NINA ALBRIGHT E A HISTÓRIA DAS MULHERES NOS COMICS NA DÉCADA DE 1940

July 21, 2017 | Autor: Natania Nogueira | Categoria: Comics Studies, História das Mulheres, Historia Das Mulheres
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I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 202

NINA ALBRIGHT E A HISTÓRIA DAS MULHERES NOS COMICS NA DÉCADA DE 1940 Natania AS. Nogueira

A História das Mulheres já foi uma história de silêncios e de anonimato, mas isso pode ser aplicado a quase toda a História, claro. O que temos para pesquisar, muitas vezes, são pequenos vestígios da presença de um indivíduo ou de um grupo em determinado exaustivamente estudado sob a categoria de gênero ou condição feminina, por muitos estudiosos. O ofício do historiador nunca é fácil, não importa sua área de pesquisa. Mas, fazer uma História das Mulheres pode ter alguns obstáculos maiores. As mulheres, durante quase toda a História, foram apresentadas de forma generalizante e simplificada. Havia, claro, os casos tidos como excepcionais, as que se destacam em determinada época. Somos levados a crer que eram únicas, uma anomalia dentro de um universo feminino em que existia um modelo padronizado de mulher, geralmente submissa. Muitos estudos vêm demonstrando que esse tipo de perspectiva é limitado. Se investigarmos um pouco mais, vamos perceber que as mulheres que se destacaram em seu tempo, seja por suas ações ou pela sua capacidade profissional, são muito mais numerosas do que pensamos. Assim, como não existe apenas um padrão de comportamento masculino, também não existe um padrão único de comportamento feminino. Portanto, para se fazer uma História das Mulheres, o primeiro passo é romper com o singular e partir para o plural. Ao se fazer uma História das Mulheres nos Quadrinhos, não pretendemos somente analisar e identificar centenas de personagens. Estamos falando de conhecer uma indústria, sua filosofia (ou filosofias), de conhecer as pessoas que estão por detrás dos personagens que desfilam nas páginas dos quadrinhos e de entender o público consumidor, seus anseios, angústias, as diversas formas como interagia com o que lia. É uma história de cartunistas, de personagens e é, também, uma história da leitura. Uma leitura que ultrapassa o limite das próprias palavras. Nas palavras de Roger Chartier: A leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados. Segundo a bela imagem de Michel de Certeau, o leitor é um caçador que percorre terras alheias. (...) Toda História supõe em seu princípio, AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 203 esta liberdade do leitor que se desloca e subverte aquilo que o livro lhe pretende impor. Mas essa liberdade leitora não é jamais absoluta. Ela é cercada de limitações derivadas das capacidades, convenções, hábitos que caracterizam em suas diferentes práticas e lugares. Os gestos mudam segundo os tempos e os lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventas, outras se extinguem1.

Os quadrinhos não fogem ao propósito da leitura e não podem, também, ser analisados sem que se leve em consideração as motivações para sua criação e toda a carga social que envolve o ato de ler. Não se pode fazer uma história dos quadrinhos sem que se faça uma história da leitura. Embora a História dos Quadrinhos nos Estados Unidos não seja uma História Geral dos quadrinhos, ela nos oferece elementos para entender como essa arte se tornou uma indústria tão rentável e atingiu sua popularidade. Ajuda, também, a entender como personagens foram concebidos, clichês foram criados, compartilhados e apropriados. Se há muitas diferenças também há muitas semelhanças. A presença feminina na indústria dos quadrinhos nos mostra isso, pois, mesmo que muitas vezes nos bastidores, as mulheres estiveram lá. Quando começamos a estudar representações femininas nos quadrinhos dos anos de 1940, uma das coisas que mais nos surpreendeu foi isto: o grande número de mulheres que trabalhavam com quadrinhos. Eram mais de uma centena. Um número exato ainda é difícil de estipular. Artigos, teses, dissertações e livros citam algumas delas. Trina Robbins, em The Great Women Cartoons2, nos apresenta a um panteão de mulheres talentosas que conquistaram o público com sua arte e seus personagens. Elas estavam lá, desde o final do século XIX. Pioneiras numa arte comumente consagrada aos homens. Infelizmente, de muitas só temos o nome. Não raro nos deparamos com uma cartunista desconhecida e, depois de muita pesquisa, geralmente encontramos apenas citações vagas e, normalmente, nenhuma fotografia que possa dar um rosto a essa artista. A memória dos quadrinhos, assim como toda memória, anda junto com o esquecimento. Foi o caso de Nina Albright, cartunista que trabalhou em diversos estúdios durante a Era de Ouro. Ela é um nome que aparece em algumas linhas, misturado ao de tantos(as) outros(as) cartunistas. Não há uma foto que lhe dê um rosto ou mesmo uma data que marque seu nascimento. A ela vamos dedicar as próximas páginas, buscando 1

CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: convenções com Jean Lebrum. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Editora UNESP, 1998, p. 77. 2 ROBINS,Trina. The Great Women Cartoonists. New York: Watson-Guptill Publications, 2001. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 204 redescobrir sua participação na indústria dos quadrinhos e trazendo à tona uma parte da sua obra.

NINA ALBRIGHT E A VERSATILIDADE DA MULHER CARTUNISTA NORTE-AMERICANA Nina Albright foi um artista de quadrinhos norte-americana durante a Era de Ouro dos Quadrinhos e uma das poucas mulheres que trabalhou em gêneros considerados não “femininos”. Ela atuou na produção de quadrinhos de aventura, superaventura, terror e romance. Era versátil. Foi roteirista, arte-finalista, letrista e desenhista. Começou sua carreira em 1940, no estúdio comandado por Jerry Iger, empresário do ramo de quadrinhos e antigo parceiro de Will Eisner. Na década de 1940, ela trabalhou ainda em estúdios como o Funnies Inc., L.B. Cole, e Bernard Baily. Os estúdios, ou empresas de agenciamento de quadrinhos, eram contratados para produzirem material para publicação. Eram neles que se concentravam os artistas e de lá saíam séries inteiras, com personagens literalmente feitos por encomenda. Uma espécie de terceirização, que atendia às necessidades de muitas editoras.

Imagem 01 - Ilustração de capa, por Nina Albright 4Most Comics. Novelty Press vol. 05, n. 02, New York, 1946.

Imagem 02 - Ilustração de capa, por Nina Albright Target Comics. Novelty Press Vol. 07, n. 07, New York, 1946

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Ao contrário do que acontece atualmente, naquela época, muitos cartunistas não gostavam de assumir seu trabalho com quadrinhos, considerados uma forma inferior de arte. O próprio Stan Lee chegou a declarar em uma entrevista que “Desenhar quadrinhos era considerado o nível mais baixo da área criativa”3. Para muitos artistas, trabalhar com quadrinhos era uma situação provisória. No final dos anos de 1930 e durante os anos da II Guerra Mundial, a demanda por profissionais era grande. Contratava-se quem tivesse habilidade para ilustrar, colorizar e elaborar roteiros, o que beneficiou muitos(as) jovens. Mas, os estúdios não eram um ambiente ideal para se trabalhar, pelo menos não para as mulheres. Elas sempre eram minoria e podiam passar por situações constrangedoras. Toni Blum, por exemplo, que trabalhou como roteirista no estúdio de Eisner no início da década de 1940, chegou a ser vítima de assédio.4 Das mulheres que trabalharam em estúdios, poucas permaneceram no ramo após o Era de Ouro. Muitas mudavam o nome e tinham várias assinaturas, o que dificulta ainda hoje localizar seu trabalho dentre o material produzido no período. Havia ainda a prática de se usar um mesmo pseudônimo para vários artistas, como foi o caso, por exemplo, W. Morgan Thomas, nome utilizado por homens e mulheres, que produziram os quadrinhos de Sheena, a rainha das selvas.

