Nitratos e cloretos como traçadores ambientais na identificação de zonas de recargas de nascentes de ilhas vulcânicas

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NITRATOS E CLORETOS COMO TRAÇADORES AMBIENTAIS NA IDENTIFICAÇÃO DE ZONAS DE RECARGA DE NASCENTES DE ILHAS VULCÂNICAS MANUEL DAVID BERBEREIA COTA1 & ANTÓNIO FÉLIX FLORES RODRIGUES2 Cota, M.D.B.C. &Rodrigues, A.F.. Nitrate and chloride as environmental tracers on identification of recharge areas of aquifers of volcanic islands – Arquipélago. Agrarian Science and Environment: 2:45-53 Angra do Heroísmo. 2004 The most currently legal way to protect spring waters may not be the most suitable because, in some cases, the recharge areas of those springs are far away from where the water comes. In this work is emphasized the use of different methods, using environmental tracers as nitrate and chloride contents in the spring waters and water rain, to trace the recharge area of Azorean springs. Bringing together these different methodologies and the geological, geomorphological and soil occupations conditions it was possible, in some cases, make a proposal for recharge areas of springs in the northwest region of Terceira Island.

Key words: Precipitation, composition, islands, factors, tracers. Cota, M.D.B.C. &Rodrigues, A.F.. Nitratos e cloretos como traçadores ambientais na identificação de zonas de recargas de nascentes de ilhas vulcânicas – Arquipélago. Ciências Agrárias e do Ambiente: 2:45-53Angra do Heroísmo. 2004. A forma legal correntemente utilizada para proteger as captações destinadas a consumo humano, pode não ser a mais correcta, pois em alguns casos, as zonas de recarga dessas nascentes encontram-se afastadas do ponto de onde a água emana. Neste trabalho, utilizam-se os níveis de nitratos e de cloretos, tanto na água da chuva como nas nascentes, como traçadores ambientais, de modo a estimar a zona de recarga de algumas nascentes dos Açores. A sobreposição dessa informação, associada a condicionantes geológicas, geomorfológicas e de ocupação do solo, permitiu propor áreas possíveis de recarga de nascentes do quadrante noroeste da ilha Terceira.

Palavras chave: Precipitação, composição, ilhas, factores. 1 - Escola Padre Jerónimo Emiliano de Andrade, 9700 Angra do Heroísmo, Açores, Portugal e 2 Departamento de Ciências Agrárias da Universidade dos Açores, 9702 Angra do Heroísmo, Açores, Portugal.. email’s : [email protected] e [email protected].

INTRODUÇÃO É necessário proteger as nascentes e suas zonas de recarga, principalmente no caso das captadas para consumo, de forma a garantir a salubridade

das águas e minimizar os perigos de saúde pública. Assim, a identificação de áreas de recargas de nascentes, permitirá interditar ou condicionar determinadas actividades que posam vir a contaminar os recursos hídricos.

Para a identificação de zonas de recarga de nascentes, há que considerar as situações ou acontecimentos próximos ou envolventes que possam representar um risco potencial de contaminação das águas, bem como as características hidrogeológicas do aquífero e dos terrenos adjacentes (RODRIGUES, 2002). Quando se definem perímetros de protecção a nascentes, estes devem ser os necessários e suficientes, de forma a que a zona de protecção não tenha dimensões demasiado pequenas e percam eficácia, nem ser exageradamente grandes, acarretando proibições desnecessárias e impactes económicos substanciais. A protecção de nascentes é uma regra mundialmente aplicada e adquire um valor inestimável nos Açores, onde a água captada é manifestamente insuficiente para satisfazer as necessidades de abastecimento actuais e as aspirações de um desenvolvimento sustentavel. Por outro lado, a limitação do espaço geográfico associada à divisão da propriedade insular, faz com que uma má delimitação de perímetros de protecção de nascentes tenha impactes económicos, familiares e sociais de dificil previsão. Toda a problemática, à volta da gestão e protecção da água, poderá dificultar muitas vezes uma visão clara das melhores soluções técnicas e levar a que em alguns casos, as soluções possam não ser as que melhor preservavam a qualidade da água a captar para consumo. Por outro lado, mesmo que as medidas de protecção das zonas de recarga não provoquem grandes impactes económicos, não é possível efectuá-las, por não estar previsto um estudo prévio e sistemático da zona de recarga de cada nascente com vista à sua protecção. Neste contexto, não é claro se a protecção das nascentes, proposta no Decreto-Lei nº 382/99 de 22 de Setembro, é a mais adequada, pois é feita quase exclusivamente em função da distância ao ponto de onde a água brota.

