de mestrado) Imprensa e ditadura: A Revista Veja e os Governos Militares, São Carlos, 1998 10 THEODOR. Adorno. “A indústria Cultural” In: Gabriel Cohn (org) , Comunicação e indústria cultural, São Paulo, t. ª Queiroz Editor, 1987, p. 287

Chartier 11, vale ressaltar que os frankfurtianos não reduziram a comunicação num processo unidimensional no qual a “Indústria Cultural manipula seus consumidores” logo, os mesmos não desconsideram possuir os leitores uma suposta consciência, e reiteram que os meios de comunicação de massa mais “reforçam” do que “mudam” a visão prévia das pessoas e considera-se inclusive, influências sofridas pelo seu meio social. Reportagens que depreciariam os Neopentecostais, por exemplo, de maneira alguma os fariam mudar abruptamente de religião. Em um estudo sobre comunicação de massa, feito por Katz12 ele afirma que as influências pessoais exercem maior efeito nas decisões. Portanto, estes meios de comunicação de fato não defendem uma causa com a pretensão de transformação (ainda que pequena) da sociedade, renunciando seus objetivos sociais quando os mesmos se mostram incompatíveis com os lucros econômicos. A forma como Veja expõe o Neopentecostalismo muda a cada reportagem, para melhor configurar o que estamos falando, vejamos um trecho datado de Março/1990 e outra reportagem de Outubro/1990: “Dinheiro no altar” era seu título, segue: [...] a aposentada carioca Maria Pureza da Silva de 70 anos, morreu de enfarte num culto gigantesco[...] em vez de chamar um ambulância e socorrer a aposentada, os líderes da seita submeteram Maria Pureza a rituais religiosos – e há suspeita que isto possa ter agravado seu estado de saúde [...] O Reino de Deus possui uma máquina azeitada para arrecadação de dinheiro. No culto do Maracanã no qual morreu a aposentada Maria da Pureza, foram arrecadados 30 milhões de cruzeiros – carregados em grandes sacos na saída do estádio [...] “ Na Umbanda, o diabo toma conta das pessoas”, diz o metalúrgico Antônio Soares, 44 anos um dos fiéis da Igreja do Reino de Deus em São Paulo. No Rio de janeiro o pastor Edir responde a um processo por incitamento a violência num de seus programas de rádio. Ele é acusado de mandar seus fiéis perseguir umbandistas [...] A Igreja católica está coalhada de comunistas e não fará pregação em minha emissora, diz o pastor Edir. A seita está

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CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia – A História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002. 12 KATZ, Elihu. “O estudo da comunicação e a imagem da sociedade”, in: Gabriel Cohn, pp 155-161

investindo 8 milhões de dólares na nova fase da TV Record[...]...13 (grifo meu)

Neste primeiro fragmento do dia 25/04/1990, é utilizada uma foto do pastor Edir, fazendo careta, onde remeteria uma situação de estar fazendo contas nos dedos, e ao lado desta mesma foto, tem outra, onde mostra 7 “obreiros” carregando grandes sacos, os quais afirmam ser de dinheiro.

6 meses depois esta mesma revista publicou: “Com um estilo de animador de auditório, Edir Macedo lota estádios e se torna o mais popular dos pastores”, e segue: [..] No feriado da segunda feira da semana passada, enquanto os católicos de todo o Brasil comemoravam a festa anual de sua padroeira[...] o pastor carioca Edir Macedo, 45 anos, fundador e chefe supremo da Igreja Universal do Reino de Deus, mostrava que é hoje no país o líder religioso da moda [..] segundo cálculos da Polícia militar ele reuniu, 150.000 fiéis no estádio do Maracanã [...] “Edir está aparecendo porque é bom comunicador” diz o pastor batista Fanini. Dono de uma grande influência verbal, usando de imagens acessíveis a massa, o líder da Igreja Universal tem um completo domínio em cena.[..] Edir fez uma reforma a sua moda no pentecostalismo – e talvez esteja aí outra explicação para seu sucesso.”Na igreja Universal

13

Veja 25/04/1990, pp 50

não se enfatiza moralismo” explica Mariano. “Nós não proibimos nada, nossos fiéis são livres”, avaliza Edir.[...] 14 (grifo meu)

Já no segundo fragmento do dia 17/10/1990, as imagens mudam de conotação, desta vez o pastor Edir é flagrado em um momento de oração erguendo suas mãos aos céus, e na outra página, fotos de fiéis felizes, também com suas mãos para o alto representando estar em momento de sublime oração.