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SCHUMACHER, Michael. Will Eisner: um sonhador nos quadrinhos. – São Paulo: Globo, 2013, p.48. SCHUMACHER, 2013, p. 58. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

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Imagem 03 - Ilustração de capa, por Nina Albright Suspense Comics. Holyoke Publications, n. 02, 1944.

Albright talvez seja mais conhecida pela sua participação nas publicações da Holyoke Publications, onde ela assumiu, por diversas vezes, a partir de 1944, a arte da personagem Miss Victoria, uma heroína patriótica dos tempos da Segunda Guerra Mundial. Em 1945, ela criou a heroína Comandette5, cuja história foi publicada na revista Star-Studded Comics #1, pela Cambridge House. Com um roteiro parecido com uma história de detetive, a heroína, cujo nome era Betty Babble, era uma atriz e dublê que investiga um crime enquanto participa da filmagem de um filme. Comandette não tinha poderes, mas era treinada em jiu-jitsu. Aparentemente, foi a única heroína criada pela autora e teve apenas uma aventura publicada. Pela falta de informações sobre Albright e o fato de ter trabalhado em vários estúdios, não podemos descartar sua participação na criação de outros personagens.

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Commandette . Disponível em: http://pdsh.wikia.com/wiki/Commandette, acesso em14/07/2014.. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

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Imagem 04 - Commandette. Star Studded Comics. Cambridge House Publishers, n. 01, 1945.

Além de Miss Victory, personagem pela qual é mais conhecida, Nina Albright participou ainda da produção dos quadrinhos de alguns ícones femininos da década de 1940, como Senorita Rio6 e Black Vênus7. Até o início da década de 1950, ela trabalhou para Archie Publications, St. John Publications, e Ziff-Davis. Ilustrou, também, histórias de romance para a Marvel. O gênero do romance em quadrinhos cresceu no período pós-guerra, refletindo uma série de mudanças que marcavam o final da Era de Ouro. Jack Kirby e Joe Simon, mais conhecidos pela participação na criação de vários super-heróis da Marvel na década de 1960, são apontados como responsáveis pela criação dos chamados quadrinhos românticos, destinados a adolescentes e mulheres casadas. Para Joe Simon,

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Senorita Rio estreiou nos quadrinhos na revista Fight Comics #19, 1942 e é considerada por alguns pesquisadores a primeira personagem feminina Latina dos comics norte Americanos. É uma estrela de cinema popular recrutada pelos Estados Unidos para agir como espiã durante a II Guerra Mundial. 7 Mary LeRoche , a Black Venus, apareceu originalmene em Contact Comics #1 (1944). Ela era uma dançarina exótica em Paris. Quando tem o noivo assassinato por um adido da embaixada jaonesa, jura vingança contra ele e todos os japoneses. Aprende a pilotar e ingressa no esforço de guerra, no Pacífico, como enfermeira. Com um uniforme negro e óculos de aviadora, usou suas habilidade de piloto para atacar secretamente as linhas japonesas e conseguir informações para os aliados. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 208 esse gênero atendia a uma demanda de quadrinhos para adultos8. Com Young Romance, eles reinventaram os quadrinhos românticos.9

Miss Victory, por Nina Albright. CAPTAIN Aero Comics. Continental Magazines, n. 22, 1945.

Na década de 1950, a cartunista se afastou dos quadrinhos, passando a trabalhar com ilustração para revistas como a American Girl. Albright é possivelmente vítima do backlash, o retrocesso nos direitos femininos que atinge a força de trabalho feminina após a guerra e da perseguição aos quadrinhos comandada por Fredric Wertham. Fredric Wertham, em seu livro A sedução do Inocente (1954), alegava que os quadrinhos seriam um dos fatores que poderiam levar à delinquência. Quadrinhos de crime e de terror que tiveram um crescimento relevante após a guerra foram seriamente afetados pela campanha difamatória comandada contra esses e outros gêneros de quadrinhos. Mas, como não temos dados suficientes sobre a autora e sua trajetória, só podemos fazer suposições.