BARTRAM&BALANCE, (1996); referem vários estudos que utilizam diferentes métodos para tentar identificar as zonas de recarga de nascentes. Verifica-se para a generalidade dos métodos, e apesar destes poderem ser muito diferentes, que é difícil calcular com precisão uma zona de recarga. De forma geral, nos estudos hidrogeológicos utilizam-se critérios e conceitos que dificilmente se aplicam a pequenas ilhas, pelas características as elas inerentes, sendo mais facilmente aplicados a grandes ilhas e aos continentes (RODRIGUES et. al, 1999). O objectivo fundamental deste artigo, é o de discutir a aplicação de metodologias simples que permitam identificar com o mínimo de certeza a zona de recarga de alguns aquíferos de ilhas vulcânicas. Para tal, utilizaram-se como exemplo as nascentes localizadas sobre escoadas lávicas recentes do quadrante noroeste da ilha Terceira. FUNDAMENTOS E CONSIDERAÇÕES A utilização de métodos isotópicos associados a modelação matemática atingiu nalguns países o estádio de rotina, veja-se por exemplo os trabalhos de ZUBER, (1994); LIMIĆ&LEGOVIĆ, (1994), entre outros. Para a aplicação de tais técnicas é necessário a colheita de novos dados, a validação dos modelos utilizados e o domínio de ferramentas matemáticas e informáticas complexas. A maioria dessas técnicas é aplicada na previsão da zona de recarga de aquíferos cársicos, não sendo por isso aplicadas em regiões vulcânicas. A metodologia que aqui se propõe, assenta no pressusposto de que são conhecidas minimamente as características de algumas espécies químicas presentes nos vários compartimentos da biosfera e que existe um conjunto de dados, que permitirá a partir deles, elaborar propostas de zonas de recarga possíveis (COTA, 2003).

Crê-se que de entre as substâncias naturais que possam servir como traçadores de processos de recarga dos aquíferos dos Açores, os nitratos, os cloretos, o deutério e o oxigénio 18, verificam as condições enunciadas no parágrafo anterior. Assim, o estudo da variabilidade de séries temporais dessas substâncias, mesmo que reduzidas, conjuntamente com condicionantes orográficas, geológicas e de coberto vegetal, poderão fornecer informações sobre a zona mais provavel de recarga de uma nascente (COTA, 2003). 1-Nitratos A quantidade de azoto disponível sob a forma de nitratos, não é normalmente elevada em zonas onde não se faça sentir a intervenção humana, mas a agricultura intensiva e os dejectos de animais podem aumentar a sua concentração (BARTRAM, 1996). No caso dos Açores, o excesso de nitratos na água deve-se normalmente a incorrectas adubações, quer pela sua quantidade quer pelo facto de serem efectuadas em alturas do ano em que a precipitação é elevada. Dessa forma, grandes quantidades de produtos azotados são arrastados para as zonas mais profundas do solo, ficando assim inacessíveis às plantas (MENESES, 1994).

padrão que depende da altitude, da orografia, da distância mínima ao mar e da velocidade média do vento nos dias em que ocorre precipitação. Esses valores vão diminuindo, de uma maneira geral, à medida que se caminha para o interior da ilha, em perfeita concordância com o observado em regiões costeiras continentais. 3-Deutério e Oxigénio-18 Estes isótopos ambientais presentes na água da chuva, apresentam em práticamente todos os locais do globo, um gradiente altitudinal bem definido (CLARK&FRITZ, 1997). Assim, e à semelhança do referido anteriormente para os cloretos, é possível definir com base na composição isotópica da água das nascentes, a altitude provável de recarga dessas nascentes, se se conhecer o gradiente altitudinal desses isótopos. CRUZ, (1997) e RODRIGUES, (2002) referem que a aplicação de traçadores isotópicos ambientais permite o desenvolvimento de modelos hidrológicos a escalas reduzidas, como por exemplo calcular a razão vazão/precipitação em bacias hidrográficas, ou ainda, a determinação do tempo de residência da água na bacia de drenagem. METODOLOGIA DO CASO DE ESTUDO

