Netflix: o mercado audiovisual em transformação

June 9, 2017 | Autor: L. de Almeida Neto | Categoria: Cinema, Audiovisual, Big Data, TV Series, Netflix
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Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Unidade Acadêmica de Graduação Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda

Trabalho de conclusão

Netflix: o mercado audiovisual em transformação

Estudante: Lucas Portal Orientação: Prof. Dr. Andres Kalikoske

São Leopoldo 2014

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Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Unidade Acadêmica de Graduação Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda

Trabalho de conclusão

Netflix: o mercado audiovisual em transformação

Trabalho de conclusão apresentado na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), para obtenção do título de Bacharel em Publicidade e Propaganda, sob a orientação do Prof. Dr. Andres Kalikoske.

São Leopoldo 2014

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Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) Unidade Acadêmica de Graduação Comunicação Social – Habilitação em Publicidade e Propaganda

Trabalho de conclusão

Netflix: o mercado audiovisual em transformação

Avaliação: ________, em_____/_____/_____.

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Agradecimentos Agradeço, primeiramente, à minha família, a base de qualquer conquista que eu venha a ter na minha vida. Minha mãe, uma amiga pra todas as horas, defensora até mesmo quando estou errado. Minha avó, mãe de todos, a pessoa mais benevolente que eu já conheci. E por último, mas não menos importante, meu avô, o poço de toda a calma e sabedoria, o exemplo do homem que eu quero ser.

Depois, gostaria de agradecer à Gabriela, a pessoa com quem decidi passar meus dias. Por ela ter me pressionado nas horas em que me recostei e por ter me acolhido nas horas em que me desesperei. E agradeço também por todas as horas que perdi com ela ao invés de estar fazendo esse trabalho. No final das contas, tudo valeu a pena.

Não posso deixar passar batida a minha gratidão pelo meu orientador, Prof. Dr. Andres Kalikoske, que acreditou em mim, correu ao meu lado e fez de tudo para que conseguíssemos apresentar esse trabalho que vocês estão lendo.

A todos os meus amigos, meus colegas de trabalho e a todas as pessoas que se sentirem inclusas nessa homenagem. Minhas mãos fizeram o trabalho, mas foram guiadas pela amizade de vocês.

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Resumo Esta pesquisa visa analisar o mercado audiovisual e as suas transformações utilizando como objeto de estudo a empresa Netflix. Veremos, ao decorrer do trabalho, a trajetória da indústria do audiovisual e de seus subgêneros, como as videolocadoras e o próprio cinema. Entenderemos também como funciona um modelo de negócios, onde ele se aplica e qual é o seu papel, que tem caráter fundamental em toda a indústria criativa. Veremos como a convergência de mídias alterou a forma de se pensar, produzir e consumir o audiovisual, e quais as preocupações dos veículos com o crescimento do mundo digital. E, depois de passar por todos esses tópicos, chegaremos ao nosso objeto de estudo. Conheceremos a história da Netflix, sua estrutura de negócios, suas inovações, tanto tecnológicas quanto mercadológicas, e seus impactos no mercado audiovisual. Ao longo de todo esse processo, notaremos como nossa cultura acaba sendo alterada pela tecnologia e como somos submissos a esse processo evolutivo das mídias.

Palavras-chave: audiovisual; convergência digital; modelo de negócio; Netflix.

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Abstract This research aims to analyze the audiovisual market and their transformations using as a study subject the company Netflix. We will see over the course of the work, the trajectory of the audiovisual industry and its subgenres, such as video stores and cinema itself. We’ll also understand what is a business model, where it applies and what is their role, that plays a key character throughout the creative industry. We will see how media convergence has changed the way of thinking, producing and consuming audiovisual, and which are concerns of the media vehicles with the growth of the digital world. And after going through all these topics, we will reach our object of study. We will know the history of Netflix, its business structure, their innovations, both technological and marketing, and their impact on the audiovisual market. Throughout this process, we will notice how our culture ends up being changed by technology and how we are submissive to this evolutionary process of media.

Keywords: audiovisual; digital convergence; business model; Netflix.

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Lista de figuras Figura 1. Estrutura do mercado das empresas de mídia..............................................................13 Figura 2. A cauda longa .............................................................................................................................42 Figura 3. A representação da cauda do Netflix.................................................................................43 Figura 4. Porcentagem de lares dos EUA não propensos a assinar TV paga ........................45 Figura 5. Progressão de horas assistidas na Netflix.......................................................................46

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Sumário 1. Introdução......................................................................................................................................9

2. Modelos de negócio: uma aproximação conceitual ............................................................12 2.1 Modelo de negócio ................................................................................................................................12 2.2 Publicidade como modelo de negócio ...........................................................................................17 3. Histórico do audiovisual e perspectivas da era digital. .............................................. 21 3.1 O audiovisual digital: ontem e hoje ...............................................................................................21 3.2 O audiovisual e a indústria da mídia na contemporaneidade..............................................28

4. Netflix: o mercado audiovisual em transformação....................................................... 33 4.1. O surgimento e a consagração da Netflix ....................................................................................33 4.2. Netflix e Big Data ..................................................................................................................................37 4.3. Netflix e a cauda longa........................................................................................................................40 4.4. A concorrência entre Netflix e a indústria audiovisual consolidada ................................44

5. Considerações finais ................................................................................................................ 50

Referências ...................................................................................................................................... 53

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1. Introdução O consumo de produtos audiovisuais é uma grande fatia do que consumimos como entretenimento. Em uma pesquisa do Data Popular,1 38% dos entrevistados disseram que a compra de uma TV é prioridade para os próximos 12 meses. E ainda existem todas as formas de audiovisual disponibilizadas para computadores, mercado do qual o Brasil é o terceiro maior consumidor do mundo2. O que muda principalmente entre os dois, além do meio de disseminação, é a forma de consumo. Enquanto a experiência de assistir TV é passiva, a de usar um computador é interativa. E vem se tornando cada vez mais interativa. Um dos exemplos de serviços de conteúdo audiovisual dessa plataforma é a Netflix Como é dito no próprio site da empresa,3 “A Netflix revolucionou a maneira como as pessoas assistem a filmes e séries de TV”. Enquanto, na televisão, a programação é engessada, formulada com horários inflexíveis e submetida a intervalos comerciais, a experiência com a Netflix é, apesar de paga, interativa e sem comerciais. Talvez esses fatores sejam a causa do crescimento da Netflix no mundo. Com seus mais de 30 milhões de assinantes, o serviço é responsável por 1/3 de toda a banda de internet da América do norte nos finais de semana4. E esse sucesso todo impacta o consumo de materiais audiovisuais tradicionais. Mas de que forma esse impacto acontece? Essa pesquisa se destina a estudar todas as transformações no mercado audiovisual causadas pelo crescimento dessa plataforma. Para isso, pesquisaremos utilizando o método do estudo de caso. De acordo com Yin: os estudos de caso representam a estratégia preferida quando se colocam questões do tipo “como” e “por que”, quando o pesquisador tem pouco controle sobre os acontecimentos e quando o foco se encontra em fenômenos contemporâneos inseridos em algum contexto da vida real.5

A partir do sentido apontado por Yin, os movimentos para a integralização do presente estudo de caso contemplaram as seguintes ações. Começamos o trabalho com uma pesquisa bibliográfica de conceitos, que serve como alicerce da construção do texto. http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/mais-otimista-brasileiro-comprara-mais-celular-e-tv http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/brasil-ja-e-o-3o-maior-mercado-de-computadores-nomundo 3 https://signup.netflix.com/MediaCenter 4 http://www.brainstorm9.com.br/39253/entretenimento/netflix/ 5 YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Porto Alegre: Bookman, 2001. 1 2

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Após isso, partimos para um estudo em literaturas especializadas, como artigos científicos, publicados sobre o assunto em revistas acadêmicas e em congressos de estudos comunicacionais. Por último, fizemos uma análise da realidade midiática, onde acompanhamos as dinâmicas da Netflix e também das empresas que disputam com ela seus espaços no mercado. Escolhido o método, partimos para a contextualização dos nossos problemas de pesquisa. Entendemos como fundamental a solução das seguintes questões:

a) O que faz da Netflix um serviço tão popular? b) Como a Netflix alterou os modelos de negócio na indústria audiovisual? c) O modelo de negócio on demand mudou a forma de consumir produtos audiovisuais? d) Como o mercado reage às transformações da indústria audiovisual?

Esse trabalho tem por objetivo geral apurar a repercussão causada pela Netflix em serviços de mídia tradicional. Para tanto, os objetivos específicos aprofundam essa questão da seguinte forma:

a) Destacar a contribuição dessa ferramenta para o mercado de produtos audiovisuais. b) Evidenciar a influência desse serviço na nossa cultura. c) Relacionar o on demand à televisão e outro meios tradicionais de consumo de mídia. d) Analisar as possibilidades de negócios geradas com a transformação do mercado de audiovisual.

Há décadas que o grande público é refém das grades de programação dos canais de televisão. Programas repetitivos, intervalos comerciais enormes, horários impraticáveis, etc. Vindo para mudar esse status quo, a Netflix e outros serviços on demand estão mudando a forma como olhamos para as nossas televisões e para os nossos computadores. Talvez, eles estejam aproximando esses dois mundos que são, de origem, tão diferentes.

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Escolhi esse assunto porque o audiovisual é parte importante da minha vida, tanto pessoalmente como profissionalmente. Sou um curioso no que se refere ao mundo da internet e consumidor assíduo de produtos como a Netflix e, após ler muitas matérias sobre o seu impacto na sociedade, gostaria de ir mais afundo para perceber as causas desse fenômeno. Além disso, vejo essa transformação de mercado como um momento único para a comunicação acredito que os responsáveis por essas mudanças, como é o caso da Netflix, devem ser estudados. Nesse sentido, no Capítulo 2, “Modelos de negócio: uma aproximação conceitual”, falaremos sobre modelos de negócio, sua importância e papel em uma empresa de comunicação. Veremos ainda quais as mudanças trazidas pela chegada das tecnologias digitais ao mercado audiovisual e a influência dessas mudanças nos atuais modelos de negócio. Estudaremos a publicidade como fonte de receita em empresas da indústria audiovisual e também como todas essas transformações também se aplicam à publicidade e como ela vem se posicionando nesse novo momento do mercado. Em “Histórico do audiovisual e perspectivas da era digital”, terceiro capítulo que compõe a monografia, entenderemos a linearidade histórica que levou a produção audiovisual até o patamar de hoje, culminando na Netflix. Veremos como a tecnologia tornou possível a transformação de uma técnica analógica em digital e como isso altera a percepção do produto. Ainda entenderemos a chegada da televisão digital ao Brasil e em quais aspectos ela transformou a cultura brasileira em relação ao conteúdo multimídia. Falaremos sobre incorporação de aspectos da internet aos produtos audiovisuais e como a publicidade também toma partido nisso. No capítulo 4, “Netflix e as transformações no mercado audiovisual”, concluiremos o trabalho falando diretamente sobre a Netflix. Olharemos para o seu nascimento e para a sua tradição em estabelecer novas regras para o mercado audiovisual. Abordaremos o vanguardismo da empresa e discutiremos em quais momentos essa visão futurista foi de ajuda ou prejudicial aos seus negócios. E ainda mostraremos como a Netflix está alterando o consumo de produtos audiovisuais, quais as medidas que a empresa toma para superar seus concorrentes e também como seus concorrentes reagem a esse sucesso vindo do mundo digital.

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2. Modelos de negócio: uma aproximação conceitual O capítulo aborda conceitos que acercam os modelos de negócio da indústria da mídia, compreendendo o conteúdo como produto de uma indústria lucrativa e em processo de transformação. Nesse sentido, entenderemos o que é um modelo de negócio e seu papel no âmbito das empresas de comunicação. Ainda, de modo geral, compreenderemos o que está mudando nos atuais modelos de um negócio que passa de um formato quase que predominantemente analógico para uma existência digital, onde reside um novo consumidor. E, dentro desses modelos de negócio, entenderemos mais sobre como a publicidade funciona na mídia como geradora de receita para as empresas de comunicação. Todas as transformações que acontecem no atual momento também se aplicam à publicidade, motivo pelo qual veremos, no decorrer do texto, como o segmento se porta para receber essas mudanças e o que já está sendo feito para que a publicidade encontre seu caminho no mundo do conteúdo digital.