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SCOTT, Kevin Michael. Images of women in the popular culture publications of Fiction House, 19411952. A Thesis Submitted to the Graduate Faculty in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of MASTER OF ARTS. Iowa State University, 1991, p. 22. 9 HOWE, Sean. Marvel Comics: a história secreta. São Paulo: LeYa, 2013, p. 43 AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 209 A Miss Victory de Nina Albright retorna aos quadrinhos na década de 1980 com Femforce (1985), depois com Miss Victory Golden Anniversary Special (1991) e Golden Age Greats (1994), a partir da reimpressão de aventuras da Miss Victory publicadas na década de 1940. Nina produziu muitos quadrinhos usando o estilo da GGA (Good Girl Art), com personagens femininas sensuais, que usavam roupas curtas e provocativas. São uma narrativa de um (uma?) pin-up surgida na década de 1930 e incorporada com sucesso nos quadrinhos de aventura, crime e superaventura. Durante a II Guerra Mundial, esse tipo de representação feminina atingiu um grande sucesso, sendo muito popular entre os soldados.10 Albright fez da recatada Miss Victory uma personagem sensual, em 1944, trocando sua bermuda comprida por um mini-short e aumentado o decote em “V”, que passou a caracterizar a personagem. A heroína foi, a partir de então, várias vezes sendo reformulada, ganhou superpoderes, uma nova origem e, claro, roupas mais decotadas. Na década de 1980, ela passou a fazer parte das aventuras da FemForce.

AS HEROÍNAS DA ERA DE OURO NO TRAÇO DE NINA ALBRIGHT

Como não existe um arquivo detalhado ou específico com a produção de Nina Albright e como essa cartunista participou de várias publicações desempenhando várias funções, separamos uma pequena amostra de seu trabalho para analisar a forma como as mulheres estão representadas: uma aventura da Mis Victory e sua única criação identificada, a heroína Commandette. Os quadrinhos foram publicados na Captain Aero Comics # 21 (1944) e na Star Studded Comics # 01 (1945), respectivamente. Ambas estão disponíveis para download no site Comic Plus11. As duas histórias marcam dois momentos na carreira de Nina Albright. Ao desenhar aventuras da Miss Victory, a cartunista está participando do esforço de guerra e deixando sua marca na onda patriótica que varreu os Estados Unidos durante o tempo que durou a II Guerra Mundial. Miss Victory tem as características de uma GGA, se levarmos em conta a forma como se veste e na sensualidade característica da personagem, mesmo quando não está em ação.

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SCOTT, Ibid.. 1991, p. 26. CAPTAIN Aero Comics. Continental Magazines, n. 21, 1944. Disponível em: http://comicbookplus.com/?cid=1507, acesso em 25/05/2014. 11

AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 210 Por outro lado, é uma heroína destemida, uma piloto de combate que não vai poupar esforços para combater os inimigos dos Estados Unidos da América. Ela representa aquelas mulheres fortes que, munidas de patriotismo, deixaram sua vida pacata para ingressar no exército, arriscar-se no front como enfermeiras, na produção de armas e de aviões e até pilotando aviões. Ela não está ali para ser salva, mas para salvar soldados e civis e vencer uma guerra. The American people were being told that a specter was casting its shadow across the country. Comic books presented stories of evil foreign spies working within the nation’s borders, and the heroic efforts of valiant Americans to crush this vermin. The Nazis and the Japanese were presented as cruel and insidious foes perfectly suited for the grand drama of comic books. A veritable battalion of patriotic, star-spangled, Axis-bashing superheroes would be created to deal with this secret menace.12

Criou-se todo um vasto universo de heróis e super-heróis, homens e mulheres, que representam o esforço de guerra, que guardam parte da memória desse período e que, aos poucos, vêm sendo redescobertos pelos pesquisadores. Mike Madrid13 chama de “Victory Girls” essas heroínas e super-heroínas patrióticas, que geralmente são mulheres atraentes e corajosas, uma mistura de pin-up com uma heroína destemida, sempre dispostas a salvar o mundo e sacrificar sua vida pela liberdade e pela Pátria. Um dado que pode passar despercebido ao leitor mas que nos parece bastante significativo, é o fato de que as histórias em quadrinhos dos anos de 1940 nos mostrarem que as mulheres estão lutando dos dois lados na guerra. Se há combatentes mulheres do lado Aliado, o Eixo também tem suas Victory Girls, destemidas e capazes de tudo para defender seu país. É o caso da piloto japonesa Susumenka, abatida por Miss Victory, e que em um último ato de resistência explode o avião e se sacrifica.