2-Cloretos Este tipo de traçador não tem sido utilizado com frequência na identificação da recarga de aquíferos, pois a sua concentração é praticamente constante nas zonas interiores das grandes ilhas e nas regiões interiores dos continentes. No entanto, a sua aplicação em ilhas de reduzidas dimensões, onde se verifica a existência de um gradiente altitudinal da concentração de cloretos, poderá fornecer resultados deveras satisfatórios (LOBO et al. 2002). Na Terceira, RODRIGUES et. al, (1999) verificaram que a deposição de cloretos na superfície da ilha, pela água da chuva, tem um

Recorreu-se aos dados da composição química da água de nascentes de LOBO, (1993) respeitante a 14 nascentes localizadas no quadrante Noroeste da ilha Terceira distribuídas pelas freguesias da Serreta, Raminho e Altares. Essas amostras foram colhidas em três períodos distintos: Setembro de 1981, Maio de 1983 e Fevereiro de 1987, encontrando-se distribuídas de forma equitativa pelos três períodos. O agrupamento desses dados, bem como a identificação da nascente e da respectiva altitude encontra-se na tabela I. Verifica-se que as concentrações médias de nitratos são mais elevados nas nascentes: Serreta

– Fonte da Igreja, João Branco e Fonte de Cima; Raminho – Borges da Direita e Areeiros. Pode-se também verificar que é nas nascentes da Serreta e Raminho, com excepção da Gil Correia e Pico Rachado, que existe uma variação sazonal acentuada dos nitratos com uma maior concentração em Fevereiro, altura em que normalmente se verificam as adubações de Primavera e simultaneamente ocorrem ainda valores elevados de precipitação, ou seja, fácil lixiviação (LOBO, 1993). De acordo com a observação efectuada no terreno, na zona das nascentes da Serreta, a ocupação do solo a cotas situadas entre os 350 e 650 metros é feita por um “mosaico” de pequenas áreas ocupadas por pastagens intercaladas por zonas de matos.

A nascente Negrão de Baixo, situada a uma altitude de 510 metros, possui uma concentração de nitratos muito baixa nos meses de Setembro e Maio, aumentando apenas um pouco em Fevereiro. Pensa-se que tal oscilação pode ser explicada pelo aumento da temperatura a pela diminuição do encharcamento nos meses de Setembro e Maio quando comparados com Fevereiro, uma vez que no mosaico do coberto vegetal, não há pastagens a cotas superiores à da nascente. No caso das nascentes do Raminho pode-se verificar também a existência de dois grupos: o primeiro, formado pelas nascentes Borges Direita, Borges e Areeiros que se encontram a cotas de 320, 315 e 580 metros, respectivamente e onde se verifica uma influência das adubações, e um segundo grupo, constituído pelas nascentes

Tabela I – Níveis de nitratos e cloretos nas águas das nascentes da Serreta, Raminho e Altares. Table I – Nitrate and chloride levels on spring waters of Serreta, Raminho and Altares. Nitratos

Cloretos

Fev

Mai

Set

Méd

Fev.

Mai

Set

Méd

Fonte da Igreja (400m)

6,3

4,4

0

3,6

29,5

25,9

27,3

27,6

João Branco (420m)

7,7

4,3

0

4,0

22,0

20,4

17,0

19,8

Fonte de baixo (400m)

4,2

0

0

1,4

20,8

20,1

22,5

21,1

Fonte de cima (410m)

5,7

3

0

2,9

29,1

18,8

18,9

22,3

Negrão de baixo (510m)

1,7

0,4

0

0,7

20,0

18,8

18,7

19,2

Borges da direita (320m)

4,9

0,1

2,5

35,5

30,2

Borges (315m)