2.1 Modelo de negócio

No âmbito do capitalismo contemporâneo, por mais que uma empresa possa diferenciar-se de outra, todas acabam dividindo um mesmo objetivo, que é o lucro. E para aperfeiçoar esse retorno financeiro, as empresas necessitam de investimento constante em recursos humanos (RH), planejamento estratégico, investimento em produção e desenvolvimento (P&D) e tecnologia. Logicamente, todos esses desencadeamentos estão condicionados ao panorama atual e projeções futuras do mercado em que atuam, além das condições internas e externas à empresa. A esse rol de configurações dá-se o nome de modelos de negócio. Conforme Picard, “os modelos de negócio permitem perceber como é que uma determinada empresa desenvolve a sua atividade”.6 O pesquisador, na oportunidade citado por Faustino e Gonzalez, no contexto da indústria da mídia, complementa seu conceito, atualizando que: O modelo de negócio implica a existência de uma conceitualização de como o negócio opera, assim como os alicerces subjacentes para as atividades de troca e fluxos financeiros serem bem sucedidas. Os modelos de negócios podem ser descritos como a arquitetura do produto, serviço e fluxos de informação, incluindo uma descrição das várias atividades e dos seus papéis; integram FAUSTINO, Paulo; GONÇALEZ, Ramiro. Gestão estratégica e modelos de negócio: o caso da indústria de mídia. Lisboa: Media XXI, 2011. p. 135.

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ainda uma descrição dos potenciais benefícios para os diferentes intervenientes no negócio e as fontes de rendimentos.7

Assim, de acordo com a conceituação proposta por Picard, podemos compreender os modelos de negócio como um grupo de regras que atuam de modo a tornar uma empresa rentável. É a forma pela qual seus produtos ou serviços serão produzidos, geridos e comercializados. É a monetização bens materiais e simbólicos (como podemos observar nos casos de reputação das empresas), gerados pela companhia. Nesse sentido, a figura 1 explicita a estrutura do mercado das empresas de mídia e, dessa forma, sugere possíveis modelos de negócios para esse ramo.

Figura 1. Estrutura do mercado das empresas de mídia

Fonte: FAUSTINO, Paulo; GONÇALEZ, Ramiro. Gestão Estratégica e Modelos de Negócio: o caso da indústria de mídia. Lisboa: Media XXI, 2011. p. 141.

Nessa imagem, podemos identificar os atores e as relações criadas no mercado das empresas de mídia. Ainda podemos ver, dentro dos retângulos, os players desse mercado, os personagens atuantes. E as setas mostram as relações entre eles e os mercados formados nessa relação. Sintetizando, a imagem mostra a relação de geração de valor que pode ocorrer entre dois atuantes no grande todo do mercado de mídia. Como é dito pelos próprios autores, pode-se perceber nessa imagem que “o mercado dos media é composto por vários atores, com relações independentes, e está fortemente

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FAUSTINO, Paulo; GONÇALEZ, Ramiro, op. cit., p. 135.

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dependente do modelo dual de receitas – investimento publicitário e consumo de informação”.8 Em uma aproximação com as indústrias criativas, Cannito afirma que um modelo de negócio pode ser interpretado como uma “estruturação lógica visando à criação de valor e ao retorno de investimento. Entre suas características enumera-se a combinação da equipe, o conhecimento, o processo, a tecnologia e os ativos usados para criar o valor”.9 Para entendermos melhor a colocação de Cannito, precisamos entender melhor o que são as indústrias criativas. Bendassolli divide as características de uma indústria criativa em três blocos, da seguinte forma: […] o primeiro bloco refere-se a uma forma de produção que tem a criatividade como recurso-chave, que valoriza a arte pela arte, que fomenta o uso intensivo de novas tecnologias de informação e de comunicação, fazendo uso extensivo de equipes polivalentes; o segundo bloco abrange os contornos específicos dos produtos gerados, tais como a variedade infinita, a diferenciação vertical e a perenidade; e o terceiro bloco representa uma forma particular de consumo, que possui caráter cultural e apresenta grande instabilidade na demanda.10

Nessa direção, entende-se que o modelo de negócio é um planejamento para tornar uma empresa rentável. E esse planejamento envolve todos os setores do processo de qualquer empresa, desde o atendimento ao cliente até a política de preços, tudo organizado de forma lógica para obter o resultado esperado. E por mais lógica que seja a concepção e entendimento de um modelo de negócios, o mercado atual passa por um momento de indefinição. De acordo com Faustino e Gonçalez: Com a mudança acelerada da sociedade, dos mercados e dos comportamentos dos consumidores, é cada vez mais difícil identificar e conceber modelos de negócio precisos; esta circunstância significa, em parte, que o sucesso de um modelo de negócio residirá também em sua capacidade de se adaptar às incertezas do futuro.11

Eles ainda complementam dizendo que, em razão da diversificação de ofertas no mercado de mídia, acontecem grandes mudanças na atividade jornalística e que as incertezas em relação ao comportamento do consumidor estão cada vez mais presentes.

FAUSTINO, Paulo; GONÇALEZ, Ramiro, op. cit., p. 141-142. CANNITO, Newton. A televisão na era digital: interatividade, convergência e novos modelos de negócio. Rio de Janeiro, Summus, 2010. p. 105. 10 BENDASSOLLI, Pedro; WOOD Jr, Thomaz; KIRSCHBAUM, Charles; CUNHA, Miguel Pina. Indústrias criativas: definição, limites e possibilidades. Revista de Administração de Empresas, v. 49, n. 1, janmar. 2009. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2014. 11 FAUSTINO, Paulo; GONÇALEZ, Ramiro, op. cit., p. 141. 8 9

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E essas incertezas acabam se espelhando nos meios de comunicação. Faustino e Gonçalez nos mostram ainda que veículos da imprensa clássica estão cedendo e adotando a internet em sua produção de conteúdo. Eles falam que “começa a ser assumido pelos empresários da imprensa crítica que o seu negócio não é “vender papel” mas sim informação, independente do suporte de distribuição em causa”. A visão de Faustino e Gonçalez demonstra que um novo momento nasceu, onde o protagonista da comunicação é o conteúdo, independentemente do meio ou veículo no qual ele está inserido. E, nos dias de hoje, um dos meios que mais alcança o público acaba sendo a internet, o que faz com que ocorra essa troca entre meios de comunicação clássicos e meios digitais. De acordo com Osterwalder, “um modelo de negócios descreve a lógica de como uma organização cria, entrega e captura valor”.12 Ou seja, o modelo de negócio é responsável pela busca de receita para a sustentabilidade necessária em qualquer empresa, de qualquer ramo. Nesse sentido, Osterwalder introduz uma questão importante ao conceito, que é a noção de cadeia de valor. Uma cadeia de valor pode ser compreendida como os processos de produção, distribuição e consumo de um produto. Sobre o conceito de cadeia de valor, temos Rocha e Borinelli citando a seguinte fala de Porter: […] a cadeia de valores desagrega uma empresa nas suas atividades de relevância estratégica para que se possa compreender o comportamento dos custos e as fontes existentes e potenciais de diferenciação […] toda empresa é uma reunião de atividades que são executadas para projetar, produzir, comercializar, entregar e sustentar seu produto. Todas estas atividades podem ser apresentadas, fazendo-se uso de uma cadeia de valores.13

Levando em consideração essa fala, Rocha e Borinelli conseguem condensar o conceito de cadeira de valor na seguinte frase: “Cadeia de valor é uma sequência de atividades que se inicia com a origem dos recursos e vai até o descarte do produto pelo último consumidor”. Ou seja, a cadeia de valor é o caminho percorrido por qualquer tipo de bem criado com o propósito de trazer lucro para uma empresa.

OSTERWALDER, Alexander; PIGNEUR, Yves. Business model generation: a handbook for visionaries, game changers, and challengers. John Wiley & Sons, 2010.(Tradução nossa) 13 PORTER, M. E. Vantagem competitiva: criando e sustentando um desempenho superior. 1989. IN: ROCHA, Welington; BORINELLI, Márcio Luiz. Análise estratégica de cadeia de valor: um estudo exploratório do segmento indústria-varejo. Revista Contemporânea de Contabilidade, v. 4, n. 7, p. 145165, 2007. 12

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Direcionando nossos olhares para o mercado audiovisual, Jenkins14 trás diversos exemplos de modelos de negócios interessantes em seu livro, direcionados ao consumo na era digital. No capítulo 2, ele fala sobre o reality show15 estadunidense American Idol e suas relações de lucro. Ele mostra como o público reage de forma diferente aos programas reality em relação a séries, novelas e outros programas “não factuais”. Nessas diferenças, ele explora o aumento da interação do público com o programa e na possibilidade de negócios encontrada nesse sistema. Em parceria com o canal Fox, a empresa de telefonia americana AT&T relatou que cerca de um terço das pessoas que utilizaram mensagens de texto pelo celular para votar no programa nunca tinham utilizado esse recurso anteriormente. O próprio porta voz da empresa fala que nenhuma campanha de marketing obteve o sucesso que essa parceria havia obtido. No terceiro capítulo, Jenkins mostra como estratégias de convergência (sobre a qual falaremos mais a frente) podem gerar também um novo modelo de negócios. Ele usa a franquia de filmes Matrix para explicar essa relação de mercado. O que acontece é que, ao acabar de assistir a trilogia, o espectador pode acabar com uma sensação de que as informações recebidas não foram o bastante para entender a obra. E esse tipo de filme, com uma linha de pensamento ambígua e de consumo dificultado, não era, até então, algo comum em hollywood. Porém, quando o espectador sente essa lacuna de informação, ele acaba recorrendo a outros produtos da franquia que ampliem a experiência e talvez tragam um maior entendimento sobre a mesma. Nesse processo, eles acabam consumindo games, websites, livros e diversos outros produtos vendidos separadamente, vinculados ao nome Matrix. Ao invés de ser tratado somente como uma franquia audiovisual, Matrix acaba sendo vista com uma marca com seus diversos produtos e, para uma maior percepção dessa marca, deve-se consumir todos esses produtos. Isso é demonstrado por Jenkins nessa passagem: Matrix Reloaded quebrou todos os recordes de bilheteria entre filmes adultos, obtendo espantosos US$ 134 milhões de lucro nos primeiros quatro dias após o lançamento. O videogame vendeu mais de um milhão de cópias em sua primeira semana no mercado.16

Em ambos os casos, vemos um produto, um canal de distribuição e uma estratégia de comercialização. E nem sempre as possibilidades de renda estão diretamente JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Aleph, 2008. Gênero de televisão no qual o programa é estrelado por pessoas reais, não personagens, e agem sem roteiro ou de uma forma que leve a acreditar que não existe um. 16 JENKINS, Henry, op. cit., .p. 128. 14 15

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relacionadas ao produto em si, elas podem vir de outros meios e por diferentes formatos. A venda do produto em si é um dos meios mais diretos de comercialização de um produto audiovisual. Porém, outra forma de renda que sempre foi muito explorada pela indústria criativa é a publicidade.

2.2 Publicidade como modelo de negócio

A indústria da mídia é composta por empresas. E, como já vimos anteriormente, empresas visam lucro financeiro. E quando se fala de comunicação e entretenimento, as formas de obter esse retorno se tornam diversas e algumas muito sutis. Foi com essa visão que a publicidade se inseriu na indústria da mídia, como uma forma de retorno para os meios de comunicação, que vendem seus espaços para as empresas anunciantes, e também para essas empresas, que se aproveitam desse espaço para aumentar a procura por seus produtos ou serviços e, consequentemente, a sua receita. Nesse sentido, pode-se citar o exemplo da televisão aberta comercial, que é gratuita para o usuário final e a principal fonte de receita é a publicidade. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope e divulgada no site G1, a televisão aberta comercial é o meio que mais recebeu verba de publicidade em 2013, com um valor estimado de R$ 59,5 bilhões, 16% a mais do que no ano anterior. Esse valor representa 53% de todo o gasto com publicidade do país. E, em terceiro lugar nos investimentos publicitários está a televisão por assinatura, com outros R$ 8,6 bilhões, somando um investimento de R$ 68,1 bilhões somente em televisão.17 Ao introduzir o papel da publicidade, De Castro considera que: A publicidade, tal como hoje é entendida, é uma forma de comunicação voltada para a divulgação positiva de produtos ou serviços com objetivo de despertar interesse de consumo. Com esse objetivo, funciona como uma espécie de ritual, em que dá a conhecer, a um público determinado, aspectos positivos e/ou vantagens de produto(s), serviço(s) ou marca(s), com vistas a obter a aceitação desse público […] Por mais autoritário que seja o lugar do anunciante, por ser o autor do ritual, ele precisa lançar mão de movimentos que simulem uma outra relação, pelo menos de igualdade junto ao consumidor, para obter adesão e envolvimento.18

G1. Investimentos em publicidade sobem 39% em 2013 no país, para R$ 112,6 bi. Globo.com. Disponível em: . Acesso em 27 abr. 2014 18 DE CASTRO, Maria Lília Dias. Televisão e publicidade: ações convergentes. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2005. p. 02. 17

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A pesquisadora introduz os formatos de publicidade relacionados à televisão, subdividindo-os em dois formatos: o formato autônomo (onde a publicidade acontece por si, sem nenhum outro conteúdo por trás) e o formato difuso (que acontece dentro dos programas da grade de programação).19 Os autônomos ainda podem ser divididos em outras seis categorias: (a) comercial, (b) patrocínio, (c) chamada, (d) vinheta da emissora, (e) projeto institucional e (f) espaço de responsabilidade social.