Nestes dois fragmentos é muito perceptível a mudança de discurso, de vilão, o líder da Igreja Universal do Reino de Deus passa assumir o papel de bom rapaz, percebe-se que as imagens utilizadas nas páginas destas reportagens carregam algumas representações. Sem deixar de inferir suas opiniões, este periódico, mesmo não sendo um órgão ideológico, posiciona-se ideologicamente, e tendo seus cargos de direção ocupados em sua grande maioria por católicos, não segue na totalidade das suas linhas, uma postura católica, logicamente o fazia até o momento em que não provocasse prejuízos econômicos. Tendo em vista este panorama podemos notar a seção Cartas, tida como um espaço direcionado aos seus leitores, onde manifestam suas opiniões em forma de cartas, emails, ou fax. Todas as correspondências recebidas servem como termômetro para avaliação

14

Veja 17/10/1990, pp 52 -53

da aceitação dos seus conteúdos, as quais são todas cuidadosamente selecionadas e publicadas algumas. A seção de cartas publicou em 09/05/90, uma manifestação sobre a primeira reportagem que noticiavam os Neopentecostais, (“Dinheiro no altar” 25 de abril de 1990): Até quando as pessoas vão ser enganadas por seitas e as autoridades vão ficar de olhos fechados? leitor de Recife-PE. Na semana seguinte Veja publica a capa mais comentada do ano, (Guerra Santa, de 16 de Maio de 1990), que por sua vez, na referida Seção de Cartas, foi o centro das críticas por parte de leitores católicos durante inéditas 4 semanas consecutivas, vale ressaltar que nesta seção o espaço concedido ao leitor, para críticas ou elogios das reportagens, gira em torno da capa publicada preferencialmente na semana anterior sem maiores prolongamentos do assunto. Com o objetivo de manifestar ao seu público como andava o pensamento de seus leitores, de abril a dezembro do referido ano, Veja publicou somente nesta seção, 43 inserções sobre religião, das quais, 38 eram sobre reportagens referentes aos Neopentecostais, dentre estas, apenas 2 eram de imparcialidade, (exigindo respeito a liberdade religiosa), nenhuma publicação a favor dos novos pentecostais, e todas as demais 36 manifestações eram de completo repúdio, como estas: “É deplorável a situação em que se encontram as camadas mais baixas da população brasileira. È fácil compreender como as pessoas como Edir Macedo tem a capacidade de manipular o povo, tornando a todos fanáticos religiosos semelhantes aos da Idade Média, quando a igreja católica vendia passagem para o céu.” (Leitor C)15

E esta outra:

15

Veja. Seção de Cartas, 30/05/90 pp. 09 (leitor de Belo Horizonte-MG)

“O aparelhamento político partidário da igreja do Brasil fechou as portas para a espiritualidade, impelindo o povo humilde para as garras dos vendedores de fé” (Leitor D)16

Adorno chama de Indústria Cultural o que anteriormente se chamava “Cultura de Massas”, não sendo um tipo de cultura que surja espontaneamente do povo, nem tão pouco o que se pode conceber “cultura popular”. Seria, contudo, uma cultura dirigida ao consumo das massas segundo um plano pré-estabelecido, seja qual for a área para que esta produção se dirija, é importante lembrar que há uma estreita relação entre a produção e o consumo, a primeira determinando o que deve ser consumido e vice-versa. Assim como numa estratégia de marketing o objetivo é levar este produto ao consumidor da melhor maneira, pra Indústria Cultural tanto faz, se este produto (reportagens) irá para Neopentecostais, ou Católicos. Uma outra questão tratada por estes estudiosos do fenômeno da comunicação de massas, é a qualidade dos produtos da indústria cultural, que “são feitos para impedir a atividade mental do espectador, se este não quiser perder os fatos que lhe passam rapidamente pela frente”17 (Horkheimer – Adorno), dando um conhecimento de um todo aparente, a Indústria Cultural usa a tática dos estereótipos, para atingir o leitor, que é colocado na situação de absorver estas informações, levando-os a agarrarem-se a clichês que parecem conferir uma certa compreensão das coisas, que de outra forma pareceriam ilegíveis. Percebe-se isto, pelo discurso de alguns leitores publicados por Veja: “ “”A fé que move multidões””(reportagem de Veja) confirma o crescimento evangélico no Brasil, mas à custa, ultimamente de um tumor: Os movimentos pentecostais personalistas, sem base teológica e bíblica séria, sem fundamentação ética responsável, sem controle conciliar.” (Leitor A)18 (grifo meu)

“Congratulo Veja pela imparcialidade com que veiculou as informações sobre as diversas facções evangélicas” (Leitor B)19 (grifo meu)

16

Veja, 06/06/1990. Seção de Cartas, (leitor de Belo horizonte-MG) Wolf, Mauro, Teorias da comunicação, Lisboa, Editorial Presença, 1992, pp137 18 Veja, 06/06/1990, seção de cartas, (leitor de Florianópolis-SC) 19 Veja, 06/06/1990. Seção de Cartas, (leitor de Barra dos Coqueiros-SE) 17

O leitor, levado pela manipulação de informações, absorve o discurso da mídia, construindo sua concepção, sem assumir uma postura crítica diante do que lhe é imposto como verdade. Chega até, como no fragmento acima, a congratular a revista por adotar o que ele entendia por imparcialidade.

