Nidoparasitismo por várias fêmeas de vira-bosta (Molothrus bonariensis) (Passeriformes: Icteridae) em ninho de pipira-vermelha (Ramphocelus carbo) (Passeriformes: Thraupidae) em São Carlos, São Paulo, Brasil

May 27, 2017 | Autor: Augusto Batisteli | Categoria: Brood Parasitism, Molothrus bonariensis
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Nidoparasistismo por várias fêmeas de vira-bosta (Molothrus bonariensis) (Passeriformes: Icteridae) em ninho de pipira-vermelha (Ramphocelus carbo) (Passeriformes: Thraupidae) em São Carlos, São Paulo, Brasil Augusto F. Batisteli1 & Carolline Z. Fieker2 O vira-bosta ou chopim, como também é popularmente nomeada a espécie Molothrus bonariensis, é um icterídeo que ocorre na América Central e América do Sul, e pode ser encontrado em todo o Brasil (Sick 1997). Seu comportamento como parasita de ninhos é amplamente conhecido. Muitas espécies já foram ou vêm sendo descritas como vítimas “hospedeiras” desta ave, tanto no Brasil (Sick 1997, Dornas 2008) como nas demais áreas de ocorrência (Friedman & Kiff 1985, Astié 2003, Fiorini et al. 2005). Segundo Sick (1997), no Brasil, 58 espécies de Passeriformes são registrados como hospedeiros do vira-bosta. Entre elas, 13 espécies de Traupídeos, inclusive o Ramphocelus carbo, pipiravermelha. Em algumas regiões, o gênero Ramphocelus é tão afetado por Molothrus bonariensis que pode ter a sua reprodução comprometida (Sick 1997). O caso a seguir é o relato de um evento de nidoparasitismo por várias fêmeas de M. bonariensis em um único ninho de R. carbo, ocorrido no início do período reprodutivo do ano de 2008.

Figura 1. Dia 17 de setembro de 2008. Quatro ovos da ave nidoparasita, o Molothrus bonariensis, e apenas um ovo de Ramphocelus carbo, espécie dona do ninho. Foto: Danilo J.Tomaz.

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Nos dias 9 e 10 de setembro de 2008, uma fêmea de Ramphocelus carbo foi observada coletando material para nidificação e seu ninho foi localizado. Desde então, acompanhamos periodicamente o andamento deste evento reprodutivo até o seu desfecho. O ninho foi construído a poucos centímetros do chão em um arbusto rodeado por gramíneas, o qual se encontrava à margem de uma represa com área correspondente a 4,6 ha localizada em área urbanizada da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), campus de São Carlos, SP. Na mesma margem cresce uma vegetação regenerante característica de ambientes úmidos (mata ripícola e brejos), com muitas espécies de plantas invasoras presentes, que ocupa aproximadamente 2,6 ha. A 90 m do ninho, encontra-se um fragmento florestal com aproxidamente 9 ha composto por Pinus sp. e Eucalyptus sp., com sub-bosque arbustivoarbóreo nativo já estabelecido. O ninho possuía a forma de tigela e era composto por gravetos, folhas secas de capim e principalmente por acículas de Pinus sp. Também observamos a utilização de crina de eqüinos. Poucos dias depois, logo após a finalização do ninho (15 de setembro de 2008), foi registrado o primeiro ovo: de aspecto rom-

Figura 2. Dia 21 de setembro de 2008. Seis ovos de M. Bonariensis no ninho de R. carbo. Foto: Danilo J.Tomaz. Atualidades Ornitológicas Nº 162 - Julho/Agosto 2011 - www.ao.com.br

Figura 3. Dia 25 de setembro de 2008. Fêmea de Ramphocelus carbo, a pipira-vermelha, em seu ninho, incubando somente ovos de Molothrus bonariensis. Foto: Danilo J.Tomaz.

Figura 4. Dia 3 de outubro de 2008. Um filhote recém eclodido e quatro ovos do vira-bosta, M. bonariensis, no ninho da pipira-vermelha, R. carbo. Foto: Danilo J.Tomaz.