4,9

0,1

0

1,7

35,5

30,2

23,9

29,9

Areeiros (580m)

9,4

10,5

0

6,6

17,8

14,2

17,0

16,3

Gil Correia (450m)

0,6

0

0,2

37,9

28,4

23,9

30,0

Pico Rachado (640m)

0,7

0

0

0,2

15,3

16,0

17,0

16,1

0

0,0

17,0

2

1,2

0

1,1

17,8

14,2

17,0

16,3

Chamuscada de dentro (600m)

0,1

0,4

0

0,2

16,3

16,0

20,4

17,6

Chamuscada de fora (550m)

0,2

0

0

0,1

19,9

14,2

20,4

18,2

Nascentes (altitude)

Cerro (420m) Cafua (525m)

32,9

17,0

Gil Correia e Pico Rachado situadas a cotas de 450 e 640 metros respectivamente, onde podemos considerar nula a influência das adubações, pelas características da ocupação do solo desse local. Nas nascentes Gil Correia e Pico Rachado, os valores encontrados para as concentrações de nitratos nas amostras são praticamente idênticos, apesar das duas nascentes se encontrarem a cotas muito diferentes e a nascente Gil Correia se encontrar a cotas inferiores a algumas pastagens. Tal disposição das pastagens não parece ter qualquer influência na contaminação das suas águas, o que leva a sugerir que nos dois casos a zonas de recarga se encontrem acima da localização das pastagens anteriormente referidas. Com base na variabilidade dos nitratos nas águas das nascentes Negrão de Baixo, Gil Correia e Pico Rachado, parece lícito afirmar que a zona de recarga dessas nascente se encontra na mancha florestal da Serra de Santa Bárbara, estando naturalmente protegidas, por ser essa área uma reserva natural. A nascente dos Areeiros apresenta em Maio concentrações de nitratos da ordem dos 10 mg/l, fruto talvez de uma adubação particularmente grande. Curiosamente em Fevereiro os valores são também muito elevados, desaparecendo em Setembro como em todas as outras nascentes. Pela observação da zona, onde esta nascente se encontra, foi possível verificar que ela se localiza exactamente abaixo de uma grande área de pastagem. Atendendo ás linhas de água desse local, ao coberto vegetal próximo da nascente dos Areeiros, suspeita-se que as suas águas sejam fortemente influenciadas pelas pastagens, que ali atingem cotas muito elevadas, provavelmente as mais elevadas da ilha. Dessa forma, a variabilidade da concentração de nitratos aponta para uma origem antropogénica dos nitratos e para que a nascente dos Areeiros tenha a sua

zona de recarga entre os 600 e os 750 metros de altitude, na área da pastagem anteriormente referida. As nascentes Borges Direita e Borges, apesar de se encontrarem a cotas inferiores à nascente dos Areeiros, numa área onde a ocupação do solo por pastagens é mais intensa, apresentam valores de nitratos inferiores a essa nascente mas ainda elevados. A ocupação do solo na área imediatamente acima das nascentes do Borges, é ocupada por matas. Tal ocupação do solo levaria a supor valores reduzidos de nitratos, se estes tivessem uma origem essencialmente natural. No entanto, a cotas superiores a essas matas, entre aproximadamente os 500 e os 600 metros de altitude podem encontrar-se zonas ocupadas por pastagens. Por outro lado, algumas dessas áreas são marcadas por pequenas e médias depressões, que facilitam a infiltração da água. Pode-se desta forma supor, pela observação da variabilidade das concentrações de nitratos e pela sua relação com a ocupação do solo que as zonas de recarga das nascentes Borges da Direita e Borges se localizam a cotas mais elevadas que a da nascente e distantes desse ponto de onde se dá a emergência da água. É lícito esperar que a zona de recarga dessas nascentes, atendendo aos pressupostos e condições anteriores, se situa acima dos 500m de cota. O estudo da variabilidade dos nitratos nas várias nascentes do quadrante noroeste da ilha Terceira e da ocupação do solo a montante da nascente, associado às linhas de água que existem nessa zona permite afirmar com o mínimo de razoabilidade que: a) as zonas de recarga das nascentes Negrão de Baixo, Gil Correia e Pico Rachado se devem situar na área protegida da Serra de Santa Bárbara.