O Cenário Nacional,os Neopentecostais e Veja

O movimento pentecostal surgiu no Brasil desde 1910-1911, subdividindo-se, num conceito dado por Freston20, em três ondas: a primeira chamada de Pentecostalismo Clássico, originário da fundação das Igrejas Assembléia de Deus e Congregação Cristã do Brasil, por volta de 1910 a 1950, a segunda surgida a partir de 1950 dando origem a Igreja do Evangelho Quadrangular, Igreja Brasil para Cristo e a Igreja Pentecostal Deus é Amor, em seguida a terceira e última onda, chamada de Neopentecostalismo, tendo início na segunda metade dos anos 70, genuinamente brasileira, representada principalmente pelas Igrejas: Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra (1776 GO), Igreja Universal do Reino de Deus (1977 RJ), Igreja Internacional da Graça de Deus (1980 RJ), e a Igreja Apostólica Renascer em Cristo (1986 SP), que emergem num Brasil de contexto econômicos-políticos e sociais conturbados. Florescendo principalmente no ano de 1990, este movimento, despertou a atenção da sociedade brasileira principalmente quando é noticiado em primeira mão, pela Revista Veja, que em sua edição de 25 de abril de 1990, deu início a uma série de 11 reportagens, ao perceber que, uma igreja fundada há apenas treze anos (Universal do Reino de Deus), lotou o Estádio do Maracanã no Rio de Janeiro, com nada menos que 150.000 fiéis no feriado da páscoa, implantou mais de 700 templos espalhados pelo país, comprou 14 emissoras de rádio, uma construtora no Rio de Janeiro, uma gráfica, e desde o início do mês de abril de 1990, arrematou por U$ 45.000.000,00 uma das principais redes de televisão paulista (a Rede Record).

20

FRESTON, Paul. Breve História do Pentecostalismo brasileiro. In: Nem anjos nem demônios interpretações sociológicas do Neopentecostalismo: Editora Vozes, Editora Vozes, 1994, Pg 67, 69, Petrópolis

O Brasil em 1990 enfrentava grandes dificuldades econômicas, instabilidade, inflação, salários baixos, a pobreza era latente. As tabelas a seguir permitem uma visão do perfil do trabalhador de um salário mínimo. No início dos anos 90, perto de 22% dos trabalhadores recebiam até um mínimo; na região Nordeste, essa parcela atingia 38%, no mesmo período. Embora a proporção dos que ganha a remuneração mínima tenha se reduzido ao longo da década de 80, é preciso lembrar que o valor real do salário mínimo caiu significativamente. Isso significa que o trabalhador que recebia esse salário, em 1990, era mais pobre do que aquele remunerado pelo mínimo em 1985 ou 1989. Tabela 1 - Distribuição dos trabalhadores com salários até um salário mínimo, por região Brasil- 1985,1989 e 1990 ( em %) Regiões Ano

Norte(1)

Nordeste

Sul

Sudeste Centro-Oeste

Brasil

1985

21,2

44,4

20,2 24,2

26,3

29,1

1989

19,0

41,1

17,0 18,5

23,8

24,6

1990

16,0

37,6

14,3 15,9

18,9

21,6

(1) Exclusive a população rural da região Norte FONTEIBGE. PNAD,1985,1989,1990 Elaboração: DIEESE

Segundo pesquisas da DIEESE no Plano Collor (1990), o salário mínimo chegou ao mais baixo dos últimos 50 anos, decorrente uma inflação de 24%. A Veja, relaciona os Neopentecostais, com o clichê de que eles são uma linha protestante da “religião dos pobres”, e sobre esta explosão Neopentecostal cita: O que se viu, porém, foi uma reação inesperada: as massas empobrecidas preferiram ouvir os evangélicos em vez de prestar atenção a retórica dos teólogos da libertação. Afinal os padres, de esquerda exortavam os miseráveis a uma maior participação, enquanto o bloco dos evangélicos tinha mensagem muito mais simples e melhor, apelam para conquistas que pessoas podem realizar já neste mundo, no plano concreto, como maior disciplina, sucesso no combate aos vícios, como na aquisição de bens materiais. ““ A miséria é do diabo, a riqueza é um dom de Deus “”, reza sua

cartilha. Não deu outra os templos evangélicos ficaram super lotados. 21

(grifo meu)