(a) Comercial O comercial é o formato mais comum e notável. De Castro descreve ele como “os anúncios que aparecem em intervalos, sob forma de spots publicitários, de pouca duração, que buscam combinar a informação sobre o produto com o encanto de seus benefícios”. Ou seja, esse é o formato mais aceito e mais reconhecido da publicidade na televisão.

(b) patrocínio Já o patrocínio se baseia no incentivo financeiro de uma empresa para a realização ou difusão de um programa da sua grade. O intuito desse formato é fazer com que a imagem da marca fique vinculada à imagem gerada pelo programa para o seu público. O patrocinador pode ser mencionado antes ou depois do programa ou de um dos seus blocos, mas sem interferência direta no seu conteúdo.

(c) chamada A chamada é a publicidade do canal para si mesmo. É a demonstração do conteúdo de algum programa em outro momento da grade do canal, feita para chamar a atenção para o programa em questão.

(d) vinheta da emissora E a vinheta da emissora tem uma função bastante parecida, porém com um caráter mais institucional. Ela serve para reforçar a marca do canal na memória do público e reforçar a sua importância e relevância. Geralmente é feita com animações e DE CASTRO, Maria Lília Dias; BON, Gabriela. Formato promocional e suas configurações. Universidade do Vale do Rio dos Sinos, 2006. p. 08. 19

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computação gráfica e recursos atuais para demonstrar o avanço tecnológico e técnico do canal.

(e) projeto institucional Ainda temos o lado social da categoria autônoma constituída pelo projeto institucional, que são ações realizadas pela emissora para contribuir com a sociedade e agregar valor à marca da empresa, e pelo espaço de responsabilidade social, que é um espaço cedido na programação para programas de terceiros que tenham esse cunho social.

(f) espaço de responsabilidade social E, no formato difuso, temos outras três categorias, das quais duas já foram mencionadas também nos autônomos: o patrocínio, a chamada e o merchandising. Os dois primeiros são bastante semelhantes aos seus homônimos nos autônomos, tendo como diferença somente o fato de acontecerem durante os programas. E o merchandising, como dito pela própria autora, “constitui a inserção de produto, marca, serviço, valor dentro do programa em curso”. Ou seja, é a colocação de um produto dentro do programa, seja de uma forma mais explícita, como um bloco dedicado à demonstração do produto, ou de forma mais sutil, como inserindo o produto em algum ponto de uma trama não dependente do mesmo.

No âmbito dos modelos de negócio voltados ao audiovisual digital, Garcia diz que “O modelo de negócios tradicional, que começou nos anos 50 com os programas patrocinados (branding) e posteriormente o popular break comercial […] tende a tornarse obsoleto” 20. Ele ainda comenta que a variedade de canais abertos e pagos disponíveis no Brasil e a popularização da internet e de dispositivos móveis têm reduzido consideravelmente o consumo dos clássicos comercias de quinze e trinta segundos. Faustino e Gonçalez (2011, p. 162) acrescentam que “o aumento dos canais de revenda e distribuição leva a uma redução do contato com os utilizadores finais, o que diminui o conhecimento sobre as audiências”. Além do que, a tecnologia digital nos GARCIA, Guilherme; AFFINI, Letícia Passos. Modelo de Negócios da Televisão Digital Brasileira: Novos Conceitos Sendo Aplicados. Disponível em: . Acesso em: 27 abr. 2014.

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permite fugir dos conteúdos publicitários. Como disse Cannito (2010, p. 116), “o intervalo comercial já perdeu terreno com a chegada do controle remoto, e sofrerá agora novo e mais forte impacto. […] o intervalo comercial não mais se encaixará na telenovela, pois o espectador poderá facilmente descarta-lo ao fazer uma gravação para assistir mais tarde”.

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3. Histórico do audiovisual e perspectivas da era digital Nessa etapa, construiremos uma linha do tempo que leva desde os primórdios da produção audiovisual até o momento atual e o nosso objeto de estudo, a Netflix. Passaremos por todo o caminho tecnológico e histórico que acarretou na digitalização do material audiovisual em suas diversas plataformas e formatos atuais. Veremos como a TV digital foi concebida no nosso país e no que isso alterou a forma como recebemos o conteúdo distribuído nas múltiplas telas às quais temos acesso. Ainda teremos acesso à um panorama do que já mudou com essa digitalização e de tecnologias que incorporam a cultura da internet ao meio do audiovisual e qual o tipo de retorno financeiro que se encaixa nesses novos formatos. A publicidade também faz parte dessa mudança, e ela aparece como um dos principais agentes na busca de soluções para entrar nessa época onde somente sentar e assistir ao que está passando na televisão não basta.

3.1 O audiovisual digital: ontem e hoje

O audiovisual tem uma origem analógica. O processo inicial da produção audiovisual era nada mais do que uma aprimoração do processo fotográfico, desenvolvido pelos irmãos Louis-Jacques Daguerre e Joseph Nicéphore Niepce. A primeira exibição pública de uma projeção de imagens em movimento aconteceu no dia 22 de março de 1895, em Paris, no porão dos irmãos “Lumiére”, como ficaram conhecidos Louis e Joseph.21 Essa exibição foi feita usando o que os irmãos chamaram de Cinematographe, uma combinação de câmera e projetor22. Eles exibiram uma filmagem de trabalhadores saindo de uma fábrica. Essa exibição foi feita a 16 quadros por segundo. O Cinematographe era, resumidamente, uma câmera que tirava 16 fotos por segundo, todas em uma mesma tira de filme, e era capaz de reproduzir esse material por meio de uma projeção. Um método bastante analógico.

FILMSITE. The History of film. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2013. 22 THE RISE OF CINEMA. The Lumiere Brothers' Cinematographe. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2013. 21

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O cinema continuou crescendo, ainda analogicamente. Mas, Nicholas Negroponte diz que “todas as indústrias, uma após a outra, olham-se no espelho e se perguntam sobre seu futuro; pois bem, esse futuro será determinado em 100% pela possibilidade de seus produtos e serviços adquirirem forma digital”.23 E essa necessidade de convergência foi percebida pela indústria cinematográfica. Talvez os irmãos Lumiére não tivessem essa noção, mas ela foi surgindo com o tempo. E, no final dos anos 1990, o cinema começava a ser projetado no formato digital, o que possibilitaria que esse mesmo conteúdo fosse distribuído em computadores e na internet,24 para, em 2002, começar a ser captado diretamente nesse formato, eliminando a necessidade do filme.25 Negroponte diz ainda que a diferença básica entre o digital e o analógico é a presença dos bits no primeiro e dos atómos no segundo. Ele ainda explica que “Um bit não tem cor, tamanho ou peso e é capaz de viajar a velocidade da luz. Ele é o menor elemento atômico do DNA da informação. É um estado: ligado ou desligado”.26 Ou seja, enquanto o átomo é a menor partícula de matéria física, o bit é o seu equivalente digital. E essa diferença influi em diversos fatores como a distribuição, valor e a própria qualidade da obra audiovisual. Esse formato digital foi o que possibilitou a execução de filmes em computadores e outros aparelhos eletrônicos. E ele ainda mostra em sua obra um outro fator que surge no formato digital do audiovisual: o vídeo sob demanda. Ele diz o seguinte: A vida digital envolverá muito pouca transmissão em tempo real. À medida que as transmissões televisivas forem se tornando digitais, os bits não apenas poderão ser deslocados no tempo com facilidade, como também não precisarão ser recebidos na mesma ordem ou à mesma velocidade segundo a qual serão consumidos. (NEGROPONTE, 1995, p. 162)

Essa tecnologia, que parecia irreal em 1995, é um dos principais formatos de consumo de mídia dos tempos atuais. Ele consegue ainda prever que “a televisão e o rádio do futuro serão transmitidos de forma assíncrona, à exceção, talvez, dos eventos esportivos e das eleições”. Olhando para além do cinema, com o surgimento da televisão, temos então uma instauração de outros padrões de relação entre audiência e veículo. A televisão tem em NEGROPONTE, Nicholas. A vida digital. Rio de Janeiro: Companhias das letras, 1995. p. 18. MATTOS, A. C. Gomes de. Do Cinetoscópio Ao Cinema Digital: Breve História Do Cinema Americano. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. p. 156. 25 OLHARDIGITAL. Relembre a história da tecnologia do cinema. Disponível em: . Acesso em: 20 nov. 2013. 26 NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. Rio de Janeiro, companhias das letras, 1995. p. 19. 23 24

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seu modelo uma linearidade de conteúdo, um fluxo pré-definido que é demonstrado através da grade de programação. Enquanto o cinema tem uma proposta mais dinâmica, de assistirmos um filme e irmos embora, a televisão nos prende. Scolari propõe um formato evolutivo da televisão dividido em paleotelevisão, neotelevisão e hipertelevisão27. A paleotelevisão é a televisão nos seus primórdios, com suas características mais duras. Muanis descreve a paleotelevisão como “o espaço mais característico da TV generalista e destinada ao coletivo, mensageira, uma televisão clássica, que exercia a fascinação da descoberta”

28.

Ele ainda cita como características

desse período o controle da palavra centralizado no apresentador, conteúdos adaptados diretamente de outras mídias, fidelidade ao canal e um conteúdo formal, com linguagem sóbria e cercada de tabus como sexo e dinheiro. Nos aspectos visuais, ela uma televisão sem intensidade, sem elementos gráficos e sem contraste. A TV funcionava como uma simples janela para as coisas que aconteciam ao nosso redor. Ela se centralizava no mundo. No período seguinte, a neotelevisão, é quando a TV adquire mais singularidade. Antes predominantemente pública, agora entravam em jogo os canais de televisão privados, o que causaria uma segmentação de conteúdo. E, com uma maior opção de canais, a fidelidade acaba passando do canal para a televisão em si. As pessoas não mais sentavam à frente da TV para ver um programa específico, eles começavam a adotar o zapping na sua rotina televisiva. Toda essa informalidade traz uma maior proximidade, uma intimidade entre público e canal, fazendo com que o espectador se sinta o dono do conteúdo e construindo a sua grade da forma que mais lhe agrada. É claro que os canais continuam obedecendo aos seus horários, mas o espectador pode circular entre os canais e montar o seu fluxo, fazendo da experiência de assistir televisão algo muito mais interativo. E, além disso, a TV começava a se assumir como TV. Ela não buscava mais enganar o público para que achassem que todo o conteúdo ensaiado era real. Ela mostrava suas falhas e seus bastidores justamente para buscar essa proximidade que não existia na paleotelevisão. A televisão agora era focada em si mesma.