b) a nascente dos Areeiros deverá ter a sua zona de recarga entre os 600 e 750 metros. c) as nascentes Borges e Borges Direita deverá ter a sua zona de recarga acima dos 500 m. Os teores de cloretos encontrados nas águas das nascentes deste quadrante da ilha Terceira, são muito superiores aos observados na água da chuva por RODRIGUES et al, (1999), para o mesmo quadrante da ilha e para a altitude correpondente à cota onde se encontram as nascentes. Considerando que os níveis de cloretos observados nas águas das nascentes não resultam exclusivamente da infiltração da água da chuva, no local onde se encontra a nascente, mas também da deposição de sal marinho que deverá ser arrastada pelas águas de escorrência superficial até à zona de recarga, com um padrão de deposição muito próximo do observado para a deposição de cloretos pela água da chuva, explicariamos parte do comportamento referido anteriormente. A menor variabilidade de cloretos foi observada nas nascentes de Negrão de Baixo e Pico Rachado, indiciando recargas que se efectuam a grande altitude. Níveis baixos de cloretos e reduzida variabilidade da concentração dessa espécie na água da chuva, foi observada por RODRIGUES et al., (1999), na ilha Terceira para altitudes superiores a 625 m. Sendo assim, e à semelhança do que ocorreu com os nitratos, propõe-se que as zonas de recargas das nascentes Negrão de Baixo e Pico Rachado se situem acima dessa cota. Admitindo que a dependência exponencial decrescente dos níveis de cloretos observados na água da chuva por RODRIGUES et al., (1999) com a altitude (equação 1) é do mesmo tipo da dependência dos níveis de cloretos da água das nascentes com a altitude (equação 2) se a recarga for local, então a razão entre a concentração de cloretos na água da chuva e a

concentração de cloretos nas nascentes deverá exibir o mesmo tipo de tendência (equação 3). De facto se for:  Cl Chuva  A.(altitude) b

Equação 1 e  Cl Nascente  C (altitude) d

Equação 2 Então:  Cl Nascente  Cl Chuva

A  ( )(altitude) d b C Equação 3

A equação 3, representa, tal como as equações 1 e 2 uma exponencial decrescente, onde A, b, C e d são constantes reais, para além de representar uma proporcionalidade entre as concentrações de cloretos na água da chuva e a concentração de cloretos na água das nascentes. Na figura 1, apresenta-se a proporcionalidade observada entre os níveis de cloretos na precipitação para uma altitude correspondente à cota das nascentes e os níveis de cloretos nas águas das nascentes. Optou-se por estabelecer a comparação com os teores de cloretos na água das nascentes no mês de Fevereiro, por ser esse mês aquele em que se verificou maiores precipitações, dependendo assim, mais fortemente da água da chuva. Admitindo a proporcionalidade anteriormente referida, as nascentes que se localizam sobre a recta deverão ter uma recarga essencialmente local. A ser assim, teríamos as nascentes do Pico Rachado, da Chamuscada de Dentro, dos Areeiros, da Cafua, da Chamuscada de Fora, do Negrão de Baixo, da Fonte da Igreja e da Fonte de Cima com zonas de recarga praticamente

Nível de cloretos na precipitação

coincidentes com as áreas com a mesma cota das nascentes.

12 10 8 6 4 2 0 0

10

20

30

40

Nível de cloretos nas nascentes (mg/l)

Figura 1- Tendência observada entre os teores de cloretos na água da chuva e nas água das nascentes. Figure 1 – Observed trend between chloride contents on precipitation and chloride levels on spring waters.