Segundo Galindo22, essa perda de fiéis católicos, está diretamente relacionada a forma que as classes mais baixas entendem e vivem a fé, cansados de teorizações, estes não possuem livros, e mesmo se dispusessem não teriam tempo e preparação para estudá-los. Buscando uma religião que dá pouca importância ao fator intelectual, e muita ao emocional e aos sentimentos, seria óbvio este conseqüente refúgio para uma liturgia em que os seus líderes falassem sua língua, e todos os conceitos apregoados tenham uma comprovação empírica, legitimados pelos valores da própria cultura. O Neopentecostalismo também representa este tipo de cristianismo desinteressado na doutrina, focado no emocional, e na vivência do sobrenatural, para eles são muito importantes os sinais, como falar em línguas, curas e exorcismos. Fazendo um parâmetro com os católicos a revista Veja expõe, qual seria o suposto diálogo, (entendido por eles) dos fiéis Neopentecostais e Católicos, com a questão das ofertas e doações em dinheiro: CATÓLICOS: O dízimo não é obrigatório. Mas há cobranças de taxas pela sagração do batismo, do casamento. Colégios Católicos também buscam o lucro com suas atividades. NEOPENTECOSTAIS: Além do dízimo, pedem-se contribuições voluntárias na forma de oferendas durante os cultos. Os fiéis são bombardeados com a idéia de que a prosperidade só virá se suas contribuições para a Igreja forem generosas. 23 (grifo meu)

As promessas de vida abundante atraem centenas de pessoas para esta nova tendência, de fato, em meio a insuficiência do governo, com grandes problemas econômicos, e sociais, bem como de infra-estrutura, e com a aceleração da urbanização, encontrava-se uma outra questão que era o processo migratório, sentido Campo/Cidade, eixo Norte/Nordeste – Sul/Sudeste que permitia uma grande quantidade de mão de obra excedente, gerando desemprego, mais pessoas marginalizadas, e o surgimento das favelas e periferias, local onde 21

Revista Veja, de 16 de Maio de 1990, pp 47 e 48 GALINDO, Florencio. O fenômeno das seitas fundametalistas, Petrópolis, Ed. Vozes, 1995, pp 190-191 23 Revista Veja, 16 de Maio de 1990, pp. 50-51 22

os neopentecostais, também se mostram presentes. Tal processo afeta diretamente o povo, que encontra na Igreja um refúgio aos seus problemas, o corporativismo, a idéia de irmandade, as atividades assistenciais, e as promessas de vida próspera, segundo Cecília Loreto24, era um verdadeiro “Ópio” a seus conflitos. Segundo dados do IBGE, o número de evangélicos no Brasil cresceu exponencialmente, principalmente a partir do final dos anos 80, em 1940 perfaziam apenas 2,6% da população brasileira, avançaram para 3,4% em 1950, 4% em 1960, 5,2% em 1970, 6,6% em 1980, 9% em 1991, e chegando aos 15,4% em 2000, somando 26.184.941 de pessoas25.

Multiplicação dos evangélicos/milhões 18 16 14 12 10

Multiplicação dos evangélicos/milhões

8 6 4 2 0 1950

1960

1970

1980

1990

Fonte: IBGE

O gráfico se refere a evangélicos de uma maneira geral, sendo que, destes, 80% eram Neopentecostais. No final da década de 90, o número de evangélicos no Brasil chegava na casa dos 16 milhões, porém, mesmo com toda ênfase dada ao agravamento da miséria por parte da

24

LORETO, Cecília. Encontros e Desencontros entre Católicos e Evangélicos no Brasil: ver SANCHIS, Pierre. Fiéis e cidadãos, Percursos de Sincretismo no Brasil. Ed. Uerj, Rio de Janeiro. Pág 87-102 25 Segundo os Censos Demográficos, os evangélicos apresentaram as seguintes taxas de crescimento médio anual entre 1940 e 1991: 4,9% nos anos de 1940, 4,7% nos de 1950, 5,3% nos de 1960, 4,9% nos de 1970 e 4,8% nos de 1980

revista Veja,

não deve ser considerado como o principal fator para a compreensão da

multiplicação Neopentecostal. Porém em 1990 a Revista afirma que: “mais de 80% ganham entre um e dois salários mínimos e a maioria deles veio do campo para tentar a vida na cidade”26

A pobreza urbana é apontada como um fator importante para este processo, segundo Veja: “O ponto central da questão é a urbanização veloz”, explica Antônio Gouveia Mendonça

professor de ciência da religião do Instituto

Metodista de São Bernardo[...] Mendonça observa que as igrejas evangélicas , mais organizadas , como a Assembléia de Deus por exemplo, armam uma rede de proteção em torno dos fiéis.segundo um pesquisador inglês David Martin, as pessoas gritam e choram nos cultos deixando ali boa parte de suas frustrações.”

