Nietzsche e Pessoa: doze textos

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Antonio Cardiello é doutor em Filosofia pela Universidade de Lisboa e membro do NIL (Nietzsche International Lab), do Ifilnova (Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa). É investigador do Núcleo de Estudos de Literaturas de Língua Portuguesa e Ética da Universidade de São Paulo (NELLPE). Participou em conferências e colóquios, e é autor de vários artigos em revistas científicas, jornais e obras colectivas. Interessa­ ‑se pelo pensamento português contemporâneo e pela aproximação entre tradições filosóficas ocidentais e orientais.

Esta colectânea de ensaios procura fazer uma aproximação entre o poeta filosó‑ fico multifacetado Fernando Pessoa e o filósofo dramático­ ‑poético Friedrich Nietzsche. Por um lado, revela a influên‑ cia e o impacto que Nietzsche exerceu sobre Pessoa; por outro, ao relacionar os dois autores, permite também explorar temas tão diversos como a consciência, o cosmopolitismo, o fingimento e o artis‑ ta, a multiplicidade de estilos e perspec‑ tivas, o neopaganismo, a relação entre criatividade e loucura, a mitologia cria­ tiva, a pluralidade do sujeito, o conceito do nada e o niilismo, a metafísica das sen‑ sações, a estética não­‑aristotélica e a crise geral da modernidade. O que aqui está em jogo é uma troca criativa de ideias a partir da qual se tornará clara a vantagem de ler Nietzsche à luz de Pessoa e Pessoa à luz de Nietzsche. — da Introdução

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Bartholomew Ryan nasceu na Irlanda e é investigador, escritor e músico. Licenciou­‑se em Filosofia e Ciência Política no Trinity College Dublin, fez um mestrado em Filosofia (distinguido com o Professor Magennis Memorial Prize) na University College Dublin, e doutorou­‑se na Aarhus Universitet, na Dinamarca. Foi professor no Bard College Berlin, na Alemanha (2007­‑2011), e actualmente é investigador de pós­‑doutoramento no Ifilnova (Instituto de Filosofia da Universidade Nova de Lisboa), onde desenvolve um projecto sobre o Teatro do Eu em Kierkegaard e Pessoa. Marta Faustino é investigadora do Ifilnova (Instituto de Filosofia da Nova) e membro do NIL (Nietzsche International Lab). Licenciou­‑se em Ciências da Comunicação (2002) e Filosofia (2005) na Universidade Nova de Lisboa, e doutorou­‑se em Filosofia (2013) na mesma instituição, com uma tese sobre Nietzsche e a grande saúde. Desenvolve actualmente o seu projecto de pós­‑doutoramento sobre a ideia de terapia no pensamento ocidental, com especial foco em Nietzsche e Foucault.

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interesse crescente pelo estudo comparatista das obras de Friedrich Nietzsche e Fernando Pessoa está a ser acompa‑ nhado por um importante regresso às fontes documentais. Pablo Javier Pérez López — que neste volume assina um texto intitu‑ lado «Nietzsche em Pessoa: quatro referências inéditas e um qua‑ dro geral de presenças e leituras» — é um dos investigadores que de forma mais decidida têm procurado Nietzsche no espólio pes‑ soano. Este dossiê, que seria impossível sem o trabalho prévio de Pérez López, complementa as pesquisas do investigador valliso‑ letano e retoma uma questão já tratada em Pessoa Existe? (Pizarro, 2012): aquela das dificuldades inerentes à edição da obra do autor do Livro do Desassossego. «Parece­‑me necessário», escrevia em 2012, «reconhecer certos erros — mesmo que estes já tenham sido corri‑ gidos ou venham a ser corrigidos com o tempo — para alertar sobre a sua existência, mas também, e mais importante ainda, para convi‑ dar os leitores a não sacralizarem textos e editores, bem como a não deixarem de desconfiar das suas leituras» (Pizarro, 2012: 235). Pessoa obriga­‑nos a regressar às suas «arcas» com uma assiduidade mínima e a verificar o que já dávamos por adquirido. Em 2012 comecei por reconhecer uma leitura deficiente numa obra editada por mim, Escritos sobre Génio e Loucura (Pessoa, 2006), para mostrar «até que ponto uma palavra pode ocultar outra e como esta ocultação torna passíveis de revisão praticamente todas as transcrições e todos os índices onomásticos» (Pizarro, 2012: 236). [389]