SCOLARI, Carlos Alberto. Ecología de la hipertelevisión. Complejidad narrativa, simulación y transmedialidad en la television contemporánea. In: SQUIRRA, Sebastião, FECHINE, Yvana (Orgs.).Televisão digital: desafios para a comunicação. Livro da Compós, 2009. Porto Alegre: Sulina, 2009. 28 MUANIS, Felipe. O tempo morto na hipertelevisão. Anais. XXI Encontro Anual da Compós Juiz de Fora (MG), 2012. 27

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Com o surgimento da internet e a sede da população por interatividade, nasceu a hipertelevisão. Agora a interatividade é real e está presente na própria programação. O espectador é ouvido e ele é quem constrói a grade dos seus canais preferidos. Ele pode assistir a um programa no momento que é exibido ou então assistir somente quando chegar em casa por meio de recursos de video on demand.29 Ainda é possível falar com o apresentador por e-mail, sms, redes sociais ou qualquer outro meio e ver a sua mensagem lida quase que instantaneamente para todos os outros espectadores. O público vota no que quer ver nos finais de seus programas favoritos, escolhe se um programa fica ou não na grade e, ainda por cima, é a própria estrela em programas do estilo reality shows. Essa é a televisão focada no espectador, e é o formato de televisão mais próximo da experiência de navegar na internet. Em 2006, o Brasil escolheu como padrão tecnológico para a televisão digital um híbrido do sistema de TV digital do Japão, chamado de Integrated Services Digital Broadcasting (ISDB), com tecnologias desenvolvidas por pesquisadores brasileiros para possibilitar a interatividade, ausente no padrão japonês. A esse sistema foi dado o nome de Sistema Brasileiro de Televisão Digital, o SBTVD. A escolha por esse método foi feita de uma forma sútil, em meio à copa do mundo de futebol e próximo às eleições para presidente. Para explicar um pouco mais os aspectos técnicos do que é a televisão digital, temos o seguinte: Na TV digital, o conteúdo audiovisual (uns e zeros, on e off) é transformado em informação digital por um processo denominado codificação. A codificação permite representar a informação digital através de um código padronizado, denominado codec (codificação-decodificação). Os codecs mais conhecidos atualmente são MP3 (áudio), JPEG (imagem), MPEG-2 vídeo (usado em DVD) e MPEG-4 e DivX (disseminados na internet).30

Silva ainda explica que essa compactação não existe na TV analógica, pois o sinal precisa incluir todos os pixels da transmissão. Já no padrão digital, esses pixels são compactados devido à redundância presente nos sinais binários. Assim, usando a mesma banda de transmissão da televisão analógica, podemos usufruir de um fluxo maior de informação. Um formato de consumo de audiovisual onde o conteúdo pode ser assistido no momento em que o espectador escolher assisti-lo. Ele é lançado e fica sempre disponível. 30 SILVA, Dirceu Lemos da. A falsa promessa da multiprogramação na tv digital. Anais. XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Disponível em: . Acesso em: 27 mai. 2014. 29

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Além do ISDB, padrão escolhido pelo Brasil, existem outros dois padrões base, o americano Advanced Television System Comitee (ATSC) e o europeu Digital Video Broadcasting (DVB).31 Cada um deles tem características chave que diferem um do outro. O ATSC começou nos EUA em 1998 e usa o codificador MPEG-2 para o sinal de vídeo e o Dolby AC-3 para o sinal de áudio. O DVB, por sua vez, utiliza o MPEG-2 tanto para áudio quanto para vídeo e o ISDB usa o mesmo MPEG-2 para vídeo e, para o áudio, o padrão MPEG-2: AAC. Entre todos esses aspectos técnicos, o maior trunfo da televisão digital ainda é a interatividade. […] as dimensões espacial e temporal, os aspectos estéticos e retóricos na TV Digital, e a forma de navegação se ampliam, mudando a relação do público com a TV, a partir do controle remoto, pois há uma construção lógica e não linear permitindo uma reflexão integral por parte do telespectador. O programa de TV deixa de ser uma realidade sequencial e unilateral para ser uma realidade não linear e interativa.32

Porém, a interatividade ainda não é explorada devidamente na televisão digital. Nota-se que os principais avanços desse formato ainda são a alta qualidade de imagem e som disponíveis. A interatividade em si acaba aparecendo muito mais nas Smart TVs, televisões com possibilidade de conexão à internet, do que no modelo de televisão digital padrão. E o uso desses equipamentos é bastante restrito por serem bens de alto custo e não acessíveis à toda a população, como deveria ser o sinal digital. No Brasil, 52% da população tem acesso ao sinal de TV digital33. Porém essa porcentagem varia muito de acordo com o estado. Enquanto o Distrito Federal tem o sinal digital chegando a 100% de suas TVs, Maranhão e Piauí contam com uma cobertura que abrange somente 27% da sua população. E esses números levam como base cidades que tenham pelo menos uma emissora transmitindo o sinal digital. Ou seja, em boa parte do território brasileiro, por mais que o sinal digital chegue até a população, a oferta de programação nesse formato ainda é escassa. E, quase que paralelo a esse processo de migração do digital para dentro da TV, temos a TV e o audiovisual indo para dentro da internet. Desde 2005, com o surgimento YAMADA, Fujio et al. Parte I-SISTEMAS DE TV DIGITAL. Revista Mackenzie de Engenharia e Computação, v. 5, n. 5, 2010. 32 NORONHA, Karla Rossana; BARROSO, Graciele; TAVAREZ, Olga. Televisão Digital Brasileira: um caminho incerto ou um futuro previsível? Anais. XXXVI Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. 33 Números disponíveis no site oficial da TV digital brasileira, o www.dtv.org.br. 31

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do YouTube, acabamos saindo da frente das nossas televisões e indo procurar conteúdo audiovisual na rede. O site, criado por Chad Hurley, Steve Chen e Jawed Karim, três exfuncionários da empresa PayPal, cresce e tem números surpreendentes a cada ano. De acordo com o site da própria empresa34, um total superior a seis bilhões de horas de conteúdo audiovisual é consumido no site a cada mês. E, no mesmo período, mais de um bilhão de usuários únicos visitam a plataforma. E um dos números mais impressionantes é o de que, a cada minuto, mais de 100 horas de vídeos são enviadas para o site. E esses números são relacionados a somente um portal de conteúdo audiovisual. Ainda estamos ignorando todo o acesso à outros sites como o Vimeo, o DailyMotion, o Hulu e muitos outros. Entre eles, nosso objeto de estudo, o Netflix. Mas, como é dito no texto de Jean Burgess e Joshua Green, “Como empresa de mídia, o YouTube é uma plataforma e um agregador de conteúdo, embora não seja uma produtora do conteúdo em si”.35 Mesmo realizando alguns eventos e transmissões ao vivo, o YouTube sobrevive do conteúdo de terceiros, o que deixa a empresa à mercê de vários fatores, como direitos autorais e qualidade do material. [o youtube] É entendido de vários modos: como plataforma de distribuição que pode popularizar em muito os produtos da mídia comercial, desafiando o alcance promocional que a mídia de massa está acostumada a monopolizar e, ao mesmo tempo, como uma plataforma para conteúdos criados por usuários na qual desafios à cultura comercial popular podem surgir, sejam eles serviços de notícias criados por usuários ou formas genéricas como o vlogging – que, por sua vez, podem ser assimiladas e exploradas pela indústria de mídia tradicional.36

Ou seja, o Youtube não só recebe conteúdos audiovisuais em formatos padrão, mas estimula a criação de novos formatos mais caseiros e participativos, e esses formatos, por sua vez, podem acabar influenciando na construção do audiovisual clássico exibido na grade de programação de um canal de TV aberta. É como Jenkins diz em sua obra: […] professores de história dizem-nos que os velhos meios de comunicação nunca morrem – nem desaparecem, necessariamente. O que morre são apenas as ferramentas que usamos para acessas seu conteúdo – a fita cassete, a betacam. São o que estudiosos dos meios de comunicação chamam de tecnologias de distribuição (delivery technologies) […] As tecnologias de distribuição tonam-se obsoletas e são substituídas. CDs, arquivos MP3 e fitas cassetes são tecnologias de distribuição.37

< https://www.youtube.com/yt/press/pt-BR/statistics.html> BURGESS, Jean; GREEN, Joshua. YouTube e a revolução digital. São Paulo: Aleph, 2009. p. 21. 36 BURGESS, Jean; GREEN, Joshua, op. cit., p. 24. 37 JENKINS, Henry. Cultura da convergência. Aleph, 2008. p. 41. 34 35

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E, para falar mais sobre a convivência dessas diferentes linguagens, Jenkins ainda mostra a diferença entre meios de comunicação e sistemas de distribuição. Ele fala que “sistemas de distribuição são apenas e simplesmente tecnologias; meios de comunicação são também sistemas culturais. Tecnologias de distribuição vêm e vão o tempo todo, mas os meios de comunicação persistem como camadas dentro de um estrato de entretenimento e informação cada vez mais complicado”. O que ele quer dizer com isso é que, por mais que novas tecnologias se estabeleçam, eles não acabam com as linguagens já existentes. Essas linguagens se adaptam e se transformam para caber nas estruturas lógicas das novas tecnologias, mas nunca deixam de existir. Ou seja: a televisão, enquanto aparelho, pode até deixar de existir, mas seus formatos e linguagens serão levados para as tecnologias que virão. Esse processo é chamado de convergência, onde as mídias acabam coexistindo e habitando uma mesma dimensão, um mesmo universo. E na época onde mais se ouve falar sobre convergência, os meios de comunicação buscam montar estratégias onde um conteúdo trace uma linha de construção que atravessa a tecnologia, fazendo com que uma história possa começar na televisão, passar pelo youtube e acabar em um longa no cinema. A esse processo de transição midiática damos o nome de transmídia. Jenkins define a narrativa transmídia: A narrativa transmídia é a arte da criação de um universo. Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para asseguram que todos os que investirem tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica.38

Esses são conceitos que ainda estão sendo digeridos pelos grandes meios de comunicação e adaptados às suas realidades, mas que cada vez mais podemos ver presentes em conteúdos audiovisuais. O programa americano de televisão Lost talvez tenha sido um dos primeiros a experimentar esse tipo de narrativa em grande escala. A experiência criada nessa série foi algo inédito na sua época, como pode ser visto neste trecho de Cordeiro: Quem quiser entrar de cabeça na história dos sobreviventes do desastre com o vôo 815 da Oceanic Airlines, e que agora estão desaparecidos numa ilha cheia de acontecimentos inexplicáveis, deve mergulhar na internet. Precisa conhecer

38

JENKINS, Henry, op. cit., p. 49.

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o universo paralelo que os produtores e fãs da série criaram lá para resolver alguns mistérios da série. Sim, pois Lost funciona como um jogo, elaborado com uma riqueza de detalhes que não cabe só na televisão.39

Lost criou um universo que fazia com que o usuário tivesse que navegar por diversos meios para ter a experiência completa do que era o seriado. Porém, a série continuava fazendo sentido para aqueles que somente assistiam regularmente aos episódios e não tinham uma maior imersão no universo da série. E essa linguagem não é uma exclusividade de produções internacionais. As telenovelas brasileiras Viver a Vida e Cheias de charme se aproveitaram dessa estratégia para atingir o público também. Na primeira, a personagem Luciana, vivida pela atriz Alinne Moraes, era modelo e acabava sofrendo um acidente, no qual perderia o movimento das pernas. A personagem, então, cria um blog para falar sobre a sua recuperação. E esse blog foi realmente criado e era mantido pela equipe de produção da novela. E, na segunda novela, as protagonistas Maria do Rosário, Maria da Penha e Maria aparecida montam uma banda chamada de As Empreguetes e gravam um clipe. Esse clipe acabou sendo veiculado como um clipe de uma banda real e a música tocava em rádios e era comentada em blogs sobre o assunto. Em todos os três casos, podemos ver uma extensão do audiovisual, uma busca por meios de atingir mais pessoas e, ao mesmo, submeter aqueles que se propuserem a uma experiência muito mais rica e envolvente do que possível em uma narrativa audiovisual comum.