27

Freston nos permite um aprofundamento ainda maior da compreensão do crescimento pentecostal, advogando que as dimensões da conversão, (ou seja, a mudança ou permanência na Cultura Religiosa), inferem mesma importância, tanto os aspectos econômicos, sociais, políticos, quanto os culturais, segundo ele: A religião é ambivalente e oferece coisas a diferentes indivíduos (...) O pentecostalismo é flexível e é improvável haver uma única razão para seu crescimento (...) é necessário levar-se em conta não apenas os fatores econômicos, e políticos, mas os sociais, culturais, étnicos e religiosos; não apenas o nível macro (quais são as configurações favoráveis a conversão), mas também o nível micro (porque estas pessoas com estas características se convertem)28

26

Veja 16/05/1990 pp.51 Veja 16/05/1990 pp. 50 28 FRESTON, Paul. “Pentecostalim in Latin América”. In Social Compass. Louvain: Groupe de Sciencies Sociales des Religions. Vol 45, n° 3 .(Tradução: Marionilde Dias Brepohl de Magalhães) 27

Logo, esta imagem apregoada pela Veja em seu discurso, recortes e imagens, caracteriza-se, como considera Chartier:

Um instrumento de conhecimento imediato que revela um objeto ausente, substituindo-o por uma imagem capaz de trazê-lo á memória e pintá-lo tal como é [...] entendida como correlação de uma imagem presente e de um objeto ausente, uma valendo pelo outro29 (grifo meu)

Na perspectiva dos estudos culturais, a representação implica modelos da realidade construídos a partir de relações de poder, ou seja, o que importa, efetivamente, são as relações de poder, que constituem “realidades” nos sistemas de significação. Nesse sentido, a linguagem ocupa um lugar fundamental, já que ela gera representações, conseqüentemente, e atua na produção do real. A associação do movimento Neopentecostal à pobreza, evidencia o discurso Católico Tradicional da revista, que ao longo do ano, em suas matérias, tenta depreciar o crescimento das Igrejas Neopentecostais, imputando a elas, certo charlatanismo. “Foi a sexta concentração da Igreja Universal no Maracanã, em quatro anos, e a terceira no Pacaembu, em dois anos, todas com audiência monumental. Há outra colheita monumental nas concentrações regidas por Edir – dinheiro que ele arranca dos fiéis com uma facilidade impressionante --. Na concentração do Maracanã, oficiais da polícia militar que testemunharam a assembléia, calcularam uma arrecadação de 60 milhões de cruzeiros.”30 (grifo meu)

Analisar a representação de Cultura Religiosa a partir do ponto de vista da comunicação que infere na construção do imaginário social, é investigar o processo que confere sentido ao porque da preocupação referente ao inchasso repentino das denominações Neopentecostais nos seus cultos, nos quais é evocado a presença do “espírito santo”, tal qual

29

CHARTIER, Roger. À Beira da Falésia – A História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre: Editora da Universidade, 2002.pp. 74-75 30 Veja. 17 de outubro de 1990. pp. 52

segundo a Bíblia, aconteceu no dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo teria aparecido aos apóstolos na forma de línguas de fogo.31 Compreender o imaginário social, através destas reportagens torna-se fácil no momento em que este discurso é vendido com êxito, a partir da perspectiva de que as idéias propagadas não confrontam a conjuntura ideológica vigente, Veja por sua vez, vem refletir ou mesmo reforçar a ideologia de maior parte da sociedade. Diante disto, segundo estudos de Machado 32, o conceito de ideologia é pertinente para compreendermos a constituição e o funcionamento do sujeito e de suas identidades. Contudo pensar conteúdos ideológicos de uma cultura é considerar em um dado contexto, como os sistemas de valores e as representações de que estes conceitos estão imbuídos, estimulam os processos de resistência ou aceitação do status quo. Ressalto que se deve levar em conta suas proporções, relacionando-a com o público atingido. Outro aspecto que cabe salientar, é que esta relação irrestrita dos neopentecostais com a miséria publicada por Veja em todas as suas páginas durante não só o ano de 1990 torna-se um descompasso a partir do momento em que estas Igrejas Neopentecostais, e referindo-se especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus, cobram dos seus fiéis colaborações maciças para o que eles chamam de “Obra de Deus”, são além dos dízimos, ofertas especiais, doações voluntárias, e contribuições para a manutenção das emissoras de rádio e televisão, quase que diariamente, logo esta suposta “extorção” praticada pelos líderes religiosos nunca afugentou seu rebanho que cresceu ainda mais ao final do século, todavia, muito mais do que o fator econômico os mantinha inserido nestes grupos, sobre isto informa Mariano: “Outro fator importantíssimo do acelerado crescimento da Universal consiste em sua acentuada capacidade de arrecadar recursos, superior à das demais igrejas, como comprovam dados da pesquisa Novo Nascimento, realizada no Grande Rio de Janeiro pelo Instituto Superior de Estudos da Religião. Ao indagar os fiéis sobre a contribuição financeira que fizeram num determinado mês de 1994, a 31