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Ao povo Americano foi dito que um fantasma estava espalhando sua sombra por sobre todo o país. Os comic books apresentavam estórias de espiões estrangeiros maus atuando dentro das fronteiras da nação e os heroicos esforços de corajosos Americanos para exterminar esses vermes. Os Nazistas e os Japoneses eram mostrados como cruéis e pérfidos inimigos, perfeitamente adequados para o grande drama dos comic books. Um verdadeiro batalhão de super-heróis patrióticos, sob a proteção da bandeira nacional, combatentes do Eixo, seria criado para lutar contra essa ameaça secreta (tradução do original). MADRID, Mike. Divas, Damages & Daredevils: lost heroines of Golden Age. [Minneapolis?]: Exterminating Angel Press, 2013, p. 346. 13 MADRID, Mike. The Supergirls: Fashion, feminism, fantasy, and the history of comic book heroines. [Minneapolis?]: Exterminating Angel Press, 2009, p. 15 - 21. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

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CAPTAIN Aero Comics. Continental Magazines, n. 21, 1944, p. 06

Betty Races, a Commandette, é personagem que nasce do traço de Nina Albright. Ela é original, na medida em que foi uma criação de Albright, mas é também uma representação feminina característica do seu tempo, um tempo onde as mulheres não fogem dos problemas, elas os enfrentam. Enfrentam, inclusive, os homens, se for necessário. É uma história em quadrinhos de crime, com uma heroína fantasiada, sem poderes, mas com um elevado senso de justiça. Uma mulher que enfrenta uma arma de fogo armada apenas com um sapato de salto alto e que demonstra que a inteligência pode superar a força bruta. Commandette é a mulher comum que assume riscos e descobre que é capaz de enfrentar grandes desafios. Essa mulher é o ideal feminino dos anos de guerra, é a mulher que o país precisa para se fortalecer frente ao inimigo. No caso dos Estados Unidos, o esforço de guerra é muito mais do que um apelo ao patriotismo, é um estímulo à independência feminina. As mulheres continuam sendo femininas, mas descobrem que podem desempenhar funções que tradicionalmente eram consideradas masculinas. São obrigadas a assumir responsabilidades e a tomar decisões que antes ficavam a cargo dos

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I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 212 homens. Devidamente contextualizados, os quadrinhos que Albright produziu na década de 1940 podem nos revelar muito sobre as mulheres, como elas se imaginavam e como eram imaginadas pelos homens.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Estudar as trajetórias de mulheres cartunistas é um desafio para o pesquisador dos quadrinhos. Faltam, muitas vezes, dados básicos. Mesmo a AC Comics, que reproduziu quadrinhos da Miss Victory, não dispõe de qualquer informação pessoal sobre a autora: sua idade, se ainda vive ou se morreu14. É como olhar para uma imagem desfocada, sem conseguir distinguir qualquer traço que possa facilitar seu reconhecimento. Então, quando nos propusemos a escrever um texto onde Nina Albright pudesse figurar como uma personagem, tentávamos compensar a falta de informações sobre a autora. Mais do que isso, queríamos dar um rosto para Albright, mesmo que esse rosto fosse o das suas personagens. Apesar de toda a preocupação em tentar contextualizar a autora e sua obra dentro da História das Mulheres nos Quadrinhos, nosso olhar ainda é um olhar estrangeiro e, portanto, limitado. Historiadoras dos quadrinhos de renome, como Trina Robbins (que se dedica a estudar a produção de quadrinhos por mulheres nos Estados Unidos), encontram limites para sua pesquisa. Então, falar sobre Nina Albright chega a ser uma tarefa pretensiosa para uma historiadora dos quadrinhos brasileira. Entretanto, se não tivermos uma dose de pretensão, se não arriscarmos pesquisar, acertar e errar, a História dessas mulheres ficará perdida numa inércia que não se justifica. Nina Albright não foi necessariamente uma grande pioneira, nem mesmo criou, pelo que se sabe, personagens memoráveis. Mas, sua participação na produção de quadrinhos em gêneros como crime e aventura nos permite ter outros olhares sobre o que se produzia e quem produzia quadrinhos. É tão comum a generalização acerca da produção e dos leitores de certos tipos de quadrinhos: mulheres escrevem e ilustram melhor romances e quadrinhos com crianças; homens colocam todo seu machismo e seu sexismo em quadrinhos de aventura e terror. Mas, mulheres também produziam quadrinhos de terror e aventura e homens