3.2 O audiovisual e a indústria da mídia na contemporaneidade

Com todas essas mudanças no mercado audiovisual, podemos esperar certamente que mudanças aconteçam também em mercados relacionados. E um desses mercados é a publicidade. Carneiro fala o seguinte sobre essas mudanças: Agências de publicidade, anunciantes e meios de comunicação estão ajustando suas estratégias e seus investimentos para se adequar a essa nova realidade. Em alguns casos, esses ajustes podem ocasionar o redirecionamento de investimentos de marketing, fazendo com que empresas dividam com a internet verbas publicitárias antes destinadas para a televisão.40

CORDEIRO, Tiago. Lost e o fim da TV. Revista Superinteressante. Disponível em . Acesso em 18 mai. 2014. 40 CARNEIRO, Rafael Gonçalvez. Publicidade na TV Digital: um mercado em transformação. Aleph, 2012. p. 123. 39

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O que Carneiro diz é que, com o advento da internet, a verba, que antes era direcionada somente à televisão, agora disputa espaço com os meios digitais, que trazem recursos novos e novas possibilidades aos anunciantes. Carneiro segue dizendo que essa “é a combinação de um sistema tradicionalmente consumido de forma passiva com outro, que é ativo e interativo”. Porém, ainda de acordo com o texto de Carneiro, “a digitalização da televisão, assim como ocorre com o telefone, traz novas funções, serviços, aparelhos, modelos de negócio e fontes de renda sem necessariamente eliminar seu uso tradicional” (CARNEIRO, 2012, Pág. 125). Ou seja, essa evolução não acontece de forma a substituir o que já existe, mas sim a acrescentar a um modelo que já deu certo por muito tempo. Além dos fatores técnicos da inserção da interatividade no meio do fluxo audiovisual, temos os fatores culturais. As possibilidades acabam fazendo necessárias mudanças nos formatos atuais para que eles se tornem atrativos aos olhos do público que já nasceu na era da democracia digital. O público tem que, além de ter acesso a um conteúdo de qualidade, experimentar um acesso irrestrito a esse conteúdo, de forma que ele possa se sentir parte até mesmo da construção da própria narrativa desse produto. Além de receber, o público de hoje quer fazer parte. E isso se aplica também aos conteúdos publicitários, que tem novos desafios para prender a atenção dos espectadores. Com a possibilidade de gravar os programas e assisti-los sem publicidade alguma, deve-se pensar em formas atrativas de se inserir os conteúdos publicitários. E, nesse novo cenário, já temos vários cases que podem ser observados. Uma das empresas que trabalha nesse novo mercado publicitário é a Comcast41, a maior empresa de comunicação em massa do mundo atualmente. Um dos braços da empresa é o setor de anúncios, chamado de Comcast Spotlight42, que tem diversos produtos que unem o conteúdo audiovisual à interatividade do digital. Um desses serviços, o on demand publishing, transforma peças estáticas em vídeos slideshow e os disponibiliza em um arquivo separado por categorias. Lá, o espectador pode procurar pelo que deseja ver e será direcionado a esses anúncios, já filtrados e sem interferência. O serviço fica disponível em um canal da operadora de televisão, podendo assim ser acessado por qualquer um que disponha dos serviços de determinada companhia de TV a cabo. 41 42

http://www.comcast.com/ http://www.comcastspotlight.com/

30

Outro serviço da Comcast é o i-Guide Advertising. Ele deixa a televisão mais interativa ao adicionar banners interativos no guia de programação. Esses banners, ao serem acessados com o controle remoto, levam a algum conteúdo adicional com mais informações sobre o produto. São várias as possibilidades de uso desse sistema, mas talvez as mais interessantes sejam pelas companhias de Video On Demand, que podem anunciar nesses espaço filmes que ainda não estão disponíveis na grade de programação, e também pelas próprias emissoras, que podem redirecionar os espectadores para determinados programas com o uso desse recurso. O AdTag é também um serviço da Comcast que funciona da seguinte maneira: o anunciante cria seu anúncio e o veícula. Esse anúncio será exibido globalmente, com exceção dos últimos 5 segundos, que são planejados de forma segmentada. Ou seja, a maior parte do comercial fica igual mas, no final da peça, o conteúdo exibido vai depender de dados geográficos, demográficos e etc. Digamos que uma revenda de automóveis nacional faça um anúncio por essa plataforma, ela vai veicular seu anúncio e, no momento onde aparecem os contatos da empresa, eles serão direcionados de acordo com o local de onde o anúncio está sendo assistido. E, além de tecnologias para exibição de conteúdo publicitário, temos também exemplos de diversas campanhas que já adotaram os recursos da televisão digital. Um desses casos é o da pizzaria Domino’s e sua parceria com a plataforma TiVo43. As empresas se uniram para fornecer um serviço de entrega de pizzas através do aparelho de televisão dos consumidores. Entrando em um aplicativo específico ou através de links que podem ser colocados durante a programação, o público criar uma conta, pedir sua pizza e acompanhar a realização do pedido pela própria interface. A pizza então pode ser entregue em domicílio ou retirada no restaurante da rede mais próximo. Temos ainda a campanha da Audi que, durante o comercial do carro R8 colocava um aviso na tela mencionando a existência de conteúdo extra. Ao acessar esse conteúdo, o usuário tem acesso ao making of da campanha, mais informações sobre outros veículos da montadora e ainda o pedido do catálogo completo da marca por e-mail ou por correio convencional. Além de atrair mais público, o aplicativo ainda possibilita montar uma base de dados de usuários interessados nos produtos da marca audi.

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Trata-se de um aparelho que permite gravar conteúdo audiovisual em formato digital.

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Todas essas campanhas e plataformas acabam se enquadrando em formatos que Carneiro44 também descreveu. Esses formatos são os seguintes: Dedicated Advestiser Location (DAL), Video Advertiser Location (VAL), Microsite, Tvsite, Impulse Response, Telescoping to Vod, Telescoping to PVR, Remind Me, canal exclusivo e ícone/banner. O DAL é um conteúdo dedicado que fica fora do fluxo televisivo. Ele é acionado por algum botão ou banner que esteja sobreposto ao conteúdo do canal. Após acessar esse conteúdo, o espectador se direciona para algum formulário ou aplicativo interativo que terá a sua atenção por alguns minutos. O VAL é bastante parecido com o DAL, mas o conteúdo extra é um vídeo em tela cheia. O conteúdo acaba sendo menos interativo, mas ao mesmo tempo é mais barato e de produção facilitada. Os vídeos em VAL costumam ser versões extendidas dos comerciais ou making ofs. O Microsite é como uma versão reduzida do DAL. As mesmas funcionalidades, porém apresentadas em um formato mais breve e simples. Costuma ser um formulário de contato, um logotipo ou algum outro conteúdo relativamente conciso. O Tvsite é o primeiro dos modelos apresentados que não interrompe o fluxo da programação. Ele normalmente reduz o conteúdo que está sendo exibido e insere o conteúdo publicitário no restante do espaço. E esse mesmo formato, porém não alterando o tamanho do conteúdo que está sendo exibido é o Impulse Response, onde um anúncio pequeno em forma de barra ou banner é exibido sobre a programação. Os dois formatos mencionados de Telescoping funcionam da mesma forma, são ícones que aparecem sobre a programação e levam o espectador a um conteúdo de Video on Demand ou então para um conteúdo PVR, que é a sigla para Personal Video Recorder, tradução de “Gravador de vídeos pessoais”. O Remind Me é um formato bastante simples. O usuário escolhe ser lembrado de certo conteúdo audiovisual que será veiculado e, quando esse conteúdo iniciar, um informe será exibido na tela do televisor relembrando sobre o início do programa. O Canal exclusivo, como o próprio nome diz, é um programa que transmitirá somente conteúdo produzido por um patrocinador. Normalmente, o caráter comercial desse tipo de produto é diluído em conteúdo cultural para disfarçar a marca por trás do programa. CARNEIRO, Rafael Gonçalvez. Publicidade na TV Digital: um mercado em transformação. Aleph, 2012. p. 153. 44

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E, por último, temos os ícones ou banners. Eles são simples imagens que se sobressaem à programação e, se forem interativos, podem levar ainda a um outro conteúdo. Quando perguntado sobre as principais mudanças que a digitalização poderá trazer ao mercado publicitário, Carneiro respondeu o seguinte: Para mim, tem alguns aspectos que têm que ser levados em conta: a qualidade da imagem, pois, além de ser bem mais nítida, tem a questão da relação de aspecto 16:9 da alta definição. Ainda na linha do conteúdo, temos o áudio, pois, com a tv digital, podemos ter o áudio 5.1, o que enriquece ainda mais a experiência do telespectador. Outro ponto que considero importante é a questão da interatividade, que possibilita mais detalhes e informações associadas ao conteúdo áudio/vídeo e a intervenção do “usuário” no conteúdo de dados. Uma parte bastante importante também é a questão da mobilidade, pois, com a TV digital, é possível receber as imagens em dispositivos móveis (one-seg), gerando uma nova audiência.45

A digitalização do audiovisual, como foi discutida nesse capítulo, abre precedentes para a discussão de nosso objeto de estudo: a Netflix.

CARNEIRO, Rafael Gonçalvez. Publicidade na TV digital: um mercado em transformação. Aleph, 2012. p. 224. 45

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4. Netflix: o mercado audiovisual em transformação Esse capítulo aborda diretamente sobre o nosso objeto de estudo. Contamos sobre o surgimento da empresa e sobre o seu histórico de quebra de paradigmas. Veremos como a empresa sempre teve um olho no futuro e como sempre esteve preparada para encarar as mudanças propostas pela sociedade. Descobriremos também que a empresa já teve seus momentos ruins, justamente por ter conceitos à frente do seu tempo e inaugurar produtos e serviços que hoje são sucesso em uma época onde ainda não havia um aparato tecnológico e nem cultural para o consumo dos mesmos. E o final do trabalho tratará sobre as mudanças trazidas pela Netflix e toda a repercussão das criações da empresa na indústria do audiovisual como um todo. Mostraremos como a empresa modificou não só a forma de se consumir audiovisual, mas também a forma de se pensar audiovisual e a forma de se pensar em negócios, fazendo com que modelos de negócios já consagrados fossem postos à prova e, em diversos momentos, derrubados.

4.1 O surgimento e a consagração da Netflix

Desde o seu nascimento em 1895,46 o cinema passou por diversas revoluções históricas. O fim do cinema mudo em 1927,47 o surgimento do Oscar em 1929, os filmes coloridos em 1935 e, no final dos anos 1970, o surgimento das videolocadoras.48 O advento das fitas de vídeo data do ano de 1975, com o surgimento da sony betamax. Inicialmente, o uso dessas fitas era completamente caseiro, até que, em 1977, Andre Blay convenceu a Twentieth Century-Fox a licenciar 50 de seus títulos para distribuição em Video Home System (VHS) e betamax. Esses vídeos eram distribuídos pelo Video Club of America, que cobrava uma taxa de 10 dólares para a associação e mais 49,95 dólares para a aquisição de cada fita. Essas fitas eram feitas somente para uso doméstico e não para locação.

DALPIZZOLO, Daniel. A História do Cinema - O surgimento da sétima arte, 15 mar. 2007. Disponível em: 47 DALPIZZOLO, Daniel. A História do Cinema – Do mudo ao colorido, 29 mar. 2007. Disponível em: 48 ENTMERCH.ORG. A History of Home Video and Video Game Retailing. Disponível em: 46

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Porém, em dezembro do mesmo ano, George Atkinson, dono de uma locadora de filmes e projetores de Super 849, compraria uma cópia em VHS e uma cópia em betamax de cada um dos filmes no catálogo do Video Club of America e criaria em Los Angeles a primeira videolocadora do mundo. As assinaturas variavam em anuais, por 50 dólares, e vitalícias, por 100 dólares, e davam o direito de alugar os vídeos por um dia, pelo preço de 10 dólares. Atkinson sofreu ameaças de processo por alugar esses vídeos, mas logo descobriu um furo nos direitos autorais que permitiam que ele alugasse e revendesse filmes que ele tivesse comprado. Em 1979, Atkinson já teria mais de 42 lojas afiliadas e mudaria então o nome do seu negócio para The Video Station, começando assim a franquear seu empreendimento. O negócio das videolocadoras foi crescendo até que, em 1985, foi fundada a primeira loja Blockbuster, um dos maiores nomes da história em locações de filmes. Nesse ano, 30% dos lares americanos já possuíam videocassetes e o mercado de locações girava mais de 2,5 bilhões de dólares. No ano seguinte, as fitas de vídeo geraram um capital de 4,38 bilhões de dólares entre aluguel e venda, enquanto as bilheterias de cinema alcançaram a marca de somente 3,78 bilhões. Dez anos depois, em um mercado já prospéro, o Digital Video Disc (DVD) é lançado para alterar ainda mais os paradigmas da comercialização de filmes. Em 1997, Reed Hastings teve a ideia de um serviço de locação de filmes pelo correio. A ideia surgiu de uma conta de 40 dólares por atraso na entrega do filme Apollo 13.50 Devido a essa multa, Hastings começou a desenvolver ideias para possibilitar o envio de filmes pelo correio. Um amigo dele falou sobre a existência dos DVDs, que Reed desconhecia. Após ouvir falar sobre esses filmes distribuídos em discos, Hastings foi até outra cidade, comprou alguns CDs e enviou para si mesmo. Após 24h, os discos chegaram em perfeitas condições na sua casa e ele viu que sua ideia de alugar DVDs era viável.51

Formato cinematográfico predominante na época. Tinha um filme com 8mm de largura e possuía uma banda lateral para que o som fosse gravado em sincronia com a imagem. Perdeu sua força nos anos 90 devido ao avanço das tecnologias relacionadas ao audiovisual. 50 CNN.COM. How Netflix Got Started. Chicago, 28 jan. 2009. Disponível em: . Acesso em: 2 nov. 2013. 51 MUNDODASMARCAS. Netflix. 2 mai. 2007. Disponível em: . Acesso em: 2 nov. 2013. 49

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A ideia inicial era a de um serviço via internet, onde se alugava um filme por correio, mas que funcionava como qualquer locadora física. Com 30 funcionários, um acervo de 925 filmes e tendo resultados abaixo do esperado, Reed Hastings e seu sócio, Marc Randolph, resolveram ser mais radicais e desenvolveram um modelo de negócios diferenciado. Ao invés de se fazer o pagamento por cada filme alugado, ele desenvolveu um formato de assinatura mensal e ilimitado, que funcionava da seguinte forma: após fazer o cadastro no site da empresa, o consumidor tinha direito a escolher até três filmes por vez para serem enviados para ele pelo correio. Junto aos filmes, ia um envelope postal já com as despesas de envio quitadas que deveria ser usado para retornar os filmes após assisti-los, sem data prevista para a entrega. O cliente fazia uma lista de filmes e, automaticamente, quando devolvia os anteriores, a empresa enviava os próximos títulos na lista. Esse modelo foi lançado no ano de 1999.52 No ano seguinte, a empresa desenvolveu o sistema de predição, onde usava as opiniões dos clientes sobre filmes anteriores para sugerir qual poderia ser o próximo filme assistido. Em 2002, a Netflix tinha mais de 800 mil assinantes e começava a roubar público das empresas de locação em formatos comuns. Em 25 de fevereiro de 2007, comemorando um bilhão de DVDs alugados, a Netflix se serviu da tecnologia disponível para oferecer o serviço de Streaming, que em tradução para o português pode ser entendido como “fluxo”. O streaming nada mais é do que a transmissão de conteúdo pela internet. No nosso caso, focaremos no streaming de vídeo, mas a tecnologia abrange quase toda espécie de conteúdo disponível online. Resumidamente, o streaming é uma forma de consumir conteúdo online sem que o download se faça necessário. Reed Hastings conta que “Em 1997, quando começamos, sempre soubemos que o DVD era algo temporário, um ponto de partida. Por isso, chamamos a empresa de Netflix, e não de ‘DVD pelo Correio’”.53 Ele ainda fala que não vê a internet sendo temporária como o DVD e que ela será usada para muitas outras aplicações que, atualmente, só existem em meios físicos.