Atos dos Apóstolos : 2; 1 - 4 MACHADO. Anna Carolina Cabral de Andrade, Identidade e Estilos de Vida nas Revistas Masculinas: Uma Questão de Gênero. XXVIII Congresso Brasileiro de Ciência da Comunicação, disponível em www.scielo.com.br. 32

pesquisa do Iser revelou que os adeptos da Universal contribuíam mais e em maior proporção do que os da Assembléia de Deus: 27% dos fiéis da Universal fizeram doações que ultrapassaram o valor do dízimo contra apenas 14% dos assembleianos; 17% dos seguidores de Macedo doaram quantias menores que o dízimo contra 25% da Assembléia; 24% dos primeiros não deram contribuição alguma contra 33% (um terço) dos últimos; houve empate apenas entre os que contribuíram

valor

equivalente

ao

dízimo:

24%

e

23%,

respectivamente (Fernandes, 1996, p. 39). Entre as igrejas pesquisadas pelo Iser, os fiéis da Universal foram os que mais contribuíram com valores acima do dízimo.”33

Veja, exibe uma suposta Ética Neopentecostal (variante da Ética Protestante) presente na comunidade evangélica, onde só quem sai ganhando são seus líderes. A idéia seria que enquanto o protestantismo tradicional liberou o cidadão comum da culpa de acumulação de capital privado, as novas seitas pentecostais liberaram a acumulação privada de capital através da igreja. A maior ligação entre o espírito empresarial e a organização religiosa, neste caso, propiciaria a adoção de novas práticas, como estratégias de comunicação através, da adesão de sistemas de franquia, uma maior ligação entre a política e a igreja entre outras, Veja publica: “Nas suas concentrações, Edir costuma dirigir-se aos fiéis com um sloogam, repetido com ligeiras variações. “”No pedido, o maior; na oferta, a melhor; Deus recompensa a quem da com alegria”” convida ele. Não é á toa que o líder da Igreja Universal constrói um império . Ex-funcionário da Loterj, a loteria do Rio de Janeiro, ele fundou sua seita a apenas treze anos, nos fundos de uma funerária carioca, e hoje controla 850 templos espalhados pelo país e sete no exterior. No final deste mês, abrirá suas portas em Moscou a primeira igreja de Edir na União soviética. “”Construímos templos quase todos os dias””, festeja o pastor.”34

33

MARIANO. Ricardo. Expansão Pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal, Revista Estudos Avançados, disponível em www.scielo.com.br ,acessado em 15/09/08 34 Veja. 17 de outubro de 1990, pp. 52

O fragmento abaixo, reflete a representação de ligação do Neopentecostalismo ao apelo econômico, logo, a promessa de vida abundante aliada ao assistencialismo social teria um público certo: “O bom servo de Deus é uma pessoa que busca melhorar de vida, é assídua no trabalho, incansável e estudiosa” diz o pastor Paulo Lutero de Melo e Silva, que na semana passada sucedeu o pai[...] líder da Igreja Pentecostal o Brasil pra a Cristo – que tem 5.000 templos e 1 milhão de fiéis no país [...] Os pastores evangélicos não escondem seu orgulho de ver a igreja que comandam e eles próprios prosperarem financeiramente.Tem-se aí um caldo de cultura favorável ao surgimento de falsos líderes, prontos a usar as técnicas de pregação em benefício do próprio bolso. Exatamente por essa razão que são raras as capitais brasileiras onde pelo menos um pastor não esteja sendo alvo de um processo criminal por charlatanismo, enriquecimento ilícito e atentado á economia popular.” 35 (grifo meu)

Segundo Chartier, os discursos historiográficos (midiáticos) são determinados pelos interesses dos grupos dominantes (editores). Esta imagem de religião dos pobres perdurou durante muito tempo, (segundo pesquisa da Fundação Getúlio Vargas 36). Considerando papel da educação como o principal determinante observável dos diferenciais de renda dos brasileiros e ao comparar o rendimento de pessoas de diferentes religiões, mas iguais atributos socioeconômicos, revelam que de 1985 a 2004, a renda familiar per capita de evangélicos e sem-religião são 6,9% e 6%, respectivamente, inferiores às dos católicos. Similarmente, os diferenciais da renda do trabalho principal são 2,6% e 1% menores, também contradizendo a mera transposição da hipótese weberiana ao contexto brasileiro atual. Todavia, esta diferença seria mínima, contraposta ao abismo imposto pelas representações de Veja. Contudo, afirmo que nosso objetivo nesta pesquisa não seria buscar compreender o nível micro, ou seja, os porquês dessas pessoas com estas características se converterem ao Neopentecostalismo, logo estamos analisando os signos de um periódico que pintou uma explicação reducionista que partiu apenas do macro, no que tange ao crescente 35 36