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Em contato com o Editor da AC Comics, Mark G. Heike, responsável pela FemForce, tivemos a informação de que aquela editora também não dispõe de informações pessoais sobre Nina Albright e que tão somente republicou o material produzido por ela na década de 1940. AMANTINO, Marcia e ENGEMANN, Carlos (ORGS). Anais do I Fórum Discente do Mestrado em História do Brasil da UNIVERSO 2014.

I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 213 também escreviam e ilustravam romances. Até que ponto as representações que temos acerca desses profissionais estão corretas? Não somos nós, também, influenciados por preconceitos, por ideias preconcebidas? Nina Albright foi uma cartunista versátil que trabalhou em vários estúdios, submetida a um ambiente tipicamente masculino. Seu nome está relacionado a grandes e pequenas editoras, que encomendavam quadrinhos a serem publicados na forma de revistas. Ela circulou conquistando êxito profissional em um ofício dominado pelos homens. Mesmo que não seja uma pioneira, em um sentido mais amplo, saber mais sobre sua vida e sua arte é saber mais sobre como as mulheres estavam inseridas no mercado de trabalho numa época de muitos avanços para as conquistas femininas nos Estados Unidos e em vários outros países.

BIBLIOGRAFIA ________. The Supergirls: Fashion, feminism, fantasy, and the history of comic book heroines. [Minneapolis?]: Exterminating Angel Press, 2009 4MOST Comics. Novelty Press vol. 05, n. 02, New York, 1946. CAPTAIN Aero Comics. Continental Magazines, n. 21, 1944. CAPTAIN Aero Comics. Continental Magazines, n. 22, 1945. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador: convenções com Jean Lebrum. – São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo. Editora UNESP, 1998. COMMANDETTE. Disponível em: es, acesso em14/07/2014. HOWE, Sean. Marvel Comics: a história secreta. São Paulo: LeYa, 2013. MADRID, Mike. Divas, Damages & Daredevils: lost heroines of Golden Age. [Minneapolis?]: Exterminating Angel Press, 2013 NINA Albright. Disponível em: http://womenincomics.wikia.com/wiki/Nina_Albright, acesso em 13/07/2014. ROBINS, Trina. The Great Women Cartoonists. New York: Watson-Guptill Publications, 2001. SCHUMACHER, Michael. Will Eisner: um sonhador nos quadrinhos. – São Paulo: Globo, 2013.

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I FÓRUM DISCENTE DO MESTRADO EM HISTÓRIA DO BRASIL DA UNIVERSO 214 SCOTT, Kevin Michael. Images of women in the popular culture publications of Fiction House, 1941-1952. A Thesis Submitted to the Graduate Faculty in Partial Fulfillment of the Requirements for the Degree of MASTER OF ARTS. Iowa State University, 1991. STAR Studded Comics. Cambridge House Publishers, n. 01, 1945. SUSPENSE Comics. Holyoke Publications, n. 02, 1944. TARGET Comics. Novelty Press Vol. 07, n. 07, New York, 1946.

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