NETFLIX INC. Netflix timeline. Disponível em: Acesso em: 2 nov. 2013. 53 ERTHAL, João Marcello. A TV do futuro é um grande iPad. Veja, 30 ago. 2012. Disponível em: . Acesso em: 3 nov. 2013. 52

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Indo mais a fundo ainda no passado, temos Negroponte,54 em 1995, prevendo o que poderia ser o sistema desenvolvido pela Netflix. Eu não sei o que você acha, mas eu jogaria fora meu video-cassete amanhã mesmo em troca de um sistema melhor. Para mim, a questão é decidir se é melhor carregar os átomos para casa (e de volta para a locadora) ou receber bits não retornáveis e que não exigem depósito algum. Com todo o devido respeito pela Blockbuster e por sua nova proprietária, a Viacom, eu penso que as videolocadoras sairão de cena em menos de dez anos. (NEGROPONTE, 1995, p. 166).

Obviamente, essa mudança de modelo de consumo ocorreu por causa do aumento da banda de internet disponível para a população, dentre outros fatores. Se em 1997 a internet não era tecnologicamente avançada o bastante para que um filme fosse transmitido em um computador, em 2007 já temos a tecnologia necessária para que isso se torne possível e torne obsoleto o modelo das videolocadoras, que ocupam grandes espaços físicos, tem uma limitação de títulos justamente pela questão estrutural e exigem um processo de retirada e entrega do material que é cansativo e sujeito a falhas. Em 2008, a empresa se associou a diversas companhias de eletrônicos para disponibilizar seu conteúdo através dos produtos produzidos por essas empresas. Entre elas estavam a Microsoft, com seu Xbox 360, a Apple com seus computadores e diversas outras empresas que produziam Blu-Ray players e outros equipamentos de exibição de mídia. Nesse mesmo ano, a empresa passava a marca de 9 milhões de assinantes. E, no ano seguinte, ela chegava com seu aplicativo no videogame Playstation e e em televisões com conexão à internet.55 Em 2010, a Netflix começou a expandir suas fronteiras com o lançamento do serviço no Canadá, trazendo um aumento de 63% nas assinaturas em relação ao ano anterior. No ano seguinte, foi a vez do serviço ser lançado no Brasil. Nessa época, a Netflix ainda mantinha os serviços de streaming e também o de aluguel de DVDs. Mas, fazendo jus ao seu discurso de 1997, Reed Hastings decidiu, em 2011, separar seus dois modelos de negócios em duas empresas diferentes56. Ele criou então a empresa Qwikster para gerenciar a divisão de locação dos discos físicos e manteve a Netflix somente como serviço de streaming. A primeira reação do mercado à

NEGROPONTE, Nicholas. A Vida Digital. Rio de Janeiro, companhias das letras, 1995. 231 p. FUCS, Jose. Reed Hastings: A internet não ameaça a TV. Época, 30 mar. 2012. Disponível em: . Acesso em: 4 nov. 2012. 56 MERIGO, Carlos. Netflix e o fim da tv como conhecemos. 24 jul. 2013. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2014. 54 55

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essa decisão não foi nada positiva. O serviço perdeu mais de 800 mil assinantes e teve uma queda de 60% nas suas ações. Isso fez com que o CEO da empresa voltasse atrás da decisão, admitindo que, talvez, ainda não fosse o momento de integralizar a empresa como uma distribuidora de conteúdo digital. No ano de 2012, o número de assinantes do serviço passa dos 30 milhões, mesmo após a queda de usuários no ano anterior. E, em 2013, a empresa passa a apostar na produção de conteúdo. A série americana House of Cards é anunciada como sendo a primeira produção original com assinatura da Netflix. A série é lançada em um formato diferente do conhecido. Ao invés do lançamento de episódios semanais, visando o aumento da lucratividade com publicidade, a companhia decidiu por lançar toda a primeira temporada de uma só vez, para que os usuários pudessem passar horas seguidas na frente da tela assistindo episódios seguidos da série (esse processo de consumo de conteúdo ininterrupto é chamado de binge view). E a empresa continuou (e continua) investindo em conteúdo, tendo lançado ainda as séries Hemlock Grove, Orange is the New Black e assumido a produção da quarta temporada da já existente Arrested Development. E, em 2013, começaram a surgir os resultados de tais produções. A empresa teve um total de 14 indicações ao Emmy57 2013. Dessas 14, nove foram para House of Cards, três para Arrested Development e mais duas para Hemlock Grove. House of Cards acabou ganhando três desses prêmios58, sendo eles o de melhor elenco para uma série de drama, melhor diretor para uma série de drama e melhor cinematografia em uma série com uma só câmera. E, no globo de ouro de 2014, a atriz Robin Wright foi premiada como melhor atriz em uma série de TV. E o número de assinantes do serviço já passa dos 40 milhões.

4.2 Netflix e Big Data

Uma das coisas mais interessantes no serviço da Netflix é a precisão com a qual ela nos indica novos conteúdos para assistirmos. E, para conhecer tão bem nossas preferências, a empresa usa uma série de dados coletados enquanto consumimos filmes

Premiação para programas de entretenimento televisivos. Disponível em . Acesso em: 15 mai. 2014.

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e séries em sua plataforma. Eles podem usar seus dados para medir os episódios de uma série nos quais os usuários tendem a fechar a janela antes do final. E, em seu banco de dados, cruzar informações entre esses episódios e descobrir se existe um motivo para a taxa de rejeição desses episódios. Digamos que a empresa perceba que em todos os episódios que o personagem x aparece a audiência tende a abandonar o programa antes do final. Isso pode servir como parâmetro para que os próximos episódios sejam pensados de forma a eliminar os elementos que afastam o público da atração. Essa é uma possibilidade que só existe no mundo digital e uma vantagem em relação às métricas disponíveis para o conteúdo audiovisual clássico. Damos à esse sistema de aquisição e gerenciamento de informação o nome de Big Data. Lima e Calazans dizem que “a cada clique, a cada ação, um rastro de dados é deixado pelos indivíduos. Articular esses dados de maneira a gerar conhecimento que pode ser utilizado para fins econômicos é a questão que está por trás do que se tem chamado de “Big Data”59. E, aplicando esse conceito à plataforma da Netflix, temos um sistema quase infalível de predição de conteúdo e também de base de informações para futuras produções. Para termos uma ideia do alcance desses dados, vamos remeter à essa outra passagem de Lima e Calazans: Ela [a Netflix] sabe, por exemplo, quais são os seriados televisivos favoritos de seus clientes; em que dia da semana eles preferem assistir filmes de drama ou de comédia; em qual horário; os atores e diretores presentes nos títulos mais assistidos; entre outros. Dessa maneira, quando a Netflix decidiu investir no mercado de produções audiovisuais, eles sabiam que um drama de teor político, estrelado pelo ator Kevin Spacey e produzido pelo diretor David Fincher seria atraente para a maior parte da sua base de assinantes e teria grandes chances de emplacar.

Com esses dados em mãos, a empresa lançou a série House of Cards em fevereiro de 2013. Como já citado anteriormente, todos os doze episódios da primeira temporada da série foram lançados simultaneamente e não no formato padrão de lançamento, onde um episódio é lançado a cada semana. E essa estratégia de lançamento só foi adotada porque, em poder de uma base de informações tão rica, a empresa sabia que seus usuários tinham o costume de assistir diversos episódios de uma mesma série em sequência, e por isso fugiu do modelo padrão de televisão. A estreia da série foi um sucesso tanto de crítica quanto de público, sendo um dos principais assuntos em

LIMA, Cecília Almeida Rodrigues; CALAZANS, Janaina de Holanda Costa. Pegadas Digitais:“Big Data” E Informação Estratégica Sobre O Consumidor. 2013 59

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diversos sites de redes sociais como Facebook e Twitter e virando rapidamente o título mais acessado no catálogo de filmes e séries da Netflix. Quando a imagem que serviria como “capa” para a série House of Cards foi pensada, dados semelhantes foram utilizados. Para decidir a paleta de cores que seria utilizada na imagem, a empresa buscou dados de séries que atingiam o mesmo públicoalvo da série que seria lançada e, dentro das séries encontradas, procurou aquelas que tinham um maior apelo visual positivo. Eles chegaram à capa de uma versão de 2010 para o clássico Macbeth que fora exibido em uma série da PBS chamada Great Performances60. Então, para a capa de House of Cards, foi usada a mesma paleta de cores da série mencionada. A empresa também usa esses dados para sugerir programas que você gostaria de assistir. Essas recomendações são responsáveis por aproximadamente 75% dos vídeos assistidos usando a plataforma61. Essa lógica de sugestões é tão precisa que a empresa já planeja criar perfis diferentes de exibição para o dispositivo no qual o usuário está usando a plataforma. Se um usuário acessa o serviço pelo seu computador e também pelo seu celular, os dados armazenados vão gerar um padrão que mostrará que, em um dispositivo, o usuário gosta de assistir a um tipo de programa e, quando está no outro dispositivo, gosta de assistir a outro tipo. E, como é citado por Harris em um artigo, esse sistema de predição pode trazer uma economia bastante considerável com publicidade. Ao invés de investir em anúncios para divulgar uma nova série, a empresa pode simplesmente recomendar ela diretamente aos usuários que tiverem um perfil de interesses coincidente com o do novo produto lançado. Harris diz que “A Netflix não precisa gastar milhões de dólares anunciando o novo programa esperando que você fosse assistir – ela saberia que você iria vê-la nas recomendações, saberia que você assistiria e saberia que você iria gostar”.62 É como uma publicidade super segmentada, onde as chances de resultado positivo são muito maiores.

SIMON, Phil. Big Data Lessons From Netflix. wired.com. Disponível em . Acesso em 19 mai. 2014. 61 GIAMAS, Alex. Big Data at Netflix Drives Business Decisions. Infoq.com. Disponível em . Acesso em 19 mai. 2014. 62 HARRIS, Derrick. At Netflix, big data can affect even the littlest things. Gigaon.com. Disponível em . Acesso em 19 mai. 2014. 60

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Os executivos da empresa não são muito claros sobre qual o nível de profundidade existe no conhecimento que eles têm sobre seu público, mas alguns dados que eles coletam já são de conhecimento público, como: mais de 30 milhões de visualizações diárias, incluindo os momentos de pausa, avanço e retrocesso do conteúdo; aproximadamente quatro milhões de avaliações diárias; três milhões de buscas diárias; dados de geolocalização; dados de dispositivo; hora e dia de maior acesso; dados de redes sociais e outros. Reforçando, essas características são possibilidades presentes somente em conteúdos disponibilizados online. Para uma empresa de televisão possuir uma base de dados tão grande sobre o seu público, seriam necessários anos de pesquisas, que custariam um valor que, talvez, tornasse esse método impraticável. E, na internet, obter esses dados é algo barato para as empresas. Basta modelar seu sistema para analisar cada clique e cada interação do usuário. Por isso, emplacar um sucesso na Netflix acaba sendo muito mais fácil do que na televisão. Sobre isso, Bulygo diz que “Redes de televisão tradicionais não tem esses tipos de privilégios em suas transmissões. Os índices são só aproximações, a aprovação de um piloto é baseada em tradição e intuição. Netflix tem a vantagem, porque ser uma empresa de internet possibilita conhecer bem seus clientes, não ter somente uma “persona” ou “ideia” do que seu público em média é parecido”63.