Veja. 16 de Maio, 1990 pp. 50 e 51. Disponível em www.fgv.br acessado em 17/07/2008.

escoamento dos fiéis católicos para seitas dos recentes pentecostais no ano de 1990, levando aos leitores uma resposta pronta, tida como verdade absoluta, desconsiderando os demais fatores que baseados nos estudos de Freston, julgamos importante.

O Discurso de Veja, influenciado pelo catolicismo, é evidenciado em algumas reportagens na seção “religião”: pois quando não ataca os Neopentecostais, discute normas internas da Igreja Católica, com uma perspectiva de que grande parte de seus leitores estivessem inseridos nesta estrutura, as notícias eram supostamente direcionadas aos súditos do papa, como por exemplo: O arcebispo contra-ataca: Dom Paulo Arns vai a Roma tentar reaver as dioceses perdidas no momento em que se cogita criar uma nova arquidiocese em São Paulo;37 Cartilha da Discórdia: A santa Sé divulga o projeto do novo catecismo católico que desagradou á maioria dos prelados americanos e brasileiro;38 A Volta da Clausura: O Vaticano aperta o cerco contra os seminários e quer um retorno á formação mais tradicional dos padres.39 Nota-se que estes assuntos não são de domínio ou de interesse público, e sim a seleta massa católica praticante. E por fim, claramente ao final da matéria publicada na edição de 16 de maio, Veja , reproduz o discurso da CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – proferido pelo bispo dom Sinésio Bohn: “Elas fizeram a igreja se mexer. Há trinta anos que deveríamos ter reagido.”40, referindo-se as igrejas neopentecostais. E segue: “A arquidiocese do Rio de janeiro já começou a se mexer, vai colocar no ar, dentro de alguns meses, sua emissora FM que transmitirá na freqüência de 106,7 MHz.[...] O pentecostalismo provocou o surgimento, na Igreja Católica, do Movimento de Renovação Carismática, atuante no Brasil a sete anos, que já conta com cerca de 600.000 adeptos.[...] Esse movimento vai fortalecer a Igreja católica, diz Claudionor Erasmo Peixoto, diretor regional da renovação carismática em São Paulo.” 41 (grifo meu)

37

Veja, Seção Religião. 14/03/1990. pp.65 Veja. Seção Religião, 21/03/1990. pp. 126-127 39 Veja. Seção religião, 13/06/1900 40 Veja. 16/05/1990 41 Idem 38

Esse fragmento aponta para a preocupação da Igreja Católica com relação ao crescimento dos novos pentecostais.

Conclusão

Compreender a História das Interpretações, a História da maneira como os indivíduos e a sociedade concebem/representam, a realidade e de como essa concepção orienta suas práticas sociais, a luz da produção midiática exige muita cautela principalmente quando nos referimos ao campo religioso. Pois nas sociedades contemporâneas, o discurso da mídia tem se apresentado cada vez mais como verdade absoluta, considerados por parte de seus espectadores de alta credibilidade, passam a adquirir mais importância do que a Escola, Igreja e até mesmo (ainda que em menor proporção) a Família. A revista Veja carregada de signos e mensagens nas entrelinhas, forjou uma imagem dos Neopentecostais. E nós, procuramos ao longo deste Artigo evidenciar como estas representações de Veja não condiziam com o real, outrossim eram discursos elaborados, que tentaram manipular as práticas sociais, neste caso (manter os fiéis católicos na sua crença), sem muito sucesso, pois segundo dados do próprio IBGE, como já citado, este número de fiéis (neopentecostais), cresceu consideravelmente onerando principalmente os templos católicos, não só naquele ano, como em toda década. Contradizendo vários estudos, sobre a interferência do poder da mídia na constituição do imaginário e principalmente das práticas sociais, não podemos generalizar, mesmo considerando as implicações, e a representatividade setorizada de Veja, no contexto brasileiro, seu alcance nas camadas populares, sua distribuição, enquanto veículo de informação da massa, no campo religioso aconteceu diferente. Como as próprias estatísticas comprovam, seus efeitos foram nulos, praticamente controversos, a ebulição Neopentecostal aumentava a cada mês, ressalto também que o ataque aos novos pentecostais, foi generalizado por parte da mídia, não apenas impressa, como também falada, e televisiva, podemos resgatar por exemplo as denúncias proferidas pelo ex-bispo da igreja do Reino de Deus (Carlos Magno), que leva a público um vídeo inédito, gravado em 1990, exibido no horário nobre da Rede Globo (Jornal Nacional), o qual Macedo ria enquanto contava dinheiro num templo dos Estados Unidos, passeando num iate em Angra dos Reis e instruindo, durante intervalo de