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o abrange, o limite, o define, sob vista lúcida» (Pessoa,1988: 96); «é preciso ter n’um olhar que o abranja, o limite, o defina». Texto 7. Publicado na edição crítica das Obras de António Mora; transcrição revista por Manuela Parreira da Silva em O Regresso dos Deuses: «Porque na verdade o que importa é que na doctrina d’ella a Sciencia do christan subsiste» (Pessoa, 2002: 212); «Porque na ver‑ dade o que importa é que na doctrina d’elle a essencia do christan subsiste» (Pessoa, 2013: 74). Faltava sobretudo emendar uma frase: «é para o proprio a vontade de equilibrio» (Pessoa, 2013: 74); «é preciso oppôr a vontade de equilibrio». Texto 8. Trata­‑se de um testemunho dactilografado. Estava: «mas um allemão» (Pessoa, 1968: 135); lê­‑se: «mas um allemão allemão». Não me parece que a repetição seja necessariamente um erro; mais parece uma ênfase. Texto 9. Faltava estabelecer bem a última frase (e não só): «we cannot say they were something which is not particularly done» (Pessoa, 2012a: 19); «we cannot say they were something we did not particularly owe». Estes exemplos serão suficientes para justificar a reedição dos textos seguintes e para sugerir a publicação integral de todos os tex‑ tos já localizados por Pablo Javier Pérez López. A crítica literária ou filosófica pode ser acompanhada pela crítica textual e, no caso de autores maioritariamente póstumos, como Nietzsche e Pessoa, convém voltar às fontes e confrontar diversas edições. «Over the last decade in Portugal», observa Bartholomew Ryan, «at least one book is published each year that is attributed to Fernando Pessoa, whe‑ ther it is an unfinished project, notes, letters, reflections, fragments, or new alternative editions» (Ryan, 2015: 318). O ritmo de publica‑ ções pessoanas é altíssimo e é bom que seja acompanhado de pen‑ samento crítico e de indagações filológicas. Por expansão, por rigor, mas também para homenagear Nietzsche, que foi filólogo, e Pessoa, que quis ser um novo arauto da língua portuguesa.

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7. [trecho de o regresso dos deuses de c. 1917] 27

Nietzsche Nós, verdadeiros pagãos, sentimos que elle não é nosso. O disfarce do liberto não sabe occultar o agachado do escravo. Sob o ◊ vela a ◊ do servo. Porque na verdade o que importa é que na doctrina28 d’elle a essencia do christan subsiste — cousa que está não † ◊ mas na substi‑ tuição do spirito do absoluto ao do relativo. Ascetismo do sacrificio; ou ascetismo da crueldade — que importa? — Contra a vontade de excedencia, que characteriza Nietzsche, como a todos os christãos, é preciso oppôr a vontade de equilibrio. Pelo equilibrio o mundo resiste. O que é a vida senão um equilibrio entre a integração e a desintegração?29 A crueldade contra si­‑proprio, que N[ietzsche] prega, tem, até, um sabor christan que não engana. Aqui se rompe os trapos pôdres com que o christan busca destruir os do liberto. Aqui se revela, em todo o seu abjecto sentir, o spirito ascetico e excedencial. Pouco importa que a esse Absoluto se chame a Vida, ou o Bem, ou a Verdade. É um absoluto. — Mas não será o equilibrio um absoluto? Não o pode ser porque é essencialmente relação? 30

27  Revisto; cf. Pessoa, 2002: 212. 28  Salvo erro, «doctrina» com «c». 29  Trata­‑se de uma ideia de Herbert Spencer sobre a integração e a desintegração da vida muito citada por Fernando Pessoa. Ver Pizarro, 2007: 50­‑ 54. 30  Texto manuscrito a lápis no verso da contracapa do livro The Evolution of Industry (1912), de David Hutchison MacGregor; ver Pizarro, Ferrari e Cardiello, 2011.

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ÍNDICE

Agradecimentos Siglas e formas de citação

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introdução Intervalos, interseccionismos e a pluralidade do sujeito17 E S T RO F E Eduardo Lourenço: Nietzsche e Pessoa ANTÍSTROFE intervalo i: raízes, referências e conversas Bartholomew Ryan: Orpheu e os filhos de Nietzsche: caos e cosmopolitismo Pablo Javier Pérez López: Nietzsche em Pessoa: quatro referências inéditas e um quadro geral de presenças e leituras Antonio Cardiello: O devir­‑pagão e o regresso aos deuses Richard Zenith: Uma leitura nietzschiana de Pessoa e os heterónimos  Fabrizio Boscaglia: Nietzsche, Pessoa e o islão: notas sobre a recepção de Der Antichrist por Fernando Pessoa 

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intervalo ii: entre filosofia e poesia João Constâncio: Pessoa & Nietzsche: sobre «não ser nada» Oswaldo Giacóia Júnior: «Única é a condição do Homem na linguagem» André Boniatti: Apontamentos sobre a presença do pensamento de Nietzsche na poesia de Alberto Caeiro Filipa de Freitas: Nietzsche, Kierkegaard e Pessoa: a existência do poeta Ernani Chaves: O poeta, a mentira, o fingimento intervalo iii: a estética da pluralidade Maria Filomena Molder: A diferença entre outrar­‑se e tornar­‑se naquilo que se é Maria João Mayer Branco: Notas sobre a «estética não­‑aristotélica» de Nietzsche e Pessoa Marta Faustino e Antonio Cardiello: «Ainsi l’œuvre d’art est la suprême explication de la Vie». O ideal estético de Nietzsche e Pessoa Gianfranco Ferraro: Inter nos. Elementos para uma arqueologia do si em Nietzsche e Pessoa Fernando Ribeiro: Pessoa e Nietzsche: um ensaio sobre a pluralidade do sujeito

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EPODO Jerónimo Pizarro: Nietzsche e Pessoa: doze textos

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Bibliografia geral Notas biográficas

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