4.3 Netflix e a cauda longa

Diferente da indústria cinematográfica padrão, a Netflix dá igual destaque e espaço para os grandes filmes de Hollywood e para títulos mais obscuros, lançados com menos verba e menos repercussão na mídia padrão. Esse é um comportamento previsto por Cris Anderson em 2006 e é conhecido como o modelo da Cauda Longa64. A própria Netflix é abordada em diversos momentos na obra de Anderson, porém, na época ainda como uma locadora online de títulos de DVD. A cauda longa observada por Anderson consiste em um modelo onde a geração de receita de um negócio não é focada somente em seus grandes sucessos, mas também BULYGO, Zach. How Netflix Uses Analytics To Select Movies, Create Content, and Make Multimillion Dollar Decisions. Disponível em . Acesso em 19 mai. 2014. 64 ANDERSON, Chris. A cauda longa. Elsevier Brasil, 2006. 63

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naqueles trabalhos com menos procura mas que, unidos, formam um grande catálogo e, devido a isso, geram um grande volume de vendas. Podemos usar essa citação de Osterwalder encontrada no trabalho de Garcia e Affini para conceituarmos melhor a cauda longa: Modelos de negócios de cauda longa são aqueles que buscam vender menos de mais: eles focam em oferecer uma grande quantidade de produtos de nicho, cada um vendendo relativamente sem frequência. As vendas agregadas desses produtos de nicho podem ser tão lucrativas como no modelo tradicional onde um pequeno número de best-sellers representam a maior parte da receita. Modelos de negócios de cauda longa requerem baixos custos com inventário e plataformas fortes para fazer os conteúdos de nicho prontamente disponíveis para os compradores interessados. (OSTERWALDER, 2010 – p. 67 apud GARCIA, Guilherme; AFFINI, Letícia Passos. p. 3)

Notamos um conceito que define a base de negócios da Netflix, onde os filmes ganham espaço não por seu sucesso de bilheteria e sim pela probabilidade calculada pelo sistema de sugestões para que o filme seja do gosto do usuário. E esse conceito só é aplicável à Netflix por ela ser uma plataforma virtual, com baixos custos de armazenamento de produtos, pois em uma locadora padrão, onde o espaço físico é restrito, jamais seria possível tratar todos os títulos com a mesma importância. Primeiro, porque, quando falamos de um arquivo digital, um mesmo arquivo é acessado por todos aqueles que estiverem consumindo simultaneamente o seu conteúdo, e em um ambiente físico, para que várias pessoas possam consumir simultaneamente o mesmo título, são necessárias diversas cópias do mesmo. Isso gera uma discussão, pois é inviável, tanto economicamente quanto estruturalmente, adquirir múltiplas cópias de todos os filmes no recinto de uma videolocadora, então a decisão mais recomendada do ponto de vista administrativo é justamente a de ter um número de cópias calculado de acordo com o sucesso de cada título. Outro fator é a facilidade de acesso. Encontrar, em mídia física, um filme de pouco sucesso que foi lançado somente em algum país distante e não tem tradução pode ser um trabalho bastante árduo. Porém, quando falamos de streaming, esse conteúdo pode ser acessado de qualquer parte do mundo e ter seu conteúdo traduzido em algum outro lugar do globo, somente inserindo as legendas no sistema como um segundo arquivo. Esses fatores e diversos outros foram os que estabeleceram a indústria dos “campeões de venda”, que trouxe muito sucesso financeiro para as empresas. Porém, percebe-se hoje que não explorar os mercados de nicho pode ser um grande erro. Eric

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Holter fez, em 2006, uma comparação de caso entre a Netflix e a Blockbuster65. Ele analisa, inicialmente, a locadora física, que dispõe de aproximadamente 3000 filmes no seu estoque. Para essa análise, ele utiliza o Princípio de Pareto, também conhecido como princípio 80-20, que diz que 20% dos títulos da Blockbuster, aproximadamente 600 títulos, são responsáveis por 80% do rendimento da empresa. E, se catalogarmos todos os títulos da empresa e dispormos em uma ordem decrescente de locações, o título de número 3000 terá somente uma ou duas locações mensais. Por uma questão estrutural, a locadora não pode ter um número maior do que 3000 títulos, enquanto a Netflix, na época, possuía um catálogo de 40,000 DVDs. Seguindo o mesmo comportamento do final da cauda, onde os títulos tem pouca procura, a Netflix ainda tem uma vantagem enorme devido ao volume de títulos com poucas locações, e isso faz com que o princípio dos 8020 seja diluído, pois mais títulos são responsáveis por aumentar o rendimento da empresa, aproximando esse modelo de um padrão 50-50. A cauda longa é bem representada por um gráfico que mostra a divisão entre a procura por hits e a procura por produtos de menor sucesso, comparando seus volumes de venda. Um exemplo desse gráfico pode ser visto abaixo:

Figura 2. A cauda longa

Fonte: http://www.noix.com.br/noix-especialista-midias-digitais/a-cauda-longa-nos-dias-de-hoje/

Nessa imagem, está representada a essência do conceito de cauda longa, onde a o início do gráfico é composto por títulos de maior reconhecimento e, ao longo da cauda, se posicionam os menos procurados. E, em um estudo de 2009 publicado no blog do

HOLTER, Eric. Real World Long Tail. 2006. Disponível . Acesso em 24 mai. 2014. 65

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próprio Cris Anderson, podemos ver um gráfico que mostra como a Netflix, de 2000 para 2005, mudou o formato do seu gráfico de cauda:

Figura 3. A representação da cauda do Netflix

Fonte: http://www.longtail.com/the_long_tail/2009/09/netflix-data-shows-shifting-demand-down-thelong-tail.html

Essa imagem mostra como, de 2000 para 2005, a relação entre popularidade e consumo foi diminuindo. Ela mostra que, em 2000, os 500 principais títulos do serviço eram responsáveis por aproximadamente 70% das visualizações do serviço. E, em 2005, esse mesmo número de títulos mais procurados era responsável por menos de 50% das visualizações totais do serviço. Além dessa mudança, nota-se também uma suavização na “barriga” do gráfico, que significa uma maior demanda por títulos menos populares. E o gráfico ainda mostra que 15% de toda a demanda vem dos títulos que estão abaixo da 3000ª posição, que é o número de títulos encontrados em uma locadora física, de acordo com o estudo anterior. Ou seja, 15% das locações da Netflix eram impossíveis de acontecer em locadoras físicas, por questões estruturais e econômicas. Um exemplo desse efeito, na prática, é o seriado americano Arrested Development. O seriado foi ao ar na televisão, pelo canal FOX, de 2003 a 2006. Apesar de ter recebido diversos prêmios, como o Globo de Ouro, e de ter recebido muitos elogios da crítica, a série foi cancelada após a sua terceira temporada. O motivo do cancelamento foi a falta de audiência. A série, na verdade, chegou a ser cancelada em sua segunda temporada, mas os fãs se movimentaram e criaram a campanha “Save Our Bluths”, que fez com que a terceira temporada fosse possível. Esse culto ao redor da série era gerado pela forma

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como a mesma lidava com o humor, pela construção complexa de suas piadas e pela linha narrativa que ligava um episódio ao outro de forma muito consistente. Essas características eram o bastante para criar um grupo fiel de fãs, mas não era o bastante para tornar a série viável para a TV aberta. Porém, seis anos após o cancelamento da série, a Netflix viu uma oportunidade nesse mercado de nicho formado pelos fãs da série. Oliveira66 comenta: Com o passar dos anos, [a série] foi ganhando um culto cada vez maior, com sites sendo feitos, relatando suas piadas ocultas, suas frases famosas, etc. Além disso, as temporadas anteriores eram um dos itens mais alugados e visualizados no Netflix. Querendo se aproveitar desse culto, a empresa de vídeos por streaming Netflix propôs ao criador de Arrested Development que ele escrevesse uma quarta temporada para a série […](OLIVEIRA, 2013, p. 36)

Analisando esse acontecido, podemos ver o seguinte comportamento: a série não era economicamente sustentável em um veículo de massa, onde a produção e a veiculação do conteúdo tem um custo elevado que torna impraticável a exibição somente para agradar grupos reduzidos de pessoas. Porém, no espaço disponibilizado virtualmente pela Netflix, esse público reduzido é um ganho, pois os custos não são tão elevados quanto na mídia de massa. Além disso, com o sistema de sugestão da plataforma, as pessoas que assinarem o serviço por causa de Arrested Development vão acabar consumindo outros produtos recomendados com características parecidas, e ainda vai acontecer também o contrário, onde assinantes antigos do serviço, que não conheciam a série mas tem um perfil compatível com o dos fãs, vão receber a série em suas sugestões e podem virar consumidores frequentes. É o exemplo de um produto que, sozinho, sofreu todo o efeito da teoria da cauda longa e mostrou que, para alguns meios, os mercados de nicho são tão importantes quanto os mercados de massa.

4.4 A concorrência entre Netflix e a indústria audiovisual consolidada

Enquanto replicadora de conteúdo, a Netflix só criou aliados. Porém, ao começar a produzir seus próprios conteúdos e distribui-los de formas diferentes do resto da indústria do audiovisual, a empresa acabou ganhando concorrentes e até mesmo inimigos.

OLIVEIRA, Juarez Böes de. Narrativa seriada na TV e na Internet: uma análise de Arrested Development. 2013. 66

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Tim Bajarin, presidente da empresa Creative Strategies, que análisa a indústria tecnológica, disse que "A aprovação de Hollywood permite ao Netflix competir com grandes potências do mundo da televisão a cabo, e, além disso, consolidar sua posição como líder em uma indústria de serviços que, eventualmente, mudarão a forma como a maioria de nós recebe conteúdos de televisão e vídeo no futuro"67. O que acontece é um movimento de pessoas que estão mudando seus hábitos de consumo, saindo do antiquado modelo com grades de horário, publicidade excessiva e programação de massa para uma plataforma de conteúdo personalizável, onde se assiste somente ao que se quer, na hora em que se quer, sem interrupções publicitárias. O gráfico abaixo apresenta números interessantes sobre a propensão do público a não assinar serviços de TV paga. Na primeira coluna, vemos os números relativos a todos os lares, na do meio, uma restrição entre pessoas de 18 a 34 anos e, na última, entre pessoas que possuem conta na Netflix ou no serviço de streaming Hulu, semelhante à Netflix.

Figura 4. Porcentagem de lares dos EUA não propensos a assinar TV paga

Fonte: http://www.proxxima.com.br/home/negocios/2014/04/17/Netflix-pode-acabar-com-servico-deTV-a-cabo-diz-estudo.html

AGÊNCIA EFE. O site de streaming Netflix é o novo HBO? Exame Info. Disponível em . Acesso em: 22 mai. 2014

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O que o gráfico acima mostra é que, em uma porcentagem geral, no ano de 2013, 6.5% dos lares não são propensos à contratação de TV paga. Quando restringimos essa pesquisa a lares que possuem contas em algum dos dois serviços de streaming mencionados, a probabilidade da não assinatura sobe para 18,1%, o que nos mostra que o público que já consome a Netflix é menos propenso a continuar consumindo os serviços de TV paga. Esse outro gráfico mostra o crescimento da Netflix em horas assistidas. O gráfico tem dados que vão desde outubro de 2011 até o primeiro trimestre de 2014.