uma partida de futebol, seus pastores a serem mais eficazes na coleta de dízimos e ofertas, como afirma Mariano: “A exibição do vídeo provocou uma das maiores controvérsias religiosas dos anos de 1990 no Brasil, resultando na mobilização de polícia e Receita Federal, Justiça, Previdência Social, Procuradoria da República e Interpol para investigar a Igreja Universal e seus líderes, que, em resposta, atacaram a Rede Globo, reclamaram de perseguição religiosa e realizaram grandes manifestações públicas de desagravo. Macedo e os bispos da igreja só conseguiram se afastar das páginas e manchetes policiais no final dos anos de 1990 em diante.”42

Este momento conturbado foi denominado pela cúpula da Universal de “Guerra Santa”, estes por sua vez tinham vários motivos para atacar a Globo nessa época. Haja vista que, não satisfeita em questionar a eficácia das curas, dos exorcismos e das promessas da Universal, em denunciar sua coleta de dízimos e ofertas por meio de uma câmera escondida e em divulgar diversas vezes o vídeo de Carlos Magno, a Rede Globo produziu e exibiu uma minissérie cujo protagonista era uma caricatura malfeita do bispo Macedo. Escrita por Dias Gomes, Decadência foi ao ar em setembro de 1995, tendo como personagem principal pastor “dom Mariel”, líder da Igreja da Divina Chama, enriquecido à custa da exploração financeira dos fiéis, aos quais prometia: "Venham encher os cofres de Jesus. O que vocês derem, receberão em dobro". Todavia, todo este arsenal não surtiu grandes efeitos no que diz respeito às práticas sociais, os Neopentecostais, e inclusive os seguidores de Edir, aumentavam em uma função crescente. Concluímos então, que ao falar sobre religião, penetramos em um campo misterioso que possui um grande poder em relação às funções sociais que ela desempenha como: Proteger o homem contra o medo da natureza, proporcionar-lhes um acesso a “verdade” do mundo, encontrar explicações para a origem da vida e da morte de todos os seres, oferecerlhes a esperança de vida após a morte, conferir consolo aos aflitos das suas dores físicas/psíquicas, e garantir-lhes o respeito às normas e as regras estabelecidas pela sociedade, que falam muito mais alto do que qualquer padronização de comportamento ou teorias do 42

MARIANO. Ricardo. Expansão Pentecostal no Brasil: o caso da Igreja Universal, Revista Estudos Avançados, disponível em www.scielo.com.br acessado em 15/09/08.

agendamento

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, contudo todos estes fenômenos juntos merecem ser mais estudados pelas

Ciências Sociais e pela História em particular.

Referências:

ROMERO. Paulo, Os Super Crentes, O evangelho segundo Kenneth Hagin, Valnice Milhomens e os Profetas da Prosperidade Ed Mundo Cristão , São Paulo SOUZA. Etiane Caloy Bovkalovski de Souza. Os Petencostais entre a Fé e a Política; publicado na Revista Brasileira de História, e disponível no site http://www.scielo.br LORETO, Cecília. Encontros e Desencontros entre Católicos e Evangélicos no Brasil: ver SANCHIS, Pierre. Fiéis e cidadãos, Percursos de Sincretismo no Brasil. Ed. Uerj, Rio de Janeiro. Pág 87-102. TEIXEIRA. Faustino. Faces do Catolicismo Brasileiro Conteporâneo In: Revista USP, São Paulo n. 67, p. 24-23, setembro/novembro 2005. BIRMAN, Patrícia. Conexões Políticas e bricolagens religiosas: questões sobre o pentecostalismo a partir de alguns contrapontos. In: Fiéis e cidadãos, percursos de sincretismos no Brasil. Ed Uerj. 2001. FRESTON, Paul. “Pentecostalim in Latin América”. In Social Compass. Louvain: Groupe de Sciencies Sociales des Religions. Vol 45, n° 3 . 1998.p 337(Tradução :Marionilde Dias Brepohl de Magalhães). CHARTIER. Roger: À Beira da Falésia, A História entre certezas e inquietudes. Porto Alegre, Editora da Universidade, 2002. 1° Edição

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Expressão utilizada por Renata Maria do Amaral, em seu artigo: Representações sociais e discurso midiático: como os meios de comunicação de massa fabricam a realidade. Disponível em www.ppgcomufpe.com.br, acessado em 10/09/08

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