Cruzando esta informação com os caudais médios das nascentes (valores muito reduzidos, chegando a desaparecer nalgumas nascentes no Verão) referidas, medidos pela Câmara Municipal de Angra do Heroísmo, com a disposição geográfica das linhas de água dessa zona da ilha, faz sentido supor que as zonas de recarga das nascentes Chamuscada de Dentro, Cafua, Chamuscada de Fora, Fonte da Igreja e Fonte de Cima sejam locais. As nascentes do Borges, Borges Direita, João Branco, Fonte de Baixo e Cerro deveriam ter a sua zona de recarga a cotas superiores à da nascente, por apresentarem, proporcionalmente, maiores níveis de cloretos da precipitação do que o observado nas águas das nascentes. A nascente de Gil Correia, é uma excepção a este tipo de comportamento, por apresentar,

proporcionalmente, maiores níveis de cloretos nas águas das nascentes do que o observado na água da chuva. Físicamente tal só seria possível se houvesse intercepção do sal marinho pela vegetação de forma diferenciada das outras nascentes, ou seja, se existisse copados voltados para os ventos dominantes. Com este tipo de raciocínio, mais uma vez se apontaria a mancha da área protegida da Serra de Santa Bárbara como sendo a possível zona de racarga da nascente Gil Correia. O estudo da variabilidade dos cloretos na água das nascentes, associado ao gradiente altitudinal dessa espécie na água da chuva e às caracterísricas das nascentes, permite afirmar com o mínimo de razoabilidade que: a) as zonas de recarga das nascentes da Chamuscada de Dentro, da Cafua, da Chamuscada de Fora, da Fonte da Igreja e da Fonte de Cima, são locais. b) as nascentes do Borges, Borges Direita, João Branco, Fonte de Baixo e Cerro tem zonas de recarga afastadas da cota de onde brota a água (acima dessa cota). c) a nascente de Gil Correia tem uma zona de recarga não coincidente com a da cota da nascente, provavelmente na zona florestada da reserva da Montanha de Santa Bárbara. No que se refere os dados dos isótopos deutério e oxigénio 18, RODRIGUES, (2002) utilizou esses traçadores para tentar identificar a zona de recarga das nascentes do Borges e Borges Direita. Baseado no gradiente altitudinal dessas espécies, previu uma atitude média de recarga para essas nascentes aos 759m com um erro de 186 metros. Sendo assim, os valores das zonas médias de recarga estimados pelos cloretos e nitratos, parecem estar acordo com as estimativas feitas por este método, pelo que se pode verificar uma certa sobreposição das metodologias.

CONCLUSÕES

BIBLIOGRAFIA

A metodologia abordada neste trabalho, baseada na variabilidade dos nitratos e dos cloretos, tanto na água das nascentes como na água da chuva, associada à ocupação do solo e condicionantes orográficas, parece apontar com o mínimo de fiabilidade para que as zonas de recarga das nascentes: Chamuscada de Dentro, da Cafua, da Chamuscada de Fora, da Fonte da Igreja e da Fonte de Cima, localizadas no quadrante noroeste da ilha Terceira, sejam próximas das nascentes.

BARTRAM, J.&BALANCE, R. 1996. Water quality monitoring. A practical guide to the design and implementation of freshwater quality studies and monitoring programmes. Chapman & Hall. London.

A mesma metodologia aponta para que as zonas de recarga das nascentes: Gil Correia, Borges, Borges Direita, Pico Rachado e Negrão de Baixo, Fonte de Baixo e Cerro não se situem nas proximidades das nascentes. A forma legal, correntemente utilizada para a demarcação das zonas a proteger com vista à manutenção da qualidade das águas das nascentes não será a mais correcta, para proteger captações de nascentes como as referidas no ponto anterior. Pode-se assim concluir ser necessário, proceder a um estudo prévio da zona de recarga de cada uma das nascentes dos Açores captadas para consumo, por se entender que a protecção só se torna eficaz se for feita nas zonas em que efectivamente se processa a infiltração da água da chuva ou da escorrência superficial. A metodologia, testada neste trabalho, parece ser adequada ao estudo de nascentes de caudais reduzidos, não implicando custos económicos elevados para o seu estudo. Crê-se que a sobreposição de informação espacial referente à ocupação do solo, condicionantes orográficas e geológicas e da qualidade química da água da chuva e da água das nascentes, à semelhança do que ocorre nos Sistemas de Informação Geográfica, poderá ajudar a delimitar com alguma eficácia, zonas de recarga de algumas nascentes açorianas.

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