Figura 5. Progressão de horas assistidas na Netflix

Fonte: http://www.btigresearch.com/2014/05/20/netflix-domestic-subscribers-now-stream-over-100minutes-every-day/

Podemos ver que, em 2011, eram consumidas 0,66 bilhões de horas/mês de conteúdo na Netflix, o que fazia dela o 15º canal de conteúdo audiovisual mais consumido dos EUA. Analisando os números do primeiro trimestre de 2013, a Netflix

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cresceu das 0,66 bilhões de horas/mês em 2011 para 1,2 bilhões de horas/mês, o que nos dá um crescimento de aproximadamente 81%. Nesse mesmo período, a líder CBS passou de 3,4 bilhões de horas/mês para 3,3, o que dá uma redução de 2%. Ou seja, enquanto a Netflix cresceu aceleradamente, a indústria perdeu espaço. Podemos ver ainda que, do primeiro trimestre de 2013 para o primeiro de 2014, a empresa teve um crescimento de 33%, chegando ao total de 1,8 bilhões de horas/mês de conteúdo consumido. Em uma matéria de Daniel Carlson68, ele fala sobre os motivos que ele acredita fazerem a diferença para que as pessoas migrem da televisão para a Netflix. Ele fala que parte das razões dessa migração é devido ao modelo de Binge View adotado pela empresa, no qual todos os episódios de uma temporada de uma série são disponibilizados prontamente, ao invés de lançados cada um em uma semana. Carlson diz que “Netflix torna mais fácil do que ninguém nunca pensou que seria devorar programas de TV, assistindo hora após hora sem ter que parar” (tradução nossa). Ele ainda fala que o grande sucesso da empresa é devido ao fato de ela emular o modelo de exibição da televisão. Enquanto companhia de locação de DVDs, a Netflix retinha seu sucesso nos filmes. Porém, atualmente, grande parte do investimento da empresa está em séries e programas de tv. Carlson explica que isso acontece porque somos mais propensos a consumir conteúdos rápidos, de 20 a 40 minutos, do que um filme que tem, em média, 90 minutos. E por mais que passemos horas assistindo a um seriado, a sensação de assistir a vários produtos de pequena duração é diferente da de assistir a um longo. Sabemos que teremos uma chance maior de abandonar a tela quando temos uma quebra entre um episódio e outro. A nossa cultura ainda encara o filme como algo maior, como um acontecimento. Isso é explicado nessa passagem de Carlson: Filmes continuando passando a sensação de eventos, ou ao menos experiências de visualização mais dedicadas, mas a TV é aquilo que você tem ao fundo quando você está checando a sua correspondência, dobrando a roupa ou quando você só precisa espairecer por alguns minutos antes do trabalho. Filmes são coisas que assistimos, mas a TV é algo pelo qual passamos, surfamos, patinamos por cima, e então paramos. Filmes são apresentados em uma sala escura onde somos desencorajados de falar ou distrair nossos vizinhos; a TV é exibida em uma sala clara, como se fosse parte do ambiente como qualquer outra coisa, e ela raramente necessita da nossa total atenção (CARLSON, 2014). CARLSON, Daniel. The battle of the binge: How Netflix became a TV powerhouse. 2014. Disponível em . Acesso em 25 mai. 2014.

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O pesquisador usa isso para mostrar o motivo da estratégia da Netflix de transformar seu conteúdo em algo mais parecido com a televisão e de como o serviço tem mudado para “recriar o sentimento de zapear através de uma rede de TV a cabo em uma tarde desocupada, procurando e escolhendo programas como uma forma de ocupar as horas com blocos de alguns minutos”, como dito pelo próprio Carlson. O que vemos é que, enquanto companhia de locação de DVDs, a Netflix procurava usar um modelo já existente, porém com adaptações e reformulações que o deixasse mais atrativo para a população, e é isso que ele continua fazendo ao adaptar o modelo de transmissão televisivo de forma a atrair o público da internet. E a televisão também corre atrás do mercado criado pela Netflix. Em um artigo69 publicado no site da BBC Brasil, Kelion fala sobre as novas apostas da Netflix e também de outras grandes empresas que esperam entrar no mercado de conteúdo on-demand via streaming. Ele cita as empresas Microsoft, Sony e Amazon que estão investindo na produção de séries exclusivas para o público online. A Microsoft, dona do sistema de jogos de videogame Xbox, pretende lançar as séries Halo e Humans na sua plataforma online Xbox Live. Já a Sony, que é concorrente da Microsoft no mercado de videogames, está produzindo a série Powers, série sobre detetives que investigam pessoas com “super poderes”. E a Amazon, conhecida mundialmente pela sua plataforma de comércio eletrônico, investiu pesado em seu programa instant video e adquiriu os direitos de diversas séries, entre elas o drama pós-apocalíptico The After, uma produção encabeçada por Chris Carter, criador da série Arquivo X. Nesse mesmo artigo, ele ainda fala sobre as mudanças do padrão de conteúdo que o público prefere consumir. Ele fala sobre como, no passado, era arriscado criar narrativas longas e complexas, que se desenrolavam por vários capítulos, pois isso não prendia a atenção do público. As séries eram feitas com narrativas que começavam e acabavam em um mesmo episódio, o que prendia mais público e permitia uma maior venda de publicidade. Porém, isso mudou na era digital. Kelion diz que “Cada vez se tornam mais comuns os pacotes que podem ser cancelados a qualquer momento, sem que o cliente tenha de optar por uma assinatura anual. Séries mais longas e que podem "viciar" o espectador ganham mais sentido nessa nova realidade”.

KELION, Leo. Netflix, Amazon e Sky investem em séries na briga por mercado de streaming. Disponível em . Acesso em 20 mai. 2014 69

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Quando olhamos para o mercado brasileiro, também temos situações de competição entre a televisão e a plataforma de streaming. Em outubro do ano passado, quando esteve no Rio de Janeiro para anunciar o vencedor de um prêmio que buscava dar visibilidade a algum filme brasileiro de pouca repercussão, o portal de conteúdo online UOL entrevistou Ted Sarantos, executivo da Netflix. Na entrevista70, Sarantos falou sobre a resistência da Rede Globo em disponibilizar seus programas no catálogo brasileiro do serviço. Ele comenta que “é uma situação única no mundo. É a única grande rede de televisão que não negocia com a gente”. Ele ainda comenta que parece que a Globo tem a plataforma como uma ameaça, mas ele vê a Netflix como um complemento ao sistema. Ele fala também que “A Globo vende novelas para a gente, mas para exibição em outros mercados da América Latina”. Ele então dá o exemplo da série americana Breaking Bad e a retomada de sucesso que ela teve graças ao serviço de streaming. Além disso, ele fala que, nas duas semanas após a exibição do episódio final da quinta temporada do seriado, o episódio piloto da série era o título mais visto pelos assinantes do serviço. Isso mostra a complementaridade das plataformas, onde a TV tem o ineditismo dos novos episódios, mas a Netflix tem o interesse daqueles que gostariam de assistir aos episódios que a televisão já passou e não está reprisando no momento. Questionada sobre isso, a Globo se posicionou de forma bastante rígida quanto a essa posição e declarou que não tem pretensão em mudar o seu sistema. “Acreditamos que a exploração do nosso conteúdo, na web ou na TV paga, deve ser feita por nós, através de um sistema de distribuição próprio”, foram as palavras do setor de comunicação da Rede de TV. A Globo ainda falou que tem sua própria platagorma, a Globo TV +, onde todo o conteúdo da transmissora fica disponível após três horas de sua exibição, e que acreditam que eles estão no caminho certo para criar a cultura de consumo online do seu conteúdo por eles mesmos, sem ajuda de uma outra plataforma.

STYCER, Maurício. Netflix vê "excesso de cautela" da Globo em não dividir bolo da nova TV. uol.com.br. Disponível em . Acesso em 25 mai. 2014 70

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5. Considerações finais A tecnologia tem mudado numa velocidade cada vez maior, e essas mudanças fazem também com que a nossa cultura e a nossa economia mudem junto. E vivemos num momento dessas mudanças. O mundo digital ainda tem muito a nos oferecer e estamos, aos poucos, aprendendo a tirar dele tudo que ele pode nos dar. E isso também se aplica ao mercado de audiovisual. Tínhamos a cultura de sentar na frente da televisão e deixar ela acontecer, então trocamos a tela da televisão pela tela do computador e, de repente, a nossa TV não era mais o bastante. Não adiantava assistir, queríamos fazer parte, construir aquilo que estávamos consumindo. E aí entrou a Netflix. Em 2008, Jenkins já falava sobre esse movimento. Ele via os sinais nascentes do que estava mudando. E um ano antes de Jenkins nos falar sobre a convergência, ela era colocada em prática na Netflix. Disponibilizando conteúdo audiovisual on-demand, a empresa construiu um império e, ao mesmo tempo, modificou todo o mercado no qual se situava. Afinal, poder assistir às suas séries preferidas sem precisar esperar uma semana para cada capítulo e não tendo pausas comerciais é, com certeza, um diferencial bastante competitivo. E essa transformação era uma questão de tempo, levando em conta que, em 1995, Negroponte já havia previsto que isso aconteceria. E, com as mudanças trazidas pela Netflix e por todos os outros serviços de conteúdo sob demanda, o mercado começou a aprender que teria que se adaptar para se manter vivo. Começa-se a notar que os antigos modelos de negócio oriundos da antiga indústria não dão os mesmos resultados e, talvez, em um futuro não muito distante, não tenham mais espaço. E quais seriam as soluções para isso? Como monetizar e tornar rentável uma indústria de acesso tão fácil mas, ao mesmo tempo, dinâmica e de difícil penetração? Muitos acreditam em soluções de Branded Content, onde as marcas são as próprias produtoras de conteúdo e acabam se vendendo de uma forma mais implícita. Muitos acreditam no merchandising ou no product placement, onde a ação publicitária acontece dentro do próprio programa. E a Netflix segue apostando no seu modelo de mensalidade, onde se paga um valor mensal e se tem acesso a todo o catalogo do serviço, sem publicidades e sem limite de uso.

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Mas, de novo, estamos na internet. Como prender um consumidor que pode, em uma pesquisa rápida, ter acesso gratuito (por mais que seja ilegal) ao conteúdo pelo qual você está cobrando? É aí que mora o segredo da Netflix: a experiência. A empresa conhece seu usuário de forma tal que pode prever seu comportamento e personalizar a experiência do usuário, fazendo com que tenhamos a sensação de que cada pessoa tem um Netflix diferente, construído inteiramente para si próprio. A TV digital ainda não é uma realidade plena e, por isso, ela não pode fornecer toda a interatividade e imersão que a Netflix oferece. Além disso, a TV digital está somente na TV. A Netflix está na TV, no computador, no celular, no videogame, no tablet. Ela mostra um novo modelo, onde, ao invés de o usuário ter que sair do seu lugar atual para se deslocar até a frente de uma tela específica, ela vai até a tela que o usuário está usando no momento. E é assim que funciona o mundo digital, o conteúdo nos descobre e nos alcança, selecionando seus “alvos” pelo perfil do usuário. Mas isso não significa que tudo que foi construído no passado se torna inútil com as novas tecnologias. Pelo contrário, vemos que o hoje é somente uma evolução do ontem, somando novas características ao que já existia. A televisão, em seus três estágios (paleotelevisão, neotelevisão e hipertelevisão) é um exemplo de que o novo traz consigo várias características do passado. Porém, a Netflix continua desafiando os modelos já propostos. Comercialmente, quando se tem publicidade, pode parecer mais sensato disponibilizar uma série da forma feita pela tv, semanalmente, podendo segurar assim o consumidor por mais tempo e, consequentemente, fazendo-o consumir mais publicidade. Mas na plataforma da Netflix isso funciona diferente. Eles acreditam que, hoje em dia, essa espera não tem mais espaço. Ninguém quer ter que esperar uma semana inteira para poder saber a continuidade de uma história. Essa é uma época de velocidade, de dinamismo, onde as pessoas tem pouco tempo de sobra, então, se ela quiser perder esse pouco tempo todo assistindo à sua série preferida, ela deve ter o direito de fazê-lo. Com todas essas características, a Netflix, que nasceu como um serviço de locação de filmes, fruto de uma multa por atraso, hoje é concorrente direto de grandes estúdios de Hollywood e canais de televisão, e vem sendo um dos principais obstáculos no caminho desses gigantes do passado. Uma empresa que, sempre tendo o olhar no futuro, inova a cada passo e mostra que, por mais que tenha nascido analógica, é uma empresa

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que entende perfeitamente o mundo digital e o seu mercado. É um produto que foi pensado em uma época onde as pessoas ainda não estavam prontas para recebe-lo e, no momento certo, chegou explorando exatamente a brecha deixada pelos antigos modelos de transmissão e produção de conteúdos audiovisuais. Hoje, sendo uma distribuidora e produtora de conteúdo audiovisual online, a Netflix traça o que pode ser o futuro do mercado audiovisual. Com todas as suas ferramentas para medir seus resultados e conhecer o seu público, a proposta da Netflix, que é o segredo do seu sucesso, é simples: prometemos tentar entregar o produto mais próximo do que o que você quer, pois te conhecemos e podemos antecipar as suas vontades. E, quando o assunto é conhecer seus clientes, a Netflix é um caso de sucesso.

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