budo, azul-esverdeado e com manchas escuras esparsas na base mais abaulada. No dia seguinte, 16 de setembro, a fêmea já chocava dois ovos semelhantes. Entretanto, em um curto intervalo de tempo, do amanhecer às 11h da manhã do dia 17 de setembro, quatro ovos de Molothrus bonariensis haviam sido depositados no ninho de Ramphocelus carbo. É possível afirmar que quatro fêmeas de Molothrus bonariensis parasitaram o mesmo ninho nesta data, já que as fêmeas da ave parasita não põem mais que um ovo por dia (Sick 1997). Um dos dois ovos de R. carbo havia desaparecido. No dia 18 de setembro, eram cinco os ovos de Molothrus bonariensis e apenas um de Ramphocelus carbo. No dia seguinte, o único ovo da pipira-vermelha apresentou uma fratura em forma de trinco em sua casca. A fêmea, bastante agressiva, mostrou-se mais empenhada na defesa do ninho do que havia sido desde o início das observações. No dia 22, havia no interior do ninho seis ovos do vira-bosta, e o ovo de pipira-vermelha não foi encontrado. A situação foi a mesma nos dias seguintes. Dos seis ovos de Molothrus bonariensis empilhados dentro no ninho apenas um eclodiu. A eclosão ocorreu no dia 02 de outubro de 2008, data em que também foi verificado o desaparecimento de um dos ovos, enquanto os outros quatro ainda permaneciam intactos no ninho. A partir de 06 de outubro, o ninho continha apenas três ovos e o filhote, que sobreviveu até abandonar o ninho, em 16 de outubro, em seu 15º dia de vida. Acreditamos que a existência de uma trilha a 1 m de distância do ninho possa ter facilitado a localização deste pelas fêmeas de Molothrus bonariensis. Esta trilha é frequentemente utilizada por pedestres e ciclistas ao longo do dia, sobretudo nos horários antes e após os períodos diurnos de aulas (antes das 8 h e entre 17 e 18 h). Tais períodos coincidem com os picos de atividade dos pássaros, logo ao amanhecer e próximo ao entardecer. A alta movimentação humana no local da nidificação despertava reações agonísticas mais intensas do casal de Ramphocelus carbo, até mesmo durante o período de construção do ninho. Este fator pode ter sido determinante neste caso de super parasitismo, pois os comportamentos agonísticos podem ter atuado como sinalizadores às fêmeas de M. bonariensis em busca de um ninho para ser parasitado. Até o momento, não há estudos suficientes para concluir quais fatores interferem mais fortemente na determinação no número de ovos do vira-bosta em um mesmo ninho parasitado. Há registros de até oito ovos de Molothrus bonariensis em um

ninho de Pseudoleistes virescens (Mermoz & Reboreda 1999), cinco a sete ovos por ninho de Troglodytes aedon, e de dois a oito ovos em ninho de Mimus saturninus (Reboreda et al. 2003). Essa variação possivelmente ocorre em função do tamanho da população do nidoparasita no local e/ou da disponibilidade de ninhos hospedeiros, além das particularidades que facilitem ou dificultem a localização do ninho pelos parasitas, como o comportamento da espécie hospedeira, o tipo e o local de construção do ninho. Adicionalmente a este registro, observamos também no campus da UFSCar filhotes de vira-bosta sendo alimentados pelas espécies Myiodynastes maculatus, Turdus leucomelas, Turdus amaurochalinus, Tangara cayana e Zonotrichia capensis.

Atualidades Ornitológicas Nº 162 - Julho/Agosto 2011 - www.ao.com.br

Agradecimentos Agradecemos as fotos cedidas pelo fotógrafo da natureza Danilo J. Tomaz, as considerações feitas por Matheus G. Reis, e a presença em campo deles. Agradecemos também aos membros do Grupo de Estudos Ornitológicos de São Carlos pelo apoio e amizade. Referências bibliográficas Astié, A.A. (2003) New Record of Shiny Cowbird (Molothrus bonariensis) Parasitism of Black-chinned Siskins (Carduelis barbata).The Wilson Bulletin115(2):212-213. Dornas, T. (2008) Descrição de ninho e ovos do cardeal-de-Góias Paroaria baeri e relato de nidoparasitismo na região do Cantão, vale do rio Araguaia, Tocantins, Brasil. Cotinga 30: 68–69. Fiorini, V.D., A.A. Astié, D.T. Tuero & J.C. Reboreda (2005) Éxito reproductivo del tordo renegrido (Molothrus bonariensis) em hospedadores de distinto tamaño corporal. El Hornero 20(2):173-182. Friedman, H. & L. F. Kiff (1985) The parasitic cowbirds and their hosts. Proceedings of the Western Foundation of Vertebrate Zoology 2:226-302. Mermoz & Reboreda (1999) Egg-laying behaviour by shiny cowbirds parasitizing brown-and-yellow marshbirds. Animal Behaviour , 58:873-882. Reboreda, J. C., Mermoz, M. E., Massoni, V., Astié, A. A., & Rabuffetti, F. L. (2003). Impacto del parasitismo de cría del tordo renegrido (Molothrus bonariensis) sobre el éxito reproductivo de sus hospedadores. Hornero, 18(2):7788. Sick, H. (1997) Ornitologia Brasileira. Edição ampliada e revisada por J.F. Pacheco, 2001. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira. 1

Ciências Biológicas – UFSCar. Contato: [email protected] 2 Ecologia e Recursos Naturais – UFSCar. Contato: [email protected